Este artigo faz parte de uma série de 4 artigos publicada no jornal Revolution/Revolución, voz do Partido Comunista Revolucionário, EUA. Esta 1ª Parte foi publicada no n.º 136, datado de 20 de Julho de 2008 (revcom.us/a/136/lotta_faultlines_pt1-en.html em inglês ou revcom.us/a/136/lotta_faultlines_pt1-es.html em castelhano). As restantes partes estão disponíveis aqui: 2ª Parte, 3ª Parte e 4ª Parte
Alterações e fissuras na economia mundial e rivalidade entre as grandes potências
O que está a acontecer e o que pode significar
1ª Parte
Por Raymond Lotta
O texto que se segue é uma síntese muito concentrada, embora ainda em desenvolvimento, de algumas importantes tendências da economia mundial e das relações inter-imperialistas – e de algumas das suas manifestações na estrutura, funcionamento e postura do imperialismo norte-americano. Foram incluídos alguns dados ilustrativos e de referência.
Trata-se de um estudo de investigação sobre as alterações na acumulação capitalista global, as novas relações de força emergentes entre as potências imperialistas e regionais e a força das pressões e tensões concorrenciais. Analisa as rivalidades entre as grandes potências num sistema mundial baseado na exploração. Para usar uma analogia com os complexos movimentos das grandes massas da crosta terrestre e do seu manto superior, trata-se de uma análise das placas tectónicas em movimento na economia mundial: de alguns dos seus movimentos de longo prazo e de algumas das suas erupções mais repentinas e inesperadas.
Esta análise baseia-se no artigo “A Derrocada Financeira e a Loucura do Imperialismo”1 e é uma aplicação, centrada nas questões da economia mundial, da conceptualização de Bob Avakian sobre este período ser um período de “transição com potencial para grandes tormentas”.
I. Introdução:
O sistema mundial não é estático
Os EUA continuam a ser a potência dominante, e ainda hegemónica, do mundo. Mas estão a enfrentar pressões económicas cada vez maiores e uma crescente necessidade estratégica. Estão a ocorrer importantes transformações no sistema imperialista mundial. Têm importância central as alterações na distribuição do poder económico global e o surgimento de incipientes constelações de potências geoeconómicas e geopolíticas – isto é, potenciais blocos de países com uma crescente capacidade para desafiarem o domínio global dos EUA. A China é um elemento altamente dinâmico dessa equação.
Estes fenómenos estão a interagir com outras contradições e conflitos no mundo, sobretudo com a ofensiva militar pós-11 de Setembro do imperialismo norte-americano e as suas guerras no Iraque e no Afeganistão, com as dificuldades que tem enfrentado e com as ameaças militares contra o Irão.
O significado dos novos desafios concorrenciais ao imperialismo norte-americano será menosprezado se eles forem medidos pelo grau com que se apresentam a si próprios como “contra-hegemonia” em espelho ao imperialismo norte-americano – militar, económica e institucionalmente. Não é isso o que estes desafios representam neste momento. E embora haja elementos emergentes disso, eles não se concentram numa única potência.
Nenhum potencial desafiador do imperialismo norte-americano visa enfrentar militarmente os EUA taco-a-taco, nem confrontá-lo de alguma forma significativa, na actual conjuntura. Mas a existência desses desafios (e desses desafiadores) significa que o imperialismo norte-americano tem que olhar cada vez mais por cima do seu ombro.
O imperialismo norte-americano está a tentar preservar e expandir a sua supremacia num pano de fundo de uma força económica desgastada e uma arquitectura financeira mundial cada vez mais frágil e instável, com base no papel privilegiado do dólar. E, de uma forma importante, isso está a ocorrer num período de fluxo dinâmico do sistema mundial – em que novos pólos de poder estão a surgir à medida que se alargam as fendas na hegemonia global dos EUA.
O colapso do bloco social-imperialista soviético em 1989-91 representou a mais significativa alteração das relações inter-imperialistas depois do fim da II Guerra Mundial. A criação de um novo e mais integrado quadro geopolítico de acumulação do capital contribuiu para a aceleração de uma gigantesca vaga de globalização. Isso foi facilitado pelas novas tecnologias e consolidado com o projecto neoliberal liderado pelos EUA: privatização dos activos estatais, abertura dos mercados ao capital estrangeiro, diminuição da regulação das empresas, redução dos gastos sociais e das protecções ao trabalho.
Os grandes avanços na industrialização da agricultura mundial e a integração transnacional da produção alimentar e dos transportes têm acelerado a destruição dos sistemas agrícolas tradicionais nos campos do Terceiro Mundo. Isto tem feito avançar um processo de urbanização, sem precedentes históricos, centrado no Terceiro Mundo: a deslocação das populações dos campos para as cidades e o vertiginoso crescimento das cidades, antigas e novas. Pela primeira vez na história da humanidade, mais de metade da população mundial vive em cidades, com mil milhões de pessoas a viverem em bairros de lata contemporâneos, no interior ou à volta das cidades do Terceiro Mundo. Este é, como apropriadamente o disse Mike Davis, um “planeta de bairros de lata”.2
Também está a emergir, e de uma forma inesperada, devido à particular resolução das contradições concentradas no colapso da União Soviética, embora também envolvendo outros factores, um fundamentalismo islâmico transnacional e reaccionário que continua a ser uma verdadeira força ideológica e material no mundo.
As Notas sobre Economia Política e “A Nova Situação e os Grandes Desafios” (publicados respectivamente em 2000 e 2002) apresentam análises sobre muitas destas questões.3
Estes desenvolvimentos estão agora a interpenetrar-se com e a ser influenciados por:
- A rápida ascensão económica e projecção de poder da China na Ásia de Leste, na Ásia Central e noutras regiões estratégicas do Terceiro Mundo.
- A consolidação da União Europeia (UE), que se alargou à Europa Central e de Leste, e a criação de uma zona monetária homogénea em torno do euro que, quando conjugadas, constituem um desafio económico à hegemonia do dólar norte-americano e representam um quadro embrionário e alternativo ao domínio da ordem imperial liderada pelos EUA.
- Um imperialismo russo cada vez mais assertivo e baseado em matérias-primas, aproximando-se e exercendo pressão sobre a Europa Ocidental, opondo-se às movimentações dos EUA e promovendo os seus próprios interesses imperiais numa Ásia Central rica em fontes energéticas, alinhando em formas de parceria estratégica com a China em vastas partes da Eurásia e fornecendo auxílio em alta tecnologia e armamento avançado a países como o Irão, a Venezuela, etc.
- O surgimento de novos centros regionais de acumulação no Terceiro Mundo. Isto tem sido fomentado e baseia-se sobretudo na expansão e aprofundamento, sob a liderança do imperialismo, de relações capitalistas de produção e de novas divisões do trabalho que derivam de um “capitalismo em rede” mais integrado que envolve a descentralização geográfica das unidades de produção, a subcontratação e o outsourcing. Uma consequência importante foi que certos regimes compradores dependentes e subordinados têm agora mais margem de manobra, sobretudo no que diz respeito aos crescentes preços da energia e dos bens e às novas constelações geoeconómicas de poder (como a Rússia-China).
- A contínua tentativa do imperialismo norte-americano de garantir um domínio global que seja incontestável durante as próximas décadas e alicerçado na crescente militarização e financeirização da sua base interna. Isto envolve o crescimento explosivo do sector financeiro, relacionado com a produção industrial e a economia no seu todo, e a proliferação de destabilizadores instrumentos financeiros especulativos de acumulação de riqueza).
Estes fenómenos interpenetram e são influenciados por dois desenvolvimentos muito relacionados entre si. Há uma intensificação da concorrência global pelos recursos, alimentada pela crescente procura das principais potências industriais pela energia, cujas fontes estão a diminuir (independentemente de a noção de “pico petrolífero” ser cientificamente válida ou não) e por uma rivalidade pelo controlo desses recursos. E as tensões ecológicas globais estão a aproximar-se de um ponto de viragem, a partir do qual pode não ser possível à sociedade humana corrigir os estragos de longo prazo feitos ao clima e aos ecossistemas, ao mesmo tempo que os efeitos de curto prazo se tornam cada vez mais sérios. As tensões ambientais estão a ter um impacto na produção e nos preços dos alimentos, nas deslocações das populações em resposta a desastres naturais e na estabilidade social – como em países como a Somália que tem sofrido os efeitos combinados da seca e da redução da produção agrícola, da invasão pela Etiópia com o apoio dos EUA e do colapso institucional e caos urbano que resultaram numa crise humanitária.
As alterações geoeconómicas e geopolíticas estão a ocorrer a muitos níveis diferentes; e há factores históricos particulares em acção. Mas isto não são tendências e acontecimentos aleatórios. Ao nível mais profundo, o que está subjacente a estas alterações é a natureza e a lógica do sistema capitalista: a sua compulsão para a expansão e maximização dos lucros para ganhar vantagem competitiva; o crescimento cego e anárquico e os horizontes de curto prazo do capitalismo; e a tensão inerente a um sistema em que a produção é altamente socializada e globalmente interligada e que envolve os esforços inter-relacionados e colectivos de milhares e milhões de trabalhadores assalariados, ao mesmo tempo que os meios de produção de riqueza, a riqueza que é socialmente produzida e mesmo o próprio conhecimento são privadamente controlados e disponibilizados por uma pequena classe capitalista.
II. Algumas questões pertinentes sobre a nova geografia económica da economia mundial
No final da II Guerra Mundial, os EUA eram responsáveis por cerca de 50% do produto interno bruto (PIB) mundial e por uma percentagem ainda maior da capacidade industrial do mundo. Isso reflectia o resultado histórico específico da II Guerra Mundial: a ascensão do imperialismo norte-americano à proeminência e a destruição de muita da capacidade produtiva de áreas centrais da indústria imperialista da Europa Ocidental e do Japão.
Em 1960, a percentagem dos EUA no PIB global tinha caído para 30% e hoje situa-se em 21%. O declínio económico relativo do imperialismo norte-americano vem de há várias décadas atrás – 1968-71 é uma espécie de ponto de viragem, marcado pelo desafio europeu e pelo abandono do padrão em ouro do dólar norte-americano. O surgimento do Japão, nos anos 80, como concorrente industrial e financeiro e como importante exportador de capital, marcou uma outra espécie de ponto de viragem.
Mas o que é hoje diferente é algo ainda mais sísmico em magnitude e imprevisibilidade: a ascensão da China na economia imperialista mundial. Em 1976, o socialismo foi abandonado e o capitalismo restabelecido na China (a seguir à morte de Mao Tsétung e à prisão do chamado “Bando dos Quatro”).
A expressão “ascensão da China” é tanto descritiva como analítica. A China não é uma potência imperialista, mas é uma crescente e competitiva potência económica e geopolítica no sistema imperialista mundial.
A esmagadora dimensão da economia chinesa em rápido crescimento; a sua posição central no processo global de acumulação, enquanto destino do capital imperialista e eixo da produção industrial mundial; as suas gigantescas receitas de exportação, que contribuíram para que o banco central da China se tivesse tornado no maior detentor estrangeiro de dólares no mundo; o impacto regional da China na Ásia de Leste e o seu alcance global (em África e na América do Sul, por exemplo); e a sua capacidade militar em rápida expansão – tudo isto está a ter profundos efeitos nas relações económicas e geopolíticas mundiais. E por razões que ainda é preciso explorar mais, o bastão da liderança de um desafio baseado na Ásia de Leste ao domínio regional dos EUA parece ter passado do Japão para a China.
A. A nova geografia económica do planeta
A Tabela 1 quantifica um importante aspecto da nova geografia económica do planeta: a percentagem de diferentes países no Produto Interno Bruto (PIB) global. O PIB quantifica em temos monetários a produção de bens e serviços de um determinado país num determinado período, tipicamente um ano. Numa perspectiva marxista, o valor do PIB é inconsistente e incompleto: ele encobre a realidade da exploração, as questões de igualdade e desigualdade, os custos ambientais da produção, etc.
Mas esse valor é útil para se ter alguma sensibilidade do desempenho económico, da distribuição da força económica global, de como isso se alterou em períodos particulares e de como isso pode influenciar a concorrência e a rivalidade.
A Tabela 1 fornece uma janela útil para algumas tendências importantes da economia mundial.
Os EUA continuam a ser a maior economia singular do sistema capitalista mundial. Mas a sua supremacia económica está a ser corroída. Algures no início dos anos 2000, a China eclipsou a Alemanha ao tornar-se na terceira maior economia do mundo. Agora ultrapassou o Japão. E, entre as cinco maiores economias, a taxa de crescimento da China, entre 9 a 11% por ano durante os últimos 20 anos, situa-se no primeiro lugar, com a Índia não muito atrás, com 8% nos últimos anos – enquanto os EUA, o Japão e a Alemanha têm crescido entre 2 a 4%. A persistentemente elevada taxa de crescimento da China não tem precedentes na história do capitalismo.
A percentagem da produção industrial da China no mundo cresceu de 4% em 1995 para 8% em 2005. Em 2006, a Alemanha tinha a mais elevada percentagem mundial de exportações industriais (9,2%), seguida pelos EUA (8,6%), com a China na terceira posição (8,0%).4
Passando para outra importante medida de força na economia mundial: a exportação de capital, ou seja, o capital que é investido por empresas de um país noutro país. A Tabela 2 centra-se numa componente chave e muito grande da exportação de capital, o investimento externo directo (IED). Esse investimento externo directo é o capital investido por empresas de um país em unidades de produção (como fábricas e minas) no país receptor.
Cinco países – EUA, Grã-Bretanha, Japão, Alemanha, e França – controlam 50% do investimento externo directo. Em 1960, os EUA sozinhos detinham quase metade do investimento externo directo do mundo; a sua actual percentagem do investimento mundial está na ordem dos 20%. Entre 1960 e 1985, a Alemanha e o Japão aumentaram substancialmente a sua percentagem do investimento externo mundial acumulado. A percentagem do Japão continuou a subir durante os anos 90, mas depois declinou nitidamente em reacção à desaceleração interna e à crise financeira da Ásia de Leste em 1998.
Os países da União Europeia (UE) mantiveram a sua percentagem do volume mundial total de investimento externo directo, enquanto a percentagem dos EUA diminuiu. E a UE é agora a maior fonte de fluxos de capital de investimento externo directo. Tudo isto assume um maior significado num contexto em que, nos últimos anos, a UE se tornou num bloco muito mais coeso e integrado, com uma moeda que está a competir internacionalmente com o dólar. De facto, a UE ultrapassou os EUA como maior investidor na América Latina. Mas os EUA ainda são o maior exportador singular de IED. E é, de longe, o maior investidor singular na América Latina. Com o NAFTA/TLCAN [Tratado de Livre Comércio da América do Norte – NT], forjou uma rede regional mais densa que também serve como plataforma de investimento e rivalidades mundiais.
Tudo isto são indicadores de uma redução do fosso económico internacional entre os EUA e outras potências imperialistas e de um posicionamento competitivo.
Em 2007, 167 das 500 maiores empresas do mundo tinham sede na América do Norte, 184 na União Europeia e 64 no Japão. Durante os últimos anos, diminuiu a percentagem dos EUA nesse total.5
Cerca de 15% do volume acumulado de investimento externo directo (IED) está agora no Terceiro Mundo. Mas os fluxos de IED para o Terceiro Mundo, numa base de ano-para-ano, têm subido proporcionalmente aos fluxos anuais totais: na ordem dos 25 a 35% do total mundial durante os últimos dez anos. Os fluxos de capital para países do Terceiro Mundo também por vezes têm sido bastante voláteis – tal como nas movimentações de capital imperialista que levaram à crise da Ásia de Leste de 1997-98, e na resposta a ela.
A maioria do investimento externo directo dos países imperialistas vai para outros países imperialistas. Isso tem a ver com vários factores: as forças produtivas e os mercados internos dos países imperialistas são muito mais desenvolvidos e dispõem de uma gama de possibilidades de investimento mais vasta que em muitos países do Terceiro Mundo; os investimentos envolvem muitas vezes caras aquisições, fusões e tomadas de controlo de grandes empresas; há uma rivalidade entre as multinacionais e as potências imperialistas pela conquista de fortes posições nos mercados internos imperialistas e continentais altamente desenvolvidos; e, em simultâneo, algum desse investimento, como o que é feito nas refinarias de petróleo, está ligado a investimentos relacionados em países do Terceiro Mundo.
Por outro lado, uma proporção cada vez maior do IED na produção industrial vai para o Terceiro Mundo, sobretudo para a China. As taxas de retorno do IED na indústria no Terceiro Mundo são em geral, e muitas vezes consideravelmente, mais elevadas que nos países capitalistas desenvolvidos. E a rentabilidade global dos investimentos no Terceiro Mundo é influenciada pela existência de redes de subcontratos que prosperam numa sobreexploração intensa – por exemplo, no vestuário e nos componentes e materiais produzidos em fábricas onde a exploração é extrema.
Um outro desenvolvimento indicativo: como mostra a Tabela 1, os países oprimidos já são responsáveis por 41% da produção mundial; isto representa uma subida em relação aos 36% em 2000 (e menos de 30% em 1990). Isto é sobretudo resultado do rápido crescimento da China (e, em menor escala, da Índia) como centro da acumulação liderada pelo imperialismo. Muita da produção de equipamento está a mudar-se para o Terceiro Mundo. E 80% do valor das exportações de bens do Terceiro Mundo corresponde agora a produtos industriais – uma alteração significativa em relação a anteriores períodos do imperialismo.6
Os chamados países BRIC – Brasil, Rússia, Índia e China – representam 21% da economia mundial. Para sermos claros, não se trata nem de um bloco economicamente integrado de países como a União Europeia, nem de uma aliança de estados (e um desses países BRIC, a Rússia, é uma potência imperialista). Na realidade, a abreviatura foi inventada pela comunidade financeira e de investimentos ocidental para designar grandes mercados de elevado crescimento e altos lucros.
Contudo, há alguma validade analítica limitada em se agrupar esses países: são “mercados emergentes” em rápido crescimento para o investimento produtivo e financeiro; representam um papel cada vez mais importante na economia mundial; são tanto importantes produtores como consumidores de energia; e alguns estão a colaborar com os outros de formas várias e significativas, sobretudo a Rússia e a China.
Em 1991, no final da primeira Guerra do Golfo, das 20 maiores empresas do mercado energético, 55% eram norte-americanas e 45% eram europeias. Mas, em 2007, segundo um estudo da empresa financeira Goldman Sachs, 35% das 20 maiores empresas de energia eram de países BRIC (e a maior parte dessas companhias são estatais), cerca de 35% são europeias e cerca de 30% são norte-americanas. A Rússia e o Brasil são os principais produtores de energia.7
Por outro lado, a China e a Índia dependem fortemente da importação para satisfazerem as suas necessidades energéticas. Mas as empresas chinesas de energia controladas pelo estado estão a tornar-se em importantes actores internacionais, como se comprovou em 2005 com a tentativa da companhia petrolífera chinesa CNOOC de adquirir a Unocal Corporation, com sede nos EUA (e que detém extensas reservas petrolíferas na América do Norte e na Ásia).
B. Permanece a divisão entre imperialismo e nações oprimidas...
Mas há uma nova margem de manobra para alguns regimes do Terceiro Mundo
GLOSSÁRIO:
Acumulação de capital – A produção de mais-valia (a fonte do lucro) com base na exploração do trabalho assalariado; e o investimento e o reinvestimento dos lucros dos capitais em concorrência numa base de expansão, redução de custos e utilização de tecnologias mais avançadas (e mais produtivas). Como disse Marx, trata-se de um processo de acumulação de riqueza, por um lado, e de miséria e agonia de quem labuta, por outro.
Exportação de capital – O fluxo externo de capital de investimento de um país para outro. A exportação de capital consiste no investimento externo directo numa empresa já existente no país anfitrião, na construção de novas instalações (como quando a GM abre uma fábrica na China) ou noutras formas como empréstimos bancários, investimentos em acções e obrigações, etc.
Produto Interno Bruto (PIB) – Uma medida da produção de uma dada economia num dado período, normalmente um ano. O PIB inclui bens e serviços. Vários sistemas de cálculo de preços permitem comparações internacionais do PIB.
Hegemonia – O poder dominante exercido por um estado sobre a economia mundial num período histórico particular através de meios económicos, políticos, militares, financeiros e culturais.
Imperialismo – A fase de desenvolvimento do capitalismo, como sistema mundial de exploração, iniciada no final dos anos 1800. Vivemos na era do imperialismo. O imperialismo inclui cinco características principais: a) o domínio dos monopólios (grandes e poderosas unidades de propriedade e controlo, altamente centralizadas) sobre a organização da produção e da distribuição; b) a fusão do capital bancário e industrial em gigantescos blocos financeiros; c) a importância central da exportação de capital para a rentabilidade global; d) a divisão económica do mundo pelas grandes multinacionais, cartéis e grandes potências em esferas de influência; e) a completa divisão territorial do mundo pelas potências imperialistas em colónias, neocolónias e zonas de influência, pelo que a luta entre as principais potências imperialistas envolve uma redivisão do mundo.
Transnacional – Refere-se a actividades, movimentações e organizações que atravessam fronteiras internacionais. A General Electric é uma empresa transnacional: com sede nos Estados Unidos, opera em muitos países diferentes.
Os países produtores de energia do Terceiro Mundo, como o Brasil, a Venezuela, a Arábia Saudita, a Nigéria e o Irão, não romperam com a sua dependência estrutural do mercado imperialista mundial – em termos de dependerem da tecnologia estrangeira; da refinação, comercio e transporte, etc.; da extrema vulnerabilidade das flutuações de preços; e por aí adiante.
O desenvolvimento dominado pelo petróleo e pela energia continua a ter efeitos de profunda distorção da agricultura, das relações cidade-campo e da estrutura social, com um elevado custo humano. A Venezuela de Chávez importa cerca de 70% dos seus alimentos, ao mesmo tempo que a oligarquia agrícola em larga medida mantém a sua posição. Nos bairros de lata de Caracas ainda vive uma gigantesca concentração de pobres urbanos, muitos dos quais afastados da economia formal.8 O “outro lado” da grande expansão do etanol no Brasil foram as centenas de mortes e dezenas de milhares de lesões dos trabalhadores das plantações onde se colhe a cana-de-açúcar de que é feito o combustível (e empresas norte-americanas como a ADM e a Cargill são os principais investidores no sector da agro-energia do Brasil).
Mas, para as elites dominantes locais, o verdadeiro poder económico concentra-se nessas esferas de produção de petróleo, gás natural e biocombustíveis. E uma certa confluência de desenvolvimentos deu a alguns regimes dependentes do Terceiro Mundo uma maior margem de manobra. O imperialismo norte-americano tem centrado no Iraque e no Afeganistão a atenção das suas guerras por um grande império. A ascensão acentuada, embora de forma nenhuma permanente, dos preços das matérias-primas gerou elevados rendimentos e alguma influência financeira. E o facto de uma potência económica em ascensão como a China estar à procura da sua própria e competitiva agenda global e de ter acumulado significativos recursos financeiros para o fazer, significa que um país como a Venezuela se pode opor a certas pressões dos EUA, virando-se para a China para empréstimos e créditos.
A geografia económica do planeta ao mudar envolve uma importante dispersão (globalização) da capacidade produtiva. Mas “o mundo não é plano” – nem está a ficar plano. As forças produtivas avançadas ainda estão desequilibradamente concentradas nos países ricos. O PIB per capita dos países ricos ainda é mais de cinco vezes superior ao dos países a que o Fundo Monetário Internacional chama de “rendimentos médios”, como o Brasil, o México e a Turquia. O PIB per capita dos países ricos é mais de 19 vezes superior ao dos países de baixos rendimentos, como a maioria dos países da África subsaariana.9 Vastas diferenças nos níveis salariais e enormes partes da humanidade sujeitas a brutais condições de sobreexploração definem e sublinham a divisão entre nações opressoras e nações oprimidas.
A globalização está a ter efeitos contraditórios. Está a criar níveis mais elevados de industrialização no Terceiro Mundo e maiores rendimentos para alguns sectores das classes médias. Mas não é uma equalização global. Nesta fase da globalização imperialista, um dos seus efeitos diferenciadores mais significativos tem sido aumentar o desenvolvimento desigual entre os países do Terceiro Mundo e as desigualdades de riqueza dentro deles. A distribuição de rendimentos na China está entre as mais desiguais do mundo – mesmo ao lado da dos Estados Unidos e do Brasil.
A geografia económica do planeta ao mudar também está a afectar a agricultura mundial – com um efeito devastador e desigual no Terceiro Mundo. O imperialismo está a transformar os sistemas agrícolas nacionais em componentes globalizadas da produção transnacional e em redes de comercialização desligadas das necessidades locais – isto é, os alimentos são cada vez mais produzidos para exportação, não para alimentarem localmente as pessoas, ou então as terras estão a ser retiradas da produção de alimentos.
Onde, historicamente, a produção de alimentos tem sido a base das economias da maioria desses países, a agricultura está a tornar-se cada vez menos “fundacional” para muitas economias nacionais do Terceiro Mundo. A produção de alimentos foi empurrada para o turbilhão dos mercados especulativos financeiros e de bens, ao mesmo tempo que a produção agro-industrial de biocombustíveis liderada pelo imperialismo substitui a produção de alimentos. Os bens alimentares básicos já não estão a ser produzidos nas quantidades adequadas em muitas partes do Terceiro Mundo – ao mesmo tempo que as forças da concorrência mundial, o controlo imperialista das novas tecnologias agrícolas e os caprichos dos preços mundiais minam ainda mais a segurança alimentar.
E por isso, no início de 2008, uma crise alimentar global sem paralelo com qualquer outra crise anterior na história económica moderna teve, e continua a ter, um terrível custo humano em grandes partes de África, Ásia e América Latina. Também isso é uma expressão da profunda divisão entre nações opressoras e nações oprimidas.
(Continua na 2ª Parte)
NOTAS:
1. Raymond Lotta, “Financial Meltdown and the Madness of Imperialism” [“A Derrocada Financeira e a Loucura do Imperialismo”], Revolution/Revolución n.º 127, 20 de Abril de 2008, revcom.us/a/127/EconomyMeltdown-en.html (inglês) ou revcom.us/a/127/EconomyMeltdown-es.html (castelhano).
2. Mike Davis, Planet of Slums [Planeta de Bairros de Lata] (London: Verso, 2006).
3. Partido Comunista Revolucionário dos EUA, Notes on Political Economy: Our Analysis of the 1980s, Issues of Methodology, and the Current World Situation [Notas sobre Economia Política: A Nossa Análise dos Anos 80, Questões de Metodologia e a Actual Situação Mundial] (Chicago: 2000, Publicações RCP); Bob Avakian, “The New Situation and the Great Challenges” [“A Nova Situação e os Grandes Desafios”], Revolutionary Worker/Obrero Revolucionario n.º 1256, 26 de Outubro de 2004, revcom.us/a/1256/ba-newsituation.htm (inglês) ou revcom.us/a/1256/ba-newsituation-s.htm (castelhano).
4. US-China Business Council, “U.S. Manufacturing: Dying... Or Still Going Strong” [“Produção Industrial dos EUA: A Morrer... Ou Ainda Forte?”], uschina.org; Organização Mundial do Comércio, Dados do Comércio e das Tarifas Internacionais, Base de Dados Estatísticos, stat.wto.org/Home/WSDBHome.aspx?Language=E.
5. Fortune, “Global 500 2008”, money.cnn.com/magazines/fortune/global500/2008/index.html.
6. Conferência das Nações Unidas Sobre o Comércio e o Desenvolvimento, “Manufacturing Trouble: UNCTAD Report Examines Emerging Tensions in the Trading System” [“Dificuldades Industriais: Relatório da UNCTAD Examina as Tensões Emergentes no Sistema de Comercio”], 2002. unctad.org.
7. Ver “New economic tigers Brazil, Russia, India and China overtake U.S. in dominating global energy industry, new study says” [“Novo estudo diz que os novos tigres económicos Brasil, Rússia, Índia e China ultrapassaram os EUA no domínio da indústria global de energia”], International Herald Tribune, 25 de Junho de 2007, iht.com.
8. Ver Raymond Lotta, “Hugo Chávez tem uma estratégia para o petróleo... mas levará isso à emancipação?”, Revolution/Revolución n.º 94, 1 de Julho de 2007, paginavermelha.org/artigos/hugo-chavez-tem-uma-estrategia-para-o-petroleo-mas-levara-isso-a-emancipacao-1-parte.
9. Banco Mundial, “Indicadores do Desenvolvimento Mundial, 2008”, worldbank.org.