Do Serviço Noticioso Um Mundo A Ganhar (SNUMAG) de 18 de Dezembro de 2006, aworldtowinns.co.uk
Índia: A Salwa Judum e a guerra da Índia contra o seu próprio povo
Chhattisgarh, na Índia central, é um dos 13 estados onde o Partido Comunista da Índia (Maoista) lidera uma luta armada baseada sobretudo nos camponeses pobres e nos trabalhadores sem-terra, incluindo os adivasis, os povos tribais da Índia.
Por exemplo, a 13 de Dezembro, o serviço noticioso da Reuters relatava: “Quatro polícias foram mortos a tiro quando cerca de 250 rebeldes maoistas fizeram um ataque na Índia central, na madrugada de quarta-feira, disse a polícia. O confronto teve lugar junto a um acampamento que aloja 1000 refugiados tribais de uma aldeia florestal do distrito de Dantewada, no empobrecido Estado do Chhattisgarh, a 480 quilómetros a sul da capital do Estado, Raipur. Entre os mortos estava um agente da polícia e três agentes especiais da polícia, habitantes locais que tinham sido recrutados para actuar como informadores e auxiliares da polícia na sua luta contra os rebeldes. Dantewada tornou-se o epicentro das actividades maoistas na Índia desde que o governo do Estado ajudou a montar um movimento antimaoista chamado Salwa Judum (Campanha pela Paz) nesse remoto distrito no passado mês de Junho. Cerca de 50 000 membros dos povos tribais vindos de 600 aldeias do distrito foram alojados em acampamentos controlados pela Salwa Judum.”
O texto que se segue é extraído, ligeiramente editado, de um folheto publicado na Índia em Abril de 2006 e intitulado Quando o Estado faz guerra contra o seu próprio povo: Um relato das violações dos direitos do povo durante a Campanha Salwa Judum em Dantewada, Chhattisgarh, Índia.
Quando o Estado faz guerra contra o seu próprio povo:
Um relato das violações dos direitos do povo durante a Campanha Salwa Judum em Dantewada, Chhattisgarh, Índia
Desde Junho de 2005 que o Distrito de Dantewada (que antes fazia parte do distrito de Bastar), no Chhattisgarh, tem estado nas notícias devido a uma alegada insurreição dos adivasis contra o Partido Comunista da Índia (Maoista). A maioria dos relatos oficiais e da comunicação social descrevia esse movimento, conhecido como Salwa Judum, como uma reacção espontânea e auto-iniciada contra a “opressão maoista” e saudava-a como um ponto decisivo na luta contra os naxalitas (uma expressão utilizada frequentemente para descrever os maoistas indianos). Ao mesmo tempo, alguns relatos indicavam que as pessoas tinham sido deslocadas em grande número e que estavam a viver em condições miseráveis em acampamentos. Embora tenham sido oficialmente atribuídas a ameaças e à vingança dos maoistas contra quem se juntou à Salwa Judum, também surgiram algumas notícias dispersas sobre a expulsão forçada de aldeias como parte da política antimaoista do governo e sobre os excessos cometidos por membros da Salwa Judum e das forças de segurança.
Uma equipa de 14 membros de cinco organizações levou a cabo uma investigação entre 28 de Novembro e 1 de Dezembro de 2005 nos blocos Bijapur e Bhairamgarh do distrito de Dantewada, centrada especificamente na violação dos direitos humanos e no impacto sobre a vida quotidiana das pessoas. Essas organizações são: a União Popular pelas Liberdades Civis (PUCL) de Chhattisgarh, a União Popular pelas Liberdades Civis (PUCL) de Jharkhand, a União Popular pelos Direitos Democráticos (PUDR) de Deli, a Associação para a Protecção dos Direitos Democráticos (APDR) do Bengala Ocidental e a Associação Indiana dos Advogados Populares (IAPL).
Com base no que foi apurado, salientam-se três factos que vão claramente contra todas as afirmações do governo. Primeiro, ficou claro que a Salwa Judum não é um movimento popular espontâneo, mas uma campanha de contra-insurreição organizada pelo Estado. Segundo, é enganador descrever a situação simplesmente como de simples aldeões apanhados entre os maoistas e o exército. Os maoistas têm apoio generalizado e, enquanto as pessoas continuaram a viver nas aldeias, foi difícil ao governo isolar os maoistas. Em vez de questionar a sua própria falta de resultados no desenvolvimento básico, o governo recorreu ao esvaziamento de aldeias em larga escala. Dezenas de milhares de pessoas estão agora refugiadas em acampamentos temporários à beira da estrada ou a viver com familiares, com o total desfazer da sua vida quotidiana. As perspectivas do seu regresso são actualmente escassas. Terceiro, toda a operação, em vez de ser uma “missão de paz” como alegam, resultou numa escalada de violência de todos os lados. Porém, apenas são reconhecidos os assassinatos feitos pelos maoistas, enquanto a Salwa Judum e os paramilitares operam em total impunidade. A legalidade foi completamente destruída.
O distrito de Dantewada, situado na ponta sul do Estado do Chhattisgarh, faz fronteira com os Estados do Maharashtra, Andhra Pradesh e Orissa. Está dividido em quatro tehsils (subdivisões): Bhopalpatnam, Bijapur, Dantewada e Konta. As operações da Salwa Judum e da polícia iniciaram-se no tehsil de Bijapur, mas alastraram agora a Konta. Os habitantes do distrito são predominantemente tribais – sobretudo Maria Gonds e Dorla – que correspondem a 82% da população rural. As castas marcadas (as pessoas das castas mais baixas) correspondem a cerca de 3% da população, sendo a restante constituída por comunidades OBC (Outras Castas Atrasadas) como os Sundis, os Kallars, etc. Vários imigrantes de outros Estados, sobretudo comerciantes, mas também funcionários dos níveis mais baixos, professores, trabalhadores da saúde, etc., mudaram-se para pequenas cidades com mercados como Bijapur, Sukma, Konta e Dantewada. As minas de Bailadilla dificilmente empregam adivasis locais, tornando a cidade mineira de Kirandul num enclave não-tribal, com pouca ligação às zonas rurais vizinhas.
Este quadro, de um grande número de aldeias tribais bastante pequenas e de algumas aldeias grandes com famílias não-tribais, é confirmado pelos dados do censo. Das 1220 aldeias do distrito, 455 são completamente tribais e outras 458 são mais de 90 por cento tribais, i.e., 75% das aldeias do distrito são quase completamente tribais. Apenas 76 aldeias, ou seja, cerca de 6% do total, têm menos de 50% de população tribal. As aldeias maiores servem de mercados locais e são essas que tendem a ter maiores populações não-tribais.
Cerca de 38% das zonas rurais do distrito estão fora das terras das aldeias e de parte da floresta. O Censo de 2001 indicava que essas florestas tinham 202 aldeias, das quais cerca de 90 estavam habitadas. O que é pertinente é que essas aldeias não têm nenhum direito sobre a terra e estão à mercê do Departamento Florestal. (Dantewada tem um parque nacional, o Indravati, e dois santuários da vida selvagem, Bhairamhgarh e Pamed.) Além destas aldeias, as restantes ocupam 62% do distrito, mas também aqui 46% delas estão classificadas como “floresta”. Assim, no total, cerca de dois terços do distrito pertencem ao Departamento Florestal, pelo menos no papel. Algumas dessas zonas florestais podem já ter sido terras das aldeias. Por exemplo, nas áreas dos zamindaris (uma forma de domínio de grandes proprietários) de Bhopalpatnam e Kutru, a opressão feudal durante os tempos coloniais obrigou os habitantes a fugirem das suas aldeias. Depois de 1947 e da abolição dos zamindaris, esses habitantes regressaram e encontraram as suas terras classificadas como floresta.
Os aldeões dependem fortemente da agricultura e da floresta. Da totalidade da terra das aldeias, menos de 29% é cultivada e, como já se disse, quase metade é classificada como floresta e a restante é incultivável ou improdutiva. A dimensão média das terras por família é de 1,01 hectares, i.e., 2,5 acres. Em geral, a irrigação está ausente (apenas 2% têm algum tipo de irrigação) e apenas é possível uma única colheita. A mudança de aldeias devido a razões económicas é portanto comum.
Devido a ser uma agricultura irrigada pela chuva, a recolha e venda de produtos florestais, além da madeira, nos haats (mercados) semanais ou aos agentes é uma importante fonte de rendimentos locais, um facto que sublinha a dependência das pessoas da floresta e a sua interacção forçada com os funcionários do Departamento Florestal e os comerciantes.
Os níveis de alfabetização nas zonas rurais são baixos, sendo 29% para os homens e 14% para as mulheres, com uma taxa de alfabetização rural global de 21%. Contudo, isto representa um quadro parcial. Por exemplo, no tehsil de Bijapur há apenas 52 aldeias em que mais de 25% da população tem instrução e em 35 aldeias não há sequer uma pessoa escolarizada. Isto está relacionado com a disponibilidade e a qualidade das escolas do distrito: das 1220 aldeias, 214 não têm sequer uma escola primária e para 107 aldeias a escola está a mais de 5 quilómetros. Além disso, a presença de instalações escolares na aldeia não assegura que os professores estejam disponíveis.
A situação é distintamente pior no que diz respeito às instalações de saúde. Do total de 1220 aldeias, não há nenhuma instalação médica em 1161 delas. Só há um centro de saúde primário em 26 aldeias; um médico registado privado em 17 aldeias, um médico subsidiado pelo governo em 12 e um trabalhador de saúde comunitária em 122 aldeias. Um comentário revelador da insuficiência das infra-estruturas de saúde e da saúde e do bem-estar das populações é dado pelos estudos realizados pela PUCL de Chhattisgarh em anos anteriores.
Já em 1987, uma investigação sobre os recorrentes relatos de disenteria sanguínea em Bastar, que ceifa muitas vidas todos os anos, revelou que as pessoas tinham um acesso muito limitado a água potável. Um estudo mais recente realizado em 2004 revelou que as coisas não tinham efectivamente melhorado muito nos últimos 18 anos.
Os recursos naturais e a retórica do desenvolvimento
Embora os habitantes do Dantewada sejam extremamente pobres, a sua terra é extremamente rica, tanto em riquezas minerais como florestais. Quando o governo fala em “desenvolvimento”, parece ter em mente o desenvolvimento desses recursos para lucro privado em oposição ao desenvolvimento da sua população. Quando organizações e movimentos salientaram que os dois não são sinónimos, e que a forma como a mineração e outras actividades industriais têm sido praticadas no passado têm resultado na deslocação e na consequente pauperização dos povos tribais da região, foram acusadas de serem “antidesenvolvimento”.
Esse esforço de exploração dos recursos naturais ganhou um impulso com a formação do Estado do Chhattisgarh em 2001. O governo do novo Estado assinou acordos com várias empresas industriais como a Tata e a Essar para instalarem fábricas de aço em terras arrendadas ao Estado. Estão de pé planos de intensificação da mineração, com o grupo Essar a montar uma conduta para transportar 8 milhões de toneladas de minério de ferro por ano para o porto de Vishakhapatnam. Uma fábrica de aço da Companhia Nacional de Desenvolvimento Mineiro já foi começada a construir na aldeia de Nagarnar, em Bastar, apesar dos protestos locais.
Mas quase seis décadas de prosápia oficial sobre o “desenvolvimento” têm pouco a mostrar em troca. De facto, enquanto os indicadores de alfabetização e saúde continuam miseráveis, o único indicador que prospera é a relação entre esquadras de polícia e população. Um olhar superficial à infra-estrutura de desenvolvimento mostra que enquanto Dantewada ostenta 37 esquadras da polícia para os 374 panchayats (conselhos) do distrito, com 33 novas esquadras da polícia a surgir, em todo o distrito há apenas 26 centros de cuidados primários de saúde, 26 escolas secundárias e quatro escolas superiores.
É atribuído mais dinheiro à segurança e às operações antinaxalitas que ao desenvolvimento. Na realidade, o que passa por desenvolvimento na linguagem oficial tem uma marca de segurança. As infra-estruturas físicas a serem construídas incluem – além das esquadras da polícia – estradas, pontes, etc. Embora as estradas, as pontes e a electrificação venham indubitavelmente a beneficiar a gente comum, é evidente que as suas necessidades têm muito pouco a ver com a vinda da Organização de Estradas de Fronteira para construir estradas na região. Uma Proposta de Trabalho oficial do gabinete do Cobrador declara que a verdadeira razão para a construção e alargamento das estradas é expulsar os maoistas das selvas e tornar mais fácil a movimentação de tropas na zona.
Resumindo, os adivasis e outros habitantes da região têm poucas possibilidades de um verdadeiro desenvolvimento e estão intensamente conscientes do seu estatuto marginal e explorado. Para a esmagadora maioria dos habitantes das aldeias, a agricultura é inviável, dado que os terrenos são pequenos e não há nenhum investimento na irrigação, que há severas restrições ao uso das florestas em parte devido à criação de reservas da vida selvagem, que os preços dos produtos florestais são mantidos deliberadamente baixos pelos comerciantes e pelo governo e que o aparelho governamental os trata com apatia e desprezo. Por outro lado, há uma pequena minoria – sobretudo famílias de comerciantes, lojistas, membros da burocracia, advogados e outras pessoas que vivem nas pequenas cidades e alguns líderes tribais abastados – que enriqueceram através da política ou da corrupção envolvendo o abate ilegal de árvores e que anseiam pelos grandes projectos de desenvolvimento.
Numa situação em que o Estado alega direitos sobre a terra e em que as pessoas que se mantêm nessas terras são tratadas como periféricas para a economia nacional, uma base de massas dos maoistas que desafia o actual estado das coisas gera uma ameaça aos planos estatais para a indústria pesada e para os lucros nesta região.
Ao longo dos anos 80, houve movimentos contra o paradigma dominante de desenvolvimento e contra a excessiva corrupção da administração. Muitos deles eram locais em carácter, entre os quais o movimento contra a florestação de pinheiros para alimentar as Indústrias de Papel Ballarshah, o movimento das mulheres de Asna, perto de Jagdalpur, contra o cerco das florestas e a monocultura florestal e a resistência dos povos tribais de Mawlibhata contra uma fábrica de aço proposta para as suas terras. Nos tempos mais recentes, o desafio mais sério ao modelo dominante de desenvolvimento chegou com a formação do PCI (Maoista).
O movimento maoista
A região de Telengana, no Estado do Andhra Pradesh, faz fronteira a sul com o Dantewada e tem uma longa história de lutas camponesas que vêm dos anos 40. Nos anos 70, as lutas do campesinato foram lideradas por vários partidos marxistas-leninistas, entre os quais o PCI(ML)-Guerra Popular (PWG), um precursor do PCI (Maoista). Por volta de 1980, o PWG criou, na zona do actual distrito de Dantewada, uma organização chamada Dandakaranya Adivasi Kisan Mazdoor San-gathan (DAKMS). As primeiras questões levantadas por essas organizações andavam à volta da opressão e exploração por “estrangeiros”, sobretudo pelos departamentos florestais e de impostos, pela polícia e pelos agiotas. Elas mobilizaram os habitantes locais contra as práticas dos agentes florestais que cobravam multas e exigiam pagamentos ilegais em dinheiro e géneros pela recolha de produtos florestais secundários, pelo uso das zonas florestais das aldeias para cultivo ou pelo derrube de árvores para a construção de casas. Os funcionários das finanças também exigiam pagamentos semelhantes pelo alargamento das plantações.
Uma segunda iniciativa foi a criação de sanghams nas aldeias. O seu objectivo era substituírem gradualmente as estruturas tradicionais de autoridade nas aldeias, tratarem dos assuntos das aldeias e resolverem as disputas. Há hoje sanghams em muitas aldeias de Dantewada. Esses sanghams são na realidade um dos principais objectivos da Salwa Judum, dado que desafiam as estruturas tradicionais de autoridade local e estão identificados com os maoistas. Mesmo o Cobrador Distrital afirma que “a verdadeira força [dos maoistas] está nos membros dos sanghams que são aldeões e não incluem ninguém a não ser pessoas comuns analfabetas que, como os outros, cuidam das suas famílias ganhando ao dia”.
A região tem uma história de oposição política aos maoistas vinda dos sectores dominantes da sociedade (tanto tribal como não-tribal) na forma de Jan Jagran Abhiyans. A aquisição de terras das grandes propriedades e a sua redistribuição pelas famílias sem-terra através de organizações camponesas gerou um sector descontente com os maoistas. Além disso, a redução do papel do chefe e do sacerdote devido à criação dos sanghams também contribuiu para essa reacção. Os comerciantes e os empregadores das cidades comerciais e das sedes de tehsil como Bijapur e Bhairamgarh – que eram sobretudo não-tribais – juntaram-se a esses elementos contra os maoistas.
Por volta de Maio-Junho de 2005, foi iniciada outra mobilização contra as organizações maoistas usando as elites locais, adivasis e não-adivasis, e as forças estatais. Mahendra Karma, um MLA (membro do parlamento estatal) do Partido do Congresso, rapidamente ficou de novo à sua frente. Desta vez foi chamada Salwa Judum. Salwa é a palavra Gondi para a água que é borrifada sobre uma pessoa doente para afastar a doença, enquanto Judum é a palavra para caçadas colectivas. Salwa Judum significa assim caçada de purificação, aparentemente pretendendo curar a sociedade tribal da “enfermidade” maoista. Nos círculos oficiais, esta campanha tanto está a ser chamada Jan Jagran Abhiyan como Salwa Judum, indicando provavelmente tanto a continuidade como as diferenças em relação às Jan Jagran Abhiyans do passado.
As diferenças são cruciais: primeiro, a Salwa Judum envolve uma região mais alargada, envolve o uso muito mais intensivo do poder estatal e integra a nível central a política antinaxalita dos governos central e estatal. Segundo, os ataques e os massacres são mais frequentes e mais brutais e o seu impacto sobre a vida quotidiana das populações locais é muito mais devastadora.
O aparecimento da Salwa Judum
Há alguma ambiguidade sobre a origem da Salwa Judum. Há duas explicações algo contraditórias. Tanto se diz que a Salwa Judum começou como uma iniciativa antimaoista inteiramente civil surgida das contradições sociais locais, como, em alternativa, como uma operação organizada desde o início como parte integrante dos planos governamentais de contra-insurreição de longo prazo. Na realidade, a questão da sua origem é secundária. O que é mais importante é, primeiro, a base social da Salwa Judum; segundo, a extensão do apoio estatal que actualmente obtém como parte do programa antinaxalita do estado indiano; e terceiro, a brutalidade que as pessoas estão a enfrentar em sua consequência. De facto, a Salwa Judum não poderia ter atingido as suas actuais proporções sem a extensão do apoio estatal que está a ter.
Os relatos de três fontes diferentes sugerem que a Salwa Judum começou a nível local com uma variedade de temas que incluíam a oposição aos sanghams e a redistribuição das terras das aldeias. A liderança da Salwa Judum representa os que se consideram vítimas da violência maoista. Inclui sectores da sociedade tribal e não-tribal que foram adversamente afectados pelas políticas maoistas, por exemplo, pessoas que detinham posições tradicionais de autoridade nas aldeias, pessoas cujas terras foram redistribuídas, os comerciantes cujos lucros foram atingidos nas lutas pelas tendu patta (as folhas para fabrico de cigarros, recolhidas pelos povos tribais e vendidas aos comerciantes) e pelos produtos florestais, etc. Lakshman Kashyap, um líder local da Salwa Judum disse-nos que a liderança da Salwa Judum consiste principalmente em (a) alguns chefes, sarpanches e panches, bem como membros dos seus clãs, e (b) imigrantes não-tribais, todos mobilizados contra os maoistas. Mesmo os relatos oficiais não negam esta composição da liderança da Salwa Judum. Ao nível das bases, também é visível que os contratantes, os transportadores e os comerciantes das pequenas cidades do distrito de Dantewada, que têm muito a ganhar com a industrialização da região, também representam um papel destacado na Salwa Judum.
Porém, o que é importante é que o Estado explorou imediatamente a situação. É crucial nunca esquecer que a Salwa Judum não poderia tornar-se no que é sem a extensão do apoio estatal que obteve. Por exemplo, o Cobrador Distrital disse-nos que das 150 a 200 reuniões da Salwa Judum realizadas até Dezembro de 2005, ele tinha assistido a 75 por cento. Outras fontes também tornam evidente que o Estado representou um papel activo na canalização e na propagação da oposição antimaoista entre alguns sectores da população, alimentando assim a Salwa Judum como parte da sua política antinaxalita para toda a Índia.
“Foi isto que aconteceu em Bangapal, senhor. A 3 de Agosto fizemos uma reunião na aldeia de Munder. Os aldeões de Munder fugiram para as colinas. O Batalhão Naga foi às colinas, apanhou-os, fê-los regressar e fê-los juntar-se à Salwa Judum. Quem não estava disposto a juntar-se foi preso. Eu não sei tudo. Não sei quantas pessoas foram obrigadas a juntar-se e quantas foram presas.”
– Lakshman Kashyap, líder local da Salwa Judum, numa entrevista
Não está disponível nenhum relato mais claro sobre o que acontece durante uma operação da Salwa Judum. Quem não se junta à Salwa Judum é violentamente trazido pelos membros da Salwa Judum, da polícia e da Brigada Naga da Reserva Indiana (Naga IRB – uma unidade do Exército). O nosso apuramento de factos e um anterior relatório de apuramento de factos (Novembro de 2005) do Partido Comunista da Índia (PCI) indicam um padrão consistente. Primeiro, as reuniões da Salwa Judum são organizadas em aldeias conhecidas por apoiarem os maoistas. A audiência dessas reuniões é transportada em autocarros alugados ou fornecidos pela administração. O dinheiro vem do governo central. Muitas vezes, vários políticos falam nessas reuniões. Procissões, chamadas padyatras, saem das maiores aldeias onde estão instalados os acampamentos e são acompanhadas pelas forças de segurança e, às vezes, pelo Cobrador ou pela SP (Polícia Especial). No decurso dessas reuniões, as casas dos membros dos sangham ou de aldeões comuns são incendiadas e o seu gado, porcos, aves e outros bens domésticos são saqueados. Como nessas aldeias as casas estão dispersas, muitas vezes os aldeões não conseguem resistir colectivamente a esses ataques. Porém, algumas aldeias resistem aos ataques, ajudadas pelos próprios membros dos seus sangham e por outros maoistas. Por vezes algumas pessoas são mortas, mas nunca nenhum relatório oficial dessas mortes é feito pelas forças de segurança. Porém, as mortes causadas pelos maoistas são registadas e, em muitos casos, as famílias são compensadas. Os habitantes das aldeias derrotadas são então forçados a sair e a viver nos acampamentos, 17 dos quais a própria administração diz ter montado. Ficam impossibilitados de continuar as suas actividades agrícolas e a sua existência normal e espera-se que integrem as procissões da Salwa Judum e as reuniões noutras aldeias e que integrem outros grupos de ataque. Além disso, espera-se que mantenham debaixo de olho as pessoas conhecidas pela sua associação aos maoistas.
Os ataques da Salwa Judum
Ao contrário das Jan Jagrans de 1990 e 1998, quando alguns mukhiyas (chefes de conselho) foram mobilizados contra os maoistas, agora os ataques da Salwa Judum às aldeias estão a ser levados a cabo com a ajuda do CRPF e da Brigada Naga da Reserva Indiana, acompanhados de um pequeno contingente de civis. A Naga IRB, temida pelos habitantes locais, na realidade é conhecida por preferir fazer os seus próprios ataques.
Embora não tenhamos qualquer confirmação independente disso, há sérias alegações de violação de mulheres pelas forças de segurança e pelos activistas da Salwa Judum. Os maoistas listaram 31 casos de violação, nos quais seis mulheres também foram assassinadas, desde o início da Salwa Judum em Junho de 2005.
Também há relatos de crianças e velhos que foram espancados. As aldeias são violentamente esvaziadas das pessoas e do seu gado. Na maior parte das aldeias atacadas, descobrimos aldeias inteiras que foram completamente esvaziadas, à excepção de um velho ocasional e, em alguns casos, de mulheres. Também sondámos aldeias em que as pessoas acabaram por decidir “render-se” depois de repetidos ataques da Salwa Judum e das forças de segurança.
O que se segue é um dos vários relatos de um ataque a uma aldeia pela Salwa Judum.
A aldeia de Kotarapal
Kotarapal é uma grande aldeia dividida em Joona Kotarapal e Navin Kotarapal, que era uma praça-forte dos maoistas. Kotarapal foi atacada quatro vezes pela Salwa Judum. O primeiro ataque foi a 18 de Junho de 2005, depois de uma reunião da Salwa Judum em Matwada (uma grande aldeia onde se realiza o mercado semanal) em que participaram cerca de 3000 pessoas. Na reunião falaram, entre outros, Mahendra Karma Majhi, o mukhiya (chefe de conselho) Korsa Sukulu e Lekam Jilaram. Também participaram habitantes de aldeias perto do Indravati, como Sattuva, Bail e Dharma. Da reunião, cerca de mil pessoas marcharam para a aldeia de Kotarapal, a poucos quilómetros. Os aldeões prevenidos já tinham enviado os velhos e as crianças para fora da aldeia; os jovens e as mulheres ficaram para trás. Quando a procissão da Salwa Judum se aproximou da aldeia, foi atacada pelos aldeões e pelos membros do sangham. Na confusão que daí resultou, morreram duas pessoas (Micha Dashru de Bandeparre e Mohan Singh de Naimed). Os membros do sangham detiveram 12 pessoas, das quais 11 foram depois libertadas. Bhuvneshwar Thakur de Jangla permaneceu em sua custódia e foi morto a 26 de Junho.
Depois do incidente de 18 de Junho, realizou-se uma reunião da Salwa Judum em Bijapur, convocada por Mahendra Karma, pelo Prabhari mantri (Ministro Responsável pelo distrito de Dantewada) Kedar Kashyap e por Rajendra Pambhoi (MLA). Foi aí que a Jan Jagran Abhiyan se transformou em “Salwa Judum”. A 1 de Julho, Kotarapal foi atacada pela segunda vez por uma força combinada das forças armadas do Distrito e da Força Central de Reserva Policial, liderada pelo Inspector-Geral da região de Bastar, pelo S.P. (chefe da polícia) Bijapur, bem como por Mahendra Karma (líder da Salwa Judum). Como a maior parte dos aldeões e dos membros do sangham tinha escapado para a selva, os atacantes saquearam e queimaram as suas casas e mataram os seus animais. Foram mortos dois velhos camponeses, Uikay Sannu e Vanjam Mangu, e uma velha ficou fatalmente ferida.
O terceiro ataque teve lugar a 11 de Agosto e Lekam Budhram (35) e Aatam Bodhi (30), ambos membros do sangham, foram mortos pelos soldados da Naga IRB. Parece que nesse ataque, bem como no quarto ataque que se lhe seguiu a 12 de Setembro, os soldados da Naga IRB levaram um grande número de pessoas para o acampamento de Matwada. Segundo o relatório de apuramento de factos do PCI, 48 jovens, supostamente membros do sangham, foram apanhados em Kotarapal e obrigados a render-se a Mahendra Karma a 13 de Outubro. Desde então permanecem detidos na esquadra da polícia de Bhairamgarh. Segundo alguns habitantes da aldeia, cujas famílias se tinham recusado a morar nos acampamentos, o seu mukhiya tinha estado a pressioná-los para abandonarem a aldeia. Muita gente já tinha fugido para a floresta. As duas últimas famílias dessa aldeia foram atacadas pela Naga IRB e os homens levados para a vizinha Jangla e torturados. A aldeia está agora completamente vazia.