Do Serviço Noticioso Um Mundo A Ganhar (SNUMAG) de 8 de Setembro de 2008, aworldtowinns.co.uk
A morte vinda do céu:
A máquina assassina liderada pelos EUA no Afeganistão
A 22 de Agosto, as forças da coligação liderada pelos EUA anunciaram que, durante uma operação realizada na noite anterior, tinham matado 30 a 35 combatentes talibãs nas aldeias de Azizabad-Nawabad, no distrito de Shindand, província de Herat, noroeste do país, perto da fronteira com o Irão. De acordo com o seu comunicado, o confronto começou quando as tropas da coligação foram emboscadas ao irem prender um comandante talibã chamado Mullah Saddiq. As autoridades militares norte-americanas disseram que as suas tropas tinham respondido com disparos de armas ligeiras e RPGs e que depois tinham pedido “apoio aéreo de proximidade”, em autodefesa. Declararam que tinha sido uma “operação vitoriosa” e, mesmo passadas 24 horas, alegavam “permanecer confiantes” de que não tinha havido nenhuma vítima civil (BBC, 27 de Agosto).
Mas não tardou muito para essa história mostrar não passar de uma mentira, quando, no dia seguinte, os familiares começaram a retirar dos escombros os corpos dos mortos e feridos. Entre eles estavam muitas crianças. Enfurecidos, os camponeses manifestaram o seu ultraje e gritaram “Morte à América” e outras palavras de ordem e atiraram pedras aos soldados norte-americanos e afegãos do exército liderado pelos EUA e pela NATO estacionados na zona. As tropas do exército afegão dispararam e mataram pelo menos um manifestante. Mais tarde, os camponeses mostraram aos jornalistas os edifícios destruídos e os pertences das vítimas, sobretudo brinquedos, ursinhos, roupas de criança e outros artigos semelhantes. À medida que se espalhavam as notícias do grande número de mortos e feridos, crescia a fúria das pessoas e um sentimento anti-ocupante começava a fervilhar por todo o país.
Noutras situações no passado, Hamid Karzai, o presidente do governo fantoche instalado pelo Ocidente, tem criticado as forças da coligação, criando depois uma comissão para investigar o assunto, geralmente sem resultados. Por exemplo, a 6 de Julho, os norte-americanos bombardearam uma festa de casamento na província de Nangarhar, no leste do país, matando 47 pessoas. Já passaram dois meses e a comissão ainda não emitiu nenhum relatório público nem sequer disse quando o iria fazer. Com este novo massacre a dominar a cobertura da comunicação social, ele não podia limitar-se a repetir esse expediente. Fingindo ser mais sério, demitiu dois altos comandantes do chamado Exército Nacional do Afeganistão, que participou na operação juntamente com as forças da coligação. Também nomeou uma comissão para investigar o assunto e reportar rapidamente – e desta vez ela fê-lo.
Essa comissão de Cabul disse que o ataque aéreo norte-americano tinha causado a morte de pelo menos 96 pessoas, entre as quais “60 crianças com idades entre os 3 meses e os 16 anos, mortas enquanto dormiam” (International Herald Tribune, 27 de Agosto).
Mesmo assim, as autoridades dos EUA recusaram-se a admitir os factos e fizeram uso descarado e indirecto do descrédito que elas próprias ajudaram a criar a Karzai – como seu lacaio – para impugnar esse relatório, enquanto Karzai, por sua vez, tentava usar o relatório para se distanciar da operação e dos ocupantes.
O mais forte desafio às tentativas dos EUA de negar tudo, pelo menos no que diz respeito à comunicação social e à opinião pública ocidentais, veio das Nações Unidas. A 26 de Agosto, o Enviado Especial da ONU para o Afeganistão, Kai Eide, emitiu um comunicado com base numa Missão de investigação da ONU no local. Citando evidências físicas, entrevistas meticulosas a testemunhas oculares e gravações vídeo de telemóveis, o enviado, um diplomata norueguês de carreira muito conhecido internacionalmente, concluiu que pelo menos 60 crianças, 15 mulheres e 15 homens tinham sido mortos num ataque aéreo durante uma operação em que os soldados da coligação e do exército afegão tinham entrado na aldeia (Reuters, 26 de Agosto).
Mesmo assim, os EUA recusaram-se a aceitar esse relatório. As autoridades militares norte-americanas acabaram por dizer que tinham realizado uma investigação e admitiram terem morrido “cinco a sete” civis. Durante as duas semanas seguintes, continuaram a insistir em que os camponeses estavam a “espalhar propaganda talibã”: que tinham “forjado as provas” e “enganado” os investigadores da ONU (The New York Times, 8 de Setembro).
Finalmente, a meio de uma grave agitação política no Afeganistão e de um crescente descrédito, pelo menos para alguns olhares ocidentais, devido à circulação dos vídeos e ao trabalho dos jornalistas que foram ao local depois do relatório da ONU, os EUA deram um passo de resposta. A 7 de Setembro, o comandante sénior dos EUA no Afeganistão, David McKiernan, pediu que a investigação norte-americana fosse reaberta.
O que dizem as fontes afegãs
De facto, as massas e as forças revolucionárias dentro do Afeganistão crêem que o número de mortos é muito maior que o relatado pelo governo afegão ou pela ONU. Um comunicado divulgado a 28 de Agosto pelo Movimento Revolucionário da Juventude do Afeganistão descreve o que ocorreu na zona de Shindand, onde fica essa aldeia:
“O bombardeamento começou às 2h da manhã de sexta-feira, 22 de Agosto, e continuou até às 7h da manhã. Dele resultaram enormes estragos. Às 10h da manhã desse dia, foram retirados 120 corpos dos escombros das casas destruídas e esse trabalho continuou até às 3h da tarde desse dia. A dimensão da destruição foi tão extensa que as pessoas não conseguiram fazer esse esforço de salvamento sem a ajuda de escavadoras e outro equipamento mecânico pertencente a uma empresa de construção do aeroporto regional. Os soldados do Exército Nacional do regime fantoche e os ocupantes imperialistas cercaram completamente toda a região. O exército encerrou todas as entradas da região. Tropas da NATO e das Forças Especiais dos EUA bloquearam as estradas para o aeroporto de Shindand.”
“Numa entrevista, habitantes locais que tinham ajudado incansavelmente os seus vizinhos disseram que estavam completamente espantados com o número de camponeses mortos. Segundo os números recolhidos no local, entre os mortos estavam 168 pessoas, sobretudo crianças e mulheres, e havia 240 feridos... Porém, o regime fantoche anunciou descaradamente que o número de mortos era 96.”
Contradizendo as alegações das forças da coligação liderada pelos EUA de que o incidente ocorrera quando estavam a tentar capturar um líder talibã, esse comunicado descreve essas circunstâncias da seguinte forma: “Era o primeiro aniversário da morte de um influente comandante local chamado Taimoor. O seu irmão tinha estado desde a noite anterior a preparar essa sexta-feira em sua memória. Quando os cozinheiros e outros ajudantes e criados estavam a preparar a homenagem, chegaram os aviões dos EUA e demoliram as casas mais próximas.”
O relato feito mais tarde pela jornalista Carlotta Gall do New York Times, que visitou a aldeia, diz substancialmente a mesma coisa sobre as circunstâncias das mortes (8 de Setembro). Um camponês disse-lhe que um civil afegão que acompanhava os soldados norte-americanos tinha procurado e matado o seu irmão. Um homem que dizia ser o Mullah Saddiq, o alegado alvo do ataque liderado pelos EUA, telefonou a uma estação de rádio após o ataque e disse que não tinha estado na aldeia. Como muitos dos familiares desse irmão, “da mais conhecida família da aldeia”, trabalham para uma empresa de segurança privada norte-americana e para a polícia afegã, uma possível explicação implícita é que os EUA tenham tomado partido contra essa família numa luta entre senhores da guerra. O artigo da jornalista concorda em que quase todos os mortos estavam a dormir nos telhados ou debaixo de redes de mosquitos nos pátios quando foram atingidos não apenas por um mas por vários ataques aéreos.
O papel de Karzai
Tem morrido tanta gente em tantos ataques aéreos norte-americanos que poucas pessoas no Afeganistão acreditam nas alegações dos EUA e da NATO de que sejam simplesmente “erros” – como infelizmente se referia um relatório da Human Rights Watch – cometidos ao perseguirem combatentes talibãs. O próprio Karzai sabe que um crescente número de pessoas perdeu a paciência com a brutalidade dos ocupantes, não só nas zonas pachtuns do sul e leste do país, de onde emergiram os talibãs, mas também noutras regiões étnicas onde os EUA e os seus aliados contavam com algum apoio popular ou pelo menos alguma tolerância face à ocupação.
É por isso que Karzai e outros responsáveis governamentais afegãos têm feito gestos críticos contra os ataques aéreos norte-americanos e prometido vários tipos de medidas para diminuir o número de mortes. Por exemplo, o governo afegão anunciou que realizaria conversações para renegociar as condições da presença internacional no país.
“ ‘A presença da comunidade internacional no Afeganistão deve ser redefinida com base em acordos bilaterais’, dizia um comunicado, acrescentando que deveriam ser colocados limites às forças militares e ‘aos ataques aéreos a alvos civis, e as buscas unilaterais de casas e as detenções ilegais devem parar imediatamente’.” (BBC, 27 de Agosto)
Mas como a posição de Karzai depende das armas dos EUA e dos seus aliados, não é provável que muito disso se concretize. O seu governo tem pouca autoridade real: “A comissão governamental reuniu-se com o comandante das forças dos Estados Unidos na província de Herat, mas ele recusou-se a responder às suas perguntas, dizendo que o exército dos Estados Unidos estava a realizar a sua própria investigação” (International Herald Tribune, 27 de Agosto).
Há mais de 70 mil soldados estrangeiros de 40 países no Afeganistão. Mas se um soldado ou um oficial fizer alguma coisa errada, mesmo segundo os padrões dos ocupantes, para já não falar em violações do direito internacional (como as Convenções de Genebra), eles serão julgados segundo a lei do seu próprio país. A esmagadora maioria dos casos nunca chegou à fase de qualquer forma de julgamento. Essa é a verdadeira lei da ocupação: os ocupantes são a lei. Por isso, o que Karzai está a fazer é apenas latir.
Algumas razões para o aumento do número de massacres
Os EUA e seus aliados no Afeganistão estão a matar civis em números horrendos e a uma taxa crescente. As mortes de civis nos ataques aéreos dos EUA e da NATO quase triplicaram em 2007, em comparação com o ano anterior, segundo um relatório de 8 de Setembro da organização Human Rights Watch, com 321 civis afegãos mortos em 22 bombardeamentos, “enquanto centenas mais foram feridos”. Pelo menos 119 civis foram mortos em 12 ataques aéreos ocorridos durante os primeiros sete meses deste ano, disse essa organização, com outros 54 civis a serem mortos por tropas terrestres dos EUA e da NATO (www.hrw.org/report/2008/09/08/troops-contact/airstrikes-and-civilian-deaths-afghanistan).
Em Julho de 2007, após um assassinato em massa ocorrido num bombardeamento semelhante, embora de menor escala, o governo de Karzai também entregou uma queixa e os EUA prometeram alterar as suas “regras de acção” que regulam as operações de combate, de forma a evitar esses incidentes. Em vez de isso acontecer, as mortes estão a aumentar. O relatório da Human Rights Watch liga o incremento de mortes de civis à estratégia militar que os EUA estão a desenvolver, chamada “economia de forças”, em que unidades terrestres relativamente pequenas percorrem as zonas rurais para indicarem os alvos dos ataques aéreos, os quais são a principal forma como os ocupantes fazem as suas execuções, tanto de suspeitos talibãs como de civis. De facto, a utilização desta abordagem resulta inevitavelmente num grande número de mortes civis. Como os EUA e os seus aliados anunciaram planos para intensificarem a sua guerra, é de esperar muitos mais mortes civis, mesmo que os ocupantes possam vir a preferir limitar as vítimas civis para evitarem encorajar as massas contra si.
Há vários factores que os impelem nessa direcção. Enfrentando uma situação crítica no Afeganistão, onde os ocupantes estão a perder o controlo de muitas regiões diferentes para os talibãs, os quais até aos últimos anos eram odiados pelas massas, os EUA e seus aliados não estão em condições de recuar. Além disso, alguma instabilidade no Afeganistão dá aos ocupantes uma desculpa para aí ficarem durante os próximos anos, mas eles querem ter essa instabilidade sob controlo e não permitir que ela se propague ao Paquistão, por exemplo. Nenhum dos países imperialistas ou das facções dominantes está a falar em reduzir as suas forças no país; de facto, a maior parte do que dizem é sobre quanto aumentá-las. Nos EUA, os dois candidatos presidenciais acusam-se um ao outro de não quererem suficiente guerra no Afeganistão e os chefes dos governos europeus também estão em geral a salientar a necessidade de mais guerra. Esta tendência apenas pode ganhar um maior impulso com o aumento da tensão entre o Ocidente e a Rússia. Esta região tem sido historicamente um importante campo de batalha entre os colonialistas ocidentais (nomeadamente o Império Britânico), os seus sucessores imperialistas modernos e a velha e agora a nova Rússia.
Por isso, globalmente, este foi o tipo de paz e prosperidade que as forças imperialistas trouxeram ao povo do Afeganistão: mais guerra, mais mortes, mais pobreza, mais miséria e por aí adiante. E a única forma como o povo do Afeganistão pode desfazer isto é expulsando todos esses ocupantes imperialistas.