Do Serviço Noticioso Um Mundo A Ganhar (SNUMAG) de 15 de Junho de 2009, aworldtowinns.co.uk
Sobre as eleições no Irão: Comunicado do PCI(MLM)
Publicamos aqui excertos de um comunicado do Partido Comunista do Irão (Marxista-Leninista-Maoista) emitido pouco antes das eleições.
Participar na actual campanha para as eleições presidenciais sob qualquer pretexto ou desculpa não tem nenhum outro significado que não seja exprimir desprezo pelos operários, pelos trabalhadores, pelas mulheres, pelos estudantes e pelos professores que têm sido reiteradamente reprimidos e que continuam a ser reprimidos e oprimidos por este regime.
Conformarmo-nos com reivindicações mínimas e baixas expectativas e ficarmos longe de qualquer tipo de fins e objectivos elevados nas lutas políticas e sociais aprisionará as pessoas no inútil ciclo da escolha entre uma ou outra das facções do regime. O método da escolha entre o menor de dois males deste regime só ajudará a perpetuar o sistema. Eles são os dois lados da mesma moeda e ambos protegem os mesmos interesses contra os interesses do povo.
Se reconhecermos a verdadeira natureza e significado de qualquer acto ou posição política ou, por outras palavras, se percebermos especificamente o verdadeiro significado da participação nas eleições deste sistema reaccionário, então não só procuraremos formas efectivas de enfrentarmos este patético espectáculo eleitoral como também poderemos perceber a fealdade e inutilidade da abordagem reformista que nos estão a pedir que endossemos. Temos que reconhecer cientificamente que a única forma de transformar radicalmente a situação é a revolução, a tomada do poder político pela classe operária e pelas massas oprimidas, de forma a fazer avançar a sociedade até ao ponto em que a exploração e opressão dos seres humanos e as distinções de classe deixem de existir...
As eleições servem uma função particular em todos os sistemas de classe. Pode acontecer que em sistemas políticos corruptos e despóticos, elementos como o engano e a força desempenhem um papel muito maior no seu resultado, mas mesmo assim basicamente dois factores decidem o destino dos votos: os interesses fundamentais de todo o sistema e o equilíbrio de forças entre os concorrentes nas principais esferas do poder político. Num sistema de classes onde o poder político é detido por uma minoria (a classe exploradora que explora e oprime a maioria), as eleições são um mecanismo para virar a verdade de pernas para o ar. Estas eleições mostram o domínio da minoria como sendo a escolha da maioria das pessoas. Mesmo regimes como a República Islâmica do Irão, que dependem sobretudo da opressão e repressão do povo, precisam de espectáculos eleitorais para legitimarem o seu domínio e espalharem ilusões entre as pessoas descontentes. As eleições também são um mecanismo para levar a cabo uma disputa controlada entre as diferentes facções e bandos dentro das classes dominantes para evitar brechas na estrutura do poder e as possíveis tempestades resultantes de uma rebelião das massas...
Boicotar as eleições é o mínimo que a maioria das pessoas pode fazer para expressar a sua posição. Essa maioria tem estado sujeita à mais extensa e poderosa propaganda das várias facções da estrutura do poder e das forças reformistas. Essa propaganda tem vários objectivos.
O objectivo mais essencial é neutralizar a desconfiança e o descontentamento profundamente enraizados no corpo central da sociedade e erguer um muro entre a “maioria silenciosa” e a ideia da revolução social e de uma abordagem revolucionária. O objectivo seguinte é levar um sector do povo a tornar-se em soldados apeados das eleições ou a transformar-se em peões a ser usados por uma ou outra das facções na sua competição eleitoral. O bombardeamento da propaganda eleitoral vomitada pela rádio, pela televisão e pelos imãs depois das orações de sexta-feira demonstra o papel que as eleições podem representar para manterem o povo longe da ideia da transformação social. A comunicação social difunde repetidamente entrevistas a pessoas que dizem coisas como: “Eu voto porque tenho zelo nacional”, “Eu participo nas eleições para exercer o meu direito democrático e para intervir no destino do meu país” e “Eu voto para não deixar que o inimigo se sinta feliz”.
Ao contrário do argumento de grupos que promovem a participação eleitoral e amplificado pela comunicação social de que boicotar as eleições é ajudar a reeleger Ahmadinejad, todo o sistema está a fazer um esforço a plena força para desviar as massas descontentes para longe dessa resistência mínima [de boicote ao espectáculo eleitoral]. O regime pretende mostrar às potências mundiais que ainda tem uma base política dentro do país, atraindo as massas para o processo eleitoral, mas mais que tudo visa esmagar o espírito de luta e resistência entre a maioria descontente, levando-a a fazer aquilo em que ela de facto não acredita porque sabe que o seu resultado será a legitimação da classe dominante.
Cooperação, compromissos e eleições
As pessoas das classes oprimidas e exploradas têm sido bombardeadas com razões e justificações para participarem nas eleições. Dizem às pessoas que estas eleições podem trazer oportunidades e esperanças. Durante as eleições de 1997, os defensores das eleições como os religioso-nacionalistas [como se chamam a si próprios, alegando ser representantes tanto da linha nacionalista histórica do Irão da era de Mossadegh como da linha islâmica] acharam que a situação lhes era favorável e participaram activamente na autodenominada coligação “reformista” agrupada à volta de Mohammad Khatami. Embora Khatami tenha sido eleito, esses religioso-nacionalistas nunca foram verdadeiramente autorizados a participar no governo ou sequer no parlamento. Apesar disso, eles continuaram hostis a qualquer sublevação de massas que pudesse pôr em perigo a actual ordem. Eles sempre mostraram a sua lealdade à República Islâmica. Durante o movimento estudantil de Julho de 1999, estiveram ao lado das forças repressivas do governo Khatami contra os estudantes e os jovens militantes.
Os activistas religioso-nacionalistas divulgaram a sua análise, raciocínio e estratégia para as actuais décimas eleições presidenciais no seu Manifesto de Janeiro de 2009, que tem sido um modelo para várias tendências e forças reformistas na campanha eleitoral. Aquela que é agora conhecida como a política “centrada nas exigências” teve origem nesse Manifesto. Isto mostra a existência de um novo ambiente político entre as camadas intermédias; é um indicio da nova esperança que desperta entre elas. Esta esperança tem sido estimulada pelas brechas dentro das fileiras da estrutura do poder, mesmo entre os sectores mais conservadores, tal como entre os outros e, ainda mais importante, pelas mudanças nas políticas dos EUA com Obama na Casa Branca. A análise das forças religioso-nacionalistas é que nesta altura o sistema político dominante no Irão deveria ser sujeito a uma pressão política gradual mas efectiva, tanto de dentro como de fora do país. Elas alegam que há um terreno favorável à criação de uma coligação política em torno de mudanças limitadas mas reais na República Islâmica...
O Manifesto de Janeiro de 2009 reflecte as ilusões e as preocupações dessa parte da sociedade. Os religioso-nacionalistas que apoiaram entusiasticamente a vitoriosa coligação de Khatami nas eleições presidenciais de 1997 enfrentam agora a questão: Porque é que, após o mandato de Khatami, alguém como Ahmadinejad o substituiu? O Manifesto faz essa pergunta, mas não tem nenhuma resposta para ela. Essas pessoas não conseguem perceber que os interesses fundamentais e a sobrevivência do sistema reaccionário requerem a existência tanto de “reformistas” dependentes do estado como de “conservadores” dependentes do estado. O objectivo é, entre os dois, espremerem a vida e a alma das pessoas. Os religioso-nacionalistas não se esqueceram de dedicar a primeira secção do seu Manifesto a um apelo ao restabelecimento de relações diplomáticas com os EUA. Quando falam em direitos e democracia, apenas incluem os “grupos seguidores da lei”. Isto quer dizer que os comunistas e as forças anti-sistema não deveriam beneficiar desses direitos...
Os argumentos dos activistas “centrados nas exigências”
Os defensores de um movimento “centrado nas exigências” avançaram com vários argumentos para convencerem as pessoas descontentes a participarem nestas eleições.
O primeiro é o do perigo da reeleição de Ahmadinejad e da facção dominante. É verdade que ele é ampla e profundamente odiado. Mas o que esse argumento esconde é que mesmo que Ahmadinejad não seja reeleito, isso não será o fim da corrupção e dos crimes dessa facção, nem muito menos o fim do funcionamento antipopular do sistema dominante no seu todo. Eles continuarão a ser um bando poderoso e uma facção dentro da própria estrutura do poder, e indubitavelmente o seu papel na orientação das políticas do regime será muito mais decisivo que o dos religioso-nacionalistas e de outros comprometedores que defendem de fora as suas reivindicações pacíficas e limitadas. Além disso, que Ahmadinejad seja eleito ou não, isso depende do equilíbrio de forças entre os diversos bandos dentro da estrutura de poder e nas suas várias esferas, especificamente entre as fileiras do exército e das forças de segurança cuja função é reprimir o povo. O número de votos [atribuídos a qualquer candidato específico] será apenas uma indicação e ao mesmo tempo uma cobertura desse equilíbrio de forças, tal como aconteceu com as eleições de 1997.
O segundo argumento dessas forças é que é necessário aproveitarmos o actual ambiente favorável para divulgarmos as nossas exigências e pormos pressão para a concretização de parte dessas exigências no dia seguinte às eleições. Na longa lista de exigências compiladas pelo Manifesto de Janeiro de 2009, os religioso-nacionalistas não ousaram incluir as exigências mais importantes, como a separação entre religião e estado e a abolição do hijab [véu] obrigatório.
Temos que mencionar que hoje em dia entre os que propugnam a política “centrada nas exigências” se incluem não só as forças religioso-nacionalistas mas também grupos como a Hamgaraii (Convergência) do Movimento das Mulheres (uma coligação de mulheres de dentro e de fora da estrutura do poder), a Agência da Consolidação da Unidade nas universidades, sectores do partido Tudeh [o partido revisionista que apoiou a URSS no período em que ela era um país capitalista disfarçado de socialista] e a organização Fedayeen (Maioria), próxima do partido Tudeh, os Nacionalistas Republicanos e indivíduos como Mohsen Sazegara [um dos fundadores dos Guardas Revolucionários, que agora coopera com os EUA e sobretudo com o serviço em persa da Voz da América] e Ali-Reza Nourizadeh [jornalista veterano baseado na Grã-Bretanha e conhecido pela sua política pró-ocidental]. A Convergência sobrepõe-se à linha conhecida como Campanha do Milhão de Assinaturas, que se centra em duas exigências: que o Irão assine o protocolo da Convenção da ONU para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (CEDAW) e que altere as partes da Constituição que negam especificamente direitos às mulheres.
Em primeiro lugar, as leis reflectem as relações económicas, políticas, sociais e culturais dominantes na sociedade e são, ao mesmo tempo, uma garantia do domínio da classe dominante sobre as classes oprimidas, e a Constituição foi escrita para assegurar esse objectivo. Em segundo lugar, assinar a Convenção da ONU não levaria a nenhuma alteração das condições de opressão das mulheres. A classe dominante sempre pôde usar manobras legais e “excepções” para manter as actuais relações (incluindo a opressão das mulheres e a discriminação de género). Mesmo que a Convenção da ONU fosse assinada, o poder dominante poderia subordiná-la explicitamente ao sistema chauvinista masculino medieval, juntando-lhe uma frase como “tendo em consideração as condições locais e culturais”, tal como fizeram outros países islâmicos.
De facto, formular essas exigências e centrar-se nelas significa reduzir as expectativas. Essa abordagem não leva a nenhum outro resultado que não seja atirar esta luta para o inútil ciclo das tentativas de se chegar a mudanças lentas, graduais e reversíveis no quadro do sistema dominante. É uma política que considera uma vitória trocar um hijab negro por um muito colorido e que defende o direito das mulheres a se tornarem aiatolas...
Um terceiro argumento dos defensores da política “centrada nas exigências” é ouvido sobretudo nas universidades. Eles alegam que não há outra alternativa, que todas as verdadeiras saídas em frente estão fechadas, que toda a sociedade se está a desagregar e à beira do caos, pelo que a única coisa que nos resta são as eleições e tudo o que podemos fazer é substituir a facção de Ahmadinejad por uma outra facção – não percamos a nossa única oportunidade! A ênfase aqui é que a revolução social não é possível. Alguns vão mesmo mais longe e dizem que a revolução social não é necessária e que seria mesmo nefasta. Não é por acaso que estes argumentos são ouvidos sobretudo no ambiente universitário e que de facto visem o pensamento revolucionário. Isso é um reflexo dos pontos de vista e dos interesses dos sectores do povo que têm algo a perder com este sistema.
Apesar destes argumentos, os reformistas “centrados nas exigências” enfrentam um sério problema: o descrédito e a má reputação de todos os candidatos. Ahmadinejad é conhecido não só como ex-membro das brigadas terroristas conhecidas como Guardas Revolucionários, mas também como um vulgar mentiroso que trouxe mais pobreza, miséria, desemprego, opressão e repressão às massas oprimidas dos operários, trabalhadores, mulheres e jovens. Esse homem que gosta de fazer discursos sobre “a epopeia nuclear” e o “orgulho nacional” em nada difere daquele que esteve à espera da mais ligeira sugestão dos EUA para acorrer ao seu serviço no Afeganistão, no Iraque e por aí adiante.
O nome de Mir Hussein Moussavi recorda a memória do massacre de presos políticos em 1988 e muitos outros crimes que ocorreram durante o período em que foi primeiro-ministro. Ele é bem conhecido pelo seu papel como líder chave da chamada “Revolução Cultural” islâmica nos primeiros anos da revolução que levou à prisão e à execução de estudantes comunistas e progressistas, à purga dos professores independentes, progressistas e de esquerda e aos três anos de encerramento de todo o ensino superior. O seu conservadorismo e a sua repetidamente anunciada lealdade ao Velyat-e-Faqih [a doutrina fundacional do regime, de “domínio da Jurisprudência Suprema”, que actualmente é o Aiatola Ali Khamenei] são uma suficiente autodenúncia...
Talvez um dos factores que reduzam as dificuldades das forças “centradas nas exigências” nestas eleições seja que muitos dos jovens que apoiam essa política não tenham tido qualquer experiência com essas figuras reaccionárias. Porém, nas últimas semanas, as forças revolucionárias têm exposto extensivamente os crimes passados e os programas actuais dos candidatos. Em particular, essa exposição revelou o que os programas económicos de todos os quatro candidatos têm em comum. Todos eles acreditam na necessidade da “reforma” económica (uma cirurgia sangrenta), incluindo a abolição de subsídios para alimentos e outros bens essenciais e deixar os preços subirem livremente. Quem quer que seja o presidente, todos os candidatos estão preparados para aumentar a pobreza e a miséria das massas e para oprimir e explorar ainda mais os operários e outros trabalhadores – a maioria do povo – para protegerem os interesses do sistema de opressão e exploração de classe.
As lições destas eleições para o povo
Devido à concorrência entre os candidatos e seus apoiantes e à actuação das forças reformistas, o processo eleitoral criou uma situação política significativa. Toda a sociedade, mesmo os que conscientemente se opõem à participação no espectáculo eleitoral, se focou nos debates, nas campanhas e nas discussões que têm ocorrido nas ruas e na comunicação social. Em termos deste aspecto e apenas deste aspecto, podemos dizer que foi criada uma situação favorável aos revolucionários e aos amantes da liberdade para exprimirem os seus pontos de vista nas eleições e para exporem o papel e o funcionamento das eleições na vida do sistema dominante e das suas facções, e os objectivos da estrutura do poder. Eles podem analisar os interesses e as perspectivas de classe representadas pelos reformistas e outras forças eleitorais e divulgar a meta da revolução social, os interesses fundamentais dos vários sectores e classes do povo e os métodos e abordagens necessários para se concretizar as exigências dos movimentos sociais.
A publicidade do regime sobre estas eleições e o persistente esforço para atrair as massas às urnas eleitorais é um testemunho da força do povo e da fraqueza da classe dominante. Os anúncios do regime e outros esforços mostram que o inimigo tem consciência do poder potencial de um movimento popular independente fora do quadro dos planos e do programa da estrutura do poder. O inimigo reconhece esse potencial e está aterrorizado com isso. O povo também deve reconhecer o seu poder para obter a libertação. Se em vez de participar nas campanhas eleitorais do regime, as quais nada mais significam que eleger de entre os opressores aquele que nos vai governar, tomarmos o caminho da oposição generalizada a essas campanhas e encontrarmos vias independentes para anunciarmos os nossos objectivos e, em última análise, abrirmos caminho à sua concretização, criaremos uma atmosfera completamente diferente. Promover um caminho gradual e indolor para o progresso dá às pessoas uma ideia errada e prolonga o domínio do sistema reaccionário.