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O seguinte documento foi traduzido por apoiantes da Nova Síntese no Brasil. O original está disponível em:

Compreender cientificamente, defender firmemente
e ir além do maoismo, para uma nova etapa do comunismo:

Reflexões polêmicas sobre “O que é o maoismo?”,
um ensaio por Bernard D’Mello

Por K. J. A.


A partir de Demarcações n.º 2 (Junho de 2012), Um jornal da teoria comunista e controvérsia que promove os pontos de vista do Partido Comunista Revolucionário, EUA. Demarcações é uma revista eletrônica em inglês: demarcations-journal.org.

Em seu artigo “O que é o maoismo?” no Economic and Political Weekly [EPW, Semanário de Economia e Política], Vol. XLIV, n.º 47, 21 de novembro de 2009] Bernard D’Mello tem grandes questões para discussão. O objetivo deste ensaio é identificar contribuições específicas e qualitativas de Mao, o “differentiae specifica” de Mao para usar a expressão de D’Mello, e, assim, delinear seus contornos como uma teoria coerente, localizando e colocá-la dentro do maior fluxo do comunismo. D’Mello esforça-se a partir do ponto de vista do que iria libertar aqueles no fundo da sociedade. O artigo do EPW é parte de uma compilação intitulada O Que É o Maoismo e Outros Ensaios, editada e com uma introdução por D’Mello1. A introdução começa assim: “Este livro é motivado pelo desejo de reviver uma ideia de socialismo que coloca em primeiro plano a emancipação e satisfação das necessidades humanas básicas dos mais oprimidos, dos mais explorados e dos mais dominados desta terra”.

A publicação deste artigo em uma das principais revistas de intelectuais progressistas na Índia é significativa neste momento, quando o estado indiano está empenhado em uma campanha coordenada de terror contra o movimento maoista revolucionário, dedicando forças militares e paramilitares para destruir o movimento, perseguindo e matando líderes extrajudicialmente, desencadeando uma repressão cruel contra qualquer pessoa percebida como apoiando os maoistas, armando bandidos reacionários para aterrorizar áreas que apoiam o movimento, inclusive com estupro e assassinato indiscriminado, e espalhando desinformação e difamação através de canais oficiais e os principais meios de comunicação. As potências imperialistas têm aplaudido esta campanha de terror, mesmo ignorando os protestos obrigatórios por violações dos direitos humanos.

É no contexto desses ataques que uma parte da intelectualidade, incluindo, além de D’Mello, a famosa romancista e ensaísta Arundhati Roy, eles corajosamente se têm oposto à repressão do Estado, e têm firmemente rejeitado o rótulo de “terrorismo” aplicado ao movimento maoista no país. Eles veem a bandeira do maoismo na Índia profundamente associada com a oposição à globalização capitalista desenfreada, e a rebelião justa e correta dos setores mais cruelmente oprimidos e massas oprimidas, como os Aborígines Adivasi, – se não despreciados – invisíveis para a sociedade oficial dominante. O debate sobre o maoismo também está ocorrendo no contexto de um mundo de horrores, de notável e crescente desigualdade – e de possibilidades nascentes, manifesto nas recentes revoltas em massa no norte da África e no Oriente Médio ou no fenômeno Occupy Wall Street nos EUA e movimentos semelhantes em vários outros países.

É importante, que neste momento na história do mundo alguns estejam novamente investigando o maoismo e o comunismo revolucionário. O que se acha da história das revoluções comunistas do século 20? Será que o marxismo pode ser considerado uma ciência válida? Será que o comunismo representa o caminho onde a humanidade pode alcançar a emancipação? Este é o contexto em que o maoismo chamou a atenção – e não apenas como um exercício acadêmico, mas com o espírito das 11 Teses sobre Feuerbach de Marx: “Os filósofos têm apenas interpretado o mundo de maneiras diferentes; a questão, porém, é transformá-lo”, invocado pelo mesmo D’Mello2.

Esta discussão renovada do maoismo é, certamente, muito positiva. Mas, precisamente por causa da importância do que está em jogo para o futuro do movimento revolucionário e do movimento comunista internacional é crucial examinar completamente o conteúdo destes argumentos. Sem traçar linhas de demarcação entre o comunismo como uma ciência viva, crítica e revolucionaria e servindo à emancipação da humanidade, por um lado, e os programas que não podem levar à emancipação, por outro, não seria possível alcançar entendimento e clareza necessária para mudar radicalmente o mundo. O que hoje podem parecer questões abstratas da teoria prefiguram questões cruciais que serão levantadas na luta política prática no horizonte.

A definição de D’Mello do maoismo

A conclusão central de D’Mello, e seu erro central, e teremos mais a dizer sobre isso abaixo, é que Mao foi um “democrata radical”. Sua conclusão é também coerente com as “características especiais” que D’Mello identifica como o maoismo. Estas são nas palavras de D’Mello:

  • “Os camponeses pobres em uma sociedade capitalista/semifeudal atrasada, e não o proletariado urbano, são a base do movimento de massas;
  • A teoria da revolução por etapas, bem com uma revolução ininterrupta, o que implica uma estreita ligação entre fases sucessivas;
  • O estágio de RND [revolução de nova democracia] é o que torna o capitalismo mais compatível com a democracia, ajudando, assim, à transição para o socialismo;
  • O caminho e a estratégia da GPP [guerra popular prolongada], que se baseia nos camponeses, constrói bases de apoio rurais, aplica ‘a terra a quem a trabalha’ e outras políticas sociais nessas áreas (governadas democraticamente em pequenos estados autossuficientes) construindo, assim, uma base política de massas no campo para, eventualmente, cercar e capturar as cidades;
  • A criação de ‘bases de apoio’ e como configurá-las;
  • A ‘tomada’ (ganhando o apoio das massas) das cidades mostrando uma forma de nacionalismo que é genuinamente anti-imperialista e redirecionando a insurreição de massa existente (como a resistência anti-japonesa da guerra em 1937-1945 na China) para a conclusão da RND;
  • O centralismo democrático mais a ‘linha de massas’, garantindo que a ‘democracia’ não depende do ‘centralismo’ e garantindo que o povo é envolvido na definição das políticas e da sua aplicação;
  • A ideia central de que as contradições – a luta entre opostos funcionalmente juntos – em todas as fases de condução do processo de desenvolvimento em direção do socialismo, que seria realizado em uma série de etapas, onde o estágio atual, no momento certo, está imbuído das sementes híbridas do próximo, dissolvendo assim as proeminentes contradições do primeiro e marcando o início da segunda;
  • As Inter-relações abertas dentro e entre as forças de produção, as relações de produção e da superestrutura, e;
  • A ideia de que quem está no poder político, na administração e na burocracia, está entrincheirada como uma elite dominante e, ao longo de um período de tempo, assumem a posição de uma nova classe exploradora, e constantemente tem que se mobilizar as massas para se lutar contra esta tendência”3.

A lista de D’Mello sofre com sua deficiência crítica para entender, localizar e avaliar a Mao como um comunista revolucionário.

D’Mello envolve o que ele entende serem as contribuições de Mao em um pacote pelo qual Mao é reduzido a um democrata baseado nos camponeses, uma espécie de populista, agindo de acordo com os interesses das massas e sempre disposto a ouvi-las (Esta é a interpretação de D’Mello da “linha de massas”, tal como apresentado em seu artigo, ao qual voltaremos mais adiante). Há uma identificação entre o processo revolucionário necessário que Mao liderou (a revolução de nova democracia) e as características de construção de bases de apoio rurais, se baseando no campesinato, etc., e a ideologia que Mao representava e procurou imprimir como linha e orientação de todo o processo revolucionário. Mesmo que pareça que D’Mello aborda a contribuição mais essencial de Mao, por exemplo, suas preocupações sobre uma nova “elite dominante” e a necessidade de mobilizar o povo contra ela, o envelope de “democracia radical” afasta a D’Mello de uma compreensão correta e científica das classes e da luta de classes como existe sob o socialismo. Por exemplo, D’Mello toma como alvo a “elite dominante” entrincheirada em vez do que Mao chamou de “seguidores da via capitalista” e “burguesia dentro do partido”. Na verdade, este tipo de caracterização, fora das classes, da “elite dominante” pode facilmente se ajustar às críticas comuns anticomunistas tanto de uma vanguarda comunista ou até mesmo ver a Mao como parte de tal suposta “elite dominante”. A verdadeira questão é esta: que linha e quais representantes políticos dominam, quais são as políticas e transformações que ocorrem e, portanto, em essência, que classe terá o poder?

Podemos ver um contraste marcado entre a maneira como D’Mello remodela a Mao como um democrata radical (na verdade, impondo a sua própria visão do mundo a Mao) e um estudo científico das contradições materiais, políticas e ideológicas da sociedade socialista. A persistência das desigualdades e divisões características da sociedade de classes, incluindo a sociedade socialista até agora existente como sociedade de transição, ainda requer que algumas pessoas tenham uma “influência desproporcional” sobre o conjunto das massas. Sob o socialismo ainda haverá a contradição entre “líderes e liderados”, que contém a possibilidade de que se torne uma contradição entre exploradores e explorados. Estas são algumas das questões que Bob Avakian, Presidente do Partido Comunista Revolucionário, EUA, examinou várias vezes e de vários ângulos ao longo de quatro décadas4. A nova síntese do comunismo de Avakian traça um caminho de como superar essas contradições em ondas e através de um processo complexo pelo qual vai avançar a revolução proletária. As noções erradas e simplistas de D’Mello de “democracia radical” não podem realmente resolver as contradições reais que tornam necessário um Estado, uma vanguarda e alguns líderes para todo um período histórico, e como, através de uma revolução completa, podem ser superadas essas contradições.

Uma análise real do maoismo deve necessariamente ter como centro a teoria de Mao da “continuação da revolução sob a ditadura do proletariado” e a prática liderada por esta teoria (especialmente a Grande Revolução Cultural Proletária). Essa análise é parte crucial da construção da nova síntese. A nova síntese de Avakian engloba e consolida a tese de Mao sobre “continuar a revolução sob a ditadura do proletariado” e fornece orientações básicas sobre como a vanguarda comunista pode “fazer ainda melhor” para conduzir as massas para transformar a sociedade para o futuro comunista. A embalagem que faz D’Mello do maoismo como “democracia radical” privaria ao proletariado das lições cruciais que Mao conseguiu retirar. Não leva em frente, mas é um grande retrocesso para o passado. D’Mello termina seu ensaio com um apelo:

“... Dada a linha da democracia radical que vai de Marx a Mao, a melhor coisa que poderia fazer o maoismo é envolver-se com a promessa de uma democracia radical; A final, embora não possa haver liberdade sem igualdade em nenhum sentido importante, porque os ricos seriam certamente mais ‘livres’ (teriam mais opções) que os pobres, portanto, não pode haver nenhuma igualdade sem liberdade, porque, então, alguns podem ter mais poder político do que outros.”

“Até agora, todas as revoluções inspiradas por Marx têm apenas contado com o apoio ou envolvimento de uma minoria significativa. Pode o compromisso com a democracia radical gerar a corrente para o apoio da maioria? Devem ser escolhidos cuidadosamente os meios para que eles nunca cheguem a esmagar a aspiração socialista?”5.

D’Mello interpreta o maoismo e tenta “enriquecer o processo democrático no partido leninista de vanguarda, organizações de massa e da sociedade”. Afirma repetidamente que o maoismo “tem suas raízes em Marx que foi, acima de tudo, um democrata radical” e adverte que “o que não é democrático não pode ser socialista”.

As convocações à democracia, à democracia radical, a uma imediata “igualdade de poder político” convergem e profundamente ressoam com a moda dominante. Onde quer que você olhe, movimentos sociais radicais, a liberdade e a emancipação são concebidos dentro do quadro, dos horizontes e da linguagem da igualdade e da democracia – amplamente vistos como o estabelecimento e a expansão global do igualitarismo radical.

Em um mundo de todas as adversidades esmagadoras, isso é compreensível; mas, para entender por que a “democracia” está sendo limpo e embalado como comunismo e para compreender o perigo dessa abordagem, é necessário voltar e colocar a interpretação que faz D’Mello do maoismo e seu projeto político, como são concentrados no apelo acima, no atual momento histórico e situação atual do comunismo.

O fim de uma era, o começo de uma nova era

Não tem havido nenhum país socialista no mundo desde a derrota do socialismo na China, em 1976, após a morte de Mao e a restauração do capitalismo liderada por Deng Xiaoping. Essa derrota marcou o fim da primeira onda da revolução comunista e das sociedades socialistas – que começou com a breve Comuna de Paris em 1871; seguida pela Revolução Bolchevique de 1917 liderada por Lenin, e a criação da União Soviética como uma sociedade socialista (De 1917 a meados dos anos cinquenta, quando Khrushchev restaurou o capitalismo); e a vitória da revolução chinesa de 1949 e da construção da sociedade socialista lideradas por Mao, até sua morte em 1976. Esta experiência histórica das primeiras tentativas de revolução proletária para emancipar a humanidade, junto com os avanços e desenvolvimentos qualitativos na teoria comunista de Marx e Engels por Lenin e Mao, não só melhoraram muito as condições para centenas de milhões de pessoas, como definiram e desenharam formas novas e radicais para um mundo radicalmente diferente e melhor6.

A Grande Revolução Cultural Proletária na China foi o pináculo desta experiência revolucionária da primeira fase da revolução comunista e das sociedades socialistas. A GRCP foi baseada na análise teórica de Mao das contradições que caracterizam continuamente a transição socialista e que constantemente levantam a questão de avançar na via socialista ou voltar à via capitalista. Turbulenta por natureza, a Revolução Cultural teve a tarefa de derrotar os seguidores da via capitalista na China, mas como Mao enfatizou7, tinha um objetivo ainda maior: Transformar as perspectivas das pessoas, chegando a todos os aspectos da sociedade e tocando a alma das pessoas, como parte central da realização de uma maior revolucionação de todos os aspectos da sociedade. Foi durante essa grande revolução que o marxismo-leninismo-maoismo emergiu em pleno e foi reconhecido pelo Partido Comunista da China como “um novo e mais elevado estágio” do comunismo revolucionário (embora naquela época os comunistas na China e ao redor do mundo usassem o termo Pensamento Mao Tse-tung). Após uma década de luta heroica e transformações radicais, a GRCP terminou com a morte de Mao em 1976 e o subsequente golpe contrarrevolucionário que colocou os seguidores da via capitalista de volta ao poder e abriu as comportas para o rápido restabelecimento do capitalismo pelos novos governantes liderados por Deng Xiaoping.

Desde a restauração do capitalismo na China depois de 1976, e ainda mais intensamente após o colapso da revisionista e social-imperialista União Soviética e do seu bloco no final dos anos oitenta, temos também sido testemunhas de três décadas de implacável contrarrevolução, calúnia e distorção na qual “vale tudo” contra essas experiências socialistas como parte de uma ofensiva ideológica mais ampla pelos guardiões da ordem mundial imperialista. Esta ofensiva ideológica tem como alvo o maior desenvolvimento por Mao de todo o comunismo revolucionário para a fase do marxismo-leninismo-maoismo. Isto também resultou num abaixamento das perspectivas das forças revolucionárias, radicais e progressistas, uma crença de que criar um mundo radicalmente diferente é impossível e talvez até mesmo não desejável. A aceitação das bases materiais e ideológicas do mundo como ele existe é um dado implícito e (pelo menos algumas vezes) inconsciente, mesmo entre aqueles que estão verdadeiramente horrorizados com essas injustiças no mundo. Em certo sentido, quer o saibamos ou não, todos nós sofremos com a perda da China, a derrota dessa experiência e a falta de um exemplo vivo de um Estado e uma sociedade socialista genuína lutando para se mover em direção ao comunismo.

O fim desta etapa tem feito que grandes questões emirjam: Como essa fase e essa rica experiência da revolução proletária, seus êxitos e suas limitações são sintetizados e avaliados? Com estas perguntas objetivamente se vai confrontar qualquer indivíduo ou força que esteja analisando como mudar radicalmente a sociedade. É a sociedade comunista uma meta alcançável e desejável? E se assim for, como avançar e entrar numa nova fase da revolução comunista? O artigo de D’Mello necessita ver-se a partir dessa perspectiva.

Comunismo: O início de uma nova etapa – Um manifesto do Partido Comunista Revolucionário, EUA, apresenta o seguinte quadro para a avaliação e síntese da experiência histórica das revoluções do século 20:

“A primeira fase da revolução comunista avançou muito e conseguiu coisas incrivelmente inspiradoras na luta para eliminar os obstáculos reais que enfrentou e avançar para um mundo onde finalmente se eliminem todas as relações de exploração e opressão e as pessoas tenham toda uma nova dimensão de liberdade e assumam a organização e contínua transformação da sociedade em todo o mundo através de uma iniciativa voluntária e consciente sem precedentes na história. Mas, não surpreendentemente, também tinha importantes deficiências e erros reais, por vezes muito graves, tanto na tomada de medidas práticas por aqueles que lideraram as revoluções e as novas sociedades gestadas, como em suas concepções e métodos. Estas insuficiências e erros não foram a causa da derrota das primeiras tentativas de revolução comunista, mas contribuíram para a derrota, embora secundariamente; e, além disso, temos que aprender de forma profunda e exaustiva da experiência global da primeira fase – tanto de seus êxitos verdadeiramente inspiradores e suas deficiências e erros muito reais, por vezes graves, embora em geral secundários – para levar adiante a revolução comunista na nova situação que deve ser enfrentada e para torná-la muito melhor desta vez”8

Bob Avakian fez exatamente isso, e desenvolveu um extenso trabalho de rever cuidadosamente e estudar cientificamente estas questões, fazendo o trabalho árduo de identificar pontos fortes e limitações do método e abordagem anteriormente empregados pelo movimento comunista, voltando repetidamente a examinar mais essas experiências e examinar maneiras diferentes de fazê-lo melhor a próxima vez, dando tudo isso como resultado uma nova visão radical da transição socialista. Esta nova concepção da ditadura do proletariado, a transição socialista ao comunismo, é uma parte central da nova síntese do comunismo, o marco teórico para a nova etapa da revolução comunista. Em oposição à nova síntese de Avakian tem tido duas respostas, que são “imagens de espelho” uma da outra, de alguns dos que têm feito parte do movimento comunista internacional.

A primeira resposta é uma concepção do comunismo que se agarra de uma forma largamente acrítica, de uma forma quase religiosa e dogmática, às anteriores experiência socialista e teoria comunista, ou pelo menos a seções delas, rejeitando uma abordagem científica à síntese do passado e a fazer avançar mais a teoria comunista.

A segunda resposta rejeita abertamente o marxismo, ou o torna irreconhecível, e regressa ao século 18 e aos proclamados ideias democráticos e igualitários e aos modelos sociais da época burguesa emergente, a filósofos e teóricos políticos como Jean-Jacques Rousseau e Thomas Jefferson. Em alguns casos, abandonam a própria palavra comunismo; em outros casos, afixam a etiqueta “comunismo” a um projeto político que se situa a si mesmo firmemente dentro dos limites dos princípios democrático-burgueses.

Tais forças rejeitam a análise realmente científica das contradições da transição socialista, e aplicando critérios democrático-burgueses, distanciam-se dos avanços sem precedentes na emancipação humana representados pelas revoluções bolchevique e chinesa. Em geral, o segundo conceito aceita o veredito burguês de que as sociedades socialistas na União Soviética e na China no século 20 eram essencialmente burocráticas, autoritárias e fatalmente deficientes – e rejeitam o que alguns de seus adeptos denominam o marco do “partido-estado”, ou seja, a necessidade de tomar o poder e estabelecer a ditadura do proletariado como transição para o comunismo, e a necessidade da liderança de um partido de vanguarda ao longo deste processo.

Entre os acadêmicos e observadores intelectuais do movimento comunista como D’Mello, é muito mais comum a segunda síntese errônea, ou seja, a rejeição “burguesa democrática” ou a reinterpretação do marxismo. Mas, como o Manifesto do PCR explica, cada uma dessas duas respostas constitui uma espécie de “imagem de espelho” da outra, e não é incomum ver um erro se tornar no outro, geralmente o dogmatismo tornando-se em revisionismo obsoleto e social-democracia. Ao longo deste artigo examinaremos mais como alguns dos erros políticos e metodológicos de longa data dentro do movimento maoista criaram uma base para o tipo de “maoismo” que D’Mello acredita ter descoberto e que pode existir em simbiose com um “maoismo” mais dogmático, mas igualmente errado, que também tem existido a nível internacional.

Uma área na que o dogmatismo de alguns pode se casar com a social-democracia de outros pode ser visto na tendência para reduzir o “maoismo” a apenas uma receita para fazer a guerra popular num país de terceiro mundo, e não captar ou cientificamente apreciar as grandes contribuições de Mao, seu mais profundo entendimento do socialismo como uma sociedade em transição para o comunismo e sua análise precursora sobre o perigo da restauração capitalista e a base de esta na sociedade socialista e sua luta para preveni-la. Como o Manifesto do PCR diz, mesmo entre aqueles que defendem a Revolução Cultural na China, aqueles que tendem a “imagens de espelho” normalmente “não têm qualquer análise profunda ou séria de por que a Revolução Cultural foi necessária e por que, e com que princípios e objetivos Mao a iniciou e dirigiu”. Há muitas variações diferentes de combinações de erros que podem vir das “imagens de espelho”. No caso de D’Mello, o “maoismo” é remodelado como um pacote de uma democracia radical global mais a teoria da guerra popular, uma tese que está em clara contraposição com o comunismo autêntico, tal como ele foi avançado qualitativamente e levado a novas alturas pelo maoismo (ou para ser mais preciso, o marxismo-leninismo-maoismo), e desde então consolidado e cientificamente mais avançado com a nova síntese de Bob Avakian. Estes são os dois pacotes em contenda, o núcleo da nossa disputa com D’Mello.

Democracia radical ou comunismo científico

Em contraste com a abordagem de D’Mello e muitos outros como ele que olham para trás para os ideais burgueses do século 18, reformulando mesmo o comunismo como democracia radical, aqueles que buscam uma transformação verdadeiramente revolucionária devem insistir em uma abordagem totalmente científica à primeira etapa das revoluções comunistas, não a partir de critérios e noções de legitimidade democrático-burguesa, mas do ponto de vista das contradições reais enfrentados na transformação da sociedade e no avanço para o comunismo. As conquistas e limitações na prática e na concepção devem ser vistas a partir desta perspectiva.

Hoje é necessário e possível considerar na sua totalidade a primeira fase da revolução comunista e a teoria que a dirigiu, precisamente em relação com alcançar o objetivo comunista. Marx definiu o projeto comunista, assim: “Esse socialismo é a declaração da permanência da revolução, é a ditadura de classe do proletariado enquanto ponto de transição indispensável à abolição de todas as diferenças de classe em geral, de todas as relações de produção sobre as quais essas distinções de classe assentam, de todos os laços sociais que correspondem a essas relações de produção, absolutamente preciso ao revolucionamento de todas as ideias que emergem desses mesmos liames sociais”9. Durante a Revolução Cultural na China os revolucionários liderados por Mao adotaram o termo abreviado “4 Todas” para descrever as tarefas e o alcance histórico da revolução proletária.

É com base na avaliação científica da primeira fase relativa à realização das Quatro Todas, bem como na incorporação de novas experiências e progressos no pensamento de outras áreas da atividade humana, como a ciência e a cultura, que a nova síntese de Avakian fez avançar a ciência do comunismo além do maoismo, o que representa tanto uma continuidade e uma ruptura com o que temos chamado marxismo-leninismo-maoismo. O Manifesto do PCR coloca-o desta maneira: “A nova síntese de Bob Avakian envolve uma continuação das rupturas de Mao com Stalin, mas em alguns aspectos, envolve uma ruptura além das maneiras em que o próprio Mao estava sujeito à influência, embora secundariamente, da mentalidade dominante no movimento comunista sob a liderança de Stalin”.

Como tem afirmado Avakian, o comunismo é uma filosofia e uma teoria política abrangentes e por sua vez é uma ciência viva e crítica em contínuo desenvolvimento. Não é uma soma quantitativa das ideias dos indivíduos que têm desempenhado um papel de liderança no seu desenvolvimento (nem mesmo é certo que as ideias, políticas ou táticas específicas adotadas por eles não tiveram erros). “A ideologia comunista é uma síntese do desenvolvimento e, sobretudo, do grande avanço qualitativo que a teoria comunista desenvolveu desde que Marx a descobriu até à data”10.

As contribuições imortais de Mao

Mao defendeu a revolução, uma revolução abrangente para levar a sociedade além do pesadelo da exploração de classe. Para avançar esta revolução, Mao necessitou fazer importantes rupturas com elementos na prática, métodos e pensamento dos comunistas, especialmente aqueles focados em grau significativo na liderança de Joseph Stalin na União Soviética após a morte de Lenin. Mao não só teve que lutar contra os revisionistas soviéticos que tomaram o poder após a morte de Stalin, também teve que lidar com as leis da sociedade socialista que tornaram possível este revés e desenvolver os meios para evitá-lo. Ele também enfrentou uma série de lutas dentro da própria China com vários outros líderes do Partido Comunista que estavam propondo políticas e uma abordagem semelhante à que Khrushchev havia levado a cabo na URSS, linhas que, como Mao entendia, levariam a sociedade a retornar ao capitalismo. Como suscita o Manifesto do PCR: “As contradições na base econômica, na superestrutura e na relação entre a base e a superestrutura dos próprios países socialistas, bem como a influência, a pressão e os ataques diretos dos restantes estados imperialistas e reacionários em qualquer momento dado, originarão diferenças de classe e luta de classes num país socialista; essas contradições abrirão constantemente a possibilidade de a sociedade ser conduzida quer pela via socialista quer pela via capitalista e, mais especificamente, regenerarão repetidamente uma classe burguesa esperançada, dentro da própria sociedade socialista, que encontrará a sua expressão mais concentrada entre os que, dentro do Partido Comunista, e em particular nos seus níveis mais elevados, adotaram linhas e políticas revisionistas que, em nome do comunismo, poderiam de fato acomodar o imperialismo e fazer as coisas regressarem ao capitalismo.”11. Mao veio a compreender a um nível superior a relação entre repelir as tentativas de derrubar o governo proletário e transformar mais a sociedade em direção ao futuro comunista. Este entendimento teórico andou de mãos dadas com a liderança de Mao para, como expresso pelo Partido Comunista da China: “Continuar a revolução sob a ditadura do proletariado”12. Seu lançamento ousado da Grande Revolução Cultural Proletária destinada a impedir a restauração capitalista e avançar na transformação socialista. Embora esta fosse a contribuição central de Mao para a teoria e prática da revolução comunista, ela necessariamente envolveu todos os aspectos da ciência comunista revolucionária. Em particular, embora Mao tenha defendido corretamente Stalin como revolucionário proletário, também teve de enfrentar e criticar fortemente grande parte da metodologia e políticas específicas de Stalin durante o período de construção do socialismo na URSS. Criticando o que chamou de “metafísica” de Stalin, Mao lhe deu ênfase renovada ao papel dinâmico e consciente do povo no processo revolucionário, e elevou uma maior compreensão do materialismo dialético para um nível totalmente novo. Ao fazê-lo Mao foi contra muitas das ideias arraigadas nos pensamentos dos comunistas na China e ao redor do mundo.

Até quando Mao estava vivo havia entendimentos opostos sobre se ele representou ou não uma ruptura com o pensamento comunista anterior e, em caso afirmativo, o que representou esta ruptura. Hoje, quando examinamos o maoismo, isto assume maior importância. Havia alguns que não viram ou não aceitaram a ruptura de Mao, vendo apenas que ele continuou no caminho de Lenin e Stalin. Outros, no máximo, relutantemente concordaram que Mao, beneficiando da experiência histórica, fez “ajustes de percurso” menores. Eles não entenderam (ou se opuseram) que Mao também teve que ir contra os importantes pensamentos e metodologias errôneos do movimento comunista anterior, especialmente manifestados sob a liderança de Stalin.

O outro lado da moeda foi representado por aqueles que queriam retirar a seu “maoismo” re-embalado a ditadura do proletariado, e, especialmente, o papel de liderança de um partido de vanguarda comunista. Essas pessoas tinham uma leitura democrática burguesa da Revolução Cultural de Mao, vendo-a como um ataque contra o “paradigma” e “aparelho” do “partido-estado” ao invés de uma luta de vida ou morte para manter a China revolucionária e a muito real ditadura do proletariado, liderada por um verdadeiro partido comunista, avançando na via socialista. Havia forças e indivíduos, especialmente, mas não só, nos países imperialistas, que reconheceram a ruptura de Mao com Stalin, mas davam a esta uma interpretação social-democrata, vendo erradamente a Mao como fazendo um distanciamento da ditadura do proletariado e da liderança de um partido comunista de vanguarda. Essas forças tendem a aceitar o consenso burguês que o problema na URSS sob a liderança de Stalin era sua liderança “autoritária” e “mão de ferro” (muitas vezes caluniada como ditadura pessoal) quando, na medida em que Stalin manuseou incorretamente as contradições entre o povo ou suprimiu a dissidência e a crítica, esses erros são mais fundamentalmente devidos a não ter compreendido corretamente a dinâmica das contradições na sociedade socialista13.

Houve muitos que compartilharam uma ou outra destas interpretações erradas, mas principalmente que viam em Mao uma espécie de populista do terceiro mundo cuja contribuição foi limitada às suas respostas a como fazer a revolução em países oprimidos pelo imperialismo e mantidos em condições atrasadas devido ao feudalismo, especialmente sua teoria da guerra popular prolongada14.

Quando o golpe de Estado na China ocorreu em 1976, os seguidores mais notórios de Mao, conhecidos como o “Bando dos Quatro”, incluindo sua viúva Chiang Ching15 e o destacado dirigente e teórico Chang Chun-chiao16, foram presos pelos novos governantes revisionistas e os fizeram um alvo de uma campanha de difamação. De acordo com aqueles que tinham tomado a China, a Grande Revolução Cultural Proletária foi uma loucura criminal. As teses básicas que Mao havia desenvolvido e, especialmente, a sua tese de continuar a revolução sob a ditadura do proletariado, foram sistematicamente atacadas. A maioria do movimento maoista internacional na época foi incapaz de examinar cientificamente o que estava acontecendo na China. Mesmo entre aqueles que não aceitaram a reconciliação aberta da nova liderança chinesa com o bloco imperialista liderada pelos Estados Unidos, poucos lutaram contra o ataque teórico montado pelos usurpadores revisionistas, e muitas vezes rechaçaram ou foram incapazes de reconhecer a centralidade ou importância da tese de Mao de continuar a revolução sob a ditadura do proletariado17. Em vez disso, essas pessoas recorreram à peneira da guerra popular prolongada ou a outros critérios unilaterais ou errôneos.

Em contraste com tudo isso estava a resposta sistemática e abrangente dada por Bob Avakian para a questão de o que representou o maoismo. Seu livro As Contribuições Imortais de Mao18 foi escrito pouco depois da morte de Mao e do golpe contrarrevolucionário dirigido contra os apoiantes mais próximos de Mao e, grosso modo, contra o proletariado e as massas revolucionárias. As Contribuições Imortais de Mao sistematiza os principais desenvolvimentos de Mao na ciência da revolução nos campos da economia política, filosofia, estratégia e táticas, guerra revolucionária, Partido e outras áreas.19 Avakian presta especial atenção à contribuição central e mais importante de Mao, sua tese da continuidade da revolução sob a ditadura do proletariado e a liderança da Grande Revolução Cultural Proletária com base nesta concepção. Avakian analisou profundamente as obras de Mao e os escritos da liderança revolucionária na China, os quais o partido chinês, sob a liderança de Mao, tinha traduzido para muitas línguas e amplamente distribuído. No entanto deve-se notar que foram muito poucos os que procuraram realmente construir e construíram sobre o que Mao e seus seguidores tinham legado para os revolucionários do mundo, e foi muito superficial ou completamente errado muito da compreensão dos maoistas do tempo em que o movimento estava confrontando o que, de longe, foi o seu maior teste: a perda da China como um bastião da revolução proletária, a sua transformação capitalista, e o ataque ideológico total liderado pelo próprio Partido Comunista da China já revisionista.

Tudo isso explica, em grande medida, o profundo colapso do que parecia ser um amplo movimento internacional maoista. E também explica em parte por que nos últimos anos se cristalizaram alguns entendimentos incorretos do maoismo e se tornaram obstáculos no caminho da revitalização do projeto comunista. Em nossa discussão regressaremos a estes e outros debates anteriores dentro do “movimento maoista” tomados em seu sentido mais amplo. O que a discussão de D’Mello revela é que grande parte do entendimento do maoismo que se reflete em seu artigo se sobrepõe significativamente com diferentes interpretações do maoismo e, diria eu, erradas dentro das fileiras do próprio movimento maoista.

Lutar para defender a Mao e estabelecer as bases para ir além

Foi Bob Avakian que tomou a iniciativa de enfrentar a perda do Estado proletário na China em 1976. Não é por acaso que, no curso de enfrentar esta grande necessidade do movimento comunista, Avakian sintetizou as contribuições de Mao e, ao mesmo tempo, lançou as bases para os seus novos avanços na teoria comunista. Conforme apresentado por Avakian, sua “imersão” em Mao e sua “reverência” para com ele durante este período lançaram as bases para a crítica que começou a desenvolver com Conquistar o Mundo? e é uma parte importante de sua nova síntese.

No momento em que o movimento maoista estava se recuperando do choque do golpe para a China e estavam esforços em curso para reagrupar internacionalmente os comunistas genuínos, havia sérias controvérsias sobre se a tese de Lenin da divisão do mundo entre as potências imperialistas rivais ainda era aplicável e se essas contradições levariam a uma nova guerra mundial20, ou se deve ser considerado o maoismo como um desenvolvimento de um “todo integral” do marxismo-leninismo-maoismo ou uma concepção incorreta de “marxismo-leninismo-maoismo, principalmente maoismo”, que em grande parte separava o maoismo do corpo da ciência comunista revolucionária21, sobre a forma de conceitualizar corretamente – e compreender – a base material para o internacionalismo proletário e os princípios deste,22 a relação entre a defesa do Estado socialista e fazer avançar a revolução mundial, a avaliação da “teoria dos três mundos” proposta pelo Partido Comunista da China, bem como a experiência anterior da URSS na oposição ao cerco e agressão imperialistas, se são válidas e devem ser apoiadas as críticas de Mao a Stalin tanto em termos da construção socialista como em relação à filosofia, bem como outras questões importantes.

Muitas dessas disputas continham as sementes do entendimento mais avançado que iria emergir plenamente na nova síntese de Avakian, bem como das “imagens no espelho” já mencionadas, que se opõem a esta nova síntese. Embora o trabalho de Avakian tenha estabelecido, em grande parte, a base para a formação, em 1984, do Movimento Revolucionário Internacionalista que reuniu em grande parte aos maoistas do mundo, a unidade dentro do MRI e no movimento maoista em geral também englobava algumas destas diferenças23. Infelizmente D’Mello parece desconhecer estas discussões, e sua compilação de ensaios intitulada O Que É o Maoismo? é particularmente notória por sua ausência de textos de dentro do próprio movimento maoista. É importante notar que a interrogação do maoismo por D’Mello não vem de dentro do movimento maoista – ele não compartilha a mesma história ou marcos políticos. Isto de nenhum jeito significa uma reprovação. Na verdade, deve ser saudada uma vista do lado de fora e que pode proporcionar novas perspectivas, e é ainda mais apreciada vinda daqueles que estão lutando contra uma sociedade injusta. Mas o texto de D’Mello sobre o maoismo sofre por não abordar as discussões que têm tido lugar dentro do próprio movimento maoista.

Hoje, décadas mais tarde, quando o movimento comunista está em uma encruzilhada, a discussão não pode mais ser proveitosamente conduzida no âmbito da procura de definir ou voltar ao que constitui o “maoismo real”. Isso porque a ciência do comunismo avançou além do maoismo, sintetizando e fusionando o que é extremamente positivo no maoismo e ao mesmo tempo rompendo com itens incorretos secundários24, e os entendimentos incorretos também se têm desenvolvido e consolidado.

O próprio maoismo passa por um processo de divisão em dois, entre a nova síntese e as imagens-no-espelho em relação a ela descritas acima. Certamente existem elementos no pensamento de Mao, e mais ainda no pensamento de muitos que afirmam seguir a Mao, há elementos que se aproximam ou se assemelham ao maoismo que D’Mello acredita ter descoberto. Mas um “maoismo” que não incorpora e que, de fato, rejeita as rupturas que são necessárias hoje, vai se tornar no seu oposto, em uma lânguida paródia não revolucionária que não pode manter a anterior natureza revolucionária do maoismo, e muito menos representar o comunismo revolucionário como está avançando agora.

Um número considerável de jovens que se opõem à ordem mundial imperialista tem sido atraído por ideologias não revolucionárias e até mesmo contrarrevolucionárias como o islamismo ou o culto da “democracia”, patrocinado pelos imperialistas. Isso se deve não apenas à ausência física de uma alternativa socialista, tal como existia quando a revolução estava florescendo na China sob a liderança de Mao, mas também, pelo menos em parte, à incapacidade do movimento comunista internacional para projetar de forma clara e consistente a visão e o caminho comunistas completamente revolucionários25 que atendam às necessidades atuais, tanto na síntese da experiência passada como na mudança no mundo contemporâneo. O “maoismo” de ontem, ou antes a sombra bastante pálida e distorcida do maoismo, não pode representar a visão convincente que as pessoas precisam.

Além disso, a nova síntese permite que o comunismo fale de maneira convincente da experiência passada, bem como da atual, e aponta para uma viável e desejável solução para os problemas da sociedade. A nova síntese de Avakian incorpora e consolida tanto uma compreensão mais forte e um maior desenvolvimento dos avanços de Mao e as grandes rupturas com os elementos secundários nas concepções de Mao que iam contra eles.

Mao (e Marx) como “democratas radicais”

Voltemos à forma como D’Mello define o objetivo de Marx. Ele escreve que “o marxismo deve ser julgado pelos frutos do seu projeto de levar a humanidade no caminho para a igualdade, a cooperação, a comunidade e a solidariedade”. É difícil de ler estas palavras e não pensar de imediato no lema “Liberté, Égalité, Fraternité” da revolução burguesa francesa de 1789 ou mesmo em “com liberdade e justiça para todos” do juramento de fidelidade à bandeira dos Estados Unidos. Os sonhos de cooperação e igualdade são tão antigos quanto as próprias classes. Mas nesta época tais lemas e chamadas sempre acabam sendo usados pelas forças burguesas para, na melhor das hipóteses, mobilizar as massas, mesmo na luta revolucionária em que a grande maioria da população, “a nação toda” para colocá-lo em outras palavras, enfrenta um inimigo comum como o sistema feudal na França pré-revolucionária antes de 1789. Na verdade, tais lemas e tal visão escondem o fato de que a sociedade está dividida em classes com interesses em conflito. Na verdade, a maioria dos estados reacionários no mundo de hoje estão cheios com essa conversa de democracia.

Em muitas partes do seu artigo, D’Mello atribui ao maoismo generalizações sobre a natureza e as atribuições da transformação revolucionária que realmente refletem a própria visão do mundo de D’Mello e não a de Mao e seus seguidores. Mudar o mundo “para melhor” ou expressões muito similares são usadas repetidamente para descrever tanto a meta de D’Mello como o seu critério dos esforços revolucionários. Por exemplo, D’Mello afirma: “o maoismo fez algo sem precedentes na história da humanidade: ele fez uma redistribuição drástica de renda e riqueza na China; radicalmente reorganizou a forma como era gerado e usado o excedente na economia chinesa, e tudo para melhor”. Sim, Mao fez essas coisas e vale a pena lembrar, especialmente agora, quando calúnias vis (e, francamente ridículas) contra Mao são comuns nos principais meios de comunicação social e no discurso liberal e acadêmico.

Mas “tudo para melhor” não é o ponto de vista correto a partir do qual se pode ver o projeto marxista, nem é o critério correto para julgar o sucesso ou as limitações do maoismo. Mao não pretendia em primeiro lugar “mudar o mundo para melhor” através da redistribuição de renda e do planejamento social. Seu projeto era transformar radicalmente a sociedade e o povo, como parte de um processo global de alcançar o comunismo.

Em outras partes de seu artigo, a definição de D’Mello do maoismo (e do marxismo) se aproxima de refletir a tarefa e o objetivo de alcançar uma sociedade sem classes, ou para colocá-lo de forma mais científica, de ir além das “4 Todas” tal como discutido anteriormente neste artigo. Mas ao confundir comunismo com a extensão da democracia radical, D’Mello retira o objetivo de alcançar uma sociedade sem classes e, em qualquer caso, separa este objetivo do curso real pelo qual a sociedade pode e precisa ir. É um “marxismo” empobrecido que mantém a D’Mello prisioneiro de uma conceptualização mutilada e distorcida da realidade social. Quando o objetivo do comunismo é descartado, consciente ou inconscientemente, como irrelevante ou inatingível, ficamos, no melhor dos casos, à procura de qualquer meio de mudar a sociedade “para melhor”, sem transformar a sua estrutura fundamental. Vale a pena notar que, em sua coleção de ensaios “O que é o maoismo?” D’Mello inclui um artigo de Paul Sweezy que discute a importância de conseguir reformas na ausência de uma real possibilidade de transformação revolucionária. Isso evoca a teoria defendida por Huey Newton, líder do Partido Pantera Negra nos EUA na década de sessenta, que defendia uma estratégia de “sobreviver, enquanto se espera pela revolução”. (Paul Sweezy, “O que é o marxismo?” Bernard D’Mello, O Que É o Maoismo e Outros Ensaios?).

D’Mello está certo em que tanto Marx como Mao começaram sua vida política como “democratas radicais”, embora as circunstâncias e o clima político de meados do século 19 na Europa e do início do século 20 na China fossem substancialmente diferentes. Os revisionistas que tomaram o poder na China após a morte de Mao em 1976 enfatizaram as origens de Marx e Engels no movimento democrático na Alemanha, em seus esforços para refutar a tese revolucionária na China e a tese de Mao sobre os “democratas burgueses tornarem-se seguidores da via capitalista”, que é discutida mais adiante neste artigo. Tanto Marx como Mao viram um mundo cheio de desigualdades e injustiças e procuraram uma maneira de acabar com elas. Nesse sentido, eles não eram muito diferentes de muitos de seus contemporâneos ou de aqueles que estão lutando em muitas frentes no mundo de hoje. No entanto, o ponto essencial é o oposto: Marx foi capaz de fazer na esfera teórica uma ruptura radical com o enquadramento democrático-burguês que confinava o movimento progressista e revolucionário de seu tempo. E foi essa ruptura radical no pensamento e na compreensão científica dos objetivos e meios que preparou o terreno para uma onda de um século de luta revolucionária que pudesse ter conscientemente como objetivo fazer mudanças na sociedade cujos contornos Marx foi capaz de antever.

D’Mello não capta a importância crucial do progresso de Marx e da sua ruptura radical com os pensadores do Iluminismo e precursores teóricos das revoluções democrático-burguesas como Rousseau, Locke e Kant26. Essa ruptura e o caráter científico específico do comunismo estão concentrados na passagem de Marx já mencionada, sobre a superação das “Quatro Todas”, que descreve o conteúdo e o objetivo da revolução comunista e da transição socialista ao comunismo e que a diferencia do “socialismo” utópico e, em última análise, reformista.

A revolução comunista exige uma transformação radical das pessoas e das suas formas de pensar, relações e instituições econômicas, políticas e sociais – apontando não para a democracia radical nem para mitigar a extrema polarização, mas para superar todas as formas de exploração e para a supressão das classes, o objetivo do comunismo.

Como parte de ir além das Quatro Todas e da luta pelo comunismo, uma feroz luta contra todas as formas de desigualdade é um aspecto crítico, mas não é o horizonte que a define. É precisamente no processo de erradicação e transformação da base material de tais desigualdades e antagonismos sociais que o horizonte da igualdade irá ser transcendido27.

Quão diferente e mais revolucionário é o conceito de Marx que a visão de “democracia radical” que D’Mello lhe atribui!

Mais uma vez temos que voltar à insistência de Marx na “ditadura do proletariado” como a transição necessária e libertadora para a abolição de todas as classes e para uma sociedade sem classes28. É desde este ponto de vista que se precisa ver a compreensão teórica de Mao e sua prática revolucionária de toda uma vida. Na verdade, como temos enfatizado, a contribuição central de Mao envolve identificar e lidar com as diversas contradições dessa transição (o socialismo e a ditadura do proletariado) e encontrar os meios revolucionários para se mover em direção ao comunismo. Tanto o objetivo (a sociedade comunista sem classes) como os meios (a ditadura do proletariado) explodem para além dos limites da “democracia radical” a que D’Mello quere limitar tanto a Marx e a Mao. A noção de ditadura do proletariado é tão contra a tese central de D’Mello da “democracia radical” que ele essencialmente a evita em seu artigo. Quando esses objetivos e meios são retirados do quadro, então não tem mais escolha que se curvar a outros critérios, tais como aqueles oferecidos por D’Mello de uma melhor distribuição da riqueza, etc.

É verdade que, tal como Marx, Mao iniciou a sua atividade política como um democrata radical. Mas, novamente, o ponto essencial é o oposto do que D’Mello está insistindo. Mao transcendeu a “democracia radical” que era dominante nas mentes dos jovens revolucionários da China nas primeiras décadas do século 20. A sua compreensão – o seu domínio da ciência da revolução que era então conhecido como marxismo-leninismo – permitiu a Mao localizar corretamente a revolução para libertar a China do semifeudalismo e do imperialismo como parte da luta muito importante pela revolução proletária mundial. A maioria dos outros líderes do Partido Comunista da China não compartilharam totalmente essa visão e compreensão, que teve muito a ver com o motivo por que o curso que Mao havia desenhado foi revertido logo após sua morte.

Confundindo comunismo com democracia

Consideremos novamente a conclusão de D’Mello: “O maoismo está enraizado em Marx que era, acima de tudo, um democrata radical... dado o fio da democracia radical que vai desde Marx a Mao, a melhor coisa que o maoismo poderia fazer é se comprometer com a promessa de uma democracia radical”. Na verdade, o argumento de D’Mello e sua caracterização de Mao são coerentes com esta conclusão.

A tese da “democracia radical” de D’Mello vai diretamente contra um dos principais desenvolvimentos teóricos de Mao e seus seguidores no que diz respeito à relação entre a revolução democrática e o maior avanço da revolução socialista. Em particular, os maoistas na China enfatizaram a realidade dos “democratas burgueses se transformarem em seguidores da via capitalista”29. Com isto queriam dizer que muitos dos altos dirigentes do Partido Comunista que haviam lutado arduamente para libertar a China do semifeudalismo e do imperialismo durante os longos anos da primeira etapa da revolução chinesa não compartilhavam o principal objetivo, a concepção e a linha de Mao que a revolução precisava se desenvolver para uma revolução socialista cujo objetivo principal era o comunismo a nível mundial. Pelo contrário, essas pessoas, algumas das quais haviam sido líderes corajosos da revolução na sua primeira fase, concordaram com algumas medidas da revolução socialista, mas cada vez mais se recusavam a ir mais longe na direção da transformação radical da sociedade para além das Quatro Todas – em última instância tomando a via capitalista e passando a estar em oposição à revolução socialista. Embora este processo de “democratas burgueses se tornando em seguidores da via capitalista” não englobe todo o fenômeno da restauração capitalista na China, que teve raízes nas contradições subjacentes da sociedade socialista, sim explica em grande medida a história e as configurações dentro do quartel-general oposto do partido. Além disso, D’Mello entende isso de uma forma muito diferente. Não só ignora ou se opõe à tese de Mao neste campo, como, como veremos, também trata os seguidores da via capitalista na China como Chou En-lai como “camaradas próximos” de Mao.

A tese de D’Mello sobre a democracia radical tem muito em comum com as limitações muito reais que tem tido todo o movimento comunista em entender corretamente o comunismo como a superação de toda a sociedade de classes, e de todas as formas de dominação de uma classe sobre outra30. A “Democracia” não é exceção a isto: cada classe dirigente terá uma forma de democracia que é o melhor para o seu sistema social. A democracia sob a ditadura do proletariado é qualitativamente diferente da democracia burguesa nas sociedades capitalistas. A ditadura do proletariado confere e garante os direitos fundamentais dos anteriormente oprimidos e conta com as grandes massas para o exercício do poder. Mas o mais importante, este tipo de democracia, apesar de mais ampla e qualitativamente rica, não é um fim em si mesmo, mas serve para continuar a luta e continuar a transformação para alcançar a abolição das “Quatro Todas” de Marx, criando as condições materiais e ideológicas para que o Estado “se extinga” (para usar o termo de Marx) e, com ele, também a democracia proletária.

Repito, este foi um ponto muito importante de luta e debate na Grande Revolução Cultural Proletária lançada por Mao na China. Por exemplo, os revolucionários na China prestaram grande atenção a “criticar o direito burguês” e a ideologia do direito burguês. O “direito burguês”, um conceito desenvolvido por Marx na Crítica do Programa de Gotha31, refere-se em particular ao fato de que, sob o socialismo, a distribuição de bens seria baseada no princípio de “a cada um segundo o seu trabalho”, e que ainda não seria possível aplicar o princípio comunista de “a cada um segundo suas necessidades”. Este princípio de “a cada um segundo o seu trabalho” contém uma medida de igualdade, mas disfarça a desigualdade subjacente – diferenças nas capacidades e necessidades. O direito burguês abrange essas relações de igualdade formal que disfarçam a desigualdade real, e mais amplamente refere-se à continuação da influência dos aspectos da sociedade burguesa que são transportados para o socialismo, e suas manifestações e expressões ideológicas no Estado e na política. Os revolucionários na China reconheceram que o direito burguês não podia ser totalmente abolido até que fosse possível sair completamente da esfera da produção de mercadorias e do intercâmbio através do dinheiro – isto é, como resultado das transformações materiais e ideológicas de todo o período de transição socialista, que só pode ser entendido como um processo de transição global da época burguesa para a era comunista. Mas esse foi precisamente o ponto: a sociedade socialista deve ser vista não como um fim em si, mas precisamente como uma transição para a futura sociedade comunista.

Mao e os revolucionários na China entenderam que a produção de bens e o direito burguês poderiam ser apresentados em diferentes graus durante todo o período de transição socialista, mas, mais importante, entenderam que essas mesmas “marcas de nascimento” da sociedade capitalista, embora a revolução as tenha restringido e reduzido, iriam continuar a fornecer o terreno material e ideológico para gerar novos elementos capitalistas que inevitavelmente tentariam derrubar o sistema socialista e restaurar o capitalismo. E, de fato, os revolucionários na China entenderam que um campo muito importante da luta de classes seria precisamente se o direito burguês é restrito ou se a sua expansão irrestrita é permitida. Esta foi uma grande frente de batalha entre Mao e seus apoiantes e os seguidores da via capitalista que tomaram o poder após a morte de Mao.

A democracia, mesmo a democracia radical como D’Mello gosta de enfatizar, está totalmente ligada à troca de bens, a “troca igual de valores iguais” que está no próprio coração tanto do sistema de produção capitalista como da ideologia (democrata burguesa) correspondente a esse sistema de produção e de troca.

A noção de democracia radical, de igualitarismo absoluto, foi proposta pela primeira vez por pensadores burgueses radicais do século 18, de Jefferson a Robespierre. A democracia radical é um ideal burguês que é inatingível dentro de uma economia e sociedade dominadas pela produção e troca de bens – e corresponde à posição da pequena burguesia32.

Mesmo as lutas contra a desigualdade, tão justas e necessárias como são, não podem escapar-se do que Marx chamou de “o estreito horizonte do direito burguês”; permanecem incapazes de ver além da produção e troca de bens e da base material da sociedade de classes. Esse tipo de pensamento é tão difundido na sociedade burguesa e tão aceito no discurso do nosso tempo que mesmo adversários das injustiças no mundo contemporâneo estão presos por seus limites, sem realmente trabalharem para fazer a ruptura necessária.

Vale a pena lembrar a observação de Engels que antes da divisão da sociedade em classes e do surgimento do Estado “ainda não há diferença entre direitos e deveres”33. A substituição da dicotomia entre “direitos e deveres” pela associação livre e voluntária de seres humanos é uma marca distintiva entre até mesmo a democracia que existe em uma sociedade socialista real e emancipatória e a sociedade comunista onde serão ultrapassados completamente os horizontes do direito burguês e todas as divisões de classe.

Isso não quer dizer que os democratas radicais, como D’Mello, que está firmemente entre eles, estejam tentando aperfeiçoar o sistema capitalista de troca de bens ou conscientemente a respeitar os limites e a permanência do capitalismo34. O problema é que D’Mello defende que esta ruptura não é necessária e, em vez disso, propõe que o maoismo deve ser redefinido para se encaixar com segurança dentro deste paradigma da democracia radical.

Está além do âmbito deste artigo discutir em profundidade a relação entre democracia e a superação de todas as divisões de classe. Aqui, também, é necessário examinar o trabalho substancial que Avakian tem desenvolvido sobre esta questão, começando especialmente com seu livro Democracia: É o Melhor Que Podemos Conseguir? publicado em 1986. Neste trabalho e em muitos outros durante as várias décadas que se seguiram, Avakian examina como, mesmo dentro do movimento comunista, frequentemente os objetivos comunistas têm sido confundidos com a luta por “aperfeiçoar” a democracia e foram reduzidos a isso. O trabalho e as teorizações de Avakian incluem uma compreensão crítica e científica da democracia burguesa tal como é praticada hoje, passadas e recentes controvérsias sobre a filosofia política de Rousseau, Locke, Jefferson e outros teóricos contemporâneos da democracia do século 18, bem como um maior compreensão e conceptualização científicas da democracia proletária na sociedade socialista, uma avaliação crítica das sociedades socialistas do passado e da sua extinção final na transição para o comunismo mundial. Que isto não são meras disputas acadêmicas, pode ser visto claramente no Nepal, onde a liderança maoista redefiniu os objetivos da luta, para longe do socialismo e do comunismo e, em vez disso, aceitaram uma república democrática burguesa35.

Ignorando as lições da GRCP

Dado o esforço de D’Mello para transformar a Mao em um democrata radical, não é nenhuma surpresa que D’Mello, como grande parte do movimento maoista a nível internacional e histórico, nunca analisaram realmente o trabalho teórico de Mao sobre os “democratas burgueses que se tornam em seguidores da via capitalista” e sobre o “direito burguês”, nem realmente compreenderam a rica experiência da GRCP à luz disto. Isto é consistente com a crença de D’Mello expressada no seu artigo de que 1969 “marca o início do fim da era maoista”, cortando assim a última parte da GRCP que não só foi uma experiência histórica valiosa, mas foi também o momento em que os revolucionários na China conseguiram dar uma expressão mais completa e científica a toda a experiência teórica da GRCP. Mais uma vez, D’Mello não está só nessa periodização errada da GRCP. Vimos nos últimos anos que a “reinterpretação” de Alan Badiou da GRCP também se apoia em uma construção similar36. E a “imagem no espelho”, a versão dogmato-religiosa do maoismo, também teve sérias dificuldades em compreender a Revolução Cultural depois da queda de Lin Piao em 1969.

D’Mello, tal como muitos outros que veem as coisas por um prisma radical-democrático, considera a primeira fase da GRCP, com revoltas em massa e crítica de massas, como a essência da GRCP. Na verdade, esse primeiro período não era mais que uma fase inicial de um processo revolucionário complexo que se desenvolveu e aprofundou à medida que se propagou dos jovens revolucionários aos operários e camponeses que se levantaram contra os seguidores da via capitalista no partido e no estado que estavam levando a China pelo mesmo caminho que a União Soviética tinha seguido depois de Khrushchev ter chegado ao poder. Períodos de levantamentos se alternaram com períodos de consolidação de novas formas de poder político e com o estabelecimento de novos métodos e práticas em todas as esferas da sociedade. Entre as transformações radicais que vieram após 1969 estão a forja de novas instituições como os comitês revolucionários que levaram as massas a exercer o poder sob a liderança do partido e que foram integrados nas estruturas do Estado socialista.

Ao longo deste processo o próprio marxismo-leninismo-maoismo floresceu enormemente à medida que Mao e aqueles que mais intimamente estavam associados com ele aprofundaram sua compreensão das leis da revolução socialista sob a ditadura do proletariado, enfrentaram problemas novos e complexos e também trabalharam dia e noite para preparar novos comunistas e recuperar e remodelar outros que tinham caído no revisionismo. Longe de estar em uma trajetória descendente depois de 1969 como D’Mello acredita, a Revolução Cultural avançou, enfrentou novos e difíceis desafios, e gerou uma compreensão teórica mais profunda, até a morte de Mao em 1976. Por exemplo, foi só depois de 1969, que foi claramente entendido que os “seguidores da via capitalista eram representantes das relações capitalistas de produção”, enquanto anteriormente eles eram por vezes mostrados principal ou simplesmente como capituladores, traidores, etc. Os alvos da revolução não eram simplesmente “revisionistas”, mas uma nova burguesia, aqueles funcionários seniores do partido e do Estado que tomaram a via capitalista. A questão de quando teve lugar o ponto de viragem decisivo que ocorreu na China pode parecer uma disputa esotérica, mas o argumento sobre a data reflete entendimentos significativamente diferentes.

A formulação de D’Mello de “o início do fim da era maoista” irá levá-lo a ele e a outros a não estudar as lições da Revolução Cultural como Mao e seus seguidores viram em seu tempo. Com a vantagem de se ver décadas mais tarde e à luz da nova síntese de Avakian é definitivamente muito necessário ter outro olhar mais profundo para a GRCP e tirar as conclusões apropriadas. Mas isso não é o que está fazendo D’Mello, ele não assimilou o entendimento de Mao nem avançou além dele.

O entendimento superficial e incorreto de D’Mello da Revolução Cultural é revelado em sua descrição de Chou En-lai e Chu Te como “camaradas próximos” de Mao. Na verdade, Chou En-lai se tornou representante dos líderes do partido que se opuseram cada vez mais ao aprofundamento da revolução37. E, como mencionado acima, D’Mello ignora líderes comunistas proeminentes, como Chang Chun-chiao e Chiang Ching, que de fato lideraram a Revolução Cultural, com base na linha de Mao. Não é por acaso que Chang Chun-chiao e Chiang Ching foram difamados como parte do “Bando dos Quatro” e foram presos depois da contrarrevolução e morreram na prisão, enquanto o legado de Chou En-lai é elevado aos céus pelos novos governantes capitalistas.

Como Mao disse, muitos dos seguidores da via capitalista começaram como democratas burgueses e pequeno-burgueses que nunca fizeram a ruptura radical param se tornarem comunistas ideologicamente. Muitos desses mesmos membros do Partido Comunista não queriam que a revolução avançasse para a etapa socialista ou não queriam ver um aprofundamento desta etapa da revolução. Como Chang Chun-chiao disse, viram a revolução como um ônibus, “Aqui é a minha parada e eu devo descer do ônibus”. Eles não queriam que a revolução continuasse eliminando as marcas de nascimento do velho sistema capitalista burguês como o direito burguês. Em vez disso, essas forças se tornaram representantes mais ou menos conscientes das mesmas relações de produção capitalistas que a revolução ainda necessitava superar. Esta é uma dinâmica diferente do socialismo erroneamente atribuída a Mao por D’Mello em que cada etapa prepara a próxima, como se pudesse ser de uma maneira puramente evolutiva sem uma luta aguda. E é diferente da teoria generalizada da “burocracia” que D’Mello também ecoa, um entendimento que não olha para a base econômica dos seguidores da via capitalista.

Embora Mao estivesse certamente consciente das enormes mudanças que a revolução tinha trazido para as massas, ele escolheu enfatizar o ponto oposto: a longa, persistente e difícil luta para fazer avançar a China na via socialista para o futuro comunista. Mao salientou que “Se pessoas como Lin Piao chegarem ao poder será mais fácil para eles reconstruir o sistema capitalista”. Mao foi sério e penetrante sobre as dificuldades que enfrenta a revolução e advertiu repetidas vezes que o perigo de restauração capitalista era real. Infelizmente, a história da China após a morte de Mao – o golpe contrarrevolucionário e a velocidade vertiginosa com que foi restaurado o capitalismo e com ele todos os horrores da exploração – mostrou o perspicaz que era Mao.

O que nós queremos não é subestimar o que Mao conseguiu e como isso beneficiou as massas populares. Mas temos que ser claros e firmes em afirmar o que Mao poderia fazer como parte do projeto comunista revolucionário e não substituí-lo com uma visão diferente e um padrão diferente, na verdade muito insignificante, de democracia radical, redistribuição da riqueza e “mudar para melhor”38.

É uma ilusão de “democrata radical” acreditar que pode haver uma redução gradual das disparidades em termos da riqueza, um crescente sentimento de comunidade e irmandade e mudanças crescentes “para melhor” sem ter que lidar com a tarefa fundamental de erradicar o capitalismo, a produção de mercadorias e a sociedade de classes em geral, e fazer isso com o único meio pelo qual pode ser feito: a ditadura revolucionária do proletariado. Na verdade, a própria meta da democracia radical – a comunidade, fraternidade e democracia sem classes, sem revolucionar completamente todas as relações sociais – é em si uma ilusão. Embora a história mundial prove o contrário, e vai provar uma e outra vez, a experiência por si só não vai fazer desaparecer esta bolha de ilusão. Isso ocorre porque essas ilusões não resultam de uma falta de informação perceptual, mas devido ao ponto de vista de classe “intelectual democrático” (ou, se D’Mello prefere, “democrata radical”).

A revolução democrática nacional

Neste artigo, não é necessário nem possível analisar em profundidade os importantes ensinamentos de Mao sobre o que ele chamou a Revolução de Nova Democracia (RND). No entanto, existem alguns pontos essenciais que se precisam entender, e de uma forma diferente da que D’Mello apresenta.

Mao planteou que na China a revolução precisava passar por duas etapas, a primeira sendo a da “Nova Democracia”, dirigida contra o imperialismo estrangeiro, o feudalismo e o que ele chamou de “capitalismo burocrático”, o tipo de capitalismo que está intimamente ligado ao imperialismo e ao feudalismo. Mao disse que o proletariado, representado pelo seu partido comunista de vanguarda poderia conduzir as massas, especialmente os camponeses oprimidos, para completar esta revolução. Nós podemos ver a importância contínua do progresso de Mao ainda hoje, quando a tarefa de varrer a dominação imperialista continua sendo central para a revolução na maior parte do mundo e muitos recursos da sociedade ainda marcada pelo mau cheiro do feudalismo e outros sistemas de exploração pré-capitalistas.

Mas, embora D’Mello esteja certo em apontar a importância da tese de Mao sobre a Nova Democracia, mostra um entendimento incorreto quando diz que uma das características distintivas do maoismo é “a concepção da RND em oposição à revolução democrático-burguesa”. Na verdade, Mao foi muito claro quanto ao seu caráter social, a RND segue sendo democrático-burguesa porque o seu objetivo é precisamente a dominação estrangeira e o semifeudalismo que objetivamente impediam a China ser um país capitalista moderno independente.

Mao insistiu muito em que a Revolução de Nova Democracia era “parte da revolução proletária mundial” e não faz mais parte da revolução democrático-burguesa do tipo antigo. Mao argumentou que a liderança da RND pelo proletariado através de seu partido de vanguarda comunista está ligada à revolução proletária nos países capitalistas avançados, e tinha elementos socialistas importantes dentro dela (incluindo ter como alvo o imperialismo estrangeiro e o capitalismo burocrático comprador, a principal forma de capitalismo de grande escala na China), lançando assim as bases para a revolução socialista e, potencialmente, iniciá-la em oposição à consolidação da democracia burguesa e do capitalismo. Talvez seja esse entendimento que D’Mello está tentando se referir em sua distinção entre RND e a “democracia burguesa”. Mas a compreensão de D’Mello é muito diferente da de Mao e seus seguidores.

Pode parecer para D’Mello muito revolucionário negar o caráter “democrático burguês” da RND. Na verdade, colapsar as revoluções democrática e socialista num único conjunto é um erro clássico dos reformistas, especialmente da variedade trotskista no terceiro mundo. Apresentando a RND e a “revolução socialista” juntas no quadro da “democracia radical”, D’Mello acaba ignorando o caráter revolucionário proletário da revolução comunista e a sua diferenciação qualitativa com a revolução democrática que é e só pode ser burguesa no seu caráter social. Esta é precisamente a base material para os muitos que permaneceram como “democratas burgueses” em sua perspetiva para se juntarem ao Partido Comunista e até mesmo lutar heroicamente na primeira fase da revolução na China. Mas quando a revolução entrou na sua fase socialista e quando ela se aprofundou, muitos desses líderes deram o salto para oporem-se à revolução.

É necessário fazer mais trabalho sobre como a revolução irá se desenvolver no século 21 nos países dominados pelo imperialismo e que ainda sofrem as cicatrizes do feudalismo e outras formas pré-capitalistas de exploração. As teses de Avakian quanto ao caráter mais “interligado” do mundo, incluindo a compreensão de que o imperialismo se tornou interno à estrutura de classes nos países oprimidos39, fornecem uma base para destacar mais integralmente o conteúdo internacionalista proletário da revolução em cada país.

Grandes mudanças continuam tendo lugar à medida que o imperialismo penetra e molda o sistema socioeconômico em países ao redor do mundo e isso certamente requer um maior aprofundamento da estratégia e da tática. Mas a tese de Mao sobre a Nova Democracia continuará sendo um ponto de referência vital e um ponto de partida para a elaboração da estratégia revolucionária. Não é possível imaginar, por exemplo, uma revolução no Irã que não inclua uma forte componente de atacar o obscurantismo religioso e a opressão medieval das mulheres que foi integrada em novas maneiras com formas “modernas” da exploração capitalista. E vimos também, uma e outra vez, que as revoluções nos países oprimidos que continuam “atoladas” na perspectiva da “democracia radical” serão derrotadas ou, se tomam e consolidam o poder político, rapidamente serão “domesticadas” e transformadas noutra maquinaria da engrenagem esmaga-vidas da ordem imperialista mundial.

É uma verdade substancial que o comunismo revolucionário é a ruptura mais profunda com todo tipo de opressão. Este é um ponto que Lenin enfatizou no período de preparação da revolução russa, quando ele salientou que um comunista deve ver-se como um “tribuno do povo” e não como um secretário sindical. A tese da Nova Democracia de Mao e a sua liderança da revolução chinesa enfatizam o princípio de que o proletariado deve agir não em função dos seus interesses econômicos estreitos, mas como combatentes de vanguarda para levar toda a sociedade para um novo nível40. Mas este não é um argumento para confundir o comunismo com a democracia radical como D’Mello está insistindo.

Deve-se enfatizar que não estamos questionando a necessidade dos comunistas assumirem a tarefa de liderar a revolução democrática na fase onde for necessário. Mas quando os comunistas assumem e dirigem essa luta não o fazem como “democratas radicais”, subordinam essa luta e situam-na no quadro mais amplo de alcançar uma sociedade comunista. O objetivo específico da independência nacional e da democracia só é importante na medida em que favorece esse objetivo. Na verdade D’Mello está formulando em termos teóricos o que muitos maoistas têm feito na prática – “combinar dois em um” (neste caso, a revolução democrático-burguesa com a revolução proletária), e ao fazer isso criam uma confusão bastante desconcertante em vez de compreender a diferença, a distinção entre as duas. A experiência das últimas décadas leva a uma conclusão oposta: os comunistas devem resistir a qualquer tentativa de remontar o comunismo como “democracia radical”: não pode haver nenhuma emancipação genuína sem uma ruptura radical com todos os sistemas sociais anteriores e suas ideologias – incluindo a democracia radical.

A Revolução de Nova Democracia é democrático-burguesa no seu caráter imediato, mas porque é dirigida pelo proletariado e por causa das políticas especificas – tais como uma profunda revolução agraria, o confisco da propriedade capitalista-burocrática e imperialista – a RND pode e deve levar diretamente à revolução socialista e de fato introduzirá o começo desta. Sem compreender isso corretamente, haverá erros de direita e de “esquerda”. “Esquerda” no sentido de que os comunistas podem não reconhecer as tarefas democráticas reais que a revolução necessita cumprir, e também podem considerar aos abertos e reconhecidos democratas burgueses como intrusos indesejáveis no movimento revolucionário. Mas, de longe, o maior perigo é o desvio abertamente direitista, que em algum momento no processo revolucionário, antes ou depois da tomada do poder a nível nacional, o objetivo do socialismo é abandonado e, finalmente, o comunismo, como estamos vendo hoje no Nepal.

O que é liderança proletária?

Como devemos entender corretamente o conceito de “liderança proletária” que Mao defendeu? D’Mello tem razão em rejeitar a noção mecanicista de que isso quer dizer que os operários industriais urbanos necessariamente devem estar à cabeça da revolução, como alguns ainda tentam argumentar. Mas D’Mello não compreende corretamente onde reside o caráter proletário do Marxismo. Olhando a partir da perspectiva histórica, é o surgimento do proletariado a nível mundial, como um produto das relações capitalistas de produção, o que traz a possibilidade de superação do modo de produção capitalista e alcançar o comunismo. Isto é o que se quer dizer cientificamente, quando se fala da missão histórica do proletariado.

No entanto D’Mello entende desta maneira (citando a Benjamin Schwartz): “no maoismo, o termo ‘proletariado’ refere-se a um conjunto de qualidades morais – ‘abnegação, sacrifício ilimitado às necessidades do coletivo, autossuficiência tipo guerrilheira, energia inesgotável... uma disciplina de ferro, etc.’ – como norma do verdadeiro comportamento coletivista. A direção proletária torna-se então constituída por um grupo de intelectuais, operários e camponeses que primam por estas exigências morais”.

É certamente verdade que pessoas de diferentes classes sociais podem adotar a concepção proletária do mundo e muitos já o fizeram. Também é verdade que tal concepção do mundo não existe espontânea ou automaticamente entre os próprios operários (em qualquer país, oprimido ou opressor). Mas a concepção proletária não se reduz aos “imperativos morais”, embora seja importante reconhecer que há um componente moral na concepção proletária do mundo.

Também é possível reconhecer que a descrição de Schwartz (e D’Mello) das características proletárias (abnegação, sacrifício ilimitado às necessidades do coletivo, autossuficiência tipo guerrilheira, energia inesgotável... disciplina de ferro) não está limitada apenas aos revolucionários proletários. Ao longo da história e em vários países tem havido uma grande quantidade de revolucionários burgueses e pequeno-burgueses que têm mostrado essas mesmas virtudes. Robespierre, que dirigiu e sacrificou sua vida pela revolução francesa (burguesa), era conhecido como o “incorruptível”. Não seria justo dizer que muitos quadros de grupos nacionalistas como os Tigres Tâmiles no Seri Lanca compartilham muitas das qualidades que cita D’Mello?

A perspectiva proletária do mundo é principalmente uma questão da ciência de compreender e transformar a sociedade e de identificar o único processo social que pode levar a alcançar uma sociedade sem classes, comunista, especificamente a revolução socialista e a ditadura do proletariado. Não é uma questão especial dos membros individuais concretos da classe proletária, mas do proletariado como uma classe determinada por sua relação com o modo de produção e não como um conjunto de indivíduos que encarnam “imperativos morais”. Foi um grande avanço de Marx entender que as condições sócias do proletariado significam que “o proletariado pode se emancipar sem emancipar toda a humanidade”41. A missão do proletariado para “libertar toda a humanidade” desafia diretamente o tipo de interpretações vulgares, economicistas e obreiristas típicas do revisionismo e é de salientar que os revolucionários na China tornaram essa cita de Marx uns dos principais slogans da GRCP. Isso claramente tem um conteúdo moral profundo, mas é uma moralidade baseada em uma compreensão científica e de nenhuma maneira em exigências morais vazias de democracia sem classes e humanismo.

O próprio Mao foi um consistente e metódico representante do proletariado (o que não nega os aspectos secundários do seu pensamento). A qualidade de proletário de Mao deriva de sua concepção do mundo que foi predominantemente a do materialismo histórico e dialético, e do fato que liderou a luta por uma linha política que correspondeu esmagadoramente aos interesses do proletariado no mais amplo sentido histórico, especificamente políticas e transformações que levaram a sociedade para a frente, e muito concretamente, que criaram através de uma complexa e prolongada luta, as condições econômicas, políticas e ideológicas para fazer avançar a sociedade na direção do socialismo e do comunismo.

O que distinguiu os revolucionários proletários de seguidores da via capitalista como Deng foi, em última análise, onde queriam levar a sua respectiva orientação, políticas e políticas econômicas e, nesse sentido, que relações de classe representavam. Na verdade, todo o conceito de Mao da Revolução de Nova Democracia é coerente com a orientação da direção proletária. Sim, tal como foi formulada por Mao a RND é, em muitos aspectos, como é descrita por D’Mello: baseada no campesinato, cercar as cidades a partir do campo, travar uma guerra popular prolongada, etc. Mas o proletariado estava liderando esta revolução, que estava concentrada na direção de Mao e do Partido Comunista, precisamente porque ele estava lutando por uma linha política que permitiria a revolução ir além da revolução democrática e entrar na fase socialista.

Quando se trata de fazer a revolução socialista não há “neutralidade”. Em outras palavras, ou há uma luta determinada, consciente e prolongada para transformar a sociedade, incluindo enfrentar periodicamente desafios ferozes e fazer grandes saltos na direção do comunismo, ou a direção da sociedade será determinada pelos representantes das relações capitalistas de produção e organizada em linhas capitalistas. Deve haver uma luta consciente e revolucionária nos campos político, econômico e cultural para ir contra a inércia herdada de séculos de exploração de classe e contra a espontaneidade que vem com o intercâmbio diário, em qualquer momento, de mercadorias – o intercâmbio de valores iguais (mais uma vez ligada ao direito burguês que foi criticado tão duramente criticado na Revolução Cultural) central tanto ao capitalismo como à ideologia capitalista onde o “intercâmbio igual” de mercadorias esconde a divisão de classes e a exploração.

D’Mello não entende isso deste jeito. Mais uma vez, deve notar-se que ele, infelizmente, não está só. Esta é uma das razões pelas quais Bob Avakian observou que “a maior parte do tempo, a maioria dos comunistas não são comunistas”42. Ser parte de um partido comunista não é suficiente, e nem mesmo é suficiente lutar e sacrificar-se pelos interesses do povo. O sucesso ou fracasso da revolução será decidido em última pela linha ideológica e política que está no comando. Isso não significa apenas saber se os líderes aceitam o objetivo comunista em palavras, mas também saber se, num sentido fundamental, lograr esse objetivo guia na verdade a escolha da estratégia e a tática por todas as diferentes etapas da luta, incluindo a fase democrático-burguesa da revolução onde for necessária tal etapa.

Foi por isso que, perto do final da sua vida Mao salientou de uma forma tão importante que “a correção ou não da linha política e ideológica decide tudo”43. Infelizmente demasiados membros do partido e líderes do nível intermédio acabaram por apoiar a toma revisionista, muitos talvez inconscientemente, pelo menos inicialmente. E isso também foi igualmente certo para os comunistas internacionalmente, incluindo na Índia, onde grandes formações maoistas, incluindo algumas que haviam estado travando uma heroica luta armada revolucionária contra os guardiões da velha ordem, apoiaram inicialmente o golpe de Estado na China marcado pela prisão do chamado Bando dos Quatro.

Na verdade, quando falamos de qualidades morais temos que ter muito cuidado para não separá-la da linha ideológica e política geral. Devemos nos lembrar de como os seguidores da via capitalista na China buscaram caluniar aos revolucionários como “macios, relaxados e preguiçosos”. Por outro lado, os revolucionários na China denunciaram corretamente os “muito laboriosos seguidores da via capitalista” que trabalharam dia e noite para restaurar o capitalismo.

A importância desta questão é bastante óbvia para todos, agora que a revolução no Nepal está sendo invertida. Ninguém negaria a luta e sacrifícios durante a guerra popular por parte de todos os membros e líderes desse partido que parece ser ao que quer chegar D’Mello com as referências às “qualidades morais”. Mas se a revolução no Nepal poderia abrir um caminho para um futuro socialista e servir como um progresso vitalmente necessário na revolução socialista ou se, como sua trajetória atual, o resultado final será a consolidação de uma ordem burguesa republicana mantendo as massas acorrentadas, depende essencialmente da linha ideológica e política da liderança. A “auto-abnegação” pode ser uma característica dos revisionistas e seguidores da via capitalista, tal como a austeridade e a disciplina eram frequentemente associados com a classe capitalista quando ela inicialmente apareceu44.

Como Avakian afirma: “Há uma série de concepções errôneas e confusão sobre a questão da liderança comunista, confusão que em grande medida está relacionada com as concepções errôneas sobre os princípios e objetivos da própria revolução comunista – e que de certa maneira se lhes opõem. A direção e, em particular, a liderança comunista está concentrada na linha. Isso não quer simplesmente dizer a linha como abstrações teóricas, embora tais abstrações, especialmente na medida em que refletem adequadamente a realidade e seu movimento e desenvolvimento são muito importantes. Mas em um sentido global, é uma questão de liderança no sentido como se expressa na capacidade de desenvolver continuamente abstrações teóricas essencialmente corretas; para formular e implementar o ponto de vista e o método, e a estratégia, o programa e a política necessários para transformar radicalmente o mundo através da revolução em direção ao objetivo final do comunismo e levar outros a tomar sua própria iniciativa – para implementarem tudo isso e agirem com base nisso; e através deste processo para capacitar continuamente as pessoas a desenvolverem cada vez mais a sua capacidade de fazerem tudo isso. Essa é a essência da liderança comunista”45.

Marxismo do terceiro mundo?

A definição do maoismo de D’Mello como “democracia radical” também se sobrepõe com outras tendências na história do movimento maoista para compreender o maoismo essencialmente como um “marxismo do terceiro mundo”, uma tendência que foi associada a Lin Piao, um líder importante do Partido Comunista da China46. Isto envolveu reduzir o maoismo a várias características específicas que D’Mello lista, especialmente a preparação da guerra popular prolongada e fazer a revolução no “campo do mundo” da Ásia, África e América Latina.

D’Mello atribui grande importância ao fato de que as massas trabalhadoras na Europa não realizaram as lutas revolucionárias que Marx havia imaginado47. É verdade que o processo da revolução proletária mundial tal como Marx e Engels previram foi profundamente afetado por alterações subsequentes que ocorreram no mundo. Como Lenin viria a analisar, o desenvolvimento do capitalismo em imperialismo trouxe mudanças importantes na estrutura de classes dos países capitalistas avançados e, em particular, uma divisão do próprio proletariado nos países avançados entre uma aristocracia operária que beneficia do imperialismo e está disposta a colaborar com as aventuras imperialistas das classes dominantes e, por outro lado, um setor do proletariado mais despossuído, cujas condições de vida e trabalho correspondem mais aos descritos no Manifesto do Partido Comunista como “não tendo nada a perder”, exceto suas cadeias. Lenin entendeu muito profundamente esta realidade e considerou esta divisão dentro da classe trabalhadora como ponto de partida para o desenvolvimento da estratégia e da tática revolucionárias nesses países. Por isso chamou os comunistas a se esforçarem para construir uma base no “mais baixo e mais profundo” do proletariado. Dadas as teses bem conhecidas de Lenin, é surpreendente que D’Mello diga que essas condições “frustraram a penetração de uma consciência revolucionária da classe trabalhadora do continente”, e que Lenin “evitou” esta realidade.

Definitivamente a posição relativamente privilegiada dos trabalhadores nos países avançados é um fator importante que reflete a estrutura de classes nesses países e pesa sobre o pensamento desse setor dos trabalhadores. Mas D’Mello também cai no determinismo vulgar sobre o qual ele adverte em seu artigo. Em primeiro lugar, há uma base material tanto para o comunismo revolucionário como para a colaboração de classe no proletariado dos países imperialistas e é errado ver apenas o primeiro aspecto do aburguesamento de setores importantes da classe trabalhadora. Há também os setores “mais baixos” e “mais profundos” e outros setores do proletariado, como as massas negras, os imigrantes, as mulheres oprimidas, e outros setores, mesmo nos países imperialistas mais avançados cujas condições de vida os levam a odiar o sistema existente.

Além disso, deve sublinhar-se que, em situação nenhuma, a mera existência de condições de exploração e de empobrecimento pode ser suficiente para obterem “automaticamente” a consciência de classe que a ideologia comunista representa. Na verdade, a necessidade dos comunistas ganharem os trabalhadores para um entendimento da consciência de classe foi um elemento-chave dos ensinamentos de Lenin e é desenvolvido em certa medida em “Que fazer?”, onde ele argumenta convincentemente que a luta espontânea e a realidade da exploração não se traduzem automaticamente em consciência proletária. Esta consciência, salienta ele, precisa ser “levada” aos trabalhadores de fora da sua experiência imediata. Não é preciso apontar que Lenin avançou esta tese numa situação de grande pobreza e privação na Rússia czarista.

A reformulação que faz D’Mello do maoismo no âmbito da democracia radical e de uma guerra popular baseada no campesinato no terceiro mundo mutila o papel crucial das contribuições de Lenin, o leninismo, como parte do abrangente caráter e síntese do comunismo – uma valorização e compreensão científicas da necessidade de uma revolução comunista e da ditadura do proletariado como transição para o comunismo como parte de um processo mundial, e o papel institucionalizado da liderança do partido de vanguarda ao longo de todo este processo48.

Mesmo em países onde a exploração e a opressão das massas são extremas e as massas acabam frequentemente se levantando em diferentes tipos de lutas, continua sendo o caso de que essas condições não conduzem espontaneamente à consciência comunista. Durante a onda de lutas revolucionárias dos anos sessenta e início dos anos setenta, a consciência espontânea dos revolucionários na Ásia, África e América Latina tendia a ser caracterizada por uma ou outra variante do nacionalismo revolucionário. Isso muitas vezes tomou uma espécie de coloração “maoista” – em parte, por reconhecimento do apoio genuíno que a China estava dando a essas lutas. O problema era que muitos dos maoistas estavam eles próprios confusos sobre a diferença entre nacionalismo revolucionário e comunismo revolucionário.

Hoje deve ser suficiente notar a desafortunada força que têm algumas ideologias reacionárias, como o fundamentalismo religioso ou outros tipos de oportunismo, em setores importantes de até mesmo as massas mais oprimidas de muitos dos países oprimidos para ver que a ideologia comunista revolucionária não se desenvolve espontaneamente. Esta realidade deve incentivar os esforços para levar a cabo uma luta ideológica resoluta, e não para tentar fugir desta batalha necessária.

Para Mao e a China revolucionária era importante apoiar de todo o coração as lutas de libertação nacional que se estendiam ao redor do mundo na década de sessenta e que atingiram o seu apogeu com a guerra de libertação no Vietnã. Mao teve que lutar contra a União Soviética e outros revisionistas que sabotaram essas lutas e / ou tentaram manipulá-las para servir a União Soviética, a qual Mao analisou corretamente como superpotência “social-imperialista”. Ao mesmo tempo, houve problemas na forma como Mao e o Partido Comunista da China se relacionaram com as lutas nos países oprimidos. Por exemplo, não se esforçaram ao máximo para apoiar o desenvolvimento de organizações comunistas independentes, contentando-se muitas vezes em apoiar diversos tipos de frentes ou organizações de libertação em que predominavam forças burguesas ou pequeno-burguesas, como a Organização para a Libertação da Palestina ou a ZANU [União Nacional Africana do Zimbabwe] de Robert Mugabe. Especialmente em seus últimos anos, quando Mao enfrentou uma crescente ameaça de guerra por parte da União Soviética, ele fez esforços para construir uma espécie de “frente unida” em que participaram até mesmo estados reacionários que se opunham à URSS. Os erros de Mao49 a este respeito não foram nem os primeiros nem os piores na história do movimento comunista internacional. Por exemplo, por parte de Stalin, a subordinação da revolução mundial aos interesses de Estado da URSS, especialmente no período antes, durante e depois da Segunda Guerra Mundial, foi um caso mais grave. Mas os erros de Mao nesta área, embora ele rejeitasse as teses fundamentais revisionistas da “via não capitalista para o desenvolvimento”, mesmo assim causaram problemas reais. Os erros nesta área também se interpenetraram com outros erros de método e abordagem.

Dentro do Partido Comunista da China definitivamente existia no tempo de Mao a tendência para definir o “maoismo” como uma ideologia de luta de libertação nacional, uma tendência que foi adotada e muito amplificada por muitos revolucionários desse período que nunca foram além dos limites da luta contra o imperialismo e o feudalismo. Em outras palavras, aqueles que nunca viram além “do estreito horizonte do direito burguês”. Seria uma grande injustiça equiparar Mao à visão limitada de alguns dos seus apoiantes. Mas ainda assim, aqui também, é uma das contradições do maoismo: a perspectiva emancipatória correspondente à tarefa do proletariado de levar a sociedade humana para além dos limites das classes e nações coexiste com uma tendência secundária mas ainda assim real de Mao para às vezes combinar dois em um em relação ao comunismo e à libertação das nações. Esta tendência se reflete na observação muito citada de Mao de que “o patriotismo constitui uma aplicação do internacionalismo na guerra de libertação nacional”50. D’Mello está a utilizar as ambiguidades e erros secundários de Mao e ao fazê-lo reformula todos os ensinamentos de Mao como sendo obra de um não comunista, um “democrata radical”.

A linha de massas

Vejamos como D’Mello explica o conceito maoista de linha de massas: “...uma característica distintiva do maoismo. Este é um método de envolver as massas em como, por exemplo, [ao levar a cabo diferentes tipos de lutas], cada um dos aspetos acima é para fazer e, em seguida, implementar o que foi decidido com a sua participação. Assim, os líderes do partido entendem corretamente os pontos de vista das pessoas e moldam as políticas necessárias para que as massas possam apoiá-las e implementá-las ativamente”.

Mao desenvolveu uma teoria da linha de massas, mas esta é outra área em que muitos maoistas, bem como acadêmicos e amigos do movimento comunista, entenderam mal o aspecto essencial. A linha de massas não deve tornar-se um argumento para simplesmente “ouvir as massas”, permitindo-lhes criticar e assim por diante, ou somente para sistematizar o seu pensamento, embora todas essas coisas sejam cruciais na concepção e prática de Mao. A liderança comunista das massas deve incluir uma compreensão profunda das massas e do seu pensamento (o que só pode querer dizer o seu pensamento contraditório). Com base em uma compreensão científica completa das tarefas da revolução, da necessária estratégia e tática e do comunismo revolucionário de modo mais geral, os comunistas são capazes de desenvolver slogans, políticas e outros aspetos que concentram os interesses fundamentais das massas e em torno dos quais setores crescentes das massas podem ser ganhos para assumi-las e lutar por elas. A “linha de massas” não deve ser usada como argumento para que os slogans e políticas dos comunistas sejam um simples reflexo ou concentração empírica dos sentimentos e compreensão espontâneos das massas; se assim fosse, os comunistas estariam promovendo todos os tipos de ideias retrógradas. (Na realidade, isso é ao que muitas vezes leva a distorção revisionista da linha de massas). Por exemplo, seria muito prejudicial “unir-se” com (e ainda menos concentrar) os sentimentos comunalistas e religiosos das massas, que podem ser generalizados em qualquer momento dado. E já vimos esse tipo de erro, mesmo entre aqueles que procuram aplicar o maoismo, ou dizem fazê-lo.

D’Mello ignora o papel dinâmico da política e da ideologia, a luta que ocorre nestas áreas, bem como o papel necessário dos comunistas em levar a cabo esta luta. Aqui, novamente, devemos notar que a insistência de Mao sobre a necessidade de travar esta luta ideológica e política é uma característica muito central do maoismo, embora muito pouco seja notada no artigo de D’Mello. (Isso não significa que não haja nada no conceito de linha de massas de Mao ou na relação entre consciência e posição de classe que poderia levar à interpretação populista de D’Mello, como explicarei mais tarde). O tipo de entendimento seguidista da linha de massas promovido por D’Mello (compartilhada por muitos maoistas, agora e historicamente) não pode senão reduzir o papel dinâmico da teoria revolucionária para guiar todo o processo revolucionário. Na verdade, longe de ser um reflexo passivo dos sentimentos e pensamentos das massas, a teoria comunista científica deve “adiantar-se” à prática, como observou Avakian.

Relacionada com o problema da “linha de massas” como justificação para andar atrás das massas está a história de tendências errôneas no movimento comunista internacional para o que Avakian tem chamado de “reificação do proletariado” (sendo a reificação tomar uma abstração, neste caso o proletariado como classe com os seus interesses fundamentais e de longo prazo, e confundi-la com as suas manifestações concretas específicas, neste caso, o conjunto de proletários específicos e o modo como percebem os seus interesses em qualquer momento dado). Esta tendência para a reificação expressou-se em variados graus durante a Revolução Cultural, mas representou uma contracorrente do que Mao estava propondo no essencial. Durante todo o curso da luta muito complexa durante a GRCP, incluindo os esforços dos seguidores da via capitalista para manipular os trabalhadores com chamados demagógicos aos seus interesses estreitos (por exemplo, tentando fazer com que os trabalhadores concentrassem sua luta para obterem salários mais altos), quando estava em jogo todo o futuro do país, Mao e a liderança revolucionária no partido chamaram aos trabalhadores a “prestarem atenção aos assuntos do estado”. Novamente, isto não aconteceu sem contradição. Os próprios revolucionários aprofundaram a sua compreensão e deram maior ênfase à luta para que as massas usassem o que era então conhecido como marxismo-leninismo-Pensamento Mao Tse-tung, a fim de diferenciar as linhas corretas das incorretas. Diz-se que Chang Chun-chiao afirmou que “a teoria é o aspecto mais dinâmico da ideologia” distinguindo isto dos simples sentimentos de classe51.

Durante a era de Mao também puderam ser vistas diferenças sobre a forma de entender a relação entre a compreensão espontânea das massas e a teoria comunista revolucionária. Por exemplo, nas fases iniciais da Revolução Cultural (o mesmo período da GRCP que D’Mello considera seu auge), era frequentemente citado Lin Piao dizendo que “a corrente principal do movimento de massas sempre se alinha com o desenvolvimento da sociedade e é sempre racional”52. Esse argumento, que caiu em desuso no partido chinês, pode ser contrastado com o slogan de Mao enfatizado no X Congresso do Partido em 1974: “Ir contra a corrente é um princípio do marxismo-leninismo”53. O relatório desse Congresso também deixou claro que só o comunismo revolucionário permite que alguém seja capaz de distinguir entre uma corrente correta e uma incorreta.

Aqui, novamente, podemos ver que alguns elementos errados e parciais no que Mao e os comunistas chineses tinham levantado antes (neste caso, uma indicação de que a compreensão das massas deve sempre ser considerada correta) são aproveitados e elevados acima da compreensão mais científica e mais central que Mao e seus seguidores estavam desenvolvendo. Quer tenha plena consciência disso ou não, D’Mello insiste em agarrar-se e basear-se nos elementos do pensamento e da prática que o próprio Mao estava colocando em questão ou descartando. Em vez de seguirmos o recuo de D’Mello, devemos olhar para o entendimento avançado que Avakian tem vindo construindo sobre a relação entre os comunistas e as massas. Avakian tem enfatizado o papel de levantar questões cruciais perante as massas e envolvê-las em lidar com elas, rompendo, na medida do possível, com as barreiras à sua participação neste campo. Ele tem salientado que “a questão de tudo isto não é apenas criar uma situação em que mais e mais massas vão ‘se sentir envolvidas’ no processo revolucionário, mas realmente ajudar a encontrar soluções para estes problemas e permitir que o partido, bem como as massas, aprendam desta forma”54.

“Só a prática social dos homens pode constituir o critério da verdade”

Outra área em que D’Mello concentra uma compreensão errada compartilhada por muitos dentro do movimento maoista é a sua análise do que ele descreve como a máxima do maoismo, “buscar a verdade a partir da prática”. Embora eu não tenha conhecimento de nenhuma declaração de Mao correspondendo exatamente ao que D’Mello está citando, o próprio Mao escreveu que “só a prática social dos homens pode constituir o critério da verdade”55.

D’Mello define o marxismo como “um guia para a vida e a prática social, e sua validade a longo prazo só pode ser julgado pelos seus frutos”, baseado em uma citação de Paul Sweezy cujo artigo D’Mello reproduz em sua compilação. A gravidade deste erro é mais evidente quando se lê toda a passagem de Sweezy, que D’Mello deixa truncada: “Talvez mais importante, o marxismo tem uma teoria da história e do destino da humanidade que é simples em suas principais linhas gerais e incalculavelmente importante em suas implicações. É uma teoria racional, não mística; mas como qualquer teoria desse tipo não pode ser provada de uma maneira precisa ou científica. É um guia para a vida e a prática social, que só pode ser julgado pelos seus frutos”. [Ênfase adicionada]56. O que deve ser enfatizado aqui são precisamente as palavras omitidas por D’Mello, a rejeição básica por Sweezy de qualquer base científica para “provar” o marxismo57.

O marxismo é principalmente uma ciência e não um simples “guia”58. Como qualquer ciência, pode e precisa ser continuamente verificada, enriquecida e corrigida quando for necessário. Mas isso é diferente de dizer que ela deve ser verificada pelos seus “frutos”.

Por exemplo, os ensinamentos de Mao sobre a natureza da sociedade socialista, sua tese sobre os democratas burgueses se transformando em seguidores da via capitalista, sua tese sobre o perigo de restauração capitalista, suas previsões sobre o que tal restauração significaria para o povo da China e no mundo – tudo isto foi infelizmente “testado” pelo golpe de Deng Xiaoping, e nesse sentido foi verificado na prática. É certamente difícil pensar em muitas outras teses científicas, pelo menos no campo das ciências sociais, que tenham sido tão meticulosamente testadas59.

À luz disto, vale a pena pensar sobre o porquê de tão poucas forças maoistas no mundo terem sido capazes de entender, mesmo em um sentido básico, o que estava acontecendo na China após o golpe. Muitas seguiram cegamente a China, só para acordarem alguns anos mais tarde pelo fato de os revisionistas chineses não terem necessidade das forças maoistas a nível internacional.

As razões para este colapso são muitas, mas algumas das questões de concepção e abordagem têm a ver com a nossa discussão aqui. Em particular, muitas pessoas estavam aplicando um entendimento comum do “critério da prática” semelhante ao de D’Mello, emprestado de Sweezy, formulado no seu artigo. De acordo com tal pragmatismo, se a revolução foi derrotada, certamente um fruto muito amargo, é fácil concluir que necessariamente tinha de ser “culpa” de Mao e seus ensinamentos. A questão não era se o que disse Mao era verdade ou não. Então, ao invés da ciência e sua definição de verdade como uma cada vez maior aproximação ao mundo objetivo, que deve ser testada na prática e na experimentação, temos um critério subjetivo da verdade, cuja validade é determinada pela sua alegada utilidade.

Infelizmente, o argumento de D’Mello de se usar o critério da utilidade ou conveniência para determinar a verdade é a reação instintiva de muitos maoistas. Isso é expresso de várias maneiras, incluindo no pragmatismo mais vulgar de “Se funciona deve estar certo” e no corolário “se não funciona deve estar errado”. O “fracasso” da GRCP (que deve ser entendido mais corretamente como uma derrota) foi a razão para muitos, até mesmo a maioria, dos “maoistas” justificarem o apoio à nova liderança na China ou para abandonarem completamente o maoismo.

É igualmente necessário notar que o “critério da prática”, tal como é vulgarmente compreendido por grande parte do movimento maoista (e tal como D’Mello promove no seu artigo), baseia-se numa definição estreita e pobre da “prática”, como sendo a experiência imediata e direta, com a teoria sendo apenas uma generalização empírica dessa prática. A prática social não é apenas a nossa própria experiência da luta imediata – há também a importância da experiência, a “prática” da luta a nível internacional e historicamente. Aqui, também, vale a pena lembrar que a prática da GRCP e das revoluções soviética e chinesa mais geralmente permanecem, de longe, sendo a mais importante experiência a partir da qual devemos examinar a compreensão anteriormente existente e desenvolver uma nova teoria60.

Além disso, a teoria revolucionária não se desenvolve apenas a partir da experiência do próprio proletariado, ainda que entendida num sentido mais amplo. Existem outras fontes de conhecimento, tais como as ciências naturais, cujas descobertas e avanços contribuem e devem contribuir para uma concepção comunista científica e completamente revolucionária do mundo. Por exemplo, compreender o princípio da incerteza em física ou recentes avanços na matemática pode ajudar a corrigir o materialismo mecanicista linear, contribuindo assim para uma compreensão mais correta, dialética e mais científica das leis da natureza e da sociedade, e em particular da relação entre necessidade e o acidental, contingência e causalidade.

Não é o próprio marxismo produto do conhecimento humano acumulado em muitas áreas de atividade?61 Por um lado, isso parece óbvio, até mesmo por causa do conhecido artigo de Lenin “As três fontes e as três partes constitutivas do marxismo”62. Infelizmente, no entanto, na maioria das vezes no movimento maoista tem ficado inquestionada uma epistemologia pragmática e empirista, muitas vezes escondida atrás de uma errada interpretação da declaração de Mao de que “só a prática social dos homens pode constituir o critério da verdade”.

Observações finais

A principal conclusão que emerge da política e do discurso de D’Mello do marxismo/maoismo como democracia radical é uma falha fundamental da revolução socialista é que “todas as revoluções inspirados por Marx só têm contado com o apoio a ou participação de uma significativa minoria” e que o que é necessário é um “compromisso com a democracia radical [para] gerar a corrente para ajudar a obter o apoio da maioria”. Embora não possamos entrar em uma discussão completa sobre esse assunto, gostaria de oferecer alguns pensamentos breves:

A revolução socialista objetivamente beneficia a grande maioria da população. Mas isto é bastante diferente de agir como se a revolução devesse aguardar a aprovação expressa da maioria antes de prosseguir. A realidade é que a revolução irá começar geralmente com o apoio de apenas uma minoria, embora exista uma base material para o que geralmente começa como uma luta de uma minoria consciente para atrair e mobilizar seções cada vez maiores do povo. Isto é verdade mesmo em países onde a opressão é mais intensa e a estabilidade e a “legitimidade” da classe dominante é muito fraca. Por exemplo, alguém pode realmente pensar que no Nepal, em 1996, a maioria no país teria aprovado o começo da guerra popular? Ou no Peru em 1980? Ou na China em 1927? E não só isso seria uma declaração ridícula quando falamos de um país inteiro, como também se aplica em grande medida mesmo em áreas próximas de onde começou a luta armada, como Ayacucho, no Peru, ou Rolpa, no Nepal. Com isto quero dizer que certamente há um grande segmento da sociedade, mesmo em áreas rurais extremamente oprimidas, temendo a eclosão de uma luta revolucionária, porque sabem muito bem as políticas atrozes das classes reacionárias e seus capangas armados, quando alguém se atreve a levantar a cabeça. O PCP referiu que tiveram que viver em cavernas nos primeiros seis meses ou um ano da guerra popular no Peru antes que as massas tiveram confiança suficiente na capacidade de resistência dos revolucionários para dar-lhes abrigo.

Uma situação semelhante também pode se desenvolver depois da toma do poder no país. Em outras palavras, em momentos cruciais, por muitas razões uma maioria numérica pode ser persuadida ou intimidada para apoiar uma linha e uma liderança que vai levar à restauração da velha ordem exploradora. Na China durante os últimos anos da GRCP, a pressão do sistema imperialista mundial, a consciência política desigual das massas e a incapacidade de muitos para compreender a verdadeira natureza e o peso da linha revisionista, reforçaram a capacidade dos seguidores da via capitalista para ganharem o apoio de grandes setores da população. Além disso, os erros feitos pelos revolucionários contribuíram, embora secundariamente, para uma correlação e um alinhamento de forças desfavoráveis em 1976. Se o golpe de Estado de Hua Kuofeng tivesse sido aprovado por uma eleição, teria sido mais legítimo? Será que os revolucionários deveriam ter aceitado a contrarrevolução como “a vontade do povo”?

Uma das grandes dificuldades da revolução socialista é que serve os interesses da grande maioria do povo e deve apoiar-se principalmente nele, mas as massas são compostas de setores avançados, intermédios e atrasados. Mesmo sob o socialismo as massas em geral não estão plenamente conscientes de seus interesses de longo prazo ou de como alcançá-los e isso faz que exista uma necessidade contínua de uma liderança comunista de vanguarda. As massas devem ser mobilizadas cada vez mais para prestarem atenção aos assuntos do Estado, para participarem em várias instituições do Estado, e para assumirem cada vez mais responsabilidades na direção da sociedade e na tomada de decisões na sociedade. Mas isso não significa que as massas possam governar diretamente, de uma maneira imediata, sem delegarem alguma da autoridade da ditadura do proletariado aos seus representantes. Durante um longo período histórico, haverá necessidade de um estado e, além disso, em um mundo onde o imperialismo ainda pretende impor-se, isso também irá incluir a necessidade de um exército permanente.

Na maioria dos futuros países socialistas, especialmente nas nações outrora oprimidas, continuará a haver profundas diferenças entre cidade e campo. Em todos os países ficará um remanescente do grande fosso entre trabalho mental e manual, e a contradição entre homem e mulher será uma característica definidora da sociedade. Todas estas diferenças fazem parte da base remanescente para que a revolução seja invertida e Mao prestou muita atenção a como lidar com esses problemas. Corretamente geridas, essas mesmas contradições podem ser parte do mecanismo pelo qual a sociedade avance. Não ajuda simplesmente desejar que esses problemas e contradições desapareçam.

Isto está relacionado com a crítica de Avakian ao estabelecimento de uma ideologia oficial num país socialista, como foi o caso tanto da URSS como da China, cuja constituição de 1975 declarava: “o marxismo-leninismo-Pensamento Mao Tse-tung é a base teórica guiando o pensamento da nossa nação”. Na verdade, no passado e certamente nas futuras revoluções socialistas, amplos setores da sociedade, incluindo um grande número de apoiantes potenciais do sistema socialista – por exemplo, muitos com crenças religiosas – não pode se dizer que compartilhem a ideologia comunista, e afirmar o contrário é falso e prejudicial. Além disso, insistir que a sociedade no seu conjunto jure fidelidade à ideologia comunista, quando muitos ou a maioria ainda não foram ganhos para isso, torna menos provável desencadear e abraçar a energia e o pensamento que podem, de uma forma multifacetada e não linear, contribuir para o avanço em direção ao comunismo. Como afirmou Avakian, o partido de vanguarda terá que liderar um processo dialético que vai exigir ficar que ele vá repetidamente “à beira de ser esticado e esquartejado”, enquanto ainda se está lutando sobre a necessidade de continuar a transformação revolucionária. Com esta mesma perspectiva, Avakian também tem insistido na necessidade de incentivar a dissidência sob o socialismo e a corretamente incorporar o princípio enunciado por John Stuart Mill de que “é importante ouvir os argumentos não apenas como eles são caracterizados por seus opositores como dos defensores apaixonados de uma ideia”63.

Mas D’Mello trata a contradição entre a liderança comunista e as massas em geral de sua perspectiva de “democrata radical” e entende erroneamente tanto o problema como a solução. Na sua descrição do desenvolvimento do socialismo na URSS, D’Mello cita e se baseia fortemente no teórico politico social-democrata britânico Ralph Miliband:

“A visão de Lenin do Estado socialista ‘não sobreviveu à toma do poder pelos bolcheviques’. No entanto, ‘ele nunca renunciou formalmente às perspectivas que inspiraram O Estado e a Revolução’. Podemos concluir então que Lenin queria ‘a criação de uma sociedade na qual o Estado seria estritamente subordinado ao comando e autogoverno do povo’?... A este respeito, o contraste entre teoria e prática não poderia ser mais contundente... Afinal, o que aconteceu com o Congresso dos Sovietes – sovietes que tinham o potencial para serem órgãos de autogoverno dos operários e dos camponeses e que tinham surgido quase espontaneamente no movimento de fevereiro de 1917? No verão de 1918, os sovietes tinham apenas só uma mera existência formal... Na verdade, a ditadura do proletariado foi considerada impossível, exceto através da liderança do partido único; o socialismo pluralista também foi descartado”.

Há que anotar que a análise que faz Miliband de O Estado e a Revolução, tal como ela é repetida por D’Mello, é uma distorção grotesca. Miliband/D’Mello escondem que o ponto principal da famosa obra de Lenin é a defesa da ditadura do proletariado!

O leitor familiarizado com os debates no movimento maoista contemporâneo vai ver imediatamente a similaridade entre os argumentos de Miliband/D’Mello e os do ex-maoista indiano K. Venu64 no início dos anos noventa, e mais recentemente de Baburam Bhattarai no Nepal, em sua interpretação revisionista da “democracia proletária” e na negação unilateral da experiência da revolução proletária do século 2065.

Aqui gostaria apenas de enfatizar alguns pontos. Embora as formas e estruturas de poder político e a iniciativa das massas sejam importantes66, não há nenhuma maneira mágica (sovietes ou outras) que por si só possa garantir que as massas realmente governem. Sem dúvida, o “sufrágio universal” característico da democracia burguesa mostrou uma e outra vez, e país trás país, ser uma muito boa forma de consolidar e justificar a dominação de uma pequena minoria da sociedade, as classes exploradoras. Nem a eleição direta dos conselhos operários (sovietes) ou instituições semelhantes vai resolver o problema da participação real e efetiva das massas nas instituições de governo nem, o mais importante, vai garantir que a sociedade está sendo dirigida em linha com os interesses de classe do proletariado para finalmente superar a sociedade de classes. Nem devemos esquecer que os “democratas radicais”, quando chegam ao poder, podem ser dos piores tiranos (por exemplo, quando Nasser chegou ao poder no Egito usou o exército para esmagar o que tinha sido um movimento de massas florescente e prendeu milhares de comunistas e outros para serem torturados e detidos em campos de concentração).

A necessidade de lutar contra a “elite dominante” que D’Mello atribui a Mao pode parecer adequada ao tratamento que deu Mao à luta de classes sob o socialismo. No entanto, na verdade separa a contradição entre governantes e governados do caráter contraditório da base econômica socialista que fornece a base para o surgimento de uma nova burguesia. Em outras palavras, haverá necessidade de planejadores, gestores e líderes durante todo o período do socialismo: a questão decisiva é que linha implementam essas forças, com os líderes do partido desempenhando um papel particularmente central. A linha revolucionária proletária deve dirigir a sociedade de acordo com a via socialista, o que irá incluir a redução das divisões que persistem entre governantes e governados, restringir o funcionamento da lei do valor e do direito burguês, acercar setores cada vez mais amplos das massas aos processos de tomada de decisão, etc. Se a linha capitalista ganha, como foi o caso primeiro na URSS com a ascensão de Khrushchev ao poder e depois na China a seguir ao golpe de estado após a morte de Mao, todas as marcas de nascimento da velha sociedade, tais como a divisão do trabalho, a lei do valor, etc., irão se expandir de forma exponencial e irão regressar os horrores do capitalismo.

Advogar uma luta contra uma “elite governante” monolítica, enquanto evita-se uma análise científica dos antagonismos de classe e das tarefas da sociedade socialista, tal como faz D’Mello, não foi o que Mao ensinou nem o que praticou. Pior do que apenas uma confusão, este tipo de abordagem não materialista pode abrir a porta à demagogia populista. Os seguidores da via capitalista no socialismo são tão capazes disto como os demagogos populistas nas sociedades reacionárias de hoje. Houve muito deste tipo de cortinas de fumaça demagógicas a encobrir o golpe de estado de Hua Kuofeng e Deng Xiaoping em 1976, incluindo o ataque a Chiang Ching como “decadente” por jogar cartas e ver filmes ocidentais. E novamente temos que repetir que muitos camaradas internacionalmente também adotaram isso.

* * *

O comunismo revolucionário requer uma democracia diferente à da burguesia, uma democracia que fortaleça a ditadura do proletariado, que ajude a garantir que mais e mais setores das massas sejam atraídos para o processo de tomada de decisões e ajude a assegurar que o Estado continua avançando em direção ao comunismo67. Da experiência do passado, sabemos que haverá uma luta feroz para manter este caminho e sabemos que as mesmas estruturas que a revolução estabeleceu podem ser transformadas em instrumentos para ré escravizar as massas e arrastar a sociedade de volta para o capitalismo, como aconteceu na URSS e na China. Também podemos resumir que um debate florescente e uma ampla luta ideológica e política, independentemente do “confuso” e complexo que possa ser esse processo, criam condições mais favoráveis para permanecer na via socialista e derrotar as tentativas de mudar a cor do Estado socialista. Além disso, os esforços para encurralar, orquestrar ou mesmo reprimir a luta política e ideológica operarão em última instância a favor daqueles que querem voltar ao capitalismo. No entanto, na sua essência, criar uma sociedade socialista forte e vibrante não é primariamente uma questão de democracia.

A nova síntese de Avakian fornece um novo marco para desencadear a criatividade e a experimentação, incentivar o fermento e a dissidência, e restringir e superar as contradições entre o trabalho intelectual e manual, entre governantes e governados, tudo como parte do avanço para o comunismo. Ele está fornecendo um novo quadro para se trabalhar na contradição entre as forças da sociedade determinados a avançar para o comunismo e os setores mais amplos e contraditórios da sociedade. Isso está concentrado na formulação de “núcleo sólido com muita elasticidade”. “Isso significa que, em primeiro lugar, deve haver uma força na sociedade que está em constante expansão, com o partido comunista revolucionário como elemento principal, que está firmemente convencido da necessidade de avançar para o comunismo e profundamente comprometido em levar a cabo esta luta contra todas as dificuldades e obstáculos; e na base de um ‘núcleo sólido’ e ao mesmo tempo que o fortalece continuamente, deve haver disposições e espaço para uma grande diversidade de pensamento e atividade entre o povo em toda a sociedade, ‘explorando em muitas direções diferentes’, lutando e experimentando com muitas ideias e programas e domínios de atividade e, novamente, tudo isto deve ser ‘abraçado’ pelo partido de vanguarda e pelo ‘núcleo sólido’ num sentido geral e permitir que contribua, através de muitos caminhos divergentes, para avançar ao longo de um largo caminho em direção à meta do comunismo”68.

Há uma base para construir uma sociedade socialista vibrante e emocionante, uma sociedade que não só satisfaça as necessidades crescentes das massas, mas uma sociedade em que a economia, as instituições políticas, a cultura e as relações entre as pessoas estão sendo revolucionadas, e isso num movimento em direção a um mundo comunista. Há uma base para forjar um caminho para um futuro no qual os seres humanos possam realmente prosperar e atuar como protetores do planeta. Em outras palavras, o desafio diante de nós é iniciar uma nova etapa da revolução comunista.


NOTAS

1  Bernard D’Mello, “O que é o maoismo?”, em D’Mello, ed., O Que É o Maoismo e Outros Ensaios, Cornerstone Publications, 2010 [em inglês]. Em junho de 2012, o artigo podia encontrar-se em: mronline.org/2009/11/02/what-is-maoism/.

2  D’Mello, p. 24. Karl Marx, “Teses sobre Feuerbach”, Obras Escolhidas de Marx e Engels [OEME], Tomo 1 (Lisboa-Moscou, Editorial Avante!-Edições Progresso, 1982), p. 10, marxists.org/portugues/marx/1845/tesfeuer.htm.

3  D’Mello, p. 43-44.

4  Ver Bob Avakian, Contradições não Resolvidas, Forças Que Impulsionam a Revolução, uma palestra de 2009. Para mais sobre isto e questões relacionadas, ver outras obras de Avakian como “Ditadura e democracia, e a transição socialista para o comunismo”; “Escalar as alturas e voar sem rede de segurança”; “Os pássaros não podem dar à luz crocodilos, mas a humanidade pode voar mais além que o horizonte”; “Fazer a revolução e emancipar a humanidade”, no folheto Revolução e Comunismo: Fundamentos e Orientação Estratégica (1º de maio de 2008); a recente entrevista “Do que a humanidade necessita: A revolução e a nova síntese do comunismo”, e a entrevista sobre a GRCP nesse número da revista; e outras obras que refletem a nova síntese como o Manifesto do PCR e a Constituição para a Nova República Socialista da América do Norte. Todos estes artigos podem ser encontrados em revcom.us.

5  D’Mello, p. 52.

6  Para saber mais sobre isto, ver o sítio web do projeto Ponhamos as coisas a claro: thisiscommunism.org [em inglês].

7  Ver Mao Tse-tung, “Discurso à delegação militar da Albânia”, 1967; reimpresso na revista Um Mundo A Ganhar n.º 1/1985.

8  Comunismo: O início de uma nova etapa – Um manifesto do Partido Comunista Revolucionário, EUA, paginavermelha.org/docs/comunismo-o-inicio-de-uma-nova-etapa. A partir de aqui referido como Manifesto do PCR. Para uma discussão mais vasta deste tema, ver Lenny Wolf, “O que é a nova síntese de Bob Avakian?”, e Avakian, Fazer a Revolução e Emancipar a Humanidade, 1ª Parte, revcom.us.

9  Karl Marx, “As lutas de classes em França de 1848 a 1850”, OEME, Tomo 1 (Lisboa-Moscou, Editorial Avante!-Edições Progresso, 1982), p. 287, marxists.org/portugues/marx/1850/11/lutas_class/.

10  Constituição do Partido Comunista Revolucionário, EUA (Chicago, RCP Publications, 2008), p. 42. Também em revcom.us.

11  Manifesto do PCR [ênfase adicionada]. Págs. 17-18

12  “Informe ao IX Congresso Nacional do Partido Comunista da China” (abril de 1969), em Importantes Documentos da Grande Revolução Cultural Proletária, Pequim, Edições em Línguas Estrangeiras [ELE], 1970.

13  Um exponente importante deste tipo de visão entre os acadêmicos é o ex-maoista francês Alain Badiou. Ver Raymond Lotta, Nayi Duniya e K. J. A., “A ‘política de emancipação’ de Alain Badiou, um comunismo encerrado nos limites do mundo burguês”. Demarcations n.º 1, demarcations-journal.org.

14  Este tipo de compreensão tinha muito em comum com a linha de Lin Piao, a certa altura designado oficialmente como sucessor de Mao no Partido Comunista da China. Lin tinha influenciado muitas pessoas com sua obra Viva a vitória da guerra popular! que teorizava y concentrava muitas das concepções e linhas errôneas desse tempo. Entre outros problemas, fazer a guerra popular se tornou no critério decisivo para avaliar a correção da linha ideológica e política. A isto foi dada uma importância central no contexto de uma análise de que o mundo tinha entrado numa “nova época” e, em consequência, que as leis fundamentais que Lenin tinha descoberto sobre a época do imperialismo já não eram determinantes. Segundo esta concepção, o que era necessário para fazer avançar a revolução mundial era equiparado de uma maneira reducionista ao avanço das lutas de libertação nacional contra o imperialismo. Esta linha ganhou força nos anos sessenta com o pano de fundo dessas lutas em todo o mundo, incluindo a heroica luta contra a agressão norte-americana ao Vietnã.

15  Chiang Ching foi esposa de Mao e a principal líder revolucionária na frente cultural. Para saber mais sobre isto, ver “Chiang Ching: As ambições revolucionárias de uma líder comunista”, Um Mundo A Ganhar, n.º 19, 1993.

16  Chang Chun-chiao desempenhou um papel dirigente na Tempestade de Janeiro de 1967 em Xangai e foi também um importante teórico e um líder chave da direção revolucionária. Ver a sua transcendental obra Acerca da Ditadura Integral sobre a Burguesia (Pequim, ELE, 1975).

17  Muitos outros seguiram Enver Hoxha da Albânia, que utilizou a derrota na China para ir contra todos os desenvolvimentos do marxismo feitos por Mao. Em vez disso, Hoxha pregava um regresso a uma versão caricatural da compreensão de Stalin, em particular indo contra todas as teses de Mao sobre a natureza contraditória do socialismo e da necessidade de continuar a revolução sob a ditadura do proletariado. “Derrotar o ataque dogmato-revisionista a Mao Tse-tung”. The Communist, n.º 5, 1979.

18  Avakian, As Contribuições Imortais de Mao Tse-tung (Chicago, Liberation Distributors, 1991). [1ª Edição em inglês, 1978]

19  Outras obras importantes se lhe seguiram, as quais detalham mais as contribuições feitas por Mao, mas que também começaram a explorar áreas importantes em que existiram erros na prática e na concepção. Veja-se, entre outros, Conquistar o Mundo? Dever e Destino do Proletariado Internacional (1981); Para uma Colheita de Dragões (Chicago, RCP Publications, 1983); Democracia: É o Melhor Que Podemos Conseguir? (Chicago, Banner Press, 1986).

20  Ver Conquistar o Mundo?.

21  Ver e contrastar “Sobre o marxismo-leninismo-maoismo”, Documentos do Partido Comunista do Peru (PCP) Primeiro Congresso, Um Mundo A Ganhar, n.º 11, 1985; e “Marxismo-leninismo-maoismo”, pelo PCR, EUA, Um Mundo A Ganhar, n.º 12, 1988.

22  Ver Avakian, Fazer Avançar o Movimento Revolucionário Mundial: Questões de Orientação Estratégica (uma palestra dada pouco depois de Conquistar o Mundo?, publicada inicialmente na revista Revolution, outono de 1984). Ver também A base, as metas e os métodos da revolução comunista, 3ª Parte.

23  A base de unidade do MRI na sua fundação em 1984 foi enunciada na Declaração do Movimento Revolucionário Internacionalista, paginavermelha.org/docs/declaracao-do-movimento-revolucionario-internacionalista. Em 1993, o MRI também adotou Viva o Marxismo-Leninismo-Maoismo!, paginavermelha.org/docs/viva-o-marxismo-leninismo-maoismo.

24  Avakian resumiu isto da seguinte forma: “Esta nova síntese abarca a reconfiguração e recombinação dos aspectos positivos da experiência até agora do movimento comunista e da sociedade socialista, ao mesmo tempo que se aprende com os aspectos negativos dessa experiência, nas dimensões filosóficas e ideológicas, bem como nas políticas, para assim se ter uma orientação, método e abordagem científicos mais profundos e com raízes firmes, não apenas em relação a fazer a revolução e tomar o poder, mas também, sim, em relação a satisfazer os requisitos materiais da sociedade e as necessidades das massas populares, de uma forma cada vez maior, na sociedade socialista – para superar as profundas cicatrizes do passado e continuar a transformação revolucionária da sociedade, ao mesmo tempo que se apoia ativamente a luta revolucionária mundial e se atua sobre o reconhecimento de que a arena e a luta mundiais são as mais fundamentais e importantes, num sentido global – juntamente com a abertura qualitativa de mais espaço para dar expressão às necessidades intelectuais e culturais do povo, entendidas em um sentido amplo, e possibilitar um processo mais diverso e rico de exploração e experimentação nos campos da ciência, da arte e da cultura, e da vida intelectual em geral, com um crescente campo para a competição de diferentes ideais e escolas de pensamento, e para a iniciativa e a criatividade individuais e a proteção dos direitos individuais, incluindo espaço para que os indivíduos interajam na ‘sociedade civil’ independentemente do estado – tudo isto num quadro geral cooperativo e coletivo e, ao mesmo tempo, à medida que o poder de estado é mantido e se continua desenvolvendo como poder de estado revolucionário ao serviço dos interesses da revolução proletária, num país em particular e em todo o mundo, com este estado sendo o elemento dirigente e central da economia e da direção geral da sociedade, ao mesmo tempo que o próprio estado se transforma continuamente em algo radicalmente diferente de todos os estados anteriores, como parte crucial do até à abolição posterior do estado com a chegada ao comunismo a nível mundial.”

“Num certo sentido, se pode dizer que a nova síntese é uma síntese da experiência anterior da sociedade socialista e do movimento comunista internacional de uma forma mais ampla, por um lado, e das críticas, de vários tipos e de vários pontos de vista, de essa experiência, por outro lado. Isto não quer dizer que esta nova síntese representa uma simples ‘colagem’ dessa experiencia, por um lado, e das críticas, por outro. Não se trata de combinar ecleticamente estas coisas, mas antes de peneirar, reconfigurar e recombinar a base de um ponto de vista e método científicos, materialistas e dialécticos, e da necessidade de continuar a avançar para o comunismo, que é uma necessidade e um objetivo que este ponto de vista e método continuam a assinalar – e, quanto mais rigorosa e profundamente se adota e aplica, mais firmemente aponta para essa necessidade e objetivo”. Bob Avakian, Fazer a Revolução e Emancipar a Humanidade, 1ª Parte.

25  Sobre estes temas, ver Bob Avakian, Desenvolver Um Outro Caminho, 2006, revcom.us/avakian/anotherway/ em inglês e revcom.us/avakian-es/ba-forjar-otro-camino-es.html em castelhano.

26  “Os grandes homens que prepararam, em França, os espíritos para a revolução, que haveria de desencadear-se, agiram já adotavam atitude resolutamente revolucionária. Não reconheciam nenhuma autoridade exterior. A religião, a observação da natureza, a propriedade, a ordem pública, tudo era submetido à mais desapiedada crítica; tudo o que existia devia justificar a sua existência perante o tribunal da razão ou renunciar a continuar a existir…”

“Sabemos, hoje, que esse reinado da razão era apenas o reinado idealizado pela burguesia; a justiça eterna corporizou-se na justiça burguesa; a igualdade reduziu-se à burguesa igualdade perante a lei; os direitos essenciais dos homens, proclamados pelos racionalistas, tinham, como representante, a sociedade burguesa, e o Estado da razão, o contrato social de Rousseau, ajustou-se, como de fato só podia ter-se ajustado, à realidade, convertido numa República democrático-burguesa. Os grandes pensadores do século XVIII, sujeitos às mesmas leis dos seus predecessores, não podiam romper os limites que a sua própria época traçava”. Friedrich Engels, Anti-Dühring, marxists.org/portugues/marx/1877/antiduhring/.

27  Para uma análise mais completa sobre a relação entre a “igualdade” e a luta pelo comunismo, ver Lotta et al., “Alain Badiou...”, capítulo 1.

28  “...não me cabe o mérito de ter descoberto nem a existência das classes na sociedade moderna nem a sua luta entre si. Muito antes de mim, historiadores burgueses tinham exposto o desenvolvimento histórico desta luta das classes, e economistas burgueses a anatomia econômica das mesmas. O que de novo eu fiz, foi: 1) demonstrar que a existência das classes está apenas ligada a determinadas fases de desenvolvimento histórico da produção; 2) que a luta das classes conduz necessariamente à ditadura do proletariado; 3) que esta mesma ditadura só constitui a transição para a superação de todas as classes e para uma sociedade sem classes.” “Marx a Joseph Weydemeyer, 5 de março de 1852”, OEME, Tomo 1 (Lisboa-Moscou, Editorial Avante!-Edições Progresso, 1982), marxists.org/portugues/marx/1852/03/05.htm.

29  Ver o Texto 38, “De democratas burgueses a seguidores da via capitalista”, e o Texto 39: “Os seguidores da via capitalista são a burguesia dentro do partido” em Raymond Lotta, ed., E com Mao São Cinco (Chicago, Banner Press, 1978).

30  Em contraste com a “democracia radical” formalista e sem classes de D’Mello e dos seus esforços para reconstruir Marx e Mao dentro dessa imagem, podemos comparar as seguintes três frases de Bob Avakian sobre a democracia: “Num mundo marcado por profundas divisões de classe e desigualdades sociais, falar de ‘democracia’ sem falar sobre o caráter de classe dessa democracia e a que classe beneficia não faz sentido ou ainda pior. Enquanto a sociedade estiver dividida em classes não pode haver ‘democracia para todos’: dominará uma classe ou outra, e ela defenderá e promoverá o tipo de democracia que sirva os seus interesses e metas. A questão é: que classe dominará e se o seu governo, e o seu sistema de democracia, serve para manter as divisões de classe, e as relações de exploração, opressão e desigualdade que correspondem a estas, o leva à sua abolição?”. Citado na Constituição do Partido Comunista Revolucionário, EUA, 2008 (citação publicada originalmente em 2004).

31  Marx, “Crítica do Programa de Gotha”, OEME, Tomo 3, p. 14-15, marxists.org/portugues/marx/1875/gotha/.

32  “No fundo da questão estava que Robespierre – e em geral os jacobinos – tentaram criar uma sociedade que pudesse realizar os ideais burgueses de igualdade, liberdade e os direitos universais do homem, evitando os extremos de riqueza e pobreza, o monopólio de poder e a impotência das massas. A ironia histórica não está no fato – como frequentemente alegam os democratas burgueses e os historiadores burgueses em geral – que em sua tentativa de fazê-lo recorreram a meios ditatoriais e violentos e depois eles mesmos tornaram-se nas suas vítimas; em vez disso, está no fato de que este ideal burguês corresponde na realidade mais à posição da pequena burguesia… e que no entanto esta classe (ou mais exatamente, esses setores pequeno burgueses) é incapaz de governar a sociedade e de remoldá-la à sua imagem. Isto se deve a que as mesmas relações de propriedade – e ainda mais, as leis de produção e intercâmbio de mercadorias – das quais estes setores são uma expressão, e o processo global de acumulação em que eles estão enredados assim que se estabelecem as relações de produção burguesas, levam inexoravelmente à polarização da sociedade entre um pequeno número de grandes burgueses e uma grande massa de proletários despossuídos – com estes setores pequeno burgueses apanhados no meio. Uma ou outra destas duas forças principais deve dirigir a sociedade moderna”. Avakian, Democracia: É o Melhor Que Podemos Conseguir? (Chicago, Banner Press, 1986), p. 35.

33  Friedrich Engels, A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado, marxists.org/portugues/marx/1884/origem/, citado por Avakian na sua palestra de 2005, Pontos de vista sobre o socialismo e o comunismo: Um tipo de Estado radicalmente novo, uma visão radicalmente diferente e muito mais ampla de liberdade, 8 de março de 2006.

34  Mas aqui vale a pena recordar o comentário de Marx sobre o lojista pequeno burguês e o intelectual democrata: “Esse conteúdo é a transformação da sociedade por um processo democrático, porém uma transformação dentro dos limites da pequena burguesia. Só que não se deve formar a concepção estreita de que a pequena burguesia, por princípio, visa a impor um interesse de classe egoísta. Ela acredita, pelo contrário, que as condições especiais para sua emancipação são as condições gerais sem as quais a sociedade moderna não pode ser salva nem evitada a luta de classes. Não se deve imaginar, tampouco, que os representantes democráticos sejam na realidade todos shopkeepers [lojistas] ou defensores entusiastas destes últimos. Segundo sua formação e posição individual podem estar tão longe deles como o céu da terra. O que os torna representantes da pequena burguesia é o fato de que sua mentalidade não ultrapassa os limites que esta não ultrapassa na vida, de que são consequentemente impelidos, teoricamente, para os mesmos problemas e soluções para os quais o interesse material e a posição social impelem, na prática, a pequena burguesia. Esta é, em geral, a relação que existe entre os representantes políticos e literários de uma classe e a classe que representam.” Karl Marx, “O 18 de Brumário de Louis Bonaparte”, OEME (Lisboa-Moscou, Editorial Avante!-Edições Progresso, 1982), Tomo 1, marxists.org/portugues/marx/1852/brumario/.

35  “Sobre os desenvolvimentos no Nepal e o que está em jogo para o movimento comunista: Cartas do Partido Comunista Revolucionário, EUA, ao Partido Comunista do Nepal (Maoista), 2005-2008 (com uma resposta do PCN[M], 2006)”, Demarcations, n.º 1, demarcations-journal.org.

36  Ver Lotta et al., “Alain Badiou...”, capítulo IV, “Relendo a Revolução Cultural com o fim de enterrar a Revolução Cultural”.

37  Avakian, A Perda na China e o Legado Revolucionário de Mao Tse-tung (Chicago, RCP Publications, 1978).

38  Também vale a pena notar que se a via socialista não for mantida, mesmo muitas das características democráticas ou “mudanças para melhor” que D’Mello e outros reconhecem podem ser ficar em perigo. Houve algumas pessoas, como William Hinton, cujo artigo D’Mello incluí em sua coleção de ensaios, que não tinham claro os termos e o caráter da luta entre as duas linhas na China durante os últimos anos de Mao, e esta confusão os levou a alinharem com aqueles que se opunham à liderança revolucionária no partido. (Hinton, “Mao, desenvolvimento rural e luta entre as duas linhas” e “Sobre o papel de Mao Tse-tung”). Poucos anos depois, os resultados foram tais que o sistema de propriedade coletiva nos campos da China que tinha sido uma fonte de inspiração de Hinton e muitos outros foi transformado em fazendas capitalistas privadas. Os fossos na riqueza que a revolução tinha reduzido dispararam e assumiram novas formas à medida que os capitalistas foram intensificando ferozmente a polarização de classe, criando uma nova classe de multimilionários e seu corolário, o despojo e empobrecimento de amplos setores da população rural e sua escravização, no que muitos acertadamente têm chamado a “fábrica de suor do mundo”.

39  Ver Bob Avakian, Fazer Avançar o Movimento Revolucionário Mundial, op. cit.; e Conquistar o Mundo?; op. cit.

40  De fato, o apelo de Avakian a um “quefazerismo enriquecido” [Fazer a Revolução e Emancipar a Humanidade, 2ª Parte] é amplamente aplicável em todos os países e não tem raízes fundamentalmente na existência ou não de uma etapa democrático-burguesa da revolução, mas sim na necessidade do proletariado revolucionário de liberar toda a humanidade e eliminar todo o tipo de opressão.

41  Marx, “As lutas de classes em França de 1848 a 1850”, OEME, Tomo 1 (Lisboa-Moscou, Editorial Avante!-Edições Progresso, 1982), marxists.org/portugues/marx/1850/11/lutas_class/.

42  Avakian, “A necessidade de os comunistas serem... comunistas”, Revolution/Revolución n.º 38, 12 de março de 2006.

43  Documentos do X Congresso do Partido Comunista da China (Pequim, ELE, 1973).

44  O errôneo pensamento de D’Mello é ilustrado em sua atitude em relação a Baburam Bhattarai, que é citado favoravelmente em seu artigo e cujo artigo próprio é incluído na compilação de D’Mello. Bhattarai, um líder do Partido Comunista Unificado do Nepal (Maoista) e primeiro-ministro do país no momento em que escrevemos, ganhou a admiração da intelectualidade burguesa devido a sua “infatigável energia” e mesmo sua “abnegação” ao serviço dos interesses do capitalismo. Mas a linha do Partido Comunista Unificado do Nepal (Maoista), que D’Mello acha “imaginativa”, é na realidade uma linha que só pode levar ao capitalismo, como a liderança do partido está agora promovendo vigorosamente. As qualidades morais, tal como outros elementos da ideologia como a cultura, devem em última análise refletir e servir a base econômica subjacente ou, no caso da moral comunista, refletir a futura base econômica e a luta que os comunistas estão a levar a cabo para criá-la. Podemos estar certos de que a “abnegação” dos revisionistas e o “trabalho árduo dos seguidores da via capitalista” se transformarão gradualmente no nepotismo e na corrupção que acompanham todos os sistemas de exploração e que as massas naturalmente consideram tão indignantes mas que são os sintomas de um sistema de exploração, e não a sua causa. D’Mello, p. 261.

45  Avakian. “Reflexões e Discussões – Sobre a importância do materialismo marxista, o comunismo como ciência, o trabalho revolucionário com sentido e uma vida com sentido”, 2009, paginavermelha.org/docs/reflexoes-e-discussoes.

46  No seu muito influente livro Viva a vitória da guerra popular, Lin Piao defendia que a base para determinar se uma pessoa era ou não revolucionária era “atrever-se ou não a… fazer uma guerra popular… ou seja, em última instância, atrever-se ou não a fazer a revolução. Esta é de fato a pedra de toque mais efetiva para distinguir os verdadeiros dos falsos revolucionários e marxistas-leninistas”. De fato, este tipo de pensamento foi bastante difundido entre as nascentes forças maoistas em finais da década de 1960. Em retrospetiva, não é difícil ver quão errônea é esta perspetiva. Houve muitas forças que iniciaram a luta armada contra as classes dominantes, especialmente no que Lin chamou os “centros da tormenta da revolução proletária mundial” da Ásia, África e América Latina. Houve muitas novas forças maoistas que participaram nesse auge histórico, mas muitas outras eram reformistas nacionalistas que consideravam que nesse momento da história os seus objetivos só podiam ser alcançados participando na luta armada e alinhando-se com a China revolucionária. Yasser Arafat na Palestina e Robert Mugabe no Zimbabué foram proponentes ativos da luta armada revolucionária nessa época e foram num sentido amplo “pró-chineses”, em termos de seu alinhamento político, mas não em seu compromisso ideológico.

Vale a pena notar que o que D’Mello considera o ponto mais alto da Revolução Cultural ocorreu antes da abortada rebelião de Lin Piao contra Mao e do início de uma crítica mais sistemática de algumas das características errôneas da linha de Lin. Claramente é improvável que D’Mello aceite muitas das posições de Lin Piao, várias das quais estavam associadas a uma espécie de militarismo e ultra-“esquerdismo”. Mas a definição de maoismo como um marxismo do “terceiro mundo”, baseado no campesinato, e uma concepção em que o “campo do mundo” (Ásia, África e América Latina) estava cercando as cidadelas imperialistas, não estavam limitadas apenas a Lin Piao. O Caso Lin Piao foi parte de um processo de “um que se divide em dois”. Os revolucionários na China assinalaram que houve o processo de desmascaramento do próprio Lin e também o processo de “chegarmos a conhecer Lin”. O núcleo correto e científico do pensamento de Mao estava se desenvolvendo, incluindo contra algumas características do “maoismo” que objetivamente estavam presentes em algum grau no seu próprio pensamento e sem dúvida eram amplamente apoiadas no campo maoista, na China e a nível internacional. Lin Piao, Viva a vitória da guerra popular.

47  D’Mello, op. cit. Ver também especialmente o ensaio de Sweezy “O que é o marxismo?” nessa antologia.

48  Escrevendo em Conquistar o Mundo? em 1980, Avakian teorizou perspicazmente: “Para dizer de uma maneira um tanto provocadora: sem o leninismo, o marxismo é o social-chauvinismo e a social-democracia eurocêntricos; sem o leninismo, o maoismo é o nacionalismo (e também, em certos contextos, o social-chauvinismo) e a democracia burguesa. Bom, isto pode soar como axiomas fáceis, mas são pertinentes, têm uma verdadeira importância e, em minha opinião, são uma avaliação da experiência de certos fenômenos que existem no mundo e sobre os quais é necessária uma luta mais profunda”.

49  Ver Fazer Avançar o Movimento Revolucionário Mundial.

50  Mao, “O papel do Partido Comunista da China na guerra nacional”, Obras Escolhidas de Mao Tse-tung, Tomo 2, 2ª Edição (Pequim, ELE, 1975), p. 322, marxists.org/portugues/mao/1938/10/papel.htm.

51  Citado por Avakian, “É necessário que os comunistas sejam… comunistas”.

52  Citado em Pequim Informa 39, 22 de setembro de 1967.

53  Documentos do X Congresso Nacional do Partido Comunista da China, ELE, Pequim, 1973.

54  Isto faz parte do que ele descreve como “quefazerismo enriquecido”. Ver Fazer a Revolução e Emancipar a Humanidade, 2ª Parte.

55  Mao, “Sobre a prática”, Obras Escolhidas de Mao Tse-tung, Tomo 1, 3ª Edição (Pequim, ELE, 1975), p. 502, marxists.org/portugues/mao/1937/07/pratica.htm.

56  Paul Sweezy, “O que é o marxismo?”, op. cit., p. 58.

57  D’Mello é eclético neste ponto. Propõe, corretamente, que “a validez científica deve julgar-se em primeira instância por suas contribuições à capacidade de explicar a realidade”. Mas na frase seguinte diz “aqui há algo ainda mais exigente – a muito longo prazo, o marxismo deve ser julgado pelos frutos de seu projeto de levar a humanidade pelo caminho para a igualdade, a cooperação, a comunidade e a solidariedade”. D’Mello, p. 24.

58  Ver a análise de Avakian sobre esta questão na seção “O marxismo como ciência – Refutando Karl Popper”, 1ª Parte de Fazer a Revolução e Emancipar a Humanidade.

59  Isto não significa, claro, que se tenha provado que os ensinamentos de Mao eram completamente corretos. Embora em suas linhas fundamentais as teses de Mao sejam validadas por uma avaliação científica da experiência, este mesmo processo de avaliação e a aplicação de lições de outros campos da experiência humana também tornam possível identificar debilidades e erros em parte da concepção de Mao.

60  Avakian tem caracterizado a dinâmica entre a teoria e a prática da seguinte forma: “proceder em qualquer momento dado com base na nossa teoria e linha, tal como determinadas coletivamente e através das estruturas, canais e processos do partido; retirar lições da nossa prática e elevá-las ao nível de abstração teórica, mas também aprender de muitas outras fontes (entre elas as ideias, descobertas e observações de outros), e aplicar o ponto de vista e o método científicos do comunismo, o materialismo dialético, para sintetizar repetidamente tudo isto a um nível mais elevado, no desenvolvimento e mediante a argumentação sobre a teoria e a linha – a que depois se regressa e se leva a cabo na prática, sobre o que tem que ser uma base aprofundada e enriquecida. E assim sucessivamente….” (Citado na Constituição do Partido Comunista Revolucionário, EUA, RCP Publications, 2008), p. 16.

61  “Atolados no ‘horrível presente capitalista’ ou forjando um futuro comunista? – Uma resposta às nove cartas de Mike Ely” por um grupo de autores do PCR.

62  Lenin, “As três fontes e as três partes constitutivas do marxismo”, em Obras Escolhidas (Moscou, ELE, 1945), p. 45, marxists.org/portugues/lenin/1913/03/tresfont.htm.

63  “Uma conversa de Bob Avakian com alguns camaradas sobre epistemologia: Sobre conhecer e transformar o mundo”, em Observações sobre Arte e Cultura, Ciência e Filosofia (Chicago, Insight Press, 2005), p. 43, paginavermelha.org/docs/uma-conversa-de-bob-avakian-com-alguns-camaradas-sobre-epistemologia.

64  Ver CRC, PCI(ML), “Sobre a democracia proletária”, e Avakian, “Democracia: Mais que nunca podemos e devemos fazer algo melhor”, Um Mundo A Ganhar, n.º 17, 1992.

65  Ver também as cartas do PCR,EUA ao PCN-U(M).

66  Ver por exemplo a Constituição para a Nova República Socialista da América do Norte (Projeto de Texto) onde se delineiam cláusulas para as instituições estatais que podem ajudar a desenvolver o caráter revolucionário do estado proletário como meio para avançar para o comunismo, e proporciona um grande espaço para a dissensão e o debate dentro da sociedade, o que também constitui um meio crucial para fazer avançar a sociedade (Chicago, RCP Publications, 2010).

67  Avakian escreveu, “O governo pelo povo – ou seja, a democracia – que significado tem, quando tivermos ido mais além da divisão das pessoas em exploradores e explorados, quando só existe a associação comum das pessoas? Sim, haverá contradição e luta, mas não haverá relações sociais e formas institucionalizadas através das quais uma parte da sociedade dominará, governará e explorará e oprimirá outras partes da sociedade. Assim, que significado tem ‘o governo pelo povo’ quando é só o povo, com sua associação comum, sem a necessidade e sem a existência, de fato, de instrumentos de opressão de uma parte da sociedade por outra?” Do que a humanidade necessita: A revolução e a nova síntese do comunismo, Uma entrevista a Bob Avakian, Revolution/Revolución n.º 267, 1º de Maio de 2012.

68  Constituição para a Nova República Socialista da América do Norte (Proposta de Texto), p. 5.

 

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