Do Serviço Noticioso Um Mundo A Ganhar (SNUMAG) de 23 de Fevereiro de 2015, aworldtowinns.co.uk

Egipto: O assassinato de Shaimaa al Sabbagh

Imagem do assassinato de Shaimaa al Sabbagh a 24 de Janeiro por polícias de choque mascarados

Imagem do assassinato de Shaimaa al Sabbagh a 24 de Janeiro por polícias de choque mascarados

Imagem do assassinato de Shaimaa al Sabbagh a 24 de Janeiro por polícias de choque mascarados
Imagens do assassinato de Shaimaa al Sabbagh a 24 de Janeiro por polícias de choque com máscaras, quando ela se dirigia para a Praça Tahrir no Cairo (Fotos: Youm Al Saabi Newspaper [1ª foto]; Emad El-Gebaly/Agence France-Presse/Getty Images [2ª e 3ª fotos])
O funeral de Shaimaa al Sabbagh
O funeral de Shaimaa al Sabbagh
(Foto: Mahmoud Taha/European Pressphoto Agency)

A 24 de Janeiro de 2015, uma jovem mulher, Shaimaa al Sabbagh, descrita como mãe, poetisa e de esquerda, foi abatida a tiro pela polícia próximo da Praça Tahrir no Cairo. Nas mãos dela estavam flores que ela pretendia deixar numa cerimónia evocativa das mais de 800 pessoas mortas durante a revolta que em Janeiro de 2011 derrubou o Presidente Hosni Mubarak. Um fotógrafo captou o momento da morte dela. Agora, ela está a ser chamada “um símbolo da oposição ao regime militar egípcio” ou “um símbolo da revolução”.

Esta é a história que a comunicação social egípcia nos conta sobre a morte dela, mas não responde à questão de se saber porque é que isto aconteceu. Ela e os amigos pertenciam a um grupo laico. Eram apenas 25 pessoas, e a manifestação deles durou apenas dois minutos. Num vídeo, pode ver-se um polícia com uma espingarda que faz pontaria e dispara sob a orientação de um oficial, sem qualquer aviso. Porquê?

Para responder a esta pergunta, devemos ler as notícias egípcias desses dias:

  • No início deste ano, um tribunal egípcio condenou 230 pessoas a prisão perpétua, entre as quais um proeminente activista da insurreição de 2011. Outras trinta e nove pessoas acusadas, todas menores, foram condenadas a 10 anos de prisão. Todos os 269 acusados foram considerados culpados de participar em confrontos com as forças de segurança em manifestações na Praça Tahrir contra os militares, em Novembro de 2011 (as batalhas no Ministério do Interior).
  • Cerca de duas dezenas de pessoas presas e condenadas por terem desafiado em Novembro de 2013 uma lei contra as manifestações sem autorização obtiveram o direito a um novo julgamento. Um tribunal de recurso anulou os anteriores veredictos e penas. A 23 de Fevereiro, elas foram então novamente condenadas e sentenciadas, desta vez a cinco anos para os considerados líderes, como o conhecido blogger Alaa Abd el-Fattah, e três anos para os restantes, no que as autoridades chamaram um acto de “indulgência”. Os jovens troçaram dos juízes e das famílias deles, que entraram na sala do tribunal a gritar “Abaixo a injustiça!”, saindo gritando “Abaixo o regime militar!”
  • A 2 de Fevereiro, um tribunal egípcio condenou à morte 183 apoiantes da Irmandade Muçulmana.
  • A 25 de Janeiro, aniversário da revolta de 2011, foram mortos 17 manifestantes em protestos contra o regime.

Com todos estes acontecimentos, o regime egípcio encabeçado pelo Presidente Abdel Fattah Al-Sissi está a enviar uma clara mensagem às pessoas: independentemente de quem és ou do que queres, se pretenderes mudar alguma coisa serás encarcerado, e se vieres para as ruas serás abatido.

Embora os EUA tenham exprimido publicamente aversão a alguma desta repressão, apoiaram totalmente Sissi quando este, como chefe das forças armadas, derrubou o governo eleito da Irmandade Muçulmana, e continuam a financiar totalmente essas mesmas forças armadas. Algumas pessoas dizem que esta situação resulta da falta de democracia, mas Sissi tornou-se presidente em eleições reais. Muitas pessoas como Shimaa al Sabbagh apoiaram-no por oposição à Irmandade, depois de antes terem apoiado a Irmandade contra os militares.

A que é frequentemente chamada Revolução Egípcia foi uma justa insurreição contra Mubarak, que governou o Egipto em nome dos EUA desde antes que muitos dos jovens rebeldes tivessem sequer nascido. Mas não houve nenhuma mudança revolucionária no estado (forças armadas, polícia, tribunais, etc.) e na sociedade egípcia. Mesmo a mudança de regime acabou por ser parcial e temporária nestas condições. As pessoas continuam a ser abatidas, exactamente pela mesma polícia que matou 846 pessoas, feriu 6467 e prendeu 12 mil pessoas durante a insurreição. Elas são encarceradas pelo mesmo sistema judicial, sob a supervisão das forças armadas que os EUA cuidadosamente cultivaram. Este regime e os seus tribunais chegaram mesmo a ilibar o próprio Mubarak de ter conspirado para matar manifestantes antes de ter sido derrubado.

A história da morte de Shaimaa al Sabbagh também tem um outro lado. Vejamos novamente as notícias egípcias. Esta não foi a primeira vez que a comunicação social mostrou jovens mulheres manifestantes a ser punidas no Egipto. Recordemos a “mulher do sutiã azul”, que foi brutalmente espancada pela polícia de choque de Sissi em 2011. Recordemos as mulheres que foram presas pela polícia militar de Sissi na Praça Tahrir em Março de 2011 e forçadas a submeter-se a “testes de virgindade”, a ser humilhadas e gravadas em vídeo e expostas pelos soldados e oficiais do exército. Recordemos a violação em grupo de mulheres na Praça Tahrir durante as massivas manifestações. Porque é que as mulheres estão no centro das notícias políticas egípcias?

É uma espada de dois gumes. Embora essas notícias na comunicação social mostrem que as reivindicações das mulheres continuem a ser tão sérias como sempre, elas também dizem às mulheres o tipo de perigos que as espera se saírem às ruas. Numa sociedade tradicional e religiosa como a egípcia, a morte não é considerada a pior coisa que pode acontecer a uma mulher. Vejamos novamente as notícias: violações em grupo, testes de virgindade, uma mãe que é abatida e que deixa só o seu filho de cinco anos.

As piores coisas que podem acontecer a uma mulher numa sociedade patriarcal são: perder a honra familiar e não ser uma boa mãe. Seria claramente de rir ouviu dizer que a polícia tinha forçado homens a passarem por um “teste de virgindade”. Alguma vez alguém ouviu um activista homem ser descrito como pai? Alguma vez se ouviu falar do filho dele de cinco anos à espera que ele regresse? As sociedades patriarcais nunca falam de uma mulher como activista política ou pessoa de inclinação revolucionária que quer mudar a sociedade dela e, no decurso disto, quer florescer como ser humano, apesar de todos os riscos. Os fazedores de opinião dizem sempre que uma mãe deve pensar nos filhos dela antes de qualquer outra coisa, que ela se deve preocupar com a honra familiar mais que qualquer outra coisa. Esta sociedade manda constantemente esta mensagem às mulheres: se querem ter reivindicações sérias de mudança da sociedade, pensem melhor no preço que têm de pagar.

A fotografia da morte de Shaimma al Sabbagh é muito poderosa. Há algo nessa imagem que nos faz lembrar a frase: “Prefiro morrer de pé que viver de joelhos”.

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