Do Serviço Noticioso Um Mundo A Ganhar (SNUMAG) de 12 de Janeiro de 2004, aworldtowinns.co.uk

Como o Rei do Nepal chegou ao poder absoluto

No papel, o Nepal é uma monarquia constitucional, ou seja, um estado onde o poder do rei está limitado pela lei e é partilhado com o parlamento. Mas, de facto, o rei feudal tomou todo o poder nas suas próprias mãos, com o seu poder cada vez mais abertamente baseado no Exército Real que, por sua vez, é apoiado pelos EUA.

A folha de parra da monarquia constitucional caiu por terra quando o rei Gyanendra dissolveu o parlamento, derrubou o governo e designou o seu próprio primeiro-ministro e gabinete em Outubro de 2002. Desde então, tem cada vez mais adoptado medidas fascistas tanto em relação à Guerra Popular dirigida pelo Partido Comunista do Nepal (Maoista) e os agora desempregados partidos parlamentares reaccionários. O actual Ministro das Finanças do rei (e ex-primeiro-ministro) Prakash Chandra Lohani declarou recentemente que qualquer crítica ao rei ou ao seu governo já não seria tolerada.

Citando Lohani num discurso feito a 20 de Dezembro no distrito de Morang, no Nepal oriental, a página da internet Kantipuronline escreveu: “Lohani disse que é ilegal fazer declarações provocatórias contra a monarquia e o governo. E acrescentou que o governo não deixaria de fazer todos os esforços para castigar essas pessoas que criticam a monarquia.”

Isto é um regresso ao espírito do sistema Panchayat, quando o país era dirigido pelos conselhos (Panchayats) de nobres feudais, com o rei como autoridade suprema, e todos os partidos políticos eram proibidos. O rei Birendra foi forçado a abandonar esse sistema em 1990 por uma insurreição popular que culminou duas décadas de movimentos de massas. Gyanendra, o irmão de Birendra, apoderou-se do trono em 2001, depois de um massacre da maior parte da família real que se crê que o próprio Gyanendra tenha ordenado.

Seja uma monarquia constitucional com um parlamento ou uma monarquia absoluta, o Nepal é a ditadura de uma minúscula classe dominante capitalista burocrática e feudal, há muito tempo mantida no poder pela Índia e pelas potências imperialistas ocidentais. Em 1996, sob a direcção dos maoistas, o povo nepalês iniciou uma guerra pela sua emancipação. Avançou com uma força tal que hoje a maior parte das zonas rurais está sob domínio revolucionário de um novo estado do povo com base nas aldeias. O velho estado reagiu com uma fúria implacável e matou mais que 8000 dos melhores filhos e filhas do Nepal, incendiando aldeias, violando e assassinando civis, saqueando casas, torturando milhares de pessoas e fazendo desaparecer centenas de pessoas.

Não foi nem o estado nem as suas leis que impuseram qualquer limite à repressão estatal, mas sim a luta das massas. Recentemente, alguns líderes estudantis foram presos por gritarem palavras de ordem contra o rei e o governo. Porém, confrontado com poderosos protestos estudantis diários em Katmandu, o velho estado foi forçado a libertá-los, e o movimento continuou.

O modo como o autocrata feudal ficou completamente dependente do exército foi recentemente descrito por Jaya Prakash Prasad Gupta, ex-ministro do governo de Deuba. Ele falou abertamente porque enfrenta enormes acusações de corrupção e não tem nenhuma esperança de voltar ao seu cargo.

Em 2002, Gupta vangloriou-se que o governo de Deuba eliminaria o movimento dirigido pelos maoistas em três a seis meses. Agora, solicitado a fazer um comentário sobre o humilhante fracasso da sua previsão, respondeu que essa era a opinião de todo o aparelho de estado nessa altura.

Uma solução política para a Guerra Popular, proposta pelos maoistas, teria requerido profundas mudanças políticas, sociais e económicas, incluindo uma transformação constitucional. A classe dominante não estava preparada para isso. A polícia armada não conseguiu eliminar a Guerra Popular e, por isso, a classe dominante aceitou confiar no exército.

Gupta enfatizou que a decisão de chamar o exército foi aprovada pelo governo de Deuba, pela oposição parlamentar e pelo rei.

Gupta também disse que enquanto decorriam as negociações entre o governo e os maoistas na altura do governo de Deuba, um encontro de todos os partidos monárquicos ou parlamentares, do governo e da oposição (com as discussões mais importantes mantidas em segredo) decidiu que não aceitariam nenhuma mudança importante da constituição, sobretudo não a abolição da monarquia.

O estado de emergência foi imposto com base nesse acordo. O Exército Real declarou que se os maoistas não aproveitassem as negociações para abandonar qualquer esperança de revolução, então “podemos encurralá-los dentro de três a seis meses”.

Questionado sobre porque emitira o governo um mandado Interpol (dito de “Canto Vermelho”) para a prisão dos líderes do PCN(M) e oferecera uma recompensa pelas suas cabeças, Gupta repetiu que acreditavam que podiam “conter” os maoistas em três meses. “Sentíamos que com as operações unificadas da polícia e do Exército Real, poderíamos desorganizar os maoistas e destruir os seus centros de treino. Isso levá-los-ia a concordar com negociações” (isto é, a concordar com a posição do governo de que as negociações deveriam conduzir a um regresso à situação social anterior à guerra, não a uma mudança social de fundo).

Gupta continuou, “Quando emitimos o mandado de ‘canto vermelho’, acreditávamos que os líderes maoistas seriam detidos na Índia. Mas nenhum deles foi preso. Apesar da recompensa oferecida aos que se rendessem, nem uma única arma foi entregue durante esse processo. Não houve nenhuma indicação de que qualquer maoista tenha sido denunciado por alguém que cobiçasse a recompensa. O exército não pôde ser mobilizado com as mesmas expectativas.” (No início do estado de emergência, o velho estado reaccionário pensou que o Exército Real seria a arma mágica para conter ou derrotar a Guerra Popular, mas, pelo contrário, foi humilhado no campo de batalha.) “Tudo falhou. E, ao fim de seis meses, tínhamos chegado à conclusão que um passo político deveria ser novamente dado.”

O governo chegou então a um acordo com o PCN(M) para começar uma nova ronda de negociações, concluiu Gupta. “Nessa altura, chegámos a um entendimento com os maoistas, um entendimento para declarar novamente um cessar-fogo a 6 de Outubro.” Mas o rei Gyanendra demitiu o governo de Deuba a 4 de Outubro de 2002. De qualquer modo, o deteriorar da situação obrigou o rei a aceitar uma nova ronda de negociações em Janeiro de 2003, mas, sete meses depois, o PCN(M) anunciou que as negociações se tinham tornado “irrelevantes” por causa das violações do acordo de cessar-fogo por parte do Exército Real e da recusa da monarquia em encarar o seu próprio fim através de uma assembleia constitucional e do estabelecimento de uma república.

A entrevista a Gupta tornou claro que nem o rei nem os partidos parlamentares alguma vez tiveram a intenção de permitir que houvesse qualquer verdadeira mudança por meios pacíficos, através de negociações. Pelo contrário, estavam a conspirar contra o povo e a revolução. Ironicamente, apesar de os parlamentaristas estarem desesperados por aceitar o sistema encabeçado pelo rei, o rei acabou por decidir que não tinha nenhuma utilidade para eles. Nenhum deles quer aceitar a vontade do povo e a mudança revolucionária que o povo mostrou estar determinado a alcançar através do seu apoio e participação na guerra revolucionária.

Desde essa altura, a guerra popular progrediu enormemente. Segundo o Boletim de Informação Maoista publicado pelo PCN(M) (www.cpnm.org), “isso obrigou os assassinos a soldo da monarquia despótica a retirarem-se para os quartéis recentemente fortificados em algumas áreas estratégicas, e mais de oitenta por cento do país passou para o controlo das forças revolucionárias.”

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