Do Serviço Noticioso Um Mundo A Ganhar (SNUMAG) de 8 de maio de 2017, aworldtowinns.co.uk
“As pessoas aqui não têm uma verdadeira vida. Apenas estamos a sobreviver. Somos almas mortas em corpos vivos. Somos apenas cascas. Não temos nenhuma esperança nem motivação.”
Foi isto que disse uma refugiada a um investigador da Amnistia Internacional sobre a vida em Nauru. Ela procurou asilo na Austrália mas, em vez disso, foi violentamente transferida para essa minúscula ilha do Pacífico e aí mantida. Ela não estava a fazer apenas uma declaração poética. Estava a falar de uma mulher somali de 21 anos, Hodan Yasin, que atiçou fogo a si mesma em maio de 2016, e do iraniano Omid Masoulmali, de 23 anos, que também se autoimolou em Nauru e que, no caso dele, assim acabou com a vida. Esta é a mensagem dos mais de 60 refugiados nessa ilha que cometeram suicídio ou tentaram mutilar-se para escaparem a um cativeiro insuportável. Tudo isto é resultado do abuso extremo, dos maus-tratos e da tortura mental e psicológica deliberada que o governo australiano tem infligido aos refugiados que tentam chegar à Austrália por barco.
Os barcos que transportam milhares de refugiados, sobretudo do Irão, do Iraque, do Afeganistão e de países do Sul da Ásia, há muitos anos que se têm dirigido para a Austrália. Alguns deles nunca conseguiram lá chegar. Muitos dos barcos eram velhos e estavam em mau estado. Quando se viravam no Oceano Índico entre a Indonésia e a Austrália, ninguém ia em socorro deles. Muitas vidas foram perdidas devido à indiferença das autoridades australianas. As chamadas de SOS ficaram sem resposta. Testemunhas sobreviventes relataram situações em que a guarda costeira foi contactada e prometeu enviar ajuda, mas nunca chegou nenhuma ajuda. Tornou-se cada vez mais óbvio que a indiferença da guarda costeira era uma negligência deliberada. As novas leis entretanto propostas eram tão brutais que muitas pessoas não podiam acreditar que seriam aprovadas, já para não falar em implementadas. Contudo, elas foram aprovadas no parlamento pelos principais partidos e impostas pelo governo de coligação que chegou ao poder em 2013.
A “Operação Fronteiras Soberanas” pôs o exército ao comando das operações de asilo. Eles intercetavam os barcos no mar e levavam os seus passageiros para uma de duas ilhas longínquas no Oceano Pacífico, Nauru e Manus (que faz parte da Papua-Nova Guiné). Estas duas nações são dominadas pela Austrália. Supostamente, a permanência forçada dos refugiados seria temporária enquanto o seu pedido de asilo fosse processado. Mas os meses prolongaram-se para anos, e durante esses anos as leis anti-imigrantes tornaram-se ainda mais duras.
Na sequência de mais uma lei anti-imigrantes em 2014, os navios militares que agora patrulham as águas australianas tomam e capturam os barcos migratórios, rebocando-os de volta à Indonésia ou mandando-os de volta em barcos insufláveis ou em botes salva-vidas. Isto cortou o fluxo de requerentes de asilo em Nauru e Manus, mas aqueles que aí estão retidos têm poucas perspetivas de sair. Agora, mesmo quando os requerentes de asilo são considerados refugiados, é-lhes dito que nunca serão autorizados a entrar na Austrália. Em vez disso, têm que se instalar em Nauru ou na Papua-Nova Guiné, ou ser levados para o Camboja. Independentemente de onde possam obter a cidadania, estão proibidos de alguma vez pôr o pé na Austrália no futuro, mesmo com vistos de turistas ou de negócios.
A “vida” dos refugiados nestas condições
Atualmente, há cerca de 1900 pessoas retidas nas duas ilhas de detenção ao largo das costas da Austrália. As mais recentes estatísticas do governo australiano mostram que há 871 homens em detenção na Ilha de Manus e 373 pessoas a viver no centro regional de processamento em Nauru. Mais cerca de 700 refugiados enviados para Nauru vivem entre a população desta ilha (The Guardian, 2 de fevereiro de 2017). Aqueles que estão instalados na Papua-Nova Guiné e no Camboja podem não estar incluídos nestes números.
Aqueles que foram inicialmente transferidos para Nauru passaram um ano ou mais alojados em tendas de vinil sobrelotadas numas instalações de detenção onde as temperaturas dentro das tendas chegam regularmente a 45 e 50 graus centígrados. Nauru tem uma área de 21 quilómetros quadrados, com recursos extremamente limitados mesmo para os seus apenas 10 mil habitantes.
Os refugiados para aí levados em situações de perigo de vida, como doenças do coração e dos rins, diabetes acompanhados de perda de peso e outras, não recebem cuidados médicos especializados, segundo o relatório de 2 de agosto de 2016 da Amnistia Internacional. O facto de o governo australiano tratar os refugiados como criminosos deixa-os vulneráveis a ataques físicos e a um tratamento abusivo por parte de alguns residentes locais, tanto fora dos campos como por vezes também dentro deles. Durante um ataque a um dos campos, um requerente de asilo iraniano foi morto e pelo menos 70 ficaram feridos. As mulheres estão especialmente em perigo. Elas raramente saem dos campos, e quando o fazem, é normalmente em grupo ou com acompanhantes masculinos.
Ali Bagheri, um jovem refugiado do Afeganistão da minoria hazara, chegou à Austrália em 2001, depois de ter sobrevivido a um incêndio que lhe matou o sobrinho no barco que os trouxe. Depois disso, passou 10 anos detido no Pacífico Sul. Ele disse à BBC: “Você não quer que mais ninguém passe por isto, (...) as pessoas aí não tinham nenhuma esperança. Elas tinham muitas doenças mentais e desordens psicóticas. Por quê reter refugiados inocentes e torturá-los? Todos os seres humanos têm direito a procurar asilo. (...) Sendo criança, já tive de testemunhar pessoas a tentar cometer suicídio. Perdi a minha infância naquele centro de detenção.” (BBC.co.uk, 11 de novembro de 2014)
Isto foi confirmado pelo relatório da Amnistia Internacional que afirma que os refugiados sofrem de ansiedade severa, incapacidade de dormir, mudanças de humor, depressões prolongadas e perda da memória de curto prazo. Isto tem afetado as crianças que sofrem de pesadelos e outros comportamentos preocupantes. Eles falam da extrema pressão e da incerteza prolongada em relação ao futuro deles, o que claramente implica que sejam atormentados por pensamentos de autodestruição ou de cometerem suicídio.
O fotojornalista Ashley Gilbertson, natural da Austrália, conseguiu entrevistar algumas das pessoas na Ilha de Manus longe dos olhos das autoridades: “[M]ais de 900 delas, do Irão, do Iraque, do Sudão e de outros lugares, estão detidas desde 2013. Nunca vi refugiados assim tão destroçados. A vasta maioria deles não quis partilhar as suas histórias comigo. ‘Para que serviria isso?’, diziam-me eles. Eles foram levados ao desespero, torturados pela impotência. (...) [Muitos deles] começaram a beber, ou a trocar cigarros (eles recebem até três pacotes por semana) pela marijuana local. Muitos tomam comprimidos para dormir que lhes são entregues por enfermeiras. Qualquer coisa que sirva para passar o tempo e fugir à sua angústia.” (“I am Ashamed to be Australian” [“Tenho vergonha de ser australiano”], The New York Times, 12 de dezembro de 2016, https://www.nytimes.com/2016/12/12/opinion/sunday/i-am-ashamed-to-be-australian.html)
Os refugiados e as escolhas deles
Aqui, novamente se coloca a pergunta habitual: Porque é que as pessoas escolhem enfrentar tais perigos e sofrimentos? Os reacionários que governam os países imperialistas desenvolvidos têm uma resposta estereotípica. Eles acreditam, ou pelo menos propagam, que os refugiados vão para esses países para abusarem do sistema de segurança social e para se aproveitarem do modo de vida deles. Os refugiados são chamados indesejáveis, um fardo para os “contribuintes” e considerados culpados pelo desemprego, pelo crime e por outros problemas sociais. Mas a comunicação social raramente menciona que a vasta maioria das pessoas que se tornam refugiados não tem nenhuma outra escolha.
As políticas e as intervenções imperialistas têm criado guerras destrutivas, no Iraque, no Afeganistão, na Líbia, na Síria e no Iémen, só para dar alguns exemplos, retirando a vida a centenas de milhares de pessoas e causando o deslocamento de dezenas de milhões. Muitos refugiados estão a fugir à perseguição por parte de governos apoiados pelos próprios países onde têm de procurar asilo. Esta violência anda de mãos dadas com as relações desiguais através das quais o sistema global de comércio e investimento tem enriquecido as potências imperialistas e distorcido a economia de muitos países de África, da Ásia e da América Latina, destruído os meios de subsistência de milhões de camponeses e outras pessoas. Contudo, para os governantes imperialistas, o problema não são os milhares de milhões de pessoas atormentadas, mas a percentagem muito pequena que procura refúgio nos países mais ricos.
O governo australiano alega que a transferência forçada de refugiados para as ilhas do Pacífico é uma política de “dissuasão” que visa assegurar que outros refugiados deixem de arriscar a morte apanhando um barco para a Austrália. Na realidade, esta política é um crime contra pessoas cujas vidas foram destruídas pelo sistema imperialista mundial de que a Austrália faz parte e, frequentemente, por guerras em que a Austrália em particular tem desempenhado um papel importante (como no Afeganistão). Esta política faz parte da normalização da crueldade extrema contra os refugiados à escala mundial.
O fotojornalista acima mencionado, Gilbertson, que há 20 anos tem vindo a fazer trabalhos sobre campos de refugiados e o tratamento dos refugiados em todo o mundo, diz que mesmo depois de “ter visto tantas atrocidades extremas” e “tanta injustiça contra os refugiados”, “em todo este tempo, nunca vi o nível de crueldade sobre estas pessoas vulneráveis que o governo australiano está a perpetrar contra os refugiados na Ilha de Manus”. Contudo, na Grã-Bretanha, os ministros mencionaram mais de uma vez a possível adoção do método australiano. A primeira-ministra Theresa May tem pedido muito explicitamente que se deixe que os refugiados se afoguem no Mediterrâneo para dissuadir outros de partir para a Europa. Numa extensão letal, a União Europeia tem-se deslocado cada vez mais e mais para o modelo australiano, no que pode ser considerado uma espécie de projeto-piloto para outros países imperialistas.
Recentemente, o Ministro do Interior alemão, Thomas de Maizière, sugeriu que os refugiados apanhados a atravessar o Mediterrâneo fossem transferidos para centros em países no Norte de África. Especificamente, ele tinha em mente a zona da Líbia sob controlo de um governo imposto pela Europa e pelos EUA depois de a NATO ter reduzido o país a um inferno. Tem havido relatos recentes de milhares de crianças e jovens mulheres sexual e fisicamente abusadas nos centros de refugiados nessa zona da Líbia. O governo dos EUA, com Obama e agora com Trump, tem apoiado a política de refugiados da Austrália, apesar de uma recente disputa sobre se os EUA iriam ou não honrar agora o compromisso de Obama de receber um minúsculo número das pessoas retidas nas ilhas australianas do Pacífico como sinal de solidariedade com as políticas australianas.
Contudo, ao mesmo tempo que o governo australiano de Malcolm Turnbull ameaça que a Austrália nunca irá mudar as suas politicas, faz grandes esforços para esconder os seus efeitos do público, no país e a nível internacional. Segundo o relatório da Amnistia Internacional, “A Austrália e Nauru impõem um rígido segredo sobre o processamento de requerentes de asilo em Nauru e recusa a maioria dos pedidos de visita de jornalistas ou investigadores. (...) Os jornalistas em particular enfrentam severas restrições de entrada, com uma taxa de visto de 8000 dólares não reembolsáveis e um demorado processamento dos pedidos. Nauru concedeu vistos a apenas dois órgãos de comunicação desde janeiro de 2014. Todos os outros pedidos têm sido recusados ou têm ficado sem resposta. Os funcionários da ONU têm visto ser-lhe negada a entrada ou, nalguns casos, têm concluído que uma visita seria impraticável devido às severas limitações ao seu acesso.” Outros governos, no topo dos quais estão os EUA, são cúmplices deste encobrimento.
Porém, tem havido uma forte oposição a este crime por parte de muitos grupos e indivíduos dentro e fora da Austrália. Milhares de pessoas manifestaram-se nas cidades da Austrália, levando faixas que diziam: “Tragam-nos para aqui”. Entre os refugiados há alguns que ainda não perderam toda a esperança e não desistiram da sua justa luta. Tem havido muitos casos de resistência. Em Manus, em janeiro de 2015, centenas de pessoas entraram em greve de fome e barricaram-se num complexo do campo para acabarem com a política de manter na ilha aqueles a quem já foi concedido o estatuto de refugiado.
A crise dos refugiados é uma crise do sistema capitalista-imperialista mundial. Ao “protegerem” as suas fronteiras com uma cada vez maior violência, os imperialistas estão a tentar proteger o seu sistema de convulsões que são o resultado das consequências do seu sistema e de tudo aquilo que eles fazem, tanto para obterem lucros como para manterem a divisão desequilibrada do mundo. É necessária uma maior denúncia e uma oposição muito mais forte para derrotar estes ataques cruéis contra os refugiados, tomando o lado dos oprimidos e explorados contra os opressores e exploradores à escala mundial.