Do Serviço Noticioso Um Mundo A Ganhar (SNUMAG) de 20 de Junho de 2011, aworldtowinns.co.uk
Flotilha de Gaza prepara-se para navegar contra a corrente
À medida que uma pequena flotilha se prepara para se agrupar no Mediterrâneo oriental a 25 de Junho e para desafiar o bloqueio naval israelita a Gaza no fim do mês, está a tornar-se claro que esses barcos e navios terão que navegar sobre correntes poderosamente contraditórias. Uma contracorrente de contradições poderá permitir que este protesto pró-palestiniano venha a ter um grande impacto mas, ao mesmo tempo, representa não só um perigo real para as vidas e a segurança desse corajoso grupo, como também difíceis condições políticas em que se deve navegar com cuidado.
As origens deste protesto foram articuladas pela escritora afro-americana Alice Walker, mais conhecida pelo seu romance A Cor Púrpura, que também participa na flotilha. Falando dos esforços israelitas de murar e encarcerar os palestinianos na Cisjordânia e em Gaza, ela disse: “Isto é um crime tão grande contra o espírito de humanidade. Não podemos admitir isto. Quem somos nós enquanto seres humanos, se chegamos ao ponto de aceitar isto? Não podemos aceitar isto. E não devemos.” Reconhecendo que todos os participantes nesta acção enfrentam a possibilidade de serem mortos, apelou a que as pessoas em todo o lado pensassem em como poderiam viver as suas vidas de uma forma que lhes desse um significado. (Entrevista a Ali Abunimah disponível em ElectronicIntifada.net/content/interview-alice-walker-gaza-freedom-flotilla-and-struggle-justice/10090.)
Este protesto é contra um governo, umas forças armadas e uma opinião pública israelitas para quem tudo se justifica com o objectivo de defender a existência de um estado judaico. “Faremos tudo o que tivermos que fazer para impedir que qualquer barco rompa o bloqueio”, disse um alto oficial naval israelita citado pelo The New York Times aos jornalistas a 16 de Junho. “Se houver a mesma violência contra as nossas forças a bordo, há uma muito boa hipótese de haver feridos”. Segundo o Washington Post, ele avisou que “pode haver feridos e vítimas”.
Qual é o “mesmo nível de violência” que poderá alegadamente justificar matar e mutilar activistas? Esta ameaça refere-se ao navio anti-bloqueio Mavi Marmara, abordado a 31 de Maio de 2010 por comandos israelitas aerotransportados e fortemente armados. O “nível de violência” foi este: os israelitas assaltaram o navio em águas internacionais e abriram fogo ainda antes de terem chegado às cobertas. Mataram nove passageiros da Turquia, tendo pelo menos dois deles sido executados quando estavam feridos e estendidos na coberta, e feriram 24 outros, sobretudo com disparos. Os sobreviventes foram espancados e torturados. Entre os atacantes israelitas, não houve nenhuma morte nem feridos de tiros. (Ver o relatório do Conselho de Direitos Humanos da ONU A/HRC/15/21)
O chefe da Marinha israelita, Vice-Almirante Eliezer Macom, forneceu uma justificação política antecipada para “fazer tudo o que tem que fazer” ao chamar aos navios uma “flotilha de ódio que opera sob a capa de fornecer ajuda humanitária à Faixa de Gaza”. Se estes barcos passassem, disse ele, “o Hamas iria ficar equipado com carregamentos não monitorizados de armas e ameaçar o estado de Israel com rockets e mísseis terroristas”. (Haaretz, 19 de Junho)
Estes comentários são particularmente hipócritas tendo em conta o recente acordo assinado entre o Hamas, baseado em Gaza, e a Fatah, que governa a Cisjordânia ocupada por Israel, para reconhecer as fronteiras de 1967 de Israel e cessar os ataques de rockets e outras acções militares contra o estado sionista. (Para mais detalhes, ver o artigo de 7 de Junho do jornalista veterano Robert Fisk no jornal Independent. As linhas gerais desse acordo foram amplamente noticiadas.)
De facto, as próprias décadas de registos de Israel mostram que considera qualquer protesto palestiniano como “terrorista” e sujeito a uma violenta repressão, quer seja armado ou não. Recentemente, os militares israelitas dirigiram os tanques, a artilharia e os tiros de espingarda contra jovens palestinianos incontestavelmente desarmados que se manifestavam a 15 de Maio, o Dia da Nakba que marca a violenta expulsão em 1948 de 750 000 palestinianos do que é hoje Israel, e de novo a 5 de Junho, no aniversário da guerra de 1967 em que Israel tomou a Cisjordânia, Gaza e os Montes Golan.
As autoridades israelitas justificaram esse banho de sangue unilateral alegando que estavam a defender o seu país de uma invasão. Há uma grande mentira embrulhada nisto, já que a própria definição israelita das suas fronteiras está sujeita a expansão. Os Montes Golan, onde foi atingida a maioria dos manifestantes que tentaram atravessar as linhas israelitas, não são considerados parte de Israel, nem sequer pelos países que reconhecem as fronteiras etnicamente limpas pré-1967 de Israel. Eles pertencem à Síria e ao Líbano.
Mas este argumento contém um elemento de verdade: a existência de Israel enquanto estado judaico é inconcebível sem a negação dos direitos dos palestinianos. Se as tropas israelitas não tivessem usado o assassinato e a ameaça de assassinato para fazerem parar os manifestantes pacíficos que levavam chaves simbólicas e tentavam regressar às casas onde eles ou os seus pais ou avós nasceram, isso levaria ao fim do estado judaico. A lógica da defesa do estado judaico explica não só a ausência de direitos dos actuais e anteriores habitantes palestinianos dentro das fronteiras pré-1967 de Israel, como também a necessidade dos sionistas de assegurarem o seu domínio sobre os palestinianos fora dessas fronteiras.
Neste sentido, as alegações israelitas – de que a flotilha ameaça “deslegitimar” Israel e a existência de um estado judaico – são criminosamente facínoras mas não irracionais. Elas reflectem a realidade da contradição entre os colonos numa terra roubada onde um povo é privilegiado e os habitantes originais dessa terra, em grande parte expulsos e sempre oprimidos.
Contudo, esta contradição assenta num contexto mais vasto e mesmo mais complexo através do qual a flotilha de Gaza tem que navegar.
O mais importante determinador desta situação não é Israel mas sim os EUA, já que sem o apoio destes o estado judaico não poderia prevalecer. Uma coisa que torna difícil que muita gente compreenda a situação e aja efectivamente face a ela é a ilusão de que Washington pode tornar-se um contrapeso às políticas mais abertamente violentas de Israel.
Esta ilusão é ilustrada pelo nome que os participantes norte/americanos deram ao seu barco, The Audacity of Hope [A Audácia da Esperança]. Indubitavelmente, para muitos dos participantes, esta utilização do slogan de campanha do Presidente norte-americano Barack Obama não representa um apoio integral a Obama, mas antes uma tentativa de usar a sua própria retórica contra ele.
Por exemplo, a escritora Walker, ao explicar que “estávamos à espera de muito melhor de Obama”, salienta a decepção dela e explica que o apoio dela à “carreira política dele (...) não é incondicional”. Ao comparar esta Flotilha da Liberdade II aos Cavaleiros da Liberdade que “foram recebidos com extrema violência” durante a luta contra a segregação racial no sul dos EUA no inicio dos anos 60, ela faz notar que o Presidente John F. Kennedy, que algumas pessoas pensam erradamente que apoiava o movimento pelos direitos civis, “não via favoravelmente os Cavaleiros da Liberdade e disse que eles estavam a ser provocadores e que deviam abandonar o que estavam a fazer. E isso impressionou-me como sendo quase um paralelo com o que está a acontecer agora.” E ela prossegue, dizendo que embora alguns dos participantes estejam a tentar obter o apoio ou pelo menos a protecção de membros do Congresso, “em algum ponto de todas estas acções apercebemo-nos que estamos por conta própria e que isso é algo que sentimos que temos que fazer porque é um trabalho necessário ao mundo”.
É bem verdade que o governo Obama tentou dissuadir os voluntários da flotilha e que não fez o mais leve aviso a Israel de que seria considerado responsável por quaisquer dos “ferimentos e vítimas” que ameaçou. Mas os EUA não são meramente indiferentes ao destino destes homens e mulheres que se auto-sacrificam e lutam por justiça, trabalham activamente contra eles, tal como o governo Kennedy deixou deliberadamente que turbas e polícias atacassem os Cavaleiros da Liberdade. O governo Obama bloqueou o relatório da ONU sobre o ataque ao Mavi Marmara em 2010 e recusou-se a fazer qualquer protesto pela morte de um cidadão norte-americano, um jovem proveniente da Turquia que o relatório diz ter sido assassinado a sangue-frio. Desta vez, os EUA têm, no mínimo, encorajado a recusa do Secretário-Geral da ONU Ban Ki-moon a pedir uma garantia de passagem para a segunda flotilha, apesar de uma carta aberta de quatro mulheres galardoadas com o Prémio Nobel da Paz, no que parece ser um livre-trânsito para Israel. Em última análise, os EUA é que serão responsáveis por tudo o que lhes aconteça, embora nesta questão não tenha havido nenhuma diferença entre os EUA e a União Europeia.
A política dos EUA em relação a Israel tem que ser vista de vários ângulos. O primeiro é o do carácter profundo da relação dos EUA com Israel.
Uma vez mais, é verdade que Obama reiterou recentemente o antigo apelo norte-americano a uma “solução de dois estados”, um estado judaico dentro das fronteiras de 1967 “com permutas de terras” e um estado palestiniano nas poucas terras que sobrarem. Também é verdade que o primeiro-ministro israelita Benjamim Netanyahu respondeu a isso com uma brusca rejeição durante a visita dele a Washington em Maio. Mas, em vez de representar uma mudança de Obama para uma posição ligeiramente menos reaccionária, a proposta dele reflecte simplesmente os interesses reaccionários mais gerais dos EUA.
Olhando objectivamente para a situação, há poucas razões para Israel não poder viver com uma “solução de dois estados” que vincularia os palestinianos a perderem o interesse na luta pela recuperação da Palestina e, em vez disso, a aceitarem um estado minúsculo, geograficamente desconectado, economicamente inviável, militarmente impotente e inevitavelmente dominado por Israel. O próprio Netanyahu nunca rejeitou totalmente essa opção. Se Israel se recusa obstinadamente a negociar agora, apesar das ofertas documentadas da Autoridade Palestiniana de ceder à maioria das exigências israelitas (ver o arquivo Documentos sobre a Palestina em transparency.aljazeera.net/en/projects/thepalestinepapers/), não é porque isso levaria ao fim do estado judaico (muitos sionistas de topo alegam que isso seria a sua salvação). Esta relutância parece fluir de uma combinação de dois factores. Um é o sentimento de que, porque os palestinianos estão numa posição mais fraca que nunca, esta não é a altura de fazerem “compromissos” mas sim de os esmagarem ainda mais. O outro tem a ver com condições políticas e ideológicas no interior da sociedade israelita.
É uma sociedade em que os fundamentalistas judeus estão a ficar com cada vez mais poder e onde o fanatismo religioso representa um papel cada vez mais central nas forças armadas. Os 400 000 colonos da Cisjordânia tornaram-se nas mais fidedignas tropas de choque do Sionismo porque não podem deixar de ver na sua existência diária o que outros israelitas prefeririam não admitir: que o seu modo de vida depende de negarem violentamente a humanidade a outras pessoas. Num acontecimento notável para um país que se orgulha de ser “democrático” (para os judeus), um velho autor judeu foi recentemente condenado a prisão por um artigo em que especulava que os colonos judeus – que estão melhor armados e treinados que o exército israelita e que fazem ataques regulares para afastarem os seus vizinhos palestinianos – talvez não devessem ser considerados civis. Nestas circunstâncias, as concessões israelitas em questões simbólicas (como em relação a “judaizar” ou não toda a cidade de Jerusalém) teriam poderosas repercussões ideológicas e por isso consequência políticas.
Tudo isto revela a lógica interna do projecto sionista, excepto que os interesses norte-americanos são algo diferentes. No Médio Oriente de hoje, os EUA não se podem permitir ser inseparavelmente identificados com Israel e com cada uma das políticas sionistas. Embora os EUA e Israel tenham colidido no passado, por vezes violentamente, sobretudo agora há uma séria contradição entre os interesses israelitas numa concepção estreita do ponto de vista do próprio estado israelita e das necessidades mais gerais que os EUA enfrentam para imporem e manterem agregada uma configuração regional de regimes que, de uma forma geral (não necessariamente o tempo todo e a todos os níveis), serve os seus interesses. A revolta que varre os países árabes trouxe novas dificuldades aos EUA. Por exemplo, embora o Egipto de Mubarak fosse tudo menos publicamente submisso a Israel, a consolidação de um novo regime amigo dos EUA requer pelo menos uma demonstração de independência egípcia e talvez uma flexibilidade ainda mais real nas relações EUA/Egipto. Foi por isso que o novo governo do Egipto, juntamente com a Síria, desempenharam um importante papel na negociação do acordo Hamas-Fatah: Muitos regimes árabes, e provavelmente os próprios EUA, prefeririam uma “solução de dois estados” à situação actual, talvez insustentável.
Mas, ao mesmo tempo, estas revoltas árabes tornaram o estado judaico estrategicamente ainda mais necessário aos EUA, porque os privilégios do seu povo tornam-no “fidedigno” – do ponto de vista estratégico do domínio norte-americano do Médio Oriente – de uma forma que não se pode imaginavelmente aplicar às massas populares árabes. Muitos judeus israelitas estão a opor-se corajosamente à brutalidade das políticas do seu governo, em condições políticas cada vez mais difíceis. Mas quando os tanques israelitas dispararam sobre jovens palestinianos desarmados na Síria e noutras fronteiras, isso foi geralmente reconhecido como sendo uma “ameaça existencial” ao estado judaico e não houve nenhum clamor generalizado entre os israelitas.
Porém, os EUA e Israel não são os únicos actores reaccionários nesse palco. Num tempo em que as insurreições populares estão a ameaçar a ordem regional protegida pelos EUA, as classes dominantes de vários países estão a manobrar para encontrarem um novo lugar para elas próprias, um lugar que se pode basear numa debilitada capacidade dos EUA de imporem tudo que o que querem mas que não desafie o domínio regional e global norte-americano em geral.
Isto teve um impacto directo na flotilha de Gaza sob a forma de um afastamento de última hora do que era para ser o seu navio-bandeira, o Mavi Marmara, um barco de 500 passageiros que deveria representar a sua continuidade com a flotilha de há um ano e transportar quase metade dos activistas anti-bloqueio. As razões para esta traição são tão complexas quanto repugnantes.
O governo turco opôs-se abertamente à flotilha e pode ser assumido que tem direccionado a negação de licença de navegar para razões relacionadas com os seguros, que foram o motivo citado para o cancelamento da partida do navio. As actuais tentativas da Turquia de estabelecer um domínio regional, incluindo a substituição do Irão como principal influência estrangeira na Síria, requerem tanto um certo distanciamento verbal em relação a Israel como uma cada vez mais próxima relação de trabalho com os EUA na prática. O governo turco chegou mesmo a chamar aos planos para o Mavi Marmara de distracção e possível perigo para os seus esforços de “estabilização” da Síria. Isto significa uma ameaça – ou mais que apenas uma ameaça – de intervenção militar para abortar a revolta popular nesse país e assegurar um desfecho que, de uma forma ou de outra, seja aceitável para a Turquia e para os EUA. Um aumento das tensões com Israel iria contra os esforços turcos, os quais dependem da aceitação deles por Israel como sendo, se não bem-vindos, pelo menos como a solução menos objectável para os “problemas” que essa revolta coloca. Agindo com o apoio implícito dos EUA durante os últimos anos, a Turquia tem patrocinado as negociações Israel-Síria através das quais Bashar al-Assad tentou salvar o seu governo. Embora, a um certo nível, o regime sírio tenha sido um inimigo de Israel, também tem reprimido implacavelmente os palestinianos, e Israel teme o seu fim.
As fontes israelitas também têm tido a liberdade de revelar – dado que o partido no governo da Turquia saiu fortalecido das eleições parlamentares e é menos vulnerável a danos políticos – que o AKP tem estado envolvido em negociações secretas com Israel, com a aprovação dos EUA. Um dos principais tópicos é, segundo as noticias, como encerrar a contenda diplomática sobre o massacre no Mavi Marmara em 2010, de uma forma que salve a face a ambos os lados, o que libertaria a Turquia para agir em relação à Síria com o consentimento dos EUA e de Israel. (Haaretz, 21 de Junho)
Além disso, a IHH, a organização humanitária islâmica que é proprietária do Mavi Marmara, está ligada ao governo turco do AKP e a forças mais fundamentalistas. Certamente que esses islamitas apoiam inteiramente a exigência do seu governo de que o presidente sírio Assad anule a interdição da Irmandade Islâmica síria, e não querem que a fúria israelita se intrometa nesse caminho.
A traição à causa palestiniana estende-se a outras forças islâmicas e de uma forma mais vasta. O acordo Hamas-Fatah pode vir a manter-se ou não, mas a sua assinatura representa um passo ainda maior no abandono do objectivo da libertação palestiniana por essas duas organizações. Isto também pode ser visto na pressão e mesmo na repressão violenta das manifestações palestinianas de 15 de Maio e sobretudo nas de 5 de Junho pelo Hamas e pela Fatah, juntamente com as forças de segurança jordanas e o exército libanês. O Hamas e a Fatah estão unidos na ameaça de virem a pedir o reconhecimento pela ONU de um estado palestiniano em Setembro, caso Israel não reinicie negociações para a criação desse “mini-estado”. Tendo em conta que os EUA teriam que optar entre aceitar que essa moção chegue à ONU ou sofrer o embaraço de vetar a solução que eles próprios propuseram, isto é uma tentativa de usar Washington contra Telavive – não muito diferente da ideia por trás de chamar A Audácia da Esperança ao navio norte-americano da flotilha para usarem Obama contra Obama. Em nome desta tentativa de obtenção da aprovação norte-americana, estas duas organizações precisam de mostrar que podem conter e reprimir as aspirações palestinianas da mesma forma que os ocupantes israelitas o fazem.
Também o Egipto está a desempenhar mais um papel sujo ao supostamente reabrir a fronteira de Rafah com Gaza, permitindo que Israel use isso para alegar que Gaza já não está sob bloqueio, ao mesmo tempo que restringe fortemente o número de pessoas autorizadas a passar a fronteira e proíbe todas as importações e exportações. (Um texto colocado a 16 de Junho no sítio internet Gisha fornece detalhes.) Os países europeus, a Turquia e os responsáveis da ONU alegam que a reabertura de Rafah significa que a flotilha já não se justifica.
Em suma, os palestinianos podem parecer estar “por sua própria conta” numa situação em que todos os estados estão contra eles. De certa forma, esta é “a mais negra das noites” que o povo palestiniano alguma vez enfrentou, como lhe chamam alguns palestinianos radicais, mas tem que se reconhecer que nenhum desses estados alguma vez apoiou inteiramente a causa palestiniana e que as estratégias de libertação da Palestina baseadas em esperanças numa ajuda consistente de estados e forças reaccionárias sempre foram um sério obstáculo ao movimento palestiniano.
Esta situação é muito difícil para os palestinianos, politica e geograficamente, dada a divisão deles em Gaza e Cisjordânia, a fragmentação pelo ocupante da própria Cisjordânia em parcelas entre as quais o contacto é difícil, a quase omnipresença das tropas de ocupação e a ausência de qualquer zona de retaguarda para a luta. As estratégias do passado para a libertação mostraram ser um fracasso, e torna-se necessária uma profunda reflexão e uma nova análise dos objectivos revolucionários e dos caminhos para os alcançar.
Mas há alguns factores muito favoráveis.
Há a chegada ao palco de luta de uma nova geração de palestinianos com uma determinação renovada, em vez da fadiga que pesa sobre muitos dos mais velhos. Todos os que almejam a libertação da Palestina ficaram animados com a visão de milhares de jovens entusiásticos a descer as colinas vindos dos campos de refugiados na Síria e no Líbano para enfrentarem o exército israelita.
Há a maré de revolta que emerge no Norte de África e Médio Oriente. Tem obtido vitórias e tropeçado em obstáculos, mas forçou todos os reaccionários a terem-na em conta. Isto tem encorajado muito os jovens palestinianos, tal como o ódio à ocupação da Palestina e a submissão dos governos árabes aos EUA, e sobretudo a Israel, tem sido um factor das próprias revoltas. Nunca nas últimas décadas o alinhamento de estados da região dependentes dos EUA e tolerantes a Israel enfrentou uma ameaça maior. Foram abertas grandes fendas na “estabilidade” reaccionária dentro da qual os palestinianos e outros povos árabes têm estado encarcerados.
E há o apoio aos palestinianos em todo o mundo, incluindo na Europa e nos EUA, de pessoas que não podem aceitar a injustiça, e daqueles que percebem que têm uma causa comum com os palestinianos na oposição a uma ordem mundial injusta, opressora e exploradora que ultimamente tem visíveis fendas potenciais em mais de um continente. A causa palestiniana tanto beneficia da incipiente instabilidade actual nessa ordem mundial como é uma alavanca particularmente poderosa para a fazer estalar ainda mais.
Estas são as principais correntes nos mares em que a flotilha se prepara para navegar. Quando a flotilha se aproximar de Gaza no final de Junho, muitas pessoas em todo o mundo irão movimentar-se para a apoiar – sustendo a respiração.