Do Serviço Noticioso Um Mundo A Ganhar (SNUMAG) de 27 de Julho de 2009, aworldtowinns.co.uk
O seguinte documento do Comité Central do Partido Comunista do Irão (Marxista-Leninista-Maoista), datado de 28 de Junho de 2009, foi agora publicamente divulgado. Publicamos hoje a primeira parte de um conjunto de duas. Esta primeira parte centra-se na análise da situação, enquanto a 2ª parte trata das tarefas dos comunistas neste contexto. A tradução para português foi feita a partir da versão não oficial em inglês do SNUMAG.
Uma declaração analítica sobre a actual crise e as tarefas dos comunistas revolucionários (1ª parte)
A fraude eleitoral e o golpe de estado de uma facção do regime contra outra originaram uma crise de legitimidade sem precedentes na República Islâmica do Irão [RII] e um salto qualitativo dos sentimentos revolucionários entre as massas populares. Esta situação, com todas as suas contradições e complexidade, pode evoluir para uma situação completamente revolucionária, mas para que isso aconteça há obstáculos muito sérios que os comunistas revolucionários têm que encarar com grande seriedade e fazer tudo o que puderem para os resolver. Há uma importante oportunidade de fazer com que a luta de classes avance para uma verdadeira revolução. Mas tudo depende das forças comunistas revolucionárias organizadas.
Foi claro desde o princípio que iríamos enfrentar uma situação intensa com as eleições presidenciais. Mas ninguém imaginou a amplitude da sua dimensão nem o seu grau de violência. Vários factores contraditórios a nível nacional e internacional contribuíram para esta mistura inflamada. Algumas pessoas estão descontentes por o debate entre os candidatos presidenciais, a fraude de Ahmadinejad e o golpe eleitoral terem desencadeado estas vagas de luta revolucionária e resistência das massas populares. Elas questionam mesmo o carácter revolucionário da insurreição das massas contra a reacção. Mas nenhuma situação revolucionária na história alguma vez se apresentou de uma forma limpa e arrumada. Nunca houve uma revolução em que o alinhamento das forças de classe fosse límpido ou puro, com a burguesia e os reaccionários de um lado e o proletariado e os seus aliados do outro. As diferentes classes e estratos do povo chegam à revolução com as suas próprias ilusões. No início, as fileiras do povo e dos seus opositores reaccionários estão misturadas.
A realidade é que uma divisão sem precedentes entre os principais governantes (uma expressão do facto de eles já não conseguirem governar da mesma forma que no passado) activou uma explosão entre as massas no fundo da sociedade. Mas a explosão dos mais explorados ocorreu com base em agudas contradições de classe e sociais e no contexto de um profundo ódio à República Islâmica. As contradições dentro da classe dominante foram acentuadas pela pressão da efervescente ira do povo e, quando elas atingiram um clímax, isso activou o vulcão da ira popular. O povo aproveitou-se dessa divisão que tinha debilitado o regime. Saiu para a rua e começou a atacar todo o sistema.
Durante os últimos anos, as contradições internas do regime tornaram-se mais intensas que nunca. A contínua crise económica, o profundo descontentamento em relação ao regime entre as várias classes e estratos do povo e a pressão do imperialismo norte-americano sobre a RII foram os factores mais importantes que intensificaram as contradições internacionais do regime. A RII foi criada com base na sua alegação de que representava uma alternativa fundamentalista islâmica que podia governar a sociedade e inverter a dependência do país em relação ao imperialismo. Mas, tal como todos os estados dependentes típicos, a RII está profundamente integrada no sistema imperialista global. A sua particularidade teocrática já não a consegue proteger e fortalecer a nível interno ou internacional. Em resultado disso, a luta interna entre as classes dominantes representa algo mais que apenas uma rivalidade tipo Máfia sobre o poder e a riqueza. As suas principais discordâncias políticas são sobre como governar e salvar o seu sistema, o seu regime.
Uma facção acredita que todo o sistema se desmoronará se não houver alguma reforma das estruturas dominantes da RII. Uma outra teme que essas reformas vão activar o colapso do regime. Estas diferenças políticas vieram a público quando Khatami foi eleito há 12 anos e têm-se intensificado permanentemente desde então.
Duas contradições, duas forças motrizes
O vulcão que explodiu no Irão é uma expressão dos mecanismos da contradição fundamental da era do capitalismo, entre a produção social e a apropriação privada a uma escala mundial. Esta contradição tem uma influência decisiva nas contradições internas de todos os países do mundo e une o destino de todas as sociedades de uma forma muito profunda. Esta contradição irrompe nos diferentes países em diferentes momentos.
Mas se olharmos para a particularidade da situação, vemos que a actual situação é composta por duas contradições ou forças motrizes: a contradição entre a maioria das massas populares e todo o regime dominante e a contradição entre os governantes reaccionários. Estas duas contradições interpenetram-se e moldam a situação no seu todo. As oportunidades para uma mudança radical encontram-se na primeira força motriz, ou seja, na contradição entre a maioria do povo e o regime. Mas a outra força motriz também irá exercer a sua influência no desenvolvimento da situação e, ao mesmo tempo, debilitar o regime e tornar mais fácil ao povo golpeá-lo. Ao mesmo tempo, a segunda contradição também é uma fonte de ilusões entre as massas sobre a natureza dessa luta interna e a natureza e características dessas facções, sobretudo a dos reformadores.
Uma das mais importantes formas em que a actual situação é diferente da situação revolucionária de 1978-79 é que a anterior situação se desenvolveu com base na contradição entre o povo e o regime do Xá. A princípio, nenhuma das facções do actual regime estava presente no movimento popular e as forças islâmicas reaccionárias ainda não o controlavam. Mas, na actual insurreição contra o regime, uma facção do regime tem tido uma presença muito forte desde o início. Porém, à medida que a situação se tem intensificado, o controlo desta insurreição tem-lhes escapado das suas mãos em importantes aspectos. O “Silêncio Verde” [Mousavi pediu às pessoas presentes nas manifestações que se mantivessem silenciosas e que usassem a cor do Islão] subitamente abriu caminho aos brados nocturnos das pessoas [que gritavam palavras de ordem nos telhados após o cair da noite]. As formas pacíficas de protesto evoluíram para uma sangrenta luta com as forças militares da RII. O cenário tem estado cada vez mais ocupado pela juventude radical e revolucionária das classes médias e baixas e das classes trabalhadoras. Os jovens descontentes das classes altas afastaram-se dos locais de luta e alguns saíram mesmo do país.
Mas nós não devemos pensar que a polarização política e de classe desta insurreição irá ocorrer espontaneamente. Na realidade, sem a intervenção dos comunistas nesta situação, sem um esforço para o estabelecimento de uma liderança comunista revolucionária pelo menos entre certos estratos das mulheres, jovens e operários avançados, essas mesmas massas radicais e auto-sacrificadas podem tornar-se em peões de uma ou outra facção do regime ou de novas forças burguesas que venham a emergir. Por enquanto, a facção “reformadora” e as suas famílias estão à espera para regressarem ao poder em resultado do sacrifício das massas.
Quanto mais as pessoas compreenderem a natureza da luta interna entre as classes dominantes, mais difícil será que algumas das facções da classe dominante consigam virar a energia das massas a seu favor. Os combatentes têm que compreender melhor os verdadeiros pontos do regime e a sua própria força para que não temam a ausência de uma liderança burguesa. Em vez de passividade e de seguirem os programas reformadores, depressa começarão a planear organizar corajosa e conscientemente as fileiras das mulheres, jovens, operários e outros trabalhadores.
Não podemos prever como se irão desenvolver as contradições dentro das classes dominantes. A reconciliação entre elas é uma possibilidade, mas outras possibilidades incluem confrontos armados que envolvam o exército e/ou as forças de segurança. O perigo que elas sentem em relação às massas pode impor-lhes que ponham de lado as suas diferenças e se unam. Mas essa unidade será de curta duração. E, em geral, seria muito difícil que elas regressassem unidas e sobretudo chegassem a um tipo de reconciliação que se assemelhasse a uma “vitória” para as massas e que as mandasse de volta a suas casas.
O desenvolvimento das contradições entre as diferentes facções do regime depende de vários factores, incluindo os seus esforços conscientes, a sua vontade política e militar e as suas limitações e liberdade em relação tanto a cada uma das outras facções como à luta radical das massas populares. Embora os fundamentalistas sejam militarmente mais fortes, as suas diferenças internas e extrema impopularidade entre as massas impede-os de terem uma vontade política e coerência unificadas. Os que se uniram em torno do golpe – incluindo os que o planearam antecipadamente, os que o sancionaram posteriormente e os que se mantiveram silenciosos – todos eles têm diferenças sobre como levar avante o plano do golpe e quão longe ele deve ir. Além disso, eles estavam a contar com o reconhecimento de estados poderosos a nível internacional, mas o desenvolvimento da luta das massas frustrou os seus planos.
Dada a influência que conquistou entre as massas, a facção reformadora tem a supremacia política. Mas “o factor povo” é muito contraditório, frágil e fluido no que lhes diz respeito. Eles também temem as massas. A vontade política dos reformadores de irem contra a facção dominante de Khamenei é frágil. A princípio, eles pensaram que podiam criar uma divisão dentro dos Pasdaran [os Guardas Revolucionários] mas a facção fundamentalista já os tinha purgado de forças reformadoras antes das eleições e levou isso ainda mais longe no dia seguinte. Mousavi referiu-se publicamente aos Pasdaran, ao exército e à Basij [a milícia islâmica] como “irmãos” para aumentar a sua influência entre eles. Tal como todas as forças burguesas, ele não só tem medo de perder as suas próprias armas como também quer privar os seus inimigos das armas deles. (Nota: Ver A Luta de Classes em França, de Karl Marx). Agora, Rafsanjani, essa raposa esperta da RII, está a negociar com outras autoridades religiosas, e provavelmente está a haver algumas negociações entre os “principalistas” [como se autodenominam as forças mais fundamentalistas] e os reformadores actualmente encarcerados), tudo com o objectivo de conter a situação, mas qualquer reconciliação temporária entre eles será um prefácio a maiores confrontos futuros.
O papel das potências imperialistas, e sobretudo dos EUA
A abordagem adoptada pelas potências imperialistas e a rivalidade entre elas também teve um importante efeito, sobretudo na forma como actuam as diferentes facções. A insurreição popular transtornou todos os planos do governo Obama. Para levar a cabo as suas guerras no Iraque, no Afeganistão e no Paquistão, Obama precisa de trabalhar de perto com a República Islâmica. Por isso, ele quis negociar directamente com a RII, com Khamenei na liderança. E foi por isso que Obama foi neutro em relação ao processo eleitoral. Essa neutralidade, em conjunto com acordos particulares com os representantes de Khamenei, visava abrir a porta a negociações. É muito provável que os artífices do golpe estivessem a contar com esses acordos para os ajudarem a escapar com uma gigantesca fraude eleitoral. Mas a inesperada reacção das massas estragou a política de Obama e levou os artífices do golpe à beira de serem derrubados. O bando de Ahmadinejad-Khamenei quis que parecesse que tinha um esmagador apoio eleitoral e nenhum rival dentro da classe dominante, de forma a se posicionar de forma a iniciar negociações e relações oficiais com os EUA. Mas, apesar do apoio directo de potências capitalistas reaccionárias como a China e a Rússia, esse bando perdeu nesse jogo arriscado.
Eles subestimaram a ira das massas e chamaram-lhes escória. Há quatro anos, eles tinham falsificado as eleições presidenciais e comprado o silêncio de Khatami e dos reformadores. Pensavam que desta vez iria acontecer o mesmo. Mas os reformadores sabiam que, se não protestassem, estavam acabados, pelo que romperam o seu silêncio. Em resultado da insurreição das massas e do questionamento da legitimidade do regime, o factor internacional, que era suposto trabalhar a favor da estabilização do golpe de estado, tornou-se no seu oposto. A corajosa rebelião das massas iranianas deu lugar a uma generalizada solidariedade entre os povos do mundo. As forças imperialistas, sobretudo os EUA, foram obrigadas a fazer uma reviravolta política.
Os Republicanos acusaram Obama de apoiar o bando de Khamenei-Ahmadinejad. Alguns sectores das classes dominantes dos EUA acham que devem apoiar a insurreição das massas contra os seguidores do Islão de forma a debilitarem o fundamentalismo islâmico no Médio Oriente e no mundo. (Nota: Ver O Alcorão e as Urnas Eleitorais, de Reuel Marc Gerecht). Mas não há dúvida nenhuma que, devido à crise económica mundial e à disputa dos EUA com a China e a Rússia, Obama enfrenta sérias limitações à sua capacidade de prosseguir essa estratégia. Além disso, Obama não tem a certeza que os reformadores da RII consigam derrubar os fundamentalistas. Foi este ponto de vista que um analista próximo da Casa Branca exprimiu no canal televisivo Al-Jazeera. Quando o jornalista lhe pediu uma explicação sobre as razões por trás desta análise, o analista respondeu que a extensão da insurreição de massas não era suficientemente vasta e que os operários e camponeses não tinham entrado em cena.
Em todo o caso, os imperialistas são obrigados a intervir para assegurarem os seus interesses em relação a uma insurreição que mudou completamente a face do Irão e alterou os seus anteriores planos. Indubitavelmente, isso irá juntar-se à complexidade da cena política e ao alinhamento das forças de classe e pode ser uma fonte de outro tipo de ilusões entre vários estratos do povo – ilusões sobre a natureza do imperialismo e do seu sistema democrático burguês.
(Continua na 2ª parte)