Do Serviço Noticioso Um Mundo A Ganhar (SNUMAG) de 15 de Junho de 2009, aworldtowinns.co.uk

Ao vivo das ruas de Teerão

Reproduzimos de seguida relatos enviados para a Bazr, que se descreve a si mesma como organização estudantil marxista iraniana. Estes relatos foram seleccionados, resumidos e ligeiramente editados para uma maior clareza, mas são basicamente “registos não editados” feitos por estudantes e outros elementos activos na agitação política que precedeu e sobretudo se seguiu às eleições de 12 de Junho. Estão em ordem cronológica inversa.

Sábado, 13 de Junho

A Praça Fatima estava tensa desde esta manhã. As pessoas que então aí estavam dizem que muita gente foi cruelmente presa. A polícia especial estava a controlar todas as ruas que levavam ao Ministério do Interior. Estavam em todo o lado. Não deixavam os transeuntes parar. Qualquer pessoa que fizesse a mais leve objecção era presa ou espancada com bastões eléctricos. Mas ainda não se tinha juntado muita gente. Cânticos de “Morte ao ditador” ecoaram de todas as esquinas. Os condutores responderam buzinando; a polícia respondeu a qualquer ajuntamento com bastões, pontapeando e batendo. As lojas tinham baixado as grades até meio e os seus donos estavam a deixar as pessoas a aí se abrigarem. Um altifalante policial ordenou a todos os comerciantes que as fechassem completamente e avisou que tudo estava a ser filmado e que qualquer pessoa que não obedecesse às ordens se meteria em sarilhos.

Depois das horas de expediente, mais pessoas irromperam para a Praça Fatima e para a Rua Vali Asr. Primeiro nos passeios e depois na rua, as pessoas estavam a gritar “Morte ao ditador”. [Havia alguma ambiguidade sobre se o “ditador” seria Ahmadinejad ou ele e Khamenei — o plural de ditador não rima em farsi.] Quando a polícia atacou, as pessoas correram, depois pararam e voltaram a gritar slogans, mas ainda não havia nenhuma coordenação entre elas e estavam dispersas. O apoio que os residentes locais deram aos manifestantes foi surpreendente. As pessoas da zona abrigaram nas suas casas os manifestantes que fugiam.

A meio de tudo isto, soubemos que um contingente de mil manifestantes estava a dirigir-se de Vanak (a norte de Teerão) para a Praça Fatima. Essas notícias encorajaram os manifestantes à volta do Ministério do Interior e muitas das pessoas que assistiam nos passeios vieram juntar-se a eles. As pessoas bloquearam a Rua Vali Asr à espera que chegassem os manifestantes. Sentaram-se na rua e não deixaram os carros seguir para norte. 20 minutos depois, chegaram os manifestantes e mais pessoas juntaram-se aos protestos. Então, a polícia carregou sobre a multidão, mas a multidão contra-atacou. Vários polícias foram atingidos e quatro motociclos e três carros da polícia foram incendiados. A partir desse momento, a multidão agiu com mais coragem e determinação. Houve granadas de gás lacrimogéneo lançadas contra a multidão, mas as pessoas continuaram a entoar slogans e a gritar. Partiram vitrinas de bancos, queimaram latas de lixo e derrubaram as barreiras ao longo da rua enquanto marchavam rumo ao Ministério do Interior. Dois autocarros também foram incendiados. Ouviam-se tiros em todo o lado [embora nessa altura a polícia estivesse aparentemente a disparar para o ar].

Mais tarde, ouvimos muitas histórias de prisões e brutais ataques da polícia, incluindo contra crianças e pessoas de idade entre a multidão. A luta continuou até às 20h, quando chegaram forças especiais totalmente armadas. Foi anunciado que tinham autorização para disparar. A princípio, tentaram dispersar as pessoas e empurrá-las para as ruas laterais. Nunca atacavam sozinhos. Pelo contrário, grupos deles, armados até aos dentes, atacavam em conjunto uma pessoa de cada vez. Pouco depois, tinham dispersado a multidão e já não tinham qualquer medo. Retomaram o controlo da Rua Vali Asr.

Muitos jovens não estavam à espera de tanta brutalidade da polícia. Alguns recusaram-se mesmo a acreditar que fossem realmente iranianos. Apesar das muitas testemunhas e câmaras, a polícia partiu o pescoço de uma jovem, espancou uma mulher de idade com um bastão eléctrico e cometeu muitos mais crimes. Mas as pessoas ajudaram-se umas às outras. Não deixaram que as ambulâncias da polícia pegassem nos feridos e levaram-nos elas próprias para clínicas e hospitais locais. Havia rumores de que alguns soldados teriam sido ouvidos a falar árabe e que seriam libaneses [uma fantasia completa]. Alguns dos soldados, em resposta às pessoas que protestavam contra a sua crueldade, disseram: “A vossa hora acabou, agora é a nossa vez”.

Um jovem estudante: Toda a gente está espantada. O sistema de mensagens de texto tem estado fechado desde dois dias antes das eleições e há meia hora atrás (cerca das 18h TMG de 13 de Junho) todo o sistema de telemóveis esteve bloqueado. A televisão [controlada pelo estado] não está a dizer nada sobre os protestos, mas o Líder [Aiatola Ali Khamenei] disse numa emissão: “Os nossos inimigos querem roubar as pessoas da doçura da sua vitória. Estejam vigilantes”. Mais ninguém está a passar na televisão. Nós estamos a consumir informação através do Facebook (filtrado durante as eleições mas em claro durante os dois últimos dias) e de páginas internet (a maioria das quais também é filtrada). Onde eu vivo, muita gente está deprimida, mas em Vanak e Zartosht e em Vali Asr (centro de Teerão), bem como à frente do Ministério do Interior, as coisas estão a mexer-se...

Últimas notícias: a polícia atacou os hospitais para prender os feridos. E tem havido altercações entre a polícia e os enfermeiros e médicos que lhe resistiram.

“A esperança dos que não têm esperança”
— Um comunicado que alguns activistas operários distribuíram a 13 de Junho

As enganosas eleições presidenciais acabaram com resultados predeterminados: a vitória de Ahmadinejad. As pessoas que nas últimas semanas marcharam nas ruas com muitas esperanças e pequenos sonhos e que pensavam “Desta vez é diferente” estão espantadas e desiludidas. As forças organizadas de segurança e da lei e ordem e uma parte do clero xiita, que puseram no poder os seus ultrajantes e mentirosos peões tal como planeado, estão em estado de prontidão. Qualquer pessoa que veja com os olhos abertos o que estava a decorrer por trás dos bastidores da campanha, qualquer pessoa que não se contente com as expressões de entusiasmo ingénuo dos jovens, poderia ter previsto a enorme fraude. Os serviços secretos da República Islâmica tinham a certeza que Ahmadinejad seria o vencedor. Os propagadores de rumores das agências de informações e os que organizaram as sondagens do governo durante as duas últimas semanas estavam a dizer: “o Líder está com Ahmadinejad, pelo que ele será de certeza o vencedor”. As ameaças contra manifestações não autorizadas emitidas pelos chefes das forças repressivas — mesmo antes das eleições — eram uma poderosa pista de que estava a ser organizada uma fraude.

O que está a acontecer à frente dos olhos das pessoas não é uma ainda maior prova da ilegitimidade do regime? Será que as forças conciliatórias e reaccionárias passaram a “democratas” — quem bombardeou as mentes das pessoas durante as duas últimas semanas e atraiu muita gente para as urnas eleitorais, dando-lhes a esperança da mudança — têm agora alguma coisa a dizer? A verdade é que, tal como sempre, o sistema dominante foi o vencedor das eleições. A vasta participação das massas foi assumida como legitimadora do sistema. E esse era o principal objectivo do jogo eleitoral.

Convencer ou pressionar as massas descontentes a votarem nesse jogo reaccionário era o ponto comum de acordo não só entre as várias facções da RII mas também entre as potências imperialistas. Elas tentaram convencer as massas que já há muito tempo não confiavam no regime que deveriam escolher o menor dos dois males e ficar contentes com que um desses males vencesse. Basta prestar atenção à propaganda radiodifundida pela Voz da América [VOA] e pelo serviço em persa da BBC para se ver como eles ajudaram a aquecer o forno das eleições e a convencer pessoas indecisas e desconfiadas de que levando as suas esperanças aos templos de Mousavi e Karoubi [os dois candidatos da reforma] as coisas poderiam mudar para melhor. Agora, depois de os resultados terem sido anunciados, vemos a mesma comunicação social imperialista a tentar tão vigorosamente quanto pode persuadir a juventude enfurecida de expressar o seu descontentamento e revolta. Terá a influência do pensamento reformista e das políticas geradoras de ilusões sido tão forte que minou a força dos opositores ao sistema e arrefeceu o fogo da luta contra estes opressores ultrajantes?

Todos estes acontecimentos deveriam ter pelo menos o lado positivo de dar um golpe nas ilusões e sonhos entre o povo. Os jovens que entoavam slogans, cantando e dançando noite e dia na esperança de derrubarem o muro da opressão e da repressão — aceitarão eles esta injustiça? A meio de tudo isso, a questão que nós, operários em luta e activistas relacionados com o movimento operário, queremos colocar é esta: Pode-se ser a vanguarda da mudança ficando afastado dos acontecimentos? As posições e os panfletos distribuídos aqui e ali por activistas operários contra a farsa eleitoral estão longe de ser suficientes. Há um perigo nisso. A situação deve ser compreendida e devem ser rapidamente desenvolvidos slogans e políticas correctas e levadas aos locais de trabalho, aos bairros e às ruas. Uma vez mais, esta verdade essencial tem que ressoar alto em toda a sociedade para que a confusão e a desilusão não levem à desmoralização: A Revolução é a esperança dos que não têm esperança!

Relatos dos dias que antecederam as eleições

Desde que a campanha começou, tem havido um debate entre o povo. Muitos jovens usaram fitas verdes [islâmicas] no cabelo ou no braço para mostrarem fidelidade a Mousavi. A cor de Karoubi era o branco sujo e os apoiantes de Ahmadinejad usavam o negro (mas depois começaram a usar a bandeira tricolor iraniana). A todo o lado onde se vá, nos táxis, nos autocarros, no metro, mesmo nas esquinas das ruas, conversa-se sobre as eleições. Quase toda a gente exprime uma opinião. Mesmo pessoas que usam fitas verdes estão a dizer: “Sabemos que se trata de escolher entre dois males, que Mousavi não é o nosso homem, mas vamos votar para impedir Ahmadinejad de ser reeleito”.

Eu estava num autocarro. Numa paragem apareceu um jovem que começou a distribuir fitas verdes. Quando chegou a mim, não a aceitei. Ele disse: “O que é que está errado contigo? És jovem, não és?” Eu disse: “Sou jovem mas o meu cérebro funciona. Não quero votar.” Depois de ele se ter ido embora, desencadeou-se um debate. Uma mulher de meia-idade disse: “Quem raio é Mousavi? Não nos esquecemos que quando ele era primeiro-ministro, as patrulhas da Sarollah [polícia da moralidade islâmica] cortavam os rostos e os lábios das raparigas porque usavam maquilhagem e cortavam as mãos ou as pernas das mulheres por usarem mangas curtas. E agora finge ser o nosso salvador?” Uma rapariga disse: “Mousavi não é o meu candidato mas de qualquer forma votarei nele porque não quero Ahmadinejad. O país deveria ser corrigido através de reformas. Vejam o que aconteceu quando vocês fizeram uma revolução?!” Foi uma grandiosa viagem de autocarro.

No dia seguinte, no metro, ouvi um jovem gritar: “Eu não quero votar, ninguém deveria votar, eles são todos iguais. Nada muda.” Alguém respondeu: “Se você não quer votar, não o faça, mas porque é que cria uma má atmosfera?” Uma outra jovem disse: “Votamos porque queremos a liberdade”. Uma mulher perguntou: “Que tipo de liberdade vai Mousavi dar?” A outra respondeu: “Eles dizem que o Irão será como a Turquia; o véu será facultativo”. Eu estava chocado. A certa altura, Mousavi disse que acabaria com as patrulhas policiais de moralidade, mas mesmo isso deixou de dizer. O mesmo tipo de discussão repetia-se nos táxis...

Uma semana antes das eleições: de alguns activistas operários

Na noite do debate televisivo entre Ahmadinejad e Mousavi, muitas pessoas estavam a olhar para os seus televisores. Os insultos mútuos e a bazófia dos candidatos tinham enchido os jornais durante meses. No dia seguinte ao debate, a discussão entre as pessoas foi acesa. Mesmo as pessoas que normalmente não se interessam por política participaram nessas discussões apaixonadas. Ahmadinejad fez algumas agudas denúncias de Mousavi, de Khatami [o ex-presidente “reformista”], de Rafsanjani [o homem mais rico do Irão, pilar do regime islâmico e poderoso apoiante de Mousavi, amplamente odiado pela sua corrupção pessoal] e de muitos outros, de uma forma tal que fez muitas pessoas mudarem de ideias sobre em quem iriam votar e mesmo incitarem as pessoas que não queriam ir votar a mesmo assim irem votar. A verdade é que essas denúncias não revelavam sequer um milésimo do que verdadeiramente está a acontecer e mesmo assim Mousavi não teve nada a dizer como resposta.

Noite. Na rua. Buzinadelas constantes e as vozes das pessoas a gritar slogans. Saí. Havia apoiantes de Mousavi e de Ahmadinejad e algumas pessoas a ver. Isto era o resultado do debate televisivo de ontem à noite. Os slogans eram ridículos. As pessoas estiveram nas ruas até às 3 ou 4 da manhã. As forças da ordem só estavam a observar. Estavam a tentar ser corteses, pedindo às pessoas que fossem para casa. Interroguei-me se eles estavam a pensar: “Esperem até as eleições terem terminado, iremos mostrar-vos, esperem só.”

As ruas estão cheias de mulheres e jovens. A cor mais visível é o verde... O debate televisivo Ahmadinejad-Mousavi gerou resultados contraditórios. Algumas pessoas gostaram realmente das denúncias que Ahmadinejad fez de Rafsanjani e Nateghnouri e esqueceram-se completamente de quem estava a dizer essas coisas. Isto mostra como durante os últimos 30 anos essas questões do “auto-enriquecimento”, “roubo” e “privilégios” criaram um ódio tão complexo na sociedade que mesmo Ahmadinejad pode manipulá-lo. Muita gente gostou do porte de Mousavi... Ironicamente, um sentimento recuado sobre a “honra” de um homem funcionou contra Ahmadinejad — algumas pessoas não gostaram do seu tratamento depreciativo da esposa de Mousavi...

Agora, muitas pessoas que antes praguejavam e prometiam não ser levadas a participar novamente nas eleições tinham mudado de ideias e estavam a dizer que desta vez era diferente. Não estavam apenas a dizer que temos o problema de Ahmadinejad, estavam a dizer que desta vez podemos ganhar. Começavam a ter esperança.

A situação é realmente diferente da das anteriores eleições. Da última vez, a vontade de as boicotar era forte. E não se via este entusiasmo nas ruas. Mas agora muita gente exprime-se e contesta o boicote às eleições. Posso dizer firmemente que as escolas desses diversos argumentos contra o boicote são os canais de televisão por satélite! As pessoas estão a repetir os mesmos argumentos expressos na BBC ou na VOA pelas várias forças reaccionárias e vacilantes que esses meios de comunicação social convidam... O que é interessante é que as forças da repressão foram deliberadamente retiradas das ruas. Os poucos agentes que se vêem aqui e ali limitam-se a observar.

Principais Tópicos