Do Serviço Noticioso Um Mundo A Ganhar (SNUMAG) de 12 de Fevereiro de 2007, aworldtowinns.co.uk
Relato da 3ª Brigada Internacional Para a Construção de Uma Estrada no Nepal, Novembro de 2006
As vitórias da guerra popular, iniciada faz este mês 11 anos, afastaram o velho regime e o seu exército da maior parte das zonas rurais do Nepal. O projecto da Brigada Internacional Para a Construção de Uma Estrada foi iniciado em 2005, depois de o Governo Republicano Popular Autónomo Magarat, um dos muitos órgãos do poder revolucionário que a guerra gerou, ter feito um apelo a que pessoas de fora do país viessem trabalhar lado a lado com as gentes locais na construção da Estrada dos Mártires, no Distrito de Rolpa, no Ocidente do Nepal, uma importante zona libertada desde os primeiros tempos da guerra. De seguida publicam-se excertos ligeiramente editados de um relato escrito por um participante na 3ª Brigada. Este e outros documentos de membros da 3ª Brigada estarão disponíveis em www.aroadtothefuture.org onde os materiais das duas primeiras brigadas e outros materiais também estão disponíveis.
Os membros da 3ª Brigada vieram de todo o mundo para poderem ver por si próprios o processo revolucionário que se desenrola no Nepal e para estenderem a sua solidariedade para com a luta do povo desse país. Ao todo, éramos 10 pessoas de nove países diferentes: Grã-Bretanha, Sri Lanka, Ilhas Maurícias, Alemanha, Estados Unidos, Canadá, Itália, Índia e Irão. Para alguns de nós, viajar até ao Nepal implicou dar meia-volta ao mundo, uma realidade geográfica a que correspondia uma viagem mais simbólica – vindos de alguns dos países mais ricos do mundo para um dos mais pobres, vindos de países do lado dos receptores dos benefícios da actual situação político-económica do mundo até um país do lado dos receptores de pouco mais que pobreza e exploração.
Este facto, de que tínhamos uma compreensão intelectual, foi visceralmente sentido depois de termos chegado a Katmandu, a cidade capital do Nepal. Após termos passado apenas 24 horas em Katmandu, não achámos surpreendente que o Nepal estivesse a viver actualmente o turbilhão de uma revolução. Na realidade, pudemos ver imediatamente uma sociedade que grita pela mudança. Katmandu é imunda: o ar fuliginoso e salpicado de gasolina irrita constantemente os olhos e as gargantas – mesmo para residentes há muito habituados –, as vias fluviais estão entupidas com desperdícios e a água da torneira está perigosamente contaminada. Mas muito pior são as relações sociais em que muita gente está aprisionada. As pessoas são desesperadamente pobres, mesmo para os padrões do terceiro mundo. Crianças sem casa e viciadas em drogas vagueiam pelas zonas turísticas a pedir dinheiro. A prostituição é comum e praticada abertamente – um facto que a nossa brigada descobriu quando nos encontrámos pela primeira vez. Quando celebrávamos a nossa primeira noite juntos, saímos para tomar uma bebida e escolhemos o primeiro bar que vimos – apenas para fazermos uma retirada apressada quando se tornou claro que tínhamos tropeçado num bordel.
Em Katmandu, também conseguimos ter um pequeno vislumbre das mudanças que foram introduzidas no país. Quando passeavam pelo bairro de Thamel, os membros da brigada viram cartazes, faixas e bandeiras a favor do Partido Comunista do Nepal (Maoista) e viram (e ouviram) mesmo apoiantes dos maoistas que percorriam as congestionadas ruas da cidade gritando fragmentos de agitação política através de altifalantes. A certa altura, numa cena que, com benevolência, pode ser descrita como surrealista, vislumbrámos maoistas a fazer trabalho político no cimo de um pequeno elefante que ziguezagueava pelo Thamel – o primeiro de vários momentos do tipo “nunca pensei que viveria para ver isto” que viríamos a observar ao longo das três semanas seguintes. Por isso, foi no contexto destas primeiras impressões que a nossa brigada fez ávidos planos para viajar para o “outro” Nepal: as zonas libertadas onde a revolução tem vindo a transformar a vida nas zonas rurais.
Estávamos a fazer planos numa situação política peculiar. Como muita gente sabe, em Novembro de 2006 os maoistas e o governo estavam a chegar a um cessar-fogo de vários meses. Isto pôs-nos à vontade até certo grau, uma vez que a situação parecia ser relativamente estável. Embora estivéssemos perfeitamente conscientes de que isso poderia mudar a qualquer momento. De facto, durante a nossa estadia no país, circularam rumores de um possível golpe de estado – algo que obviamente faria com que a situação mudasse 180 graus com uma grande rapidez, se fosse verdade. O cessar-fogo significava que, em muitas zonas, os maoistas estavam a trabalhar de uma forma mais ou menos aberta. A estranha coexistência dos revolucionários ao lado do “velho” governo do Nepal – ou seja, do Exército Real do Nepal e de outros pilares do governo monárquico – ficou vivamente ilustrada numa cidade em que a brigada pernoitou antes de apanhar o último autocarro para os territórios libertados. Nessa cidade, a brigada caminhou do nosso hotel para um local (marcado com faixas e bandeiras vermelhas) que servia de sede a organizações de massas lideradas pelos maoistas e a seguir encontrou uma concentração de massas com centenas de pessoas da organização de mulheres liderada pelo partido. Tudo isto acontecia abertamente, ao mesmo tempo que, por toda a cidade, o Exército Real fazia as suas patrulhas – vigiando os bairros do cimo de grandes veículos blindados armados com metralhadoras e levantando pequenas tempestades de poeira. Ao entardecer, a brigada discutiu tudo isso enquanto, da varanda do nosso hotel, perscrutava as colinas – colinas que eram o último obstáculo entre nós e as zonas libertadas. Era uma situação em que, como a descreveu um membro da equipa, “algo tinha que ceder”.
Depois de um agoniante (pelo menos para alguns) passeio de autocarro montanha acima, por estradas sujas e pouco mantidas que abraçavam colinas íngremes e mostravam desfiladeiros assombrosos e belos, chegámos a Holeri. Nos dez anos da guerra popular, esta aldeia de montanha foi cenário de vários confrontos entre os maoistas e o governo e está agora sob controlo dos maoistas. Holeri marca o início das zonas vermelhas e nela se situa uma grande porta decorada com faixas, bandeiras e uma placa (em inglês e em nepalês) que dá as boas-vindas aos visitantes da República Autónoma Magarat do Nepal.
Na manhã do dia seguinte chegámos à vila de Tilla Bazaar. Aí foram-nos dadas as boas-vindas numa cerimónia encabeçada por quadros do Partido e à qual assistiram dezenas de soldados e centenas de elementos das massas. A cerimónia decorreu no campo de voleibol da aldeia, com a rede retirada para a ocasião. Os quadros que nos deram as boas-vindas exprimiram a sua alegria por termos vindo mostrar a nossa solidariedade com o povo do Nepal. O líder da aldeia disse que a nossa presença lhe deu esperança no internacionalismo e nos esforços de todas as pessoas pela criação de um mundo sem imperialismo, acrescentando que ver-nos fez com que o seu espírito e os dos seus camaradas “inchassem de felicidade”. Para muitos de nós, que ficámos tão inspirados com a luta no Nepal, esta foi uma declaração intensa de ouvir. Os membros da equipa deram então as suas saudações e exprimiram as suas intenções de aprender com a sua luta e de contribuírem para a construção da Estrada dos Mártires – embora os nossos breves comentários não tenham sido expressos com tanta delicadeza como os dos nossos homólogos nepaleses – que pareciam ter uma destreza sobre-humana para longos discursos de agitação sem textos escritos. A cerimónia terminou com um momento de silêncio pelas pessoas que foram mortas durante a guerra popular, seguido de palavras de ordem revolucionárias. Globalmente, foram umas boas-vindas intensas, plenas de responsabilidades.
Em Tilla Bazaar, pudemos começar as nossas primeiras verdadeiras discussões e entrevistas a diferentes tipos de pessoas sobre a forma como a revolução tem mudado a vida das pessoas. Essas mudanças são impressionantes. Um amigo nosso, que tinha vindo há pouco da Índia, onde tinha viajado, às vezes ria e abanava a cabeça em descrença sobre quão diferentes eram as zonas libertadas do Nepal em comparação com a Índia rural. Ele não conseguia acreditar, por exemplo, que elementos da casta brâmane (superior) se envolviam e ajudavam em trabalhos tão sujos como desentupir retretes – coisas que nunca fizeram na Índia. Nesse país, disse-nos ele, o sistema de castas e as ideias religiosas em que se baseia estão tão entranhadas na perspectiva das pessoas que os camponeses pobres dão dinheiro para a construção de templos em aldeias onde não existem os mais básicos cuidados de higiene como as latrinas. Num passeio à volta da aldeia, encontrámos um par de jovens que nos descreveram a profundidade das mudanças na sociedade. Um dos adolescentes disse-nos que era da casta dalit (inferior ou “intocável”), mas ficou curioso por lhe termos perguntado. Explicou-nos que os seus pais por vezes lhe falavam da opressão que a sua casta sofrera mas que, tendo vivido a maior parte da sua vida em zonas vermelhas, não tinha nenhuma memória disso. O nosso tradutor riu-se disso, dizendo que eram boas notícias o facto de terem progredido tanto e tão rapidamente, mas salientando também que era importante educar os jovens como estes para que não esquecessem o que era a velha sociedade, há apenas uma década atrás.
Também tivemos oportunidade de entrevistar inúmeros soldados do Exército Popular de Libertação (EPL). Um desses soldados foi Astah, uma vice-comandante de brigada (uma brigada tem cerca de 800 soldados). A sua história é interessante porque concentra muito da política da actual revolução. Ser uma mulher soldado não é invulgar no EPL. De facto, cerca de 40% do exército vermelho é constituído por mulheres. Isso também é verdade na liderança do exército, que é 30% feminina. Astah, cuja forma de falar séria e comedida contrastava com as suas brilhantes sapatilhas cor-de-rosa, disse-nos que tinha começado por ficar politizada com o movimento de 1990-91 pela democracia no país, mas que fora a situação das mulheres o principal factor motivador da sua decisão de se juntar ao PCN(M). Explicou-nos que as mulheres sofrem uma dura opressão sexual e económica e que se tinha juntado à revolução para eliminar essa opressão. Também vale a pena salientar que ela tinha alguma dificuldade em ser compreendida pelo nosso tradutor, porque a sua língua materna era o magar e não o nepalês – o que também acontece com muitos jovens revolucionários do Nepal originários das nacionalidades oprimidas do país.
Por cada pergunta que fazíamos aos nossos anfitriões, eles tinham uma para nós. Quiseram saber tudo sobre a situação política nos nossos países de origem e tomaram notas detalhadas sobre o que dizíamos. Perguntaram-nos sobre a questão tâmil no Sri Lanka, sobre o significado da unificação da Alemanha Ocidental com a de Leste, sobre como os islamitas conseguiram chegar ao poder na revolução iraniana, sobre a natureza do movimento estudantil na Grã-Bretanha e sobre o que o povo norte-americano pensa das palavras de ordem “Abaixo o imperialismo norte-americano”.
Após a nossa breve permanência em Tilla Bazaar, dirigimo-nos à aldeia de Gorneti, para visitar o Hospital Memorial do Povo, recém-construído sob a direcção dos maoistas. Embora, segundo os nossos anfitriões, fosse apenas um passeio de seis horas, alguns membros da equipa demoraram todo o dia para aí chegar. Todos nós estávamos admirados com a boa forma e a resistência dos nossos amigos nepaleses que dançavam pelas íngremes pistas montanha acima, enquanto alguns de nós nos dobrávamos, ofegantes pelo cada vez mais reduzido oxigénio, apertando maços de cigarros. Como chegámos depois do pôr-do-sol, foi só de manhã que conseguimos ter uma verdadeira noção da amplitude do feito que representa a construção do hospital. A palavra “impressionante” descreve a construção do hospital como “gelada” descreve uma tempestade siberiana. O hospital engloba várias estruturas – armazém geral, farmácia, instalações para operações e exames médicos, cozinhas, dormitórios, etc. A electricidade é fornecida por painéis solares e a água vem de fontes subterrâneas. O que é realmente impressionante é que o hospital foi construído longe de qualquer estrada, pelo que todos os materiais de construção, quando não existiam localmente, tiveram que ser levados a pé das zonas vizinhas através de terrenos que, como se disse atrás, são difíceis de atravessar facilmente, para não dizer da luta que deve ter sido trazer lavabos, cadeiras, camas e tudo o resto. Disseram-nos que o hospital demorou um ano a construir e que mais de 55 000 elementos das massas estiveram envolvidos na sua construção. O hospital serve as massas da região, que antes, para se tratarem, tinham que viajar até Dang, a capital distrital. As doenças mais comuns aí tratadas são as infecções do tórax (devidas sobretudo à inalação de fumo de madeira ardida) e as complicações ginecológicas. Os abortos são executados por pessoal do hospital, a pedido. A nossa equipa pôde verificar directamente a utilidade do hospital. Quando um dos membros da nossa brigada adoeceu com problemas gastrointestinais, uma enfermeira prescreveu uma receita de medicamentos antiamebianos, disponíveis localmente, e o nosso companheiro recuperou depressa.
A brigada pôde contribuir para o hospital com algum do nosso labor, sobretudo arrastando pedras para serem usadas, por trabalhadores mais qualificados, na construção de uma parede para um novo edifício. Isso foi recebido com surpresa e risinhos pela maioria das pessoas que assistiam, sobretudo quando o nosso amigo iraniano começou a cantar canções revolucionárias em farsi, com estranhos movimentos de dança introduzidos para o efeito.
O hospital também tem um grande espaço aberto reservado às reuniões de massas, à formatura do EPL e, tal como em Tilla Bazaar, ao voleibol. Deve ficar registado para a história que foi aqui que a 3ª Brigada Internacional Para a Construção de Uma Estrada jogou valentemente, mas sofreu uma derrota às mãos de alguns dos jogadores do EPL, por 25-12.
Depois de vários dias em Gorneti, a brigada seguiu rumo ao norte, em direcção a Thawang – a “capital” revolucionária e local de nascimento da guerra revolucionária. Perto do pôr-do-sol, escalámos a última colina do dia e olhámos para baixo para Thawang – uma grande aldeia ao lado de um largo e rochoso rio de montanha e cercada por altas colinas semeadas de campos de trigo, milho e colza de um amarelo brilhante. À parte absorvermos essa beleza excepcional, estávamos entusiasmados por estarmos aqui. Na aldeia podiam ser encontrados indícios de uma situação política muito diferente que aqui ocorrera recentemente: uma grande parte de Thawang está em ruínas, tendo sido destruída por um ataque do ERN com bombas e rockets e muitos dos edifícios têm buracos de balas e marcas de estilhaços.
Contudo, ainda mais difícil de contemplar foi a nossa visita a uma escola modelo que fica a uma curta distância de Thawang. A Escola Democrática em Memória dos Mártires é uma escola primária e secundaria construída pelos maoistas e por voluntários locais. Tem 87 estudantes, a maior parte dos quais filhos e filhas de mártires da Guerra Popular. Um dos professores, que falava um pouco de inglês, contou-nos que estivera a ensinar em Dang, a capital distrital, mas que decidira vir fixar-se nesta escola para “servir o povo”. Explicou-nos em que é que a escola modelo é diferente das escolas governamentais. Nas escolas governamentais, explicou ele, muitos dos professores não são profissionais e tratam os estudantes como presos numa prisão. Os estudantes seguem um currículo idealista e não científico e são obrigados a orar ao Rei. Contudo, agora, disse-nos ele, os estudantes seguem um currículo científico e são encorajados a desenvolver as suas próprias capacidades. Ele explicou a nova atitude: “Eu agora também sou um estudante, também estou a aprender com as crianças”. Ver esses órfãos a serem ajudados e a terem a oportunidade de ir à escola aprender coisas como ciências e artes é um exemplo das mudanças que estão a ocorrer nas zonas rurais – e do pesado preço pago pelo povo do Nepal para conseguir essas mudanças.
Foi durante este período que foi anunciado que o PCN(M) e o governo tinham assinado um acordo de paz. Naturalmente, tínhamos muitas perguntas sobre o que esse acordo significava para o país. O vice-presidente da Frente Magarat de Libertação Nacional, Boshan, explicou a situação do ponto de vista do PCN (Maoista). Esse camarada disse-nos que o processo de negociações e o tratado de paz tinham que ser entendidos no contexto de lidarem não só com o governo nepalês, mas também com o imperialismo norte-americano e o expansionismo indiano. O tratado de paz significava que os EUA teriam que aceitar os maoistas no governo e fazia parte do objectivo dos maoistas de unirem os sete principais partidos governamentais contra a intriga e o controlo dos norte-americanos. Apesar desses desenvolvimentos, alegou ele, as pessoas em todo o mundo podiam ficar descansadas porque os maoistas “não confiam no imperialismo norte-americano nem no expansionismo indiano, só confiamos no povo nepalês”.
Após a nossa visita a Thawang, iniciámos a caminhada de dois dias de regresso a Tilla Bazaar. Finalmente, disseram-nos, íamos ser enviados para trabalhar um pouco na estrada. No entanto, os nossos esforços acabaram por ser quase inteiramente simbólicos. A construção da estrada espalha-se por muitos quilómetros e a cada poucas centenas de metros há uma equipa de trabalho diferente. Por isso, o que acabámos por ser levados a fazer foi caminhar de um local de trabalho para outro, ao longo de toda a extensão da estrada. A nossa presença gerou sem dúvida uma espécie de espectáculo, à medida que trocávamos “lal salaams” (saudações vermelhas) com cada equipa de trabalho e abrandávamos em direcção às equipas para o tikka (colocar tintas coloridas na testa) e os adornos. Por volta da décima equipa de trabalho, as coisas ficaram um pouco cómicas, tão esmagados que estávamos com as centenas de flores e com as nossas faces cobertas de vermelho. Finalmente, conseguimos fazer algum trabalho na estrada, embora não tanto quanto teríamos gostado. Contudo, a partir do nosso pequeno esforço, podemos atestar da dificuldade dessa verdadeira proeza que representa a Estrada dos Mártires. Quando se fazia um intervalo para beber água, podia-se olhar para a estrada, sabendo que tudo aquilo tinha sido conseguido pelas massas de gente comum, agora unidas numa causa comum. Também na estrada, apercebemo-nos de alguns dos maiores problemas que ainda existem. Por exemplo, os homens e as mulheres trabalhavam na estrada em grupos separados, os homens de um lado da estrada e as mulheres do outro e havia muito pouca socialização ou contacto entre eles. Também quando parávamos para reuniões e discussões improvisadas com as massas na estrada, era comum os homens falarem e fazerem perguntas, enquanto as mulheres permaneciam silenciosas. O seu comportamento contrastava muito com as confiantes e vocais mulheres do EPL e era realmente uma boa ilustração de alguns dos progressos feitos e dos saltos ainda maiores que são necessários.
Após alguns dias na estrada, era quase altura de deixarmos as zonas libertadas. Despedimo-nos das pessoas com quem tínhamos desenvolvido laços chegados e sinceros. De ambos os lados compreendíamos que tinha sido uma experiência que não esqueceríamos. Então, depois de uma roda de abraços, apertos de mão e lal salaams (saudações vermelhas), subimos a bordo do nosso autocarro e seguimos pela Estrada dos Mártires de regresso ao “velho” Nepal. Ainda não tinha sido o fim da nossa experiencia, uma vez que a nova situação política deu-nos a oportunidade sem precedentes de nos reunirmos com representantes do Partido Maoista que agora trabalhavam abertamente em Katmandu, onde obtivemos mais elaborações do ponto de vista do PCN(M) sobre o actual processo de paz, bem como de nos reunirmos com dirigentes das organizações de massas lideradas pelos maoistas.
Não é preciso dizer que, de uma forma global, esta foi uma experiência intensa. A nossa brigada era constituída por pessoas de diferentes países e com diferentes posições políticas e, embora nem sempre tenhamos visto tudo directamente, ficámos todos espantados com o que vimos no Nepal. Também ganhámos todo um novo nível de compreensão sobre as dificuldades, os sacrifícios e a complexidade do que está envolvido neste e em qualquer outro processo revolucionário. Ver a teoria revolucionária ser aplicada a uma tão grande escala é espantoso. Por exemplo, uma vez alguém me disse que, unidas em torno de uma linha correcta, as massas podem mover montanhas, mas nunca pensei que veria isso literalmente. Mas, nas colinas de Rolpa, espalhadas perante nós, isso estava a acontecer, as montanhas estavam a ser literalmente esculpidas pelas massas agora libertadas, com pouco mais que pás e picaretas, uma pedra de cada vez.