Devido à importância do tema tratado, publicamos o seguinte artigo de Bob Avakian, Presidente do Partido Comunista Revolucionário, EUA.
O artigo foi extraído do livro O NOVO COMUNISMO e corresponde à 1ª secção da 4ª Parte, “A liderança de que precisamos”. Um dos exemplos abordados é o caso da elite dirigente angolana de que recentemente houve bastantes notícias que apenas confirmam a justeza desta análise.
Este livro, cujo título completo é O NOVO COMUNISMO; A Ciência, a Estratégia e a Liderança para Uma Revolução Concreta e Uma Sociedade Radicalmente Nova na Via para a Verdadeira Emancipação (Chicago, Insight Press, 2016), está presentemente a ser traduzido para português por uma equipa de camaradas e contamos disponibilizá-lo em breve. A versão integral está disponível em inglês a partir de revcom.us/avakian/science/ba-the-new-communism-en.html e em castelhano a partir de revcom.us/avakian/science/ba-el-comunismo-nuevo-es.html.
O papel decisivo da liderança
Por Bob Avakian
Comecemos com uma questão muito elementar: A liderança é decisiva. Como disse Mao, onde há opressão, haverá resistência: as massas populares oprimidas irão levantar-se repetidamente e resistir contra a sua opressão. Mas para onde vai essa luta e se é possível levá-la a cabo durante todo o caminho rumo a uma revolução emancipadora, a uma nova sociedade e, por fim, a um novo mundo, sem exploração nem opressão e sem todo o sofrimento e destruição que lhes estão associados, isso depende da liderança — da linha, da mundivisão, do método e abordagem, da estratégia e do programa da força que conquiste a liderança da luta contra a opressão.
Note-se que eu disse “a força que conquiste a liderança”. Porque é que eu o exprimi assim — e qual é a importância disto? Bem, uma das coisas que se está a enfatizar é que irá sempre haver uma luta sobre quem irá ficar na posição dirigente e, por isso, sobre para onde estão a ser conduzidas as coisas sob essa liderança. Não é uma questão de as coisas caírem nas mãos de alguém — a menos que seja da classe dominante, ou de outras forças que terão a espontaneidade a favor delas e irão levar as coisas numa direção errada —, mas, sobretudo se a liderança de que as massas de facto precisam, para fazerem a revolução de que precisam, realmente vier a conquistar a posição dirigente, será um processo de luta complexa, sim, e por vezes muito feroz. Uma vez mais, se pensarmos que é apenas uma questão de que as massas acabarão por ver a necessidade de uma revolução e virão procurar-nos e pedir-nos para as liderarmos — bem, iremos ter uma surpresa muito má! Mesmo que algo assim pudesse acontecer, não conseguiríamos lidar corretamente com isso, caso fosse essa a nossa orientação e abordagem. Tem que haver uma luta — isto retoma o que foi assinalado há pouco, de que grande parte da luta que levamos a cabo, particularmente na esfera ideológica, é uma luta contra outras linhas e programas que não emanam diretamente da classe dominante, nem a representam, antes são mais representativos de estratos médios, mas que, contudo, levam as pessoas de volta aos mortíferos limites e dinâmicas deste sistema, ou que as mantêm amarradas a deles.
Ora, mencionei antes o livro A Máquina de Pilhagem. O título completo é A Máquina de Pilhagem: Senhores da Guerra, Oligarcas, Corporações, Traficantes e o Roubo das Riquezas de África. O autor, Tom Burgis, começa o primeiro capítulo do livro a falar sobre a Chicala, que é um bairro de lata em Luanda, a cidade capital de Angola; e fala sobre como o muro que separa a Chicala do resto da cidade não é muito mais que imensas águas de esgotos, bem como medo. Isto recordou-me uma coisa que eu escrevi antes sobre as crianças que brincam no meio de pilhas de lixo e desperdícios humanos em Luanda e noutras zonas de Angola, enquanto a poucos quilómetros de distância há grandes edifícios que funcionam como monumentos cintilantes ao poder dos ricos. Agora vê-se isso na China, em Xangai e noutras cidades, e até em Luanda e lugares semelhantes — estes arranha-céus cintilantes, símbolos dessa imensa riqueza nas mãos de muito poucas pessoas. E Angola é um exemplo particularmente pungente, porque a força que agora governa Angola é a continuação do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), que foi a força nacionalista que liderou a luta contra o colonialismo português que dominava Angola e, posteriormente, a guerra civil contra as forças apoiadas pela África do Sul do apartheid e pelos Estados Unidos. Todas estas lutas em Angola duraram várias décadas. A clique que agora governa Angola vem diretamente disso — os atuais dirigentes do país são os líderes do MPLA de então e os que lhes sucederam. Burgis assinala que a filha do dirigente do MPLA — Isabel dos Santos — é a primeira mulher em África a ter mais de mil milhões de dólares. Não será isto um brilhante exemplo de “empoderamento”!? Podemos ouvir os sequazes e os porta-vozes do sistema a celebrar isto — uma mulher em África com mais de mil milhões de dólares —, ao mesmo tempo que vemos essa imagem viva do lixo e dos desperdícios reais em que vivem as massas populares, à volta desses símbolos cintilantes de toda essa riqueza que, num sentido real, foi saqueada a esses países e às massas populares.
Ao se ler isto, poder-se-ia pensar — e muitas pessoas pensariam —que tragédia que isto é, que situação horrível, que corrupção terrível. Algumas pessoas iriam assinalar o papel das empresas multinacionais em tudo isto e falariam sobre como as empresas têm demasiado poder, e nos dias de hoje talvez algumas pessoas falem no imperialismo, em algum sentido geral. Ora, talvez tudo isso pode vá na direção correta e com o espírito correto, mas o que me impressionou imediatamente, quando comecei a ler este livro — e o que me impressionou repetidamente ao lê-lo — foi como isto clama gritantemente pela necessidade de uma verdadeira transformação socialista destas sociedades. Uma vez mais, estamos de regresso à questão do modo de produção e à contundente realidade de que sem uma liderança que se baseie numa compreensão científica de tudo isto, acabar-se-á numa situação terrível, apesar da luta e do sacrifício das massas populares, incluindo a luta e os sacrifícios das forças que as lideram. Por outras palavras, a liderança em lugares como Angola acaba por dizer coisas como: “Aprendemos que o dinheiro é poder — se não se tem dinheiro, não se pode fazer nada.” Portanto, tal como os revisionistas na China, que levaram a China de regresso à via capitalista, ao mesmo tempo que continuavam a fingir ser comunistas em algum sentido vago, estas forças em lugares como Angola dedicam-se a acumular riqueza por meios capitalistas, com a alegação de que isto, de alguma maneira, beneficia as massas populares. Na China, tinham literalmente o lema “Enriquecer é glorioso” — elas substituíram o lema do tempo de Mao, “Servir o povo”, pelo lema “Enriquecer é glorioso”. Lembro-me de ouvir uma história sobre um quadro do partido na China, depois de ter ocorrido o golpe de estado revisionista e de terem abandonado o lema de “Servir o povo” e a orientação de servir o povo através de se fazer avançar a revolução, e de terem começado a dizer que todos deveriam tentar enriquecer porque isso iria beneficiar o país. E esse quadro do Partido Comunista da China, então sob essa liderança revisionista que estava a promover essa linha burguesa, de facto disse a outro quadro do partido: “Bem, sabes, costumávamos falar em servir as pessoas; mas será que eu não sou uma pessoa?” Portanto, podemos ver como a corrupção ideológica se instala quando a linha dominante muda desta maneira e é propagandeada à população, mesmo em pessoas que indubitavelmente antes tinham melhores critérios. Elas ficam presas a esta ideia de que, se todos nos dedicarmos aos nossos próprios interesses, iremos ganhar muito dinheiro e depois poderemos fazer algo que beneficie as massas populares pobres. Portanto, este lema, “Enriquecer é glorioso”, visava inspirar as pessoas a ganharem muito dinheiro, e isso iria desenvolver a economia e ajudar as pessoas. E, quando se lê A Máquina de Pilhagem, vê-se essa racionalização a ser repetida pelos chefes de governo de diferentes países africanos: Bem, se acumularmos muita riqueza, então podemos fazer algo pelo povo.
Ora, repetindo, muitas destas pessoas combateram durante décadas em condições muito difíceis. Enfrentaram a África do Sul do apartheid, que nessa época era um país muito poderoso, e era apoiada pelos EUA, ainda que ao mesmo tempo a classe dominante dos Estados Unidos fingisse opor-se ao apartheid. Face a tudo isto, o MPLA em Angola apoiava-se, de certa maneira, na União Soviética, o que era um verdadeiro problema, mas eles levaram a cabo uma imensa luta de autossacrifício. Porque é que as coisas acabaram assim? Bem, houve grandes mudanças no mundo e nas relações mundiais, incluindo o facto de a União Soviética, enquanto tal, ter colapsado e o seu império ter deixado de existir na sua forma anterior, com o social-imperialismo (socialismo no nome, mas imperialismo na realidade) soviético a ser substituído por uma Rússia abertamente capitalista-imperialista, e com a China agora na via do capitalismo. Tudo isto gerou desorientação, o que foi ainda mais agravado porque as pessoas não eram suficientemente científicas. As forças como o MPLA eram ecléticas — o ponto de vista delas era uma mescla de nacionalismo com alguns aspectos do comunismo, não era uma abordagem comunista consistentemente científica. E por isso, quando surgiram estas novas condições, o que é que acabaram por fazer? Tornaram-se exploradores nouveau bourgeois [novos burgueses] e, ao mesmo tempo, cúmplices (e basicamente apêndices) do imperialismo, acumulando imensas riquezas para si mesmas, às costas das massas populares.
Aqui regressamos a uma questão que foi assinalada no início desta apresentação, sobre a base e a superstrutura — o sistema económico, o modo de produção, e a maneira como ele estabelece as condições para as coisas na sociedade em geral, e a maneira como, por sua vez, a superstrutura que emerge sobre essa base económica serve para a reforçar. Por outras palavras, a superestrutura política e ideológica — o sistema político, as leis, a cultura, as ideias que preponderam na sociedade — tem que estar em conformidade com esse modo de produção, ou a sociedade não pode funcionar. Portanto, se alguém vai pelo caminho de dizer “vamos usar meios capitalistas para obter muita riqueza”, se é esse o modo de produção que está em ação, então tem que haver uma superestrutura de leis, instituições políticas, cultura e ideologia, e tudo o resto, que corresponda a esse sistema capitalista e o reforce, mesmo que antes tivesse um outro conjunto de ideias.
Pensem nisto especificamente em termos da cultura e da ideologia. Falei sobre isto antes, a ideia que a burguesa está sempre a promover — de que a grande coisa sobre a sociedade burguesa, a grande mudança que criou, foi elevar o indivíduo ao primeiro lugar da sociedade, realçando a inviolabilidade do indivíduo e a importância dos direitos individuais. Expliquei como isso é uma farsa total e está em total conflito com a maneira como a sociedade burguesa de facto opera — explorando as massas populares e esmagando e pulverizando literalmente milhares de milhões de pessoas em todo o mundo. Mas a ideia do individualismo está muito de acordo com o explorador modo de produção burguês e está muito ao serviço dele. A ideia de que todas as pessoas se devem preocupar consigo mesmas é reforçada pelo facto de elas estarem em concorrência com todas as outras pessoas — por empregos, promoções, bolsas de estudo, admissões à universidade, o que quer que possa ser. Portanto, isso é encorajado e promovido pelo modo de produção, pela maneira como funciona o sistema económico e pela maneira como ele afeta as pessoas. E depois, na superstrutura, isso é reforçado pela ideia de que o mais importante é o “eu” — o “eu” é o centro de tudo. Independentemente de tudo o resto que esteja a acontecer no mundo, o mais importante, aquilo com que uma pessoa se deve preocupar, acima de tudo, é consigo mesma. Essa é a única maneira de se poder estar no mundo. Isto é constantemente bombardeado às pessoas, e isto é constantemente reforçado, mesmo quando as pessoas tentam romper com isso. É necessária uma imensa luta para se sair do quadro em que tudo o que é dito e feito se resume a “Eu sou a coisa mais importante no mundo.” E, além da maneira como isto anda de mãos dadas com a noção burguesa de que lutar pela aquisição individual, pela acumulação privada de riqueza, é a mais legítima e produtiva força motriz do desenvolvimento social, isso está de acordo com os interesses da classe dominante porque, quando há uma sociedade em que todos pensam dessa maneira, nunca será possível concretizar nenhum tipo de transformação social significativa. As pessoas irão continuar atoladas num sistema em que são exploradas e oprimidas, mas em que todas se preocupam apenas consigo mesmas, em concorrência com todas as outras.
Agora imaginem que havia uma superestrutura radicalmente diferente — que havia uma arte e uma cultura, ampla e consistentemente disseminadas na televisão, na internet, etc., que promovessem a ideia de que as pessoas devem pensar antes de tudo no bem maior das pessoas do mundo inteiro, em vez de em si mesmas. Isso iria certamente minar a maneira como este sistema funciona. Ou vejamos um outro exemplo de como a superestrutura tem que estar relacionada com a base. Se virem os anúncios ou as notícias na televisão, estão sempre a promover os empreendedores, as pessoas que criam pequenas empresas; há anúncios de cartões de visita para que as pessoas possam divulgar as empresas delas de uma maneira mais eficaz; e “Ah, tive uma ideia brilhante de fazer queques, por isso criei uma empresa”; e assim sucessivamente. Agora imaginem que, em vez disso, estivessem constantemente a dizer a verdade às pessoas: “Não é assim tão frequente que uma pequena empresa se torne numa empresa muito lucrativa; uma grande percentagem das pequenas empresas fracassam, mais cedo ou mais tarde, e muitas fracassam rapidamente; por isso, esqueçam, não fiquem totalmente presos à mitologia do empreendedorismo.” Imaginem que de cada vez que ligassem a televisão ouviam este tipo de mensagem! Bem, isso não iria estar ao serviço do funcionamento deste sistema. Eles querem que as pessoas pensem que todos podem ter êxito nos negócios, se tentarem arduamente e se tiverem a iniciativa certa. Na realidade, claro, só um pequeno número de pessoas pode de facto converter-se em grandes capitalistas mas, para os grandes capitalistas, e para o sistema em geral, é muito bom que todos pensem que podem ter uma oportunidade de o serem. Portanto, se fosse promovido todo um conjunto de ideias que de facto dissessem às pessoas a verdade sobre isso, então isso seria completamente minado.
E imaginem que programa atrás de programa na televisão, e tudo o que se vê na internet, estivessem a dizer às pessoas: “Vejam, sejamos honestos connosco mesmos. A razão porque os Estados Unidos são tão ricos e poderosos não é que houve muitas pessoas a criar inovações em muitas coisas. Foi porque trouxemos acorrentados de África milhões de pessoas e forçámo-las desapiedadamente a produzir riqueza, ao mesmo tempo que exterminávamos vastos setores da população indígena e roubávamos as terras deles; através de uma guerra de agressão, apoderámo-nos de metade do território do México e expandimos o sistema esclavagista a grandes extensões desse território; apoderámo-nos de territórios como as Filipinas e Porto Rico como colónias, enquanto avançávamos para dominar cada vez mais partes do mundo; e agora estamos a fazer pilhagens em todo o mundo, sobretudo no terceiro mundo, agrilhoando desapiedadamente extensos setores da humanidade à nossa inexorável máquina de exploração, ameaçando e desencadeando massacres e destruição em massa para impor tudo isto. É realmente por isso que somos tão ricos e poderosos.” Bem, haveria sempre alguns imbecis a dizer: “Tudo bem, desde que eu receba a minha parte.” Mas muitas pessoas diriam: “Esperem um minuto, foi assim que tudo isto aconteceu? O que é que está a acontecer aqui? Eu não quero viver num mundo em que é isso o que estamos a fazer.” Portanto, não é possível que haja ideias dominantes na superstrutura, na cultura, nos meios de comunicação e por aí adiante, que estejam completamente em desacordo com o funcionamento do sistema económico subjacente e os interesses e necessidades da classe dominante desse sistema — a qual é, num sentido real, como disse Marx, a personificação das dinâmicas exploradoras desse sistema.
Foi isto que aconteceu com a restauração do capitalismo na China, e com o que estão a fazer as elites dominantes em países como Angola. Se se vai avançar pela via capitalista e usar o modo de produção capitalista como a base económica da sociedade e como meio de acumular riqueza, então tem que se promover as ideias que estão associadas a isso — como a ideia de que se algumas pessoas ganharem muito dinheiro, então será possível fazer algo que beneficie as massas populares, ainda que se esteja a explorar e a oprimir brutalmente as massas populares e a colaborar com os exploradores capitalistas de outros países. (E, hoje em dia, a China desempenha um grande papel na pilhagem de África e na exploração das pessoas nesse continente.) Devido a isto, vê-se que é o sistema económico que irá definir os termos para que tipo de estrutura política, mas também que tipo de ideias, são instituídos e promovidos para reforçar esse sistema económico.
Só com uma vanguarda que tenha uma abordagem científica e entenda que é necessário transformar o modo de produção, de uma maneira fundamental, e, juntamente com isso, todos os outros aspectos das “4 Todas”, é que será possível lidar corretamente com esta gritante contradição entre, por um lado, a imensa riqueza natural nesses países e, por outro lado, a terrível situação das pessoas, em que, ao mesmo tempo que um pequeno punhado de pessoas se torna incrivelmente rico e alguns outros estratos sociais se elevem para posições privilegiadas de classe média, as massas populares estão acorrentadas à pobreza e à miséria. Isto leva-nos de volta à seguinte questão básica: há toda esta imensa riqueza, mas se há um modo de produção que se baseia na acumulação capitalista — neste caso, os capitalistas locais em cumplicidade com o capital internacional do sistema imperialista — não há nenhuma maneira de que essa imensa riqueza natural venha a ser utilizada em benefício das massas populares, e sobretudo da necessidade de elas se libertarem da exploração, e da pobreza e da miséria que resultam disso.
A Máquina de Pilhagem analisa vários países diferentes, e esta mesma questão fundamental chama repetidamente a atenção. E novamente Angola é um caso particularmente agudo e pungente disto, devido a toda a luta anticolonial que aí teve lugar. Não é como se estivéssemos a lidar com pessoas que simplesmente sempre tenham sido lacaios e fantoches corruptos do imperialismo — e isto torna muito mais doloroso ver esta aguda contradição entre a riqueza natural, e a riqueza de um pequeno punhado de pessoas, por um lado, e as miseráveis condições das massas populares, por outro lado. Mas, claro, não é isso que muitas pessoas irão perceber espontaneamente ao lerem um livro como este. Em vez disso, o que provavelmente irão concluir é: “Estão a ver, as revoluções, todas elas acabam mal, as pessoas que lideram revoluções ficam poderosas e tornam-se corruptas — o poder corrompe, o poder absoluto corrompe absolutamente”, toda a maneira de pensar espontânea de inspiração burguesa em que as pessoas estão condicionadas a cair — quando a verdadeira e profunda lição é exatamente a oposta a essa, e está mesmo à frente delas, se tiverem olhos — ou seja, o método e a abordagem científicos — para a ver. Esta é uma lição muito importante que a vida nos está constantemente a ensinar, desde que se tenha uma abordagem materialista dialética científica à realidade. Sem ela, claro, só resta às pessoas retirarem todas as conclusões erradas, todas as lições erradas do que acontece repetidamente às massas populares.
Aqui fica um outro exemplo gritante: El Salvador. É um país onde, na década de 1980, havia forças revolucionárias a lutar contra regimes mantidos no poder pelos Estados Unidos, mas forças revolucionárias que não eram inteiramente revolucionárias. Elas eram essencialmente forças revisionistas, com alguma aparência externa comunista, mas com um programa que equivalia a tentar mudar as coisas dentro do quadro existente, e não a fazer uma revolução total. Contudo, elas lutaram, e sacrificaram-se enormemente, na luta contra esses regimes — terríveis regimes assassinos — que tinham sido impostos pelos Estados Unidos. E depois veio o colapso da União Soviética, e essas forças em El Salvador estavam a contar com o apoio dela, e a seguir Cuba não conseguiu dar muito apoio a essas forças, porque a própria Cuba também dependia do apoio da União Soviética. De modo que o movimento em El Salvador desistiu de pretender ser uma revolução, abandonou todos os aspectos da luta armada e integrou-se na estrutura dominante existente, tornando-se um partido político a atuar dentro do sistema eleitoral existente e do quadro do sistema existente em geral. E entretanto, o que estava a acontecer? No decurso dessa guerra que ocorreu em El Salvador na década de 1980, e devido às condições desesperadas das massas nesse país, muitas pessoas fugiram para norte, acabando no México, ou mesmo acabando nos Estados Unidos e estabelecendo-se nas zonas urbanas. Ora, elas viram-se perante as condições que os imigrantes enfrentam nos Estados Unidos — muitos deles indocumentados, forçados a viver na sombra. E muitos jovens cresceram nas condições dos bairros marginalizados das cidades e adotaram a cultura desses bairros, a qual era fortemente influenciada pela vida dos gangues. Portanto, havia aí muitos desses jovens de El Salvador cujas famílias tinham sido forçadas a sair do país delas devido ao que estavam a fazer às pessoas nesse país o imperialismo e os regimes que o imperialismo lhe tinha imposto. Eles vieram para os Estados Unidos, viram-se aprisionados nas condições em que vivem muitos imigrantes aqui, e muitos jovens entraram nos gangues. E então, o que é que aconteceu? A certa altura, muitos destes imigrantes, incluindo muitos destes jovens, foram expulsos dos Estados Unidos — forçados a voltar a El Salvador, de regresso a condições que continuavam a ser de desespero para as massas populares. E muitos dos jovens pegaram na cultura dos gangues e nas estruturas dos gangues de que tinham feito parte, em resultado de viverem nas zonas urbanas dos Estados Unidos, e estabeleceram isso em El Salvador. Começou a haver terríveis guerras de gangues em El Salvador, a uma escala que nunca antes aí tinha sido vista.
Portanto, vê-se aqui o funcionamento do imperialismo, mas também se vê o que acontece quando há uma força, como a que houve em El Salvador na década de 1980, que luta contra o sistema opressor existente, mas que não se baseia realmente numa plena abordagem comunista revolucionária científica, e acaba por fazer compromissos com esse sistema. Há esta horrível mistura de condições — em que os jovens se chacinam uns aos outros, e as pessoas em geral nas favelas de El Salvador ficam presas nesses terríveis conflitos entre os gangues, adicionando mais um elemento mortal às condições de opressão impostas pelo sistema em geral.
Tudo isto enfatiza uma vez mais o que realmente precisa de sobressair de tudo isto: sem uma verdadeira liderança comunista, as massas populares serão sempre submetidas a horror atrás de horror atrás de horror, ainda que as suas formas específicas possam mudar, de uma ou de outra maneira.