Do Serviço Noticioso Um Mundo A Ganhar (SNUMAG) de 17 de Novembro de 2014, aworldtowinns.co.uk
O seguinte artigo do JNU (Fórum Contra a Guerra Contra o Povo da Universidade Nacional, em Deli) foi publicado no sanhati.org a 19 de Outubro. Foi ligeiramente editado.
O Chattisgarh é um estado da Índia central, parte de uma vasta região de remotas terras florestais que se estende de norte a sul do interior do país. O governo indiano, a coligação UPA encabeçada pelo primeiro-ministro do Partido do Congresso Manmohan Singh, lançou em Outubro de 2009 a Operação Caçada Verde contra a insurreição liderada pelos “naxalitas” (maoistas). A maioria dos habitantes desta região são povos tribais (adivasis) que laboram como trabalhadores de jorna e obtém muito daquilo com que vivem das suas florestas – por exemplo, recolhendo e vendendo folhas para fazer cigarros bidi ou colhendo flores para fazer bebidas alcoólicas. Para privar a insurreição do seu apoio, grupos de vigilantes organizados pelo estado e outras forças de segurança “relocalizaram” 50 mil desses habitantes para esquálidos acampamentos tipo prisão próximos de estradas onde o exército os pode vigiar. A Operação Caçada Verde está agora a ser intensificada pelo novo governo indiano liderado pelo fundamentalista hindu Narendra Modi que, nas suas conversações em Setembro com o Presidente Barack Obama, garantiu o apoio norte-americano. A CRPF é a força policial central.
Em meados de Outubro, fomos informados pela comunicação social de mais um “recontro” e “feroz batalha armada” nos trilhos florestais do distrito de Bijapur, no Chattisgarh. Três “mulheres naxalitas” foram dadas como mortas pelas forças conjuntas de segurança constituídas por cem CRPF e polícias, as quais saíram todas ilesas. Embora em todos estes casos a verdade seja sempre o mais difícil de discernir, todos estes incidentes fazem lembrar-nos dos horrores de Sarkeguda (2012) e Edakmetta (2013), falsos recontros com aldeãos adivasis nesse mesmo distrito de Bijapur – massacres que também foram inicialmente passados pelas forças de segurança como “ferozes batalhas armadas com naxalitas”.
A comunicação social comercial papagueou, claro, o mesmo. Apesar das tentativas desesperadas por parte da polícia, da CRPF e do Ministério do Interior de taparem os buracos, ficou logo claro que, na noite fatal de 28 de Junho de 2012, cerca de 600 forças da CRPF, dos [comandos] Naja e da polícia estadual cercaram o lugar de Sarkeguda e dispararam indiscriminadamente sobre as centenas de adivasis vindos das aldeias vizinhas que se tinham reunido para discutirem os preparativos para o seu festival anual das sementes. Embora o então Ministro do Interior Chidambaram tenha alegado que tinham perseguido “maoistas de linha dura”, de acordo com a própria admissão do então Ministro dos Assuntos Tribais da União [Indiana], das 20 pessoas abatidas, metade eram adolescentes em idade escolar; uma criança que ficou ferida tinha apenas quatro anos de idade; elas não tinham nenhuma arma; e nenhuma delas tinha qualquer antecedente penal.
Uma reprodução quase exacta do mesmo incidente horrendo ocorreu apenas um ano depois na aldeia de Edakmetta, no mesmo distrito de Bijapur. A 20 de Maio de 2013, na profundeza da escuridão, as forças de segurança cercaram os aldeãos reunidos para celebrarem o “Beej Pondum” ou festival das sementes e dispararam indiscriminadamente uma salva de balas, matando oito aldeãos, entre os quais três crianças e outras pessoas com idades entre os 28 e os 30 anos, todas desarmadas. As alegações do governo dissiparam-se rapidamente e esta tem sido a história das brutalidades ou falsos recontros ao longo dos cinco anos da cada vez mais intensificada guerra do estado indiano contra o povo, sob o nome de Operação Caçada Verde.
Cinco anos desde de ter sido iniciada, os beneficiários desta guerra continuam a ser os mesmos, apenas os seus executores mudaram de mãos. A guerra contra o povo que foi anunciada em 2009 pela associação Manmohan-Chidambaram [então Primeiro-Ministro e Ministro do Interior, respectivamente], tem hoje uma associação Modi-Rajnath [os actuais Primeiro-Ministro e Ministro do Interior] ainda mais brutal a prosseguir a caçada. Podemos recordar que, mesmo depois dos falsos recontros de Sarkeguda, quando todos os sectores progressistas e democráticos ficaram indignados com estes assassinatos a sangue-frio, o então Ministro do Interior Chidambaram foi categórico na sua justificação/apoio à CRPF. Ele disse: “O recontro por alguma razão está a ser chamado falso recontro. A CRPF tem dito que não tem nada a esconder, nada a temer. Eu sou o Ministro do Interior e a CRPF está às minhas ordens. Nós temos sido absolutamente sinceros, francos e frontais”. O actual Ministro do Interior, Rajnath Singh, foi um passo mais à frente, ao dizer que, durante a sua tomada de posse como Ministro Principal do Estado do Uttar Pradesh, tinha dado “mão livre” aos agentes da polícia para lidarem com os maoistas e ao garantir-lhes que eles não seriam “incomodados” pela Comissão de Direitos Humanos. E com isto ele prepara o terreno para mais falsos recontros, massacres, fogos postos, pilhagens, tortura e violações por parte das forças de segurança com o total apoio do governo. Isto só mostra a sem-cerimónia com que o estado indiano deseja continuar esta guerra.
Mas ao lado da brutalidade desta sem-cerimónia, o que isto também mostra é um desespero do estado indiano. As grandes empresas, as multinacionais e os monopolistas indianos como os Tata, Birla, Ambani, Adani e Mittal, às ordens de quem a UPA tinha declarado esta guerra para facilitar a pilhagem, o saque e a venda indiscriminadas de triliões de dólares de recursos naturais do núcleo central e oriental dos adivasis da Índia, estão hoje mais famintos de lucros que nunca. Com centenas de acordos governo-empresas para explorar, extrair e vender minérios por uma ninharia agora adiados, eles estão cada vez mais ansiosos em esmagarem a resistência das pessoas que lutam por defenderem a sua vida, modo de vida e dignidade contra o modelo de morte, destruição e deslocação que está a ser patrocinado pelo estado em nome do “desenvolvimento” ou do “progresso”.
Isto era evidente no virulento apoio empresarial por trás da campanha de Modi, na qual ele prometeu cumprir as suas promessas de uma abordagem com mais “mão de ferro” (que a do anterior governo da UPA) para arrasar todos os “obstáculos” ao caminho do “desenvolvimento da nação” (leia-se o caminho da pilhagem desenfreada dos seus recursos). Para cumprir essas promessas, e para deleite das grandes empresas, pouco depois de subir ao poder, Modi eliminou todos os regulamentos ambientais/florestais/de vida selvagem no seu blitzkrieg liquidatário. Em cerca de um mês, o governo deu o seu aval a um número record de 175 projectos. Afastando os peritos independentes, Modi “aligeirou” o Gabinete Nacional para a Vida Selvagem para o tornar mais “amigo do investimento”, o qual por sua vez, num arrebatar record, aprovou em dois dias 133 dos 160 projectos que estavam em espera! Escarnecendo da suposta transparência das instituições públicas, nenhum dos detalhes destas aprovações relâmpago foram tornados públicas para evitar a generalização dos protestos e da indignação.
Para levar o projecto de Chidambaram ao seu culminar lógico, o plano é rever as já debilitadas leis ambientais; distorcer as regras de avaliação de impacto ambiental; reestruturar o Tribunal Verde Nacional; autorizar a extracção de carvão sem nenhuma audição pública; e também retirar o direito dos gram sabhas [conselhos locais] a se oporem a qualquer projecto nas terras dos adivasis. O que está em preparação é uma investida pró-empresas e contra o povo de proporções genocidas.
A concretização destes objectivos implica uma maior intensificação da Caçada Verde para esmagar brutalmente toda a resistência do povo para salvar as suas terras, modo de vida e recursos (que se diz ameaçar o “clima de investimento/desenvolvimento”). Depois de chegar ao governo, Modi já acrescentou mais 10 batalhões da CRPF ao arsenal letal do estado, o qual inclui várias forças de segurança e comandos com o apoio do Exército e da Força Aérea, bem como drones israelitas – e milícias privadas. Do total de 36 batalhões das forças centrais no estado, 29 foram deslocados só para a região de Bastar. Agora, com os 10 batalhões adicionais deslocados uma vez mais para Bastar, isto acrescenta 39 batalhões com quase 30 mil paramilitares nesse distrito, tornando-o uma das regiões mais militarizadas do subcontinente. Para comandante de Bastar, Modi também designou o infame Kalluri, o homem que foi considerado pelos activistas dos direitos democráticos de todo o país responsável pela destruição pelo fogo de 300 casas adivasis em Tadmetla e Morapalli em 2011.
A caça às bruxas às vozes da oposição à Caçada Verde é apenas mais uma extensão da Operação Caçada Verde: Em Outubro, vários grupos democráticos pretendiam organizar uma reunião em Vishakapatnam para denunciar as brutalidades do estado na Operação Caçada Verde e mobilizar a opinião pública contra ela. Mas, para assegurar que nenhuma notícia da guerra do estado contra o povo chegasse aos centros urbanos, vários activistas políticos e das liberdades civis e foram levados sob prisão preventiva para impedir a reunião. Detenções, repressão e amordaçamento das vozes democráticas contra a Caçada Verde têm sido uma característica central desta guerra desde que o seu início em 2009 – sejam eles o Dr. Binayak Sen, Sudhir Dhawale, Sachin Mali, Hem Mishra e muitos outros activistas e organizações populares. Há alguns meses, o professor G.N. Saibaba, um dos organizadores do Fórum contra a Guerra contra o Povo, em Deli, foi da mesma forma perseguido, sequestrado e acusado de uma pletora de falsos delitos pelo estado.
Mas numa altura em que o estado escala esta guerra contra os adivasis e os dalits [os chamados “intocáveis”] mais oprimidos do país para usurparem as suas terras e recursos, o sector democrático progressista tem de se unir e de construir um movimento mais resiliente de solidariedade com a luta deles pelas suas florestas e modo de vida e exigir o fim imediato da Operação Caçada Verde.