Do Serviço Noticioso Um Mundo A Ganhar (SNUMAG) de 7 de dezembro de 2015, aworldtowinns.co.uk
“casa” de Warsan Shire
O seguinte poema expõe a hipocrisia dos governos do mundo que fecham as suas fronteiras a uma crise humana: a vaga de seres humanos que fogem de condições de vida intoleráveis criadas pelo funcionamento de um sistema imperialista que resulta numa desigualdade obscena, injustiças em espiral, guerras, invasões e ocupações. Foi escrito por Warsan Shire, uma autora e educadora de 23 anos de origem somali, nascida no Quénia e a viver em Londres. Amplamente reproduzido na internet, fala cruamente sobre os argumentos que a maioria dos governos e dos reacionários de todo o mundo estão a usar para declarar que as pessoas dos países oprimidos não têm os mesmos direitos que aquelas que por acaso nasceram nos países que os oprimem. [NT: Uma versão deste poema em português do Brasil está disponível em: tomazizabel.blogspot.pt/2015/09/traducao-casa-de-warsan-shire.html. Um vídeo com a leitura do poema em inglês e legendado em castelhano foi acrescentado no final desta página.]
ninguém sai de casa a menos que casa seja a boca de um tubarão só corres para a fronteira quando vês a cidade inteira a correr também os teus vizinhos correndo mais rápido que tu respirando sangue nas gargantas deles o menino com quem ias à escola que te beijou estonteantemente atrás da velha fábrica de latão está a empunhar uma arma maior que o corpo dele tu só sais de casa quando a casa não te deixa ficar. ninguém sai de casa a menos que a casa te persiga fogo debaixo dos pés sangue quente na tua barriga não é algo que já tenhas pensado fazer até a lâmina queimada ameaçar entrar no teu pescoço e mesmo assim ainda levaste o hino sob a tua respiração só rasgando o teu passaporte na casa de banho do aeroporto soluçando enquanto cada pedaço de papel deixava claro que não ias mais regressar. tens de entender, que ninguém coloca os seus filhos num barco a menos que a água seja mais segura que a terra ninguém queima as palmas das suas mãos sob trens debaixo de vagões ninguém passa dias e noites no estômago de um camião alimentando-se de jornais a menos que os quilómetros viajados signifiquem algo mais que a jornada. ninguém rasteja sob cercas ninguém quer ser espancado comiserado ninguém escolhe os campos de refugiados ou as revistas corporais em que o teu corpo fica dorido ou a prisão, porque a prisão é mais segura que uma cidade de fogo e um guarda prisional à noite é melhor que um camião carregado de homens que se parecem com o teu pai ninguém conseguiria aguentar isso ninguém conseguiria digerir isso a pele de ninguém seria suficientemente dura os vão para casa, negros refugiados imigrantes sujos requerentes de asilo que sugam o nosso país até o secarem pretos com as mãos estendidas eles cheiram estranho selvagens estragaram o país deles e agora querem estragar o nosso como é que as palavras os olhares nojentos escorrem pelas tuas costas talvez porque o golpe é mais suave que um membro decepado ou as palavras são mais macias que catorze homens entre as tuas pernas ou os insultos são mais fáceis de engolir que o entulho que os ossos que o corpo do teu filho em pedaços. eu quero ir para casa, mas casa é a boca de um tubarão casa é o cano da arma e ninguém sairia de casa a menos que a casa te tenha perseguido até à praia a menos que a casa te tenha dito para apressares as tuas pernas deixares as tuas roupas para trás rastejares pelo deserto vagueares pelos oceanos afundares-te seres salvo teres fome mendigares esqueceres o orgulho a tua sobrevivência é mais importante ninguém sai de casa até a casa ser uma voz suada ao teu ouvido que diz – sai, foge de mim agora não sei no que me tornei mas sei que qualquer lugar é mais seguro que aqui
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