Do Serviço Noticioso Um Mundo A Ganhar (SNUMAG) de 3 de Janeiro de 2011, aworldtowinns.co.uk
Cisjordânia: Israel responde à não-violência com o assassinato
Porque é que Israel infligiu tanto sofrimento aos filhos de Subhiyeh Abu Rahmeh?
O seu filho Abdullah foi um dos iniciadores dos protestos não armados e essencialmente não violentos que têm ocorrido em Bilin todas as sextas-feiras há quase seis anos. Os habitantes da aldeia exigem o desmantelando do muro israelita que os corta da maior parte dos seus olivais e de outras terras agrícolas que legalmente ainda lhes pertencem. Um colonato israelita construído em terras que lhes foram retiradas nos anos 80 situa-se do outro lado da dupla fileira de cercas de arame farpado.
Abdullah foi preso em Dezembro de 2009 por organizar essas manifestações. E continua na prisão. Uma das acusações contra ele é a posse de armas: as cápsulas usadas de gás lacrimogéneo e as balas disparadas contra os manifestantes que ele recolheu para montar uma exposição que expusesse as forças de segurança israelitas.
O outro filho, Ahmad, disse uma vez à BBC que acreditava na paz e numa solução de dois estados para a ocupação israelita. Usava uma T-shirt que mostrava as bandeiras israelita e palestiniana lado a lado, que é supostamente o que o governo israelita e os EUA estão a tentar promover.
Mas essa posição não ajudou o seu irmão Ashraf, que foi apanhado pelos soldados israelitas em 2008 num protesto na vizinha aldeia de Naalin. Com ele deitado no chão, amarraram-lhe as mãos atrás das costas e puseram-lhe um capuz sobre a cabeça, levantaram-no e amarraram-no a um jipe. Agindo sob as ordens de um tenente-coronel, um soldado segurou-o enquanto outro lhe disparou sobre a perna com uma cápsula de gás lacrimogéneo quase à queima-roupa. Ashraf sobreviveu para acusá-los, mas o processo continua por resolver, embora todo o incidente tenha sigo registado em filme.
Em Abril de 2009, o irmão deles, Bassem, estava na linha da frente da marcha semanal contra o muro. Quando chegaram à esquina, os soldados israelitas que, como sempre, estavam à espera deles, começaram a disparar gás lacrimogéneo. Alguns dos manifestantes mais decididos avançaram mesmo assim para a cerca. A uns 30-40 metros de distância dos soldados, atrás dos outros manifestantes, Bassem gritou em hebraico: “Estamos aqui num protesto não violento, há crianças e pessoas internacionais...” Antes de conseguir acabar a frase, um soldado disparou-lhe para o tórax uma cápsula de gás lacrimogéneo de alta velocidade.
Foi o mesmo tipo de novo projéctil letal chamado “o rocket” que tinha sido disparado contra a cabeça de um participante norte-americano numa marcha numa aldeia vizinha algumas semanas antes e que o deixou em coma até hoje.
Bassem, de 29 anos, caiu ao chão torcendo de dor e morreu de seguida. Também este tiro foi filmado, mas desta vez não houve nenhuma acusação. O exército israelita divulgou recentemente uma decisão formal de que não iria haver nenhuma investigação.
As pessoas em Bilin crêem que Bassem, um proeminente activista não violento bem conhecido dos soldados e claramente visível com uma camisola verde florescente, foi especificamente escolhido para ser assassinado. Peritos em balística que examinaram as duas gravações vídeo concluíram que a granada foi disparada directamente contra ele e não para o chão, ao contrário das supostas regras israelitas de uso dessa arma. Os soldados provavelmente também sabiam quem era o seu irmão Ashraf quando usaram a mesma arma para o castigarem por se manifestar.
A marcha realizada a 31 de Dezembro de 2010 foi maior que o habitual, com centenas de pessoas a participar no protesto para marcar o fim do ano. Uma delas foi a filha de Subhiyeh Abu Rahmeh, Jawaher, uma professora de jardim infantil que também tem trabalhado como alfaiate desde que a sua família ficou largamente dependente dos rendimentos dela.
Os soldados israelitas dispararam um número invulgarmente elevado de cápsulas de gás contra os manifestantes. Jawaher desfaleceu, incapaz de respirar, e entrou em convulsões. Foi levada para um hospital em Ramallah, mas o pessoal médico não conseguiu salvar essa mulher de 36 anos. Foi declarada morta na manhã seguinte. As autoridades israelitas recusaram-se a identificar o tipo de gás que os médicos dizem que a matou.
Três mil pessoas assistiram ao funeral dela no primeiro dia do ano novo. Em Telavive, centenas de pessoas que protestavam contra a morte dela concentraram-se frente ao ministério da defesa onde foram atacadas pela polícia. Cerca de uma dúzia de pessoas foram presas, acusadas de posse de armas quando os manifestantes tentaram “devolver” as cápsulas vazias de gás lacrimogéneo fornecidas pelos EUA à residência do embaixador norte-americano.
Bilin e Naalin situam-se a norte de Ramallah. Os israelitas consideram-nas zonas imobiliárias de primeira qualidade porque estão tão perto de Telavive que por vezes se podem ver as praias da cidade a partir dos telhados do colonato judaico acima de Bilin. A aldeia foi murada do mar e de cerca de 200 hectares de terras dos seus habitantes, que os sionistas esperam ser para sempre.
Os protestos nestas duas aldeias da Cisjordânia são frequentemente citados como exemplos do tipo de movimento não violento que poderia levar a concessões de Israel através de pressão moral e política. Um filho de Martin Luther King e um neto de Mahatma Gandhi fizeram visitas simbólicas a esta zona em 2010. Os seus organizadores têm treinado os habitantes das aldeias em tácticas de resistência não violenta e por vezes na filosofia pacifista. São apoiados pelo movimento Fatah, a principal organização da Autoridade Palestiniana que funciona como parceiro local perseguido dos israelitas na Cisjordânia e que há muitos anos tenta negociar uma solução de dois estados. A sua insistência na não-violência está ligada à sua convicção de que o apoio norte-americano é a sua única esperança. Algumas pessoas apoiam este movimento como exemplo de “protesto legítimo”, em oposição à “ilegitimidade” dos que defendem a libertação da Palestina por todos os meios necessários.
Além disso, estes protestos têm o direito internacional do seu lado. O Tribunal Internacional de Justiça de Haia declarou o muro israelita como ilegal e mesmo o Supremo Tribunal israelita decidiu há mais de três anos que algumas das terras dos habitantes de Bilin lhes deveriam ser novamente tornadas acessíveis, embora estas decisões nunca tenham tido efeito.
Apesar disso, estes protestos têm tido que enfrentar repetidamente espancamentos, prisões, granadas de atordoamento, gás lacrimogéneo, balas de borracha e balas reais. Até ao início de 2010, cerca de 1200 participantes nas marchas semanais tinham sido feridos e 85 tinham sido presos. Alguns ainda estão nas prisões israelitas. Desde que as manifestações tiveram início em Fevereiro de 2005, altura em que começou a construção do muro em Bilin, o exército israelita já assassinou 21 manifestantes.
Os soldados israelitas mataram dois dos seis filhos de Subhiyeh Abu Rahmeh, feriram gravemente um terceiro e encarceraram um quarto para tentarem impedir estas marchas de protesto e castigarem os participantes nelas, sejam violentos ou não. O facto de estarem a lutar pela recuperação da terra palestiniana tem sido suficiente para justificar uma violenta repressão.
Na realidade, Israel por vezes mata palestinianos que não estão envolvidos em nenhum tipo de resistência. Dois dias depois de os soldados terem matado Jawaher Abu Rahmeh em Bilin, também abateram um jovem trabalhador agrícola palestiniano que atravessava um posto de controlo da Cisjordânia para ir trabalhar para os colonos israelitas. Ahmad Maslamani tinha passado por um detector de metais e aparentemente deu uma volta errada ao sair da zona do posto de controlo. Os responsáveis militares israelitas começaram por alegar que os seus soldados se tinham sentido ameaçados por Maslamani porque pensaram que ele levava uma garrafa de água, o que aos seus olhos constituía uma arma. Depois, quando testemunhas disseram que ele tinha as mãos vazias, disseram que a morte se deveu a um “erro”. Para Israel, qualquer palestiniano é um inimigo potencial.
Porque o estado sionista foi erguido em terras roubadas, e porque um estado definido como judeu não pode existir sem negar os direitos dos palestinianos, Israel irá sempre sentir-se obrigado a usar violência contra eles. Os seus soldados matam mesmo quem defenda qualquer tipo de coexistência com Israel, palestinianos e mesmo alguns judeus e outras pessoas, porque o único tipo de paz que Israel alguma vez pode aceitar é aquele em que a causa palestiniana seja esmagada. O apelo à justiça é uma “ameaça existencial” ao estado sionista porque nunca poderá haver justiça enquanto ele existir.
Este estado colonizador militarizado é um pilar central do domínio norte-americano no Médio Oriente. E enquanto o governo Obama vocifera perante o que considera serem violações de direitos na China e na Rússia, nada diz sobre nenhum destes assassinatos. A continuação do fornecimento de armas e apoio financeiro a Israel é considerada um dado adquirido por figuras políticas de ambos os lados da política norte-americana.
Foram israelitas que dispararam os projécteis mortais que puniram os filhos de Subhiyeh Abu Rahmeh, mas as armas eram norte-americanas. Bassem e Jawaher morreram, em última análise, porque estavam no caminho dos interesses norte-americanos.
(Ver bilin-village.org)