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Este artigo foi publicado originalmente na Demarcations: A Journal of Communist Theory and Polemic [Demarcações: Uma revista de teoria e polémica comunistas] n.º 4, Inverno de 2015:

Tradução: paginavermelha.org. Revisão: julho de 2024.

Ajith — Um retrato do resíduo do passado

Por Ishak Baran e KJA, dezembro de 2014*

“Tudo o que é realmente verdade é bom para o proletariado;
todas as verdades podem ajudar-nos a chegar ao comunismo.”
— Bob Avakian
1

Dedicado à memória de Clyde Young2, que se debateu com muitas das mesmas questões com que se confrontaram os autores ao escrever este artigo

Índice

I. Contexto: Vanguarda do futuro ou resíduo do passado

II. A revolução comunista, o comunismo como ciência, a missão do proletariado e porque é que a verdade é verdade

A rejeição por Ajith do comunismo como ciência

Materialismo histórico: eixo fundamental do marxismo

O método científico nas ciências naturais e nas ciências sociais

Ajith rejeita o método científico nas ciências sociais

Ajith e Karl Popper

III. Posição de classe e consciência comunista

Os “simples sentimentos de classe” e a consciência comunista

A defesa feita por Ajith da reificação do proletariado

A contribuição decisiva de Lenine sobre a consciência comunista

O proletariado e o curso da história

Nacionalismo ou internacionalismo?

O impacto negativo da reificação nas anteriores revoluções socialistas

IV. A verdade tem um caráter de classe?

A “verdade de classe” como tendência secundária na Revolução Cultural

Ajith e a parcialidade de classe

V. A denegrição da teoria por Ajith

Uma visão estreita da prática e da realidade social

A “prática direta” de Marx e Engels não foi a fonte do desenvolvimento do marxismo

A parcialidade deve estar ancorada na ciência

As onerosas lições da “verdade política”

VI. Alguns elementos sobre filosofia e ciência

O lugar da filosofia no marxismo

Ajith divorcia a filosofia da ciência

A abordagem quase religiosa de Ajith aos princípios fundamentais do marxismo

Verdade absoluta e verdade relativa e o progresso do conhecimento

Quão seguros podemos estar do nosso conhecimento?

VII. A revolução comunista é necessária e possível, mas não inevitável... tem de ser feita conscientemente

Marx e Avakian sobre a “coerência” na história humana

A verdadeira dinâmica da história e os pontos de vista erróneos no movimento comunista

Liberdade, necessidade e transformação da necessidade

A compreensão errada de liberdade e necessidade por parte de Ajith

Um salto mas não para a liberdade absoluta

Na revolução não há predestinação

Como compreender as leis da história?

VIII. Ajith descobre-se na companhia do pós-modernismo e da religião

A avaliação dialética do Iluminismo feita por Avakian

A forma como Ajith aborda o Iluminismo e a distorção por parte dele dos pontos de vista de Avakian

Sobre a posição de Marx acerca do domínio britânico na Índia

A oposição de Ajith à “consciência científica”

Ciência e conhecimento tradicional

Ajith recai no pós-modernismo

Substituir a verdade pela “narrativa”

Uma crítica não-científica do capitalismo

Ajith abraça a Escola de Frankfurt

Ajith e a tradição kantiana

IX. A repugnante e tortuosa defesa por Ajith da religião e dos grilhões da tradição

Pôr o véu sobre a opressão das mulheres

Ir atrás do nacionalismo, tornar mais atraente o fundamentalismo

Avakian sobre os “dois obsoletos” e a luta ideológica com a religião

Escolher entre os “dois obsoletos” ou desenvolver um outro caminho

X. Conclusão

Notas

* * *

O centro desta polémica é a filosofia — e em particular a epistemologia, o ramo da filosofia que trata das questões do conhecimento, da verdade e de como obtemos e avaliamos o conhecimento.

É um tópico que pode, numa primeira abordagem, parecer abstrato, distante, desligado de um mundo de intermináveis guerras imperiais, da epidemia do ébola, das alterações climáticas globais e da generalizada brutalização e degradação das mulheres. Mas as questões filosóficas que são abordadas nesta polémica, e a luta ideológica mais geral que está a ser levada a cabo, têm uma enorme e urgente importância. Têm tudo a ver com pôr fim à loucura e ao horror dos nossos tempos. Com a capacidade de a humanidade oprimida e todos os que anseiam por um mundo digno da nossa humanidade compreenderem o mundo (sim, essa questão da epistemologia) — precisamente para o mudar... com a questão da revolução.

Houve de facto revoluções no século XX. Na realidade, a primeira vaga da revolução comunista viu centenas de milhões de pessoas neste planeta a se erguerem sob uma liderança visionária e de vanguarda e a derrubarem a velha ordem — primeiro na Rússia em 1917 e depois na China em 1949. Um terço da humanidade fez parte de um processo de construção de sociedades verdadeiramente emancipadoras. Esta foi a primeira e histórica rutura com as trevas da opressora sociedade de classes.3

Mas esta primeira etapa da revolução chegou ao fim quando ocorreu um golpe de estado reacionário na China em 1976, pouco depois da morte de Mao Tsétung. E esta derrota só ocorreu passados cerca de vinte anos depois de as novas forças capitalistas terem tomado o poder na União Soviética.

Hoje não há socialismo no mundo. Têm ocorrido grandes alterações na economia capitalista mundial, as cidades do sul global têm crescido rapidamente à medida que as pessoas são afastadas dos campos e a crise ambiental transformou-se numa catástrofe. E milhares de milhões de pessoas estão a sofrer desnecessariamente. Grande parte da humanidade oprimida está aprisionada numa dinâmica mortal em que as únicas opções parecem ser o fundamentalismo religioso reacionário ou a democracia ao estilo norte-americano, tudo dentro do quadro do sistema capitalista-imperialista. Ao mesmo tempo, o comunismo tem sido vilipendiado e caluniado, oficialmente declarado um “fracasso” pelas classes dominantes, e as pessoas são bombardeadas com a mensagem de que não há alternativa.

A questão coloca-se objetivamente: haverá alguma saída desta loucura?

É com este pano de fundo que durante as últimas três décadas Bob Avakian tem vindo a trabalhar num grande problema: sintetizar as lições da primeira vaga da revolução comunista, dos seus feitos esmagadoramente positivos, mas também dos seus problemas e limitações, e desenvolver um caminho para avançar. A partir deste estudo, e aprendendo de amplas correntes do pensamento e prática intelectuais, científicos e artísticos, Avakian desenvolveu uma nova síntese do comunismo. Ela abarca a filosofia; o internacionalismo; a ditadura do proletariado e o exercício do poder numa sociedade socialista; e a estratégia.

Esta nova síntese é a alternativa libertadora, a visão e a estratégia viáveis, para um mundo radicalmente diferente e melhor — e para desencadear uma nova etapa da revolução comunista que pode e tem de chegar a uma nova geração de jovens ativistas, aos intelectuais, aos artistas e às massas de base.

I. Contexto: Vanguarda do futuro ou resíduo do passado

A nova síntese tem sido objeto de uma aguda contenda entre os comunistas. Em maio de 2012, o Partido Comunista Revolucionário, EUA (PCR,EUA) publicou uma “Carta aos partidos e organizações participantes no Movimento Revolucionário Internacionalista” (MRI)4 exprimindo o entendimento do PCR,EUA sobre o conteúdo, as origens e a história da luta entre as duas linhas que se estava a desenvolver no movimento comunista internacional (MCI). Essa carta assinalava: “A crise do MRI e do MCI mais em geral surgiu porque o entendimento em que o movimento se baseava — a que chamámos marxismo-leninismo-maoismo [MLM] — se está a ‘dividir em dois’: o seu núcleo revolucionário, correto e científico está validado e também a avançar para novos níveis, ao mesmo tempo que foram identificados erros secundários, mas ainda assim reais e nocivos, na política e na teoria, que podem e precisam de ser combatidos como parte de se dar o salto que é necessário.”5

Nos dois anos decorridos desde a circulação dessa carta, a luta no movimento comunista internacional intensificou-se ainda mais. Por um lado, há muitas pessoas que, com base em estudarem e adotarem a nova síntese do comunismo, estão a obter um entendimento mais profundo da meta do comunismo, uma nova confiança na viabilidade da revolução proletária para alcançar essa meta e uma apreciação mais aguda do que é necessário fazer — e estão assim melhor capacitadas para levarem a cabo uma importante atividade revolucionária. Por outro lado, porém, há aqueles que estão a recuar horrorizados perante os mesmos avanços que Avakian tem vindo a desenvolver e que estão a tentar arrastar o movimento numa direção oposta, para longe da sua base científica.

Em julho de 2013 foi publicado na revista indiana Naxalbari um artigo de 80 páginas intitulado “Contra o Avakianismo”6.

O autor, Ajith, conclui o artigo dele escrevendo: “O avakianismo não é nem novo nem de maneira nenhuma uma síntese. É o mesmo velho revisionismo e liquidacionismo. Temos de rejeitar as suas alegações e de nos mantermos firmes no maoismo.”7 Na realidade, Ajith faz um ataque total ao comunismo revolucionário, não só como ele tem sido desenvolvido pela nova síntese de Avakian, mas também contra os alicerces fundamentais do próprio marxismo. O artigo dele é o esforço mais recente, e até agora o mais ambicioso, para dar uma apresentação coerente às posições fundamentais, à visão do mundo e à metodologia do setor do movimento maoista que está a rejeitar um maior avanço da teoria comunista e que, em vez disso, está a ressuscitar, a limpar o pó e a insistir em grande parte do entendimento errado que tem perseguido o movimento maoista desde muito cedo.

No ataque frenético dele contra Avakian, Ajith atira todos os elementos à disposição dele para o guisado: ele apresenta uma interpretação não-científica da economia política marxista8; faz o seu melhor para atribuir falsamente a Mao Tsétung o seu próprio nacionalismo desenfreado; relata uma história fantasista do Movimento Revolucionário Internacionalista cheia de supostos factos que sabe que a maioria dos leitores dele não pode verificar; e comete erro atrás de erro em inúmeros campos. Alguns camaradas já se referiram a alguns dos mais importantes desses erros9 e, sem dúvida, muito mais poderia ser escrito para clarificar muitos dos pontos em que Ajith tem pontificado.

O artigo de Ajith é um claro concentrado de pegar em erros secundários, mas ainda assim reais e nefastos, do movimento maoista, de os sistematizar e de os elevar ao nível de linha política e ideologia globais.10

A tarefa que atribuímos a nós mesmos neste artigo é tentar distinguir o que está por trás dos ataques frenéticos de Ajith à nova síntese, porque, como disse Shakespeare, há um método na loucura dele. Se pudermos distinguir a substância do que está subjacente ao método e à abordagem dele, poderemos recuperar alguma coisa de um artigo cheio de distorção, ofuscação e calúnia, o que pode então contribuir para uma melhor compreensão da atual luta entre as duas linhas no movimento comunista internacional.

Comecemos por indicar algumas das posições mais centrais que Ajith enuncia no ataque dele à abordagem e à metodologia pelas quais Avakian tem vindo a lutar:

  • Como filosofia ou ideologia, segundo Ajith, o marxismo não deve e não pode estar sujeito a padrões científicos (que ele denigre como “cientismo”). Relacionado com isto, Ajith opõe-se à abordagem totalmente diferente que está na obra de Avakian, baseada em avanços na perspetiva do mundo e na epistemologia comunistas.
  • Na opinião de Ajith, Avakian está errado ao dizer que o marxismo satisfaz o critério da “falseabilidade”; por outras palavras, Avakian erra seriamente ao afirmar que os enunciados teóricos do marxismo fornecem as condições para se determinar se são verdadeiros ou falsos.
  • Ajith acredita que “a ‘verdade do marxismo’ pode aproximar-se o mais possível da realidade objetiva devido à sua parcialidade de classe” [ênfase de Ajith]. Ligado a isto, Ajith defende o conceito de “verdade de classe”, de que a verdade pode ser definida não pela correspondência à realidade mas pela posição de classe daqueles que enunciam uma determinada proposição.
  • Na opinião de Ajith, deve dar-se um lugar especial no movimento comunista aos proletários individuais e a outros elementos dos setores oprimidos das massas em virtude da posição de classe deles. Ajith alega que o PCR,EUA elimina o papel dos sentimentos de classe. Ajith recusa-se a reconhecer os problemas associados à reificação do proletariado.
  • Ajith sustenta que Avakian está a adotar acriticamente a perspetiva e os princípios do Iluminismo do século XVIII. Segundo Ajith, Avakian está atolado no positivismo e no reducionismo mecânico e não aprendeu com as contribuições de outros como os pós-modernistas e a Escola de Frankfurt.
  • Ajith acusa Avakian de teorizar um “proletariado ideal” à custa do proletariado concreto em contextos nacionais específicos.
  • Ajith acusa Avakian de negar o papel fundamental da prática no desenvolvimento da teoria revolucionária.
  • Sem a noção de “inevitabilidade” (como em “a inevitável vitória do comunismo”) que Avakian tem criticado, “nada resta”, na opinião de Ajith, “da historiografia marxiana”.
  • Ajith argumenta que Avakian está errado ao identificar e criticar os elementos secundários que tendem para a teleologia (a ideia de que há um propósito ou um resultado predeterminado na natureza) nas obras de Marx e Engels, bem como noutros autores e dirigentes comunistas.
  • Avakian está errado ao centrar a atenção dele em criticar (“martelar”) a religião. “Com o cienticismo [sic] como traço proeminente, não nos deve surpreender vermos o avakianismo a satisfazer-se num racionalismo crasso quando lida com a religião”.

Desta lista parcial dos ataques de Ajith a Avakian torna-se evidente que a luta no movimento comunista internacional não está a ocorrer num compartimento isolado. Muitas destas mesmas questões existem (por vezes sob formas algo diferentes) entre outras pessoas que estão envolvidas na luta e na crítica à sociedade contemporânea. Isto também se interpenetra com a luta ideológica mais geral — por exemplo, a ideia generalizada de que não existe uma verdade real e objetiva e que, em vez disso, há apenas narrativas concorrentes que representam diferentes grupos de interesses sociais.

Ajith representa um certo “pacote”, se se quiser. É uma combinação entre uma abordagem de tipo religioso ao comunismo — uma perspetiva de que a história irá inevitavelmente “funcionar” a nosso favor — e pragmatismo, a noção de que o que funciona e serve objetivos específicos é verdadeiro. Ajith defende um tipo de maneira de pensar que está profundamente entrincheirada no movimento comunista, a qual por vezes pode servir para incentivar temporariamente a nossa coragem mas apenas através de nos tornar cegos a qualquer parte da realidade que nos deixe desconfortáveis.

Dada esta maneira de pensar de tipo religioso, dificilmente é uma surpresa que Ajith e outros como ele se sintam mais que simplesmente ameaçados pelos progressos que Avakian tem desenvolvido. Enquanto qualquer ciência genuína, certamente incluindo o marxismo, é autointerrogatória e está sujeita a correções e a um maior desenvolvimento, a religião funciona segundo uma dinâmica oposta: campos inteiros são previamente declarados reservas especiais em que só a fé tem de reinar suprema e os sacerdotes têm de proteger zelosamente os pontos fracos do sistema de crenças para evitar que uma punção nesse sistema estanque cause uma hemorragia massiva.

Em última análise, o que está em jogo no debate sobre como compreender o mundo é que tipo de sociedade estamos a tentar criar. Será possível ir além do ponto em que a verdade é determinada ou imposta pela força (económica, política, militar), ou será que o mundo nunca irá escapar à lógica da “lei do mais forte”?

Nesta encruzilhada no movimento comunista internacional, coloca-se a questão: irão os comunistas ser uma vanguarda do futuro ou um resíduo do passado?

II. A revolução comunista, o comunismo como ciência, a missão do proletariado e porque é que a verdade é verdade

O que é o comunismo? Em que é diferente de outras conceções e programas de mudança? Porque é a mais radical de todas as revoluções? Escutemos Marx:

Este socialismo é a declaração da permanência da revolução, a ditadura de classe do proletariado como ponto de trânsito necessário para a abolição das diferenças de classe em geral, para a abolição de todas as relações de produção em que aquelas se apoiam, para a abolição de todas as relações sociais que correspondem a essas relações de produção, para a subversão de todas as ideias que emanam destas relações sociais.11

Esta passagem, popularmente referida como a eliminação das “4 Todas” durante a Revolução Cultural de 1966-76 na China, exprime que a revolução comunista é uma revolução total. Ela visa erradicar não apenas alguma opressão e alguma injustiça mas todas as relações económicas, políticas e sociais opressoras — desde a degradação e subordinação da mulher e a brutal desigualdade e opressão que sofrem as nacionalidades minoritárias, até à longa época da história humana em que apenas um pequeno punhado de pessoas trabalha na esfera das ideias e na administração da sociedade. E a revolução comunista não tem apenas a ver com erradicar todos os sistemas de produção que se baseiam na exploração e as instituições políticas e sociais e relações que as acompanham e as reforçam. Também tem a ver, e de uma maneira crucial, com transformar todos os valores, ideias e maneiras de pensar que refletem e reforçam a exploração, a opressão e a desigualdade.

Uma vez mais, é uma revolução total: um processo revolucionário que leva à eliminação da própria divisão da sociedade em classes e à criação de uma comunidade humana mundial sem exploração nem opressão, em que as pessoas estão muito mais conscientemente a mudar o mundo e a si mesmas.

Zhang Chunqiao e outros líderes da Revolução Cultural sob a orientação de Mao enfatizaram repetidamente a centralidade deste entendimento para todo o processo da revolução comunista.12 Isto é muito diferente de conceções do socialismo como sendo apenas alguma forma de estado social baseado na propriedade estatal, que “cuida” das pessoas. Não, a propriedade estatal dos meios de produção por si só não conduz à eliminação das classes e dos antagonismos de classe se não houver uma luta e um processo mais vastos para eliminar essas “4 Todas”.

Mao redescobriu e deu um significado mais profundo à meta do comunismo, a qual o movimento comunista cada vez mais tinha perdido de vista. A orientação de Mao em direção à meta comunista foi central para a maneira como ele concebeu e liderou a Revolução Cultural na China, a qual elevou para novos níveis todo o processo da revolução proletária — não só ao derrotar durante dez anos aqueles líderes no partido e no estado que queriam regressar à “via capitalista”13, mas também ao causar uma transformação sem precedentes na maneira de pensar das pessoas, nas relações entre as pessoas e na organização da economia, da educação e de outras esferas socialistas.

Esta tremenda batalha na esfera da política esteve profundamente interligada ao desenvolvimento feito por Mao de toda a ciência do comunismo, um desenvolvimento que envolveu uma crítica e uma rutura da parte de Mao com importantes elementos da maneira de pensar do movimento comunista anterior que tinham estado associados em particular à liderança de José Estaline, o qual globalmente foi um genuíno líder revolucionário.

O desenvolvimento adicional do comunismo por Mao, em particular a teoria e a prática dele da continuação da revolução no socialismo, também esteve intimamente ligado à monumental luta dele contra o que veio a ser designado por “revisionismo moderno”. O revisionismo é um programa e uma perspetiva que usa a terminologia marxista (“luta de classes”, “classe dominante”, “governo do proletariado”, etc.) para encobrir e racionalizar uma política, uma economia e uma mentalidade burguesas capitalistas. Em meados dos anos 1950, na União Soviética, uma nova classe burguesa revisionista chegou ao poder após a morte de Estaline e consolidou um novo tipo de sistema capitalista de estado em que um partido pretensamente comunista detinha o poder mas em que o sistema socioeconómico na realidade se baseava na exploração capitalista. Também esta tem sido a situação na China desde a morte de Mao em 1976, onde uma nova classe capitalista governa a sociedade mas chama-se a si mesma “comunista”.

Ao longo dos últimos quarenta anos, Avakian tem levado a cabo o profundo trabalho de examinar a experiência das revoluções proletárias do século XX e de retirar lições disso. Isto levou Avakian não só a construir sobre a base das conceções de Mao e a fazer avançar as ruturas de Mao com os entendimentos e abordagens incorretos no movimento comunista, mas também, em alguns domínios importantes, a romper com o próprio Mao e os anteriores líderes comunistas. Em particular, Avakian tem argumentado que não será possível conseguir transformações revolucionárias a menos que, sustentando este processo, haja um método e uma abordagem mais plenamente científicos para compreender e transformar o mundo, e um reconhecimento e um repúdio mais profundos daqueles elementos da maneira de pensar que de facto vão contra a abolição das “4 Todas”.

Tem havido fortes e erróneas tendências entre os comunistas para ver a revolução comunista como sendo essencialmente uma questão de simplesmente “virar as mesas” — os trabalhadores governarão em vez dos capitalistas —, sem uma verdadeira compreensão de que isto envolve uma revolução total para erradicar tudo o que é opressor e alcançar um mundo radicalmente diferente e melhor. Este entendimento errado vê frequentemente as coisas em termos de vingança (os oprimidos poderem “ajustar contas”) e tem uma visão simplista da revolução como “classe contra classe”14 — apenas os operários contra os capitalistas, em oposição a ser a emancipação de toda a humanidade.

Juntamente com estas visões erradas do conteúdo da revolução comunista veio uma conceção metafísica (semirreligiosa) do processo da revolução comunista. É a ideia errónea de que o proletariado tem uma missão cujo sucesso é historicamente inevitável, emanando mesmo das próprias leis da natureza e da história.

Estas duas conceções opostas do conteúdo e do processo da revolução comunista têm coexistido no movimento comunista desde o seu início. Também tem havido repetidos confrontos ideológicos sobre estes mesmos pontos desde o tempo de Marx e Engels até hoje.

Ajith é um exemplo daqueles que no movimento maoista nunca conseguiram entender firmemente os avanços que Mao estava a fazer e ainda menos aceitar que os desenvolvimentos feitos por Mao abriam novas vias de indagação e convidavam a um maior desenvolvimento do comunismo. Ajith e outros apegam-se a um Mao diferente, procurando elementos menos científicos e menos materialistas no pensamento de Mao e, em última análise, reduzindo Mao a um democrata radical e um nacionalista revolucionário.15 O desenvolvimento adicional do marxismo feito por Avakian leva Ajith a um frenesim. Agora, Ajith quer usar o Mao deturpado dele para atacar Avakian e toda a ciência do comunismo, que hoje em dia a nova síntese de Avakian colocou numa base mais científica e emancipadora que nunca.

A luta pelo comunismo, tal como Avakian a tem conceptualizado a todo um novo nível, está inextricavelmente ligada à busca da verdade e à superação das barreiras para chegar à verdade na estrutura da sociedade e na maneira de pensar das pessoas. Avakian desenvolveu ainda mais e enfatizou o entendimento original de Marx de que os proletários e outras pessoas devem ser mobilizados para avançarem e se desenvolverem para serem emancipadores da humanidade.16

Outros, como Ajith, creem que ao proletariado e a outros setores dos oprimidos foi concedida uma qualidade especial que vem da posição de classe deles e que estão numa espécie de piloto automático para fazerem a revolução. Estes dois entendimentos opostos do processo revolucionário estão muito ligados a duas perspetivas e metodologias opostas: Avakian tem vindo a lutar arduamente por uma compreensão do marxismo como a ciência da revolução comunista. Ajith vê isto de uma maneira muito diferente: a conceção dele da revolução tem uma visão truncada e utilitária da ciência.

A sociedade socialista não será o tipo de transição libertadora e vibrante para o comunismo que deve ser — abundante em dissensão e fermento e marcada por um rico processo de transformação, descoberta e experimentação — a não ser que o partido de vanguarda esteja a liderar com um método e uma abordagem corretos, ancorados numa epistemologia profundamente materialista, e a popularizar e a lutar por isto em toda a sociedade.

Ajith representa o resíduo do passado do movimento comunista. Tem um entendimento errado que é cego aos verdadeiros desafios, complexidades e caminhos da revolução comunista no século XXI. Não pode inspirar e organizar forças para levar avante toda uma nova etapa da revolução proletária mundial. O que Ajith representa não pode conduzir à eliminação das “4 Todas”.

A rejeição por Ajith do comunismo como ciência

Em “Contra o Avakianismo”, Ajith faz toda uma série de acusações irresponsáveis, distorce a história e enuncia tantas posições políticas erradas que responder a todas elas está muito além do âmbito deste artigo. Aqui, estamos a centrar-nos principalmente naqueles pontos que têm mais diretamente a ver com a filosofia e mais especificamente com a epistemologia, ou seja, como os seres humanos obtêm uma compreensão da verdade e como avaliar a fiabilidade desse conhecimento.

Em termos gerais, pode dizer-se que para onde quer que Avakian aponte um caminho adiante, procurando desenredar a base e o âmago científicos do marxismo dos seus grilhões alheios e erróneos e aprofundar essa base, Ajith pede gritando que se pare e empurra tão arduamente quanto pode na direção oposta para consagrar e sistematizar muitas noções erradas, nocivas e não-científicas que têm estado a conviver com o marxismo. Ao fazê-lo, Ajith está a opor-se cada vez mais vociferantemente a essas mesmas clarificações e progressos, à nova síntese que Avakian desenvolveu e que coloca o marxismo numa base mais científica e emancipadora.

Central no ataque de Ajith à nova síntese está a rejeição por parte dele da elevada ênfase que Avakian dá ao comunismo como ciência, bem como movimento político e meta. Ajith argumenta que “Avakian confunde o método científico das ciências naturais e esvazia a especificidade da filosofia e da ideologia. Isto é uma manifestação de cienticismo [sic], uma variante do positivismo. A equação de um para um das ciências naturais e das ciências sociais que se vê no PCR,EUA flui exatamente dessa maneira de pensar equivocada e, por sua vez, reforça-a.”17

Comecemos pelo básico. O que é a ciência?

A ciência (...) visa conhecer as causas dos fenómenos, as razões porque as coisas acontecem e como elas se desenvolvem — e procura essas causas no mundo material, o que inclui a sociedade humana. Uma abordagem científica não procura “explicações” sobrenaturais nem aceita quaisquer explicações que não possam ser testadas, e verificadas ou refutadas, no mundo material real, mas em vez disso desenvolve uma teoria inicial baseada em evidências do mundo, testa a teoria na prática concreta e por comparação com os resultados obtidos, e através deste processo chega a um entendimento mais aprofundado do que é verdadeiro. Esse entendimento deve então ser novamente aplicado à realidade.18

O comunismo é uma rutura radical com todas as perspetivas religiosas e outras formas de idealismo e metafísica.

Exatamente no centro da aguda luta que se desenvolve em torno da nova síntese está a questão fundamental da orientação em relação a saber se somos capazes e estamos dispostos a enfrentar e a lidar com as contradições do mundo real na luta pelo comunismo. A capacidade e a liberdade de transformar a realidade, de fazer a revolução, estão inextricavelmente ligadas a ter uma compreensão das condições materiais e sociais, e da necessidade que flui disso, que efetivamente corresponda à realidade no mais alto grau possível. A vanguarda comunista tem de liderar as vastas massas populares no processo de talhar um caminho para o futuro com base nos potenciais e nos constrangimentos reais, e não em ilusões e desejos falaciosos, nem em contar com o “inevitável triunfo do comunismo”.

O argumento de base de Ajith é que numa anterior crítica do PCR,EUA aos textos dele, o autor faz uma “identificação mecânica das esferas das ciências naturais e das ciências sociais”19. “As raízes disto residem na incapacidade dele em captar devidamente a distinção qualitativa entre as ciências naturais e as ciências sociais.”20 Este argumento de base equivale a dizer que o marxismo não é uma ciência, ou pelo menos não de uma maneira reconhecível, e em vez disso é uma ideologia especial e uma filosofia da história.

Uma vez mais precisamos de clarificar um termo, neste caso “ideologia”. No uso popular e mesmo entre muitos autoproclamados marxistas, a ideologia é frequentemente identificada com uma “falsa” maneira de pensar, ou uma “falsa consciência”, devido a como as pessoas são treinadas e levadas a compreender erradamente o mundo com base nos interesses da classe dominante ou de um grupo especial. Mas isto não é uma descrição correta da ideologia. Sim, a ideologia é uma maneira de compreender e agir sobre o mundo, a maneira como nos vemos a nós mesmos em relação ao mundo. Mas nem toda a ideologia é intrinsecamente falsa. A ideologia comunista refere-se a uma perspetiva abrangente e a um método científico e um corpo teórico que podem e devem ser aplicados a todas as esferas da vida e da realidade e que, nesse processo, se desenvolvem ainda mais.

Regressemos em mais detalhe à anteriormente citada acusação de “cientismo” feita por Ajith.

Primeiro, Ajith alega: “A equação de um para um das ciências naturais e das ciências sociais que se vê no PCR,EUA flui exatamente dessa maneira de pensar equivocada e, por sua vez, reforça-a.”21 Ajith compreende erradamente a ciência e a sua metodologia. Ele alega opor-se ao empirismo (o ponto de vista de que a experiência direta e imediata, especialmente a dos sentidos, é a única fonte de conhecimento) e ao positivismo22 (o qual exclui da ciência tudo o que não é direta e imediatamente observável e nega níveis mais profundos de causalidade). Mas, de facto, a conceção de Ajith da ciência tem por modelos o empirismo e o positivismo.

Por outras palavras, Ajith parece acreditar que o empirismo é correto nas ciências naturais, ou pelo menos que não é uma verdadeira preocupação. Depois atribui a própria conceção errada dele da ciência e da metodologia científica a Avakian, que é acusado de aplicar o positivismo a domínios fora do alcance da ciência. Ajith corta a relação entre ciência e filosofia. Ou para dizer isto nos termos da Bíblia cristã: “Dai, pois, a César o que é de César e a Deus o que é de Deus.”23

De facto, Ajith está duplamente errado. Está errado, em primeiro lugar, ao atribuir às ciências naturais metodologias e perspetivas erradas como o positivismo, o empirismo e o pragmatismo (em que o significado ou a verdade de uma ideia ou tese derivam da sua aplicação direta e observável e das suas consequências práticas). E está novamente errado no que diz respeito à sociedade e à história, que ele acredita não poderem ser abordadas e compreendidas com um entendimento materialista e uma metodologia científica. E, como iremos ver mais adiante, este dualismo24 de Ajith (a ciência por um lado, a filosofia e a ideologia descentradas da ciência por outro) infetam inevitavelmente a maneira como Ajith lida com questões muito importantes, como o papel da religião na sociedade (que Ajith embeleza) e a relação entre ideias e consciência e a realidade material.

Ao mesmo tempo que Ajith lança a Avakian qualificativos como positivismo e empirismo, como parte da acusação de cientismo, à qual regressaremos em breve, nem no artigo dele aqui criticado nem em nenhum dos outros textos dele com que estejamos familiarizados, Ajith revela qualquer preocupação real com os métodos nocivos e erróneos do empirismo e do positivismo (nas ciências ou na filosofia). De facto, Ajith não só não critica as influentes escolas do empirismo, do positivismo e do pragmatismo, como também incorpora muito da maneira de pensar, conclusões e metodologia delas que minam o reconhecimento da existência da verdade objetiva e da capacidade de as pessoas chegarem a ela. No decurso deste artigo iremos examinar a adoção pelo próprio Ajith da epistemologia empirista e pragmatista.

Ajith junta-se a uma série de teóricos sociais e filósofos da ciência como Karl Popper que procuram traçar uma linha de demarcação, de facto uma Muralha da China, com a qual se nega à racionalidade científica e ao método científico a sua universalidade; e, mais especificamente, em que a racionalidade rigorosa e os métodos das ciências naturais baseados em provas não se aplicam quando se trata de estudar a sociedade e a história.

Materialismo histórico: eixo fundamental do marxismo

Se se aceita a negação de Ajith (e outros) do âmbito de aplicabilidade da ciência, então evapora-se o avanço feito por Marx ao colocar o estudo da sociedade humana numa base científica. E qual é esse avanço científico?

O materialismo histórico mostra que a realidade fundamental e subjacente da existência humana é a seguinte: para sobreviver e continuar de uma geração para a seguinte, os seres humanos têm de produzir e reproduzir os requisitos materiais da vida; e, para que isto aconteça, as pessoas têm de se juntar e de se envolver em relações sociais específicas, especialmente relações para levar a cabo a produção. Não apenas relações de produção em abstrato ou que as pessoas escolhem arbitrariamente — mas relações específicas de produção que são determinadas pelo nível e caráter das forças produtivas à disposição delas num determinado momento da sociedade humana. (As forças produtivas são as ferramentas e os instrumentos, a terra e as matérias-primas, etc., usados na produção, juntamente com as próprias pessoas com o seu conhecimento e capacidades para utilizarem esses meios de produção.) Nos alicerces desta base económica, surgem certas instituições políticas, leis, costumes e coisas semelhantes, e também certas maneiras de pensar, cultura e por aí adiante.

Na sociedade de classes, a classe que domina o processo de produção tem forçado o resto da sociedade a laborar sob o comando dela e ao serviço dos interesses dela. E a classe que num dado momento domina a vida económica desta maneira também tem dominado o resto da sociedade: controla os órgãos do poder político, e de uma maneira mais decisiva as forças militares, e com base nisso consegue manter as condições gerais sob as quais explora a mão-de-obra e controla a mais-valia que é produzida — e mantém pela força as massas trabalhadoras num estado de opressão. Isto mantém-se até que um maior desenvolvimento das forças produtivas da sociedade entra em conflito fundamental com as relações de produção. Então tem de ocorrer uma revolução na superstrutura política da sociedade para estabelecer e consolidar novas relações de produção que correspondam às novas forças produtivas — e chegar ao poder uma nova classe económica dominante que possa organizar a sociedade para fazer uma utilização mais racional das forças produtivas.

Marx, e voltaremos a isto, mostrou a base, e abriu o caminho, para um tipo de revolução inteiramente novo: a revolução comunista baseada numa classe, o proletariado, cuja emancipação requer a eliminação não apenas de uma forma específica de exploração mas de todas as relações de exploração e opressão, e da própria divisão da sociedade em classes.

Com base no avanço feito por Marx, é possível compreender de uma maneira científica o desenvolvimento e transformação da sociedade humana. De facto, nenhum aspecto da vida pode ser excluído da indagação científica, incluindo, nas palavras de Ardea Skybreak, “até o papel que as crenças, rituais e práticas religiosos desempenham e os fins que eles servem”. Ela continua, dizendo: “Não terá a ciência algo a dizer sobre isto? Não podem os métodos científicos ser aplicados para revelar de onde vieram essas ideias e como é que os seres humanos lhes deram expressão material? (...) E quanto à história de como as crenças religiosas têm mudado ao longo dos tempos (o que é que aconteceu, por exemplo, aos antigos deuses egípcios, gregos ou romanos em que as pessoas costumavam acreditar tão firmemente quanto muitas pessoas hoje acreditam no Deus das escrituras judaicas, cristãs ou islâmicas)?”25

Para Ajith, afirmar o papel universal da ciência e do método científico na busca do conhecimento é cair no cientismo. Na realidade, a ciência é o processo, baseado em provas, de compreender a realidade tal como ela é objetivamente, através da descoberta da estrutura e da dinâmica (desenvolvimento e movimento) da realidade que existe independentemente da mente ou do observador (o sujeito cognoscente). Este requisito é igualmente válido em todas as esferas da indagação humana, tanto nas ciências naturais como nas sociais. Isto é um princípio basilar para os comunistas, tal como Engels enfatizou no próprio título, bem como no texto, da celebrada introdução dele à teoria comunista da revolução, Do Socialismo Utópico ao Socialismo Científico26.

O marxismo não é nenhum messianismo laico, esquematização utópica ou injunção moral. Como qualquer outra ciência genuína, é autocrítico e vivo e está em desenvolvimento. Através do seu desenvolvimento e das transformações sociais empreendidas com base nele, o comunismo revolucionário, ou marxismo, tem passado por etapas e saltos para obter um nível cada vez mais elevado de correspondência à realidade social que está a tentar mudar.

O método científico nas ciências naturais e nas ciências sociais

Embora as características fundamentais do método e da abordagem científicos sejam comuns tanto às ciências naturais como às sociais, os meios para se atingir a meta científica de uma cada vez mais verdadeira (i.e., correta) compreensão da realidade estão disponíveis através de vários métodos, enquadramentos e níveis de abstração. Estes métodos e enquadramentos diferem em muitos aspectos importantes de um campo de investigação para outro. O próprio objeto de estudo requer e exige medidas e métodos apropriados.

Por exemplo, vejamos dois campos fundamentais das ciências naturais: a biologia e a física. A física, especialmente ao nível macroscópico, por vezes chamada física newtoniana ou clássica, presta-se a um elevado grau de descrição do movimento físico, da direção, velocidade vetorial, velocidade escalar, massa, etc., através de uma linguagem matemática formal. Por exemplo, a equação força = massa vezes aceleração [F = m×a] descreve balas, planetas, foguetes, etc. É possível fazer previsões extremamente precisas e testá-las.

A biologia, não menos ciência que a física, difere em aspectos importantes. Por exemplo, no avanço feito por Darwin — a teoria dele da evolução, sem a qual nada faz sentido na biologia —, o quadro conceptual do processo de seleção natural não foi expresso na lógica formal da matemática. Os biólogos usam a matemática em alguns tipos de modelação e representação de certos processos biológicos mas, de um modo geral, a matemática não tem sido tão crucial para a biologia como para outros ramos das ciências, como a física.27

Será que não se pode dizer, legitimamente, que, num certo sentido, há uma distinção qualitativa entre a biologia e a física nos seus respetivos quadros conceptuais, premissas, ferramentas, procedimentos de teste, etc.? Sim, estas distinções são importantes e precisam de ser reconhecidas e respeitadas. Mas seria uma tolice argumentar que a biologia é menos ciência que a física. O método destas e outras ciências corresponde ao próprio objeto de estudo. Não é exógeno, i.e., não vem de fora do objeto de estudo.

Há diferentes níveis de realidade material e estes exprimem-se entre as diferentes ciências e até dentro da mesma disciplina. O que se obtém a um nível como sendo os padrões ou a dinâmica da matéria não pode ser explicado simplesmente por esses padrões ou dinâmica da matéria que existem a um nível inferior, apesar de cada nível se basear nos níveis subjacentes.28 Por outras palavras, temos de respeitar a particularidade de um dado nível de investigação e não tentar reduzir todas as explicações ao menor elemento que o constitui ao nível mais inferior. Nos níveis mais elevados emergem novas formas de movimento, dinâmica e comportamento, leis diferentes e novas, que não podem ser explicadas pela redução de um fenómeno a movimentos num nível inferior ou com base nas leis que regem o menor dos elementos do sistema — uma abordagem chamada reducionismo.

Contudo, apesar das importantes diferenças entre os diferentes ramos da ciência, há requisitos fundamentais universais em todos os campos para os factos, as evidências e as provas; por uma questão de rigor e racionalidade; e de objetividade — tudo isto como parte de se obter a correspondência o mais próximo possível à realidade. Na sociedade humana, bem como na natureza, há estruturas e níveis de realidade que podem ser observados, identificados e estudados objetivamente. A errada compreensão da ciência em geral por parte de Ajith alimenta a injustificada acusação dele de cientismo contra a rigorosa explicação científica da realidade social enfatizada pela nova síntese.

No que diz respeito às ciências sociais, como a história, o desenvolvimento da sociedade, a economia, etc., há obviamente importantes diferenças em relação às ciências naturais no seu conjunto e a ciências naturais específicas em particular. O objeto de estudo delas é a análise dos seres humanos e de diferentes aspectos da atividade humana, e os observadores, os agentes desse estudo, também são seres humanos. Na sociedade de classes, a sociedade humana está dividida em classes com interesses antagónicos, e esta realidade cria uma maior complexidade e maiores dificuldades na obtenção de um conhecimento correto e verdadeiro da sociedade humana.

Ajith rejeita o método científico nas ciências sociais

Todas estas particularidades levam Ajith a rejeitar a aplicabilidade da metodologia científica ao que geralmente se chama ciências sociais.

Ao longo de toda a história, incluindo na época contemporânea, muitas pessoas têm argumentado que o conhecimento da sociedade não pode ser verdadeiramente científico ou, pelo menos, não pode ter o mesmo nível de rigor científico e objetividade que as ciências naturais, daí a distinção frequentemente feita entre ciências “duras” e ciências “moles”. Ajith está firmemente nesta tradição mesmo que ocasionalmente use da boca para fora a palavra “ciência”.

Os esforços de Ajith para inserir uma fendeleira entre as ciências naturais e as ciências sociais com a acusação dele de cientismo contradizem o facto de que tudo na natureza e na sociedade consiste em matéria em movimento — com a dialética a apreender a sua dinâmica.29 A verdade disto sustenta a incisiva observação de Mao de que “o marxismo abraça mas não substitui as ciências naturais”, um ponto que tem sido repetidamente enfatizado e aprofundado por Avakian.30

Além disso, todo o esforço de Ajith para separar as ciências naturais das ciências sociais (ciência e sociedade) alberga uma tendência para manter o marxismo fora das ciências (naturais), para tratar estas duas esferas como esferas completamente independentes e não-interpenetráveis. Assim que nos recusamos a reconhecer que toda a realidade (social, histórica, natural) pode ser compreendida numa base materialista usando o método e a abordagem científicos, então fica escancarada a porta para todo o tipo de explicações erradas da realidade existente, como a religião e outras formas de idealismo, etc.

As leis do desenvolvimento estudadas nas ciências humanas decididamente não são idênticas às das ciências naturais. A conceção de Ajith da ciência está atolada em paradigmas do século XIX, os quais estavam fortemente marcados pelo materialismo mecânico (o qual vê a natureza a funcionar como uma máquina, com uma regularidade previsível e sem contradição), pelo determinismo (para o qual as condições que explicam que algo aconteça são tais que nada mais poderia ter acontecido) e pelo empirismo. De facto, no desenvolvimento das ciências sociais houve tendências a emular abordagens e métodos errados que deturpavam as ciências naturais.

Por exemplo, positivistas do século XIX como Émile Durkheim e a afim escola de empiristas como John Stuart Mill argumentavam que os fenómenos sociais podiam ser considerados coisas e estudados como objetos, da mesma maneira que os objetos são estudados nas ciências naturais. A perspetiva positivista vê a ciência como consistindo na observação, classificação, reconhecimento de padrões e previsão de eventos futuros — e estando limitada a isso — e argumenta que estes mesmos abordagem e método devem ser reproduzidos nas ciências sociais.

Esta abordagem positivista tem em conta apenas os fenómenos observáveis e nega estruturas e dinâmicas mais profundas, subjacentes, da realidade. Os positivistas apenas toleram as leis e interconexões subjacentes como dispositivo explicativo (“heurístico”), uma “ficção útil” para conveniência da investigação. Os positivistas alegavam que ao fazerem isto estavam a retirar a metafísica e a religião da ciência e a aceitar apenas como justificável o que pode ser apercebido empiricamente.

Para se compreender a dinâmica interna e essencial das estrelas, por exemplo, são necessários mas não suficientes dispositivos e técnicas como radiotelescópios, espectroscopia e imagens multiespectrais. É necessário desenvolver conceitos e abstrações científicos que conceptualizem as suas estruturas e relações mais profundas, cujas manifestações são captadas por esses instrumentos. Estas abstrações, na medida em que sejam realmente corretas e científicas, correspondem de facto a estruturas e relações subjacentes reais e objetivas da realidade material.

A ciência permite-nos saber com certeza a existência de muitos fenómenos, ou a essência de fenómenos, que não podem ser observados em nenhum momento específico ou que são realmente contraintuitivos para os cinco sentidos como, por exemplo, o movimento real da Terra em torno do sol, em oposição ao movimento aparente do sol tal como é observado da Terra.

Para pegar noutro exemplo, ao longo dos últimos cerca de cem anos, a compreensão científica do átomo passou por várias conceptualizações, incluindo a reconceptualização e reformulação revolucionária, ou a rejeição, de vários modelos. Mas, como dizem muitos cientistas, se não a maioria, em contradição com o argumento positivista, isto não é arbitrário nem simplesmente um modelo útil para predizer e obter resultados coerentes e observáveis. Através deste processo, a nossa conceção chegou a uma correspondência mais próxima com a realidade.

Claro, isto não é um processo linear: a ciência pode abandonar, e tem frequentemente abandonado, posições corretas e muitas vezes tem sido apenas depois de uma luta considerável e de uma maior acumulação de conhecimento que algumas verdades acabam por ser aceites de uma forma geral ou, em alguns casos, redescobertas. Um caso destes foi como a conceção de alguns pensadores da Grécia antiga sobre a natureza heliocêntrica (com o sol ao centro) do sistema solar foi perdida e de facto suprimida durante mais de um milénio, em grande parte devido ao papel reacionário e ao poder da Igreja Católica. Giordano Bruno foi queimado numa fogueira em Roma pela Inquisição em 1600 por defender o sistema copernicano e sugerir que o sol não era senão uma estrela e que outras estrelas também eram orbitadas por planetas.

O positivismo, que já é errado nas ciências naturais, é certamente corrosivo e desastroso quando aplicado às ciências sociais. Qualquer crítica de cientismo é válida ou útil desde que critique a aplicação desses mesmos métodos, errados, aos estudos sociais. Um exemplo do que pode ser corretamente criticado como cientismo é tentar explicar o crime através da constituição genética das pessoas ou o estatuto inferior da mulher através de teorias pseudocientíficas da sociobiologia ou das diferenças (ou alegadas diferenças) na estrutura cerebral entre homens e mulheres.

Se a ciência tenta exceder o seu âmbito, estender-se a domínios como a estética e a moral, isto também pode ser corretamente criticado como cientismo. Claro, a estética e a moral têm, em última análise, raízes na realidade material e sobretudo, na nossa época, na realidade da sociedade de classes; porém, estas esferas não podem ser reduzidas ou tratadas como manifestação mecânica da realidade subjacente. Um exemplo de cientismo é tentar explicar a sociedade humana extrapolando linearmente o comportamento animal, como têm argumentado alguns cientistas sociais. Um outro exemplo contemporâneo de cientismo, ou apenas de má ciência, pode ser visto no trabalho de alguns biólogos evolucionistas que fazem a duvidosa alegação de que a evolução produziu nos seres humanos uma necessidade de religiosidade.31

O que pode parecer surpreendente a algumas pessoas é que Ajith, o autonomeado verdugo do cientismo, cite ele próprio esta mesma noção pseudocientífica na sua apologia da religião, a qual analisaremos em si mesma mais à frente: “A compreensão científica do papel desempenhado pela religião tem sido aprofundada desde então por estudos em diversos campos. O seu papel histórico na criação e desenvolvimento da moral e dos laços sociais e a sua marca no cérebro humano são agora melhor conhecidos.”32 [Ênfase nossa]

Ajith e Karl Popper

No ataque dele ao marxismo como ciência, Ajith acaba na estranha companhia de Karl Popper, o influente filósofo da ciência e opositor filosófico-político do marxismo.

Popper argumentou que qualquer teoria que alegue ser científica deve estar sujeita a ser “falseada”, ou seja, capaz de se mostrar que está errada, e que o marxismo não consegue passar este teste e assim a sua reivindicação a ser científico é falsa.

Avakian confrontou isto — mostrando que o marxismo não só obedece a um padrão baseado em evidências, com o qual se pode provar que está errado, como também que os conceitos centrais do marxismo (tais como o facto de toda a natureza consistir em matéria em movimento ou a compreensão de que o sistema de produção e as suas relações são a base da sociedade) não foram falseados, i.e., não se demonstrou serem errados.33

Embora Ajith critique Avakian por mostrar que o marxismo pode satisfazer o critério da falseabilidade, Ajith efetivamente esquiva-se ao problema fundamental existente na visão de Popper sobre a teoria científica, a qual não procura nem reivindica a correspondência entre uma dada teoria e o mundo material. Popper argumenta que não é realmente possível determinar a verdade; é apenas uma questão de uma teoria que possa resistir melhor à crítica substituir outra. Popper rejeita categoricamente o conceito de verdade, definida como a correspondência à realidade objetiva.

A verdadeira preocupação de Ajith é elevar a filosofia e a ideologia e perspetiva de classe acima da investigação e do conhecimento materialistas e científicos. Aqui, Ajith está em concordância com várias correntes intelectuais cujo único propósito é oporem-se e vilipendiarem a reivindicação do marxismo de que é uma ciência. Embora Ajith critique Avakian por defender o marxismo contra a acusação de Popper de que o marxismo é uma pseudociência que não aceita os critérios e o escrutínio científicos, em última análise, a resposta de Ajith à acusação de Popper equivale a declarar-se culpado, ou seja, a aceitar a acusação de Popper de que o marxismo não pode reivindicar ser uma ciência.

III. Posição de classe e consciência comunista

Ajith apressa-se a condenar “a maneira como o avakianismo se esforça por eliminar a classe do processo de compreensão da realidade social e amalgama as esferas naturais e sociais”34.

Para sermos justos, Ajith tropeça, na típica maneira eclética dele, numa verdade (parcial) de que “a classe que ele [o marxismo] representa, o proletariado, é a única [entre as classes existentes] que tem um interesse fundamental em compreender a realidade na máxima extensão possível”35. Não é uma grande revelação que se o proletariado tem de desempenhar um papel dirigente na emancipação de toda a humanidade de todas as divisões de classe e de todos os antagonismos sociais a nível mundial que estão relacionados com elas, então tem certamente um interesse fundamental — de facto, muito mais que apenas fundamental — em compreender a realidade na máxima extensão possível.

Essa é exatamente a questão: o proletariado necessita dessa compreensão porque não tem essa compreensão de uma forma genética ou inerente. Ela não está disponível ao proletariado simplesmente em virtude de serem proletários. Essa compreensão da realidade não é excretada diretamente, de alguma maneira, das condições materiais. O proletariado não é uma espécie de sujeito histórico agraciado e dotado de uma intuição e uma cognição históricas especiais, capaz de captar a verdade meramente devido à sua posição de classe.

Isto tem muito a ver com a razão porque um partido comunista de vanguarda é tão necessário para todo o processo revolucionário. Não é simplesmente a realidade óbvia de que uma luta revolucionária contra um inimigo poderoso e bem organizado, provido de um aparelho de estado, um exército, etc., requer um elevado grau de organização para ter qualquer hipótese de sucesso. A um nível mais profundo, um partido de vanguarda é necessário exatamente porque a experiência espontânea do proletariado não leva nem pode levar à consciência comunista, como Lenine tão enfaticamente realçou (regressaremos novamente a este ponto visto de vários ângulos).36

Ajith aponta para um real “interesse em compreender a realidade” mas insinua que esse interesse ou necessidade por si só irá necessariamente assegurar que essa compreensão é obtida, como se o proletariado estivesse destinado a obter essa compreensão simplesmente a partir da sua posição de classe. Daí que toda a questão histórica do desenvolvimento e obtenção da teoria revolucionária e da consciência comunista revolucionária não pareça colocar um grande problema a Ajith. A configuração social e política, um simples posicionamento de classe na sociedade, na perspetiva dele, constitui grande parte do caminho — se não todo o caminho — para resolver os desafios históricos.

Toda a experiência do movimento comunista tem sido um longo testemunho do facto de que o conhecimento teórico e a consciência política e ideológica requeridos por um movimento que visa concretizar a transição histórico-mundial para o comunismo não estão assim tão prontamente disponíveis, e certamente não sem esforços intelectuais pioneiros de grande significado. Mesmo o próprio conceito de “interesse de classe do proletariado” não ficou ao alcance do próprio proletariado sem os esforços teóricos de intelectuais como Marx.

Os “simples sentimentos de classe” e a consciência comunista

Ajith diz que “ao minimizar o papel dos ‘simples sentimentos de classe’, o PCR,EUA revela uma atitude de desdém pelo significado fundacional da posição de classe, da posição material da classe”37.

O comentário de Ajith é feito em resposta à crítica feita pelo PCR,EUA em 2006 à ênfase dele na “posição de classe”. O artigo do PCR,EUA citava a observação de Zhang Chunqiao de que “a teoria é o fator mais dinâmico na ideologia”38. No pedante ecletismo dele, Ajith não critica diretamente Zhang mas, em vez disso, tenta confundir a questão argumentando que “a correta identificação por Chang Chun-chiao [Zhang Chunqiao] da teoria como sendo o fator mais dinâmico na ideologia é direcionada pela lógica do PCR,EUA para uma posição unilateral que a torna no único fator dinâmico”39. De facto, nada de semelhante é verdade — não há tal posição unilateral. Avakian tem falado frequentemente sobre a relação dialética entre os sentimentos espontâneos das massas e a consciência comunista.

O que Ajith não consegue entender é a diferença qualitativa entre os sentimentos espontâneos de classe, por um lado, e uma conceção científica da sociedade e da revolução proletária, por outro. Isto não é simplesmente uma questão de sentimentos espontâneos a serem concentrados e tornados mais coerentes. Há também uma diferença qualitativa no conteúdo real. Os proletários e outros elementos que podem ser ganhos para a revolução comunista têm de adquirir a ciência e de se mudar a si mesmos através de um processo de transformação ideológica para se tornarem emancipadores da humanidade.

Examinemos isto mais de perto.

A experiência diária, a exploração e degradação da sociedade de classes, geram continuamente ódio à exploração e à opressão, um desejo de acabar com elas e sentimentos similares partilhados. Avakian tem dado sempre ênfase a esta realidade e discutido como ela deve ser incorporada numa estratégia e numa tática revolucionárias corretas.

Num antigo artigo, ele discutiu o caso do revolucionário negro norte-americano e comunista declarado George Jackson, que escreveu: “Para o escravo, a revolução é um imperativo, um ato consciente de desespero, inspirado pelo amor. É agressivo. Não é nem ‘cool’ nem prudente. É arrojado, audacioso, violento, uma expressão de ódio glacial desdenhoso!” Avakian responde a isto dizendo:

Sim e não. Decididamente tem de ter — qualquer verdadeira revolução irá ter — um elemento de ódio glacial desdenhoso, mas não pode ser principalmente isso. Também tem de ser mais que isso — e ele próprio diz isso, ao referir que é “inspirado pelo amor”. Mas para além disso, tem de ser guiada e essencialmente imbuída de objetivos mais elevados do que simplesmente a vingança. A revolução não pode ser, no seu conteúdo ideológico essencial, um “ódio glacial desdenhoso”, embora não possa ser feita sem um ódio glacial desdenhoso. Portanto, isto é mais uma unidade de contrários.40

Avakian tem realçado a relação entre a compreensão teórica e aquilo a que chama o visceral. Ele enfatiza a importância de os comunistas darem expressão a um ódio visceral ao sistema reacionário e a todos os seus abusos. (No artigo em que Avakian analisou pela primeira vez a relação entre o visceral e o teórico, ele enfatiza em particular a necessidade de uma resposta visceral à opressão da mulher.)

Mas a sinergia dinâmica entre o visceral e o teórico, e a compreensão e tratamento corretos desta relação dialética, é muito importante no que diz respeito à opressão e à libertação da mulher, tal como em geral o é em relação ao desenvolvimento da luta revolucionária rumo a um mundo inteiramente novo. Tal como noutras dimensões disto, é impossível conceber que haja uma correta compreensão e que se leve a cabo a luta necessária sem o elemento de ódio visceral à opressão, e sem uma abordagem correta — uma assimilação e síntese científicas corretas — do que emerge através da expressão visceral de indignação contra esta opressão.41 [Ênfase nossa]

Só uma assimilação e uma síntese científicas corretas de um ódio visceral à opressão, dos sentimentos de classe, das aspirações, ou em termos gerais, da perceção objetiva da realidade, podem exprimir de uma maneira mais profunda a essência da realidade social e possibilitar-nos lutar e transformá-la. De facto, uma correta análise científica pode intensificar, e intensifica, o visceral porque mostra que a exploração e a opressão são completamente desnecessárias nesta etapa da história humana.

Mas sem uma teoria comunista que possa assimilar corretamente o ódio visceral à opressão, não pode haver um movimento capaz de erradicar as atuais condições sociais e, mais cedo ou mais tarde, o ódio visceral à opressão irá ficar desorientado e pode mesmo transformar-se no seu oposto (na aceitação da ordem existente, etc.).

É por isto que é tão importante a afirmação de Zhang Chunqiao de que a teoria é o fator mais dinâmico.

Quanto mais científica e profundamente compreendermos o tecido material da sociedade de classes, mais capacitados e confiantes estaremos para apelar ao proletariado e às massas e para os liderarmos para libertar a humanidade das classes. Por baixo da aparente simplicidade das repetidas palavras de ordem de Avakian para sermos “emancipadores da humanidade” está um entendimento complexo, abrangente, científico e profundo da sociedade humana contemporânea e do seu desenvolvimento histórico, da existência de antagonismos de classe e da base material e dos reflexos ideológicos e políticos deles, e da possibilidade e necessidade de transcender as divisões de classe através da revolução comunista. (Compare-se a correta e científica simplicidade manifesta na expressão “sermos emancipadores da humanidade” com a reflexão não-científica de George Jackson do simples ódio de classe dos proletários na acima mencionada expressão dele do “ódio glacial desdenhoso”.) É isto que Ajith é incapaz de compreender e que fica reduzido a minimizar como “atitude de desdém pelo significado fundacional da posição de classe”42.

Além disso, os sentimentos e ideias espontâneos das massas são sempre contraditórios. Assumir que essas ideias e sentimentos (que, nas palavras de Ajith, fluem do “significado fundacional da posição de classe, da posição material da classe”) tendem a predispor para a consciência comunista é errado e perigoso. Tudo isto sublinha os pontos essenciais discutidos por Lenine na obra de referência dele, Que Fazer?, sobre as limitações da consciência que se desenvolve espontaneamente entre os operários.

A natureza contraditória da sociedade burguesa fornece uma base material para os operários (e outros elementos) obterem uma consciência comunista, mas também para várias formas de perspetivas burguesas e outras perspetivas reacionárias — por exemplo, perspetivas patriarcais, chauvinismo nacional, consciência sindical, etc. Avakian tem realçado a necessidade de “compreender mais completa e profundamente (...) a formulação de Lenine, ao falar sobre as lutas das massas, em que ele se refere ao seu ‘empenho espontâneo (...) para se acolher debaixo da asa da burguesia’”43. Não apenas uma tendência, mas um empenho. Isto sublinha porque muito do descontentamento e da oposição na sociedade tantas vezes vão para uma direção e um quadro reformistas.

A compreensão errada da relação entre posição de classe e consciência comunista que Ajith está a defender tem raízes profundas no movimento comunista internacional, remontando à época do próprio Marx. Muitas pessoas têm usado alguns dos textos iniciais de Marx, escritos quando ele ainda estava a elaborar a sua compreensão materialista dialética da história. Nesse momento do pensamento dele, Marx tendia para a perspetiva de que é a luta espontânea da própria classe operária que origina uma “produção massiva desta consciência comunista”44. Por exemplo, Marx escreveu: “Não há necessidade de explicar aqui que uma grande parte do proletariado inglês e francês já está consciente da sua tarefa histórica e está constantemente a trabalhar para desenvolver essa consciência até à completa claridade”45.

Este tipo de afirmações é usado para sustentar perspetivas erróneas e não-científicas sobre como se desenvolve a consciência comunista e também para contrapor Marx, especialmente o Marx dos primeiros tempos, ao desenvolvimento adicional do marxismo feito por Lenine, sobretudo tal como está expresso em Que Fazer?. Rosa Luxemburgo é uma fonte particularmente inestimável para aqueles que usam estes argumentos contra o leninismo. Ajith situa-se muito dentro dessa mesma tradição.

A defesa feita por Ajith da reificação do proletariado

Ajith escreve:

Todos os membros de um partido maoista, independentemente das suas origens de classe, têm de lutar por obter uma perspetiva proletária do mundo. Mas há uma diferença qualitativa nesta questão entre os que provêm da classe operária e os outros. No caso dos últimos, particularmente os que provêm das classes dominantes ou das classes médias, a desclassificação é decisiva. As lições dos antigos países socialistas provam amplamente que não é apenas uma questão de aprender a teoria marxista. A linha de classe de um partido maoista, construindo-a primariamente entre as classes de base, tenta conscientemente ir buscar os pontos fortes proporcionados pela posição de classe.46

Desembrulhemos esta afirmação. Esta passagem diz que a tarefa de todos os membros do partido é obter uma perspetiva proletária do mundo. Isto é verdade se uma “perspetiva proletária do mundo” for corretamente entendida como uma perspetiva comunista. Mas isto presume que há uma “diferença qualitativa” na situação dos recrutas/membros do partido provenientes do proletariado e os provenientes de outras classes ou estratos, no que diz respeito a “esta questão” de obterem uma perspetiva proletária do mundo (a consciência comunista). Ajith compreende isto de uma forma errada. Há uma diferença qualitativa na posição de classe objetiva das pessoas provenientes do proletariado e das pessoas provenientes de outras classes. Ou seja, elas têm uma relação diferente com os meios de produção e o processo de produção. Pessoas de diferentes classes e estratos irão diferir no processo de desenvolvimento da consciência comunista. Mas não há nenhuma diferença qualitativa na necessidade de transformação, de desenvolver a consciência comunista e de uma cada vez maior compreensão da ciência do comunismo.

A ideologia burguesa impregna toda a sociedade capitalista de classes e molda e influencia a forma de pensar de todos os estratos sociais, incluindo os oprimidos e explorados. Pode acontecer, por exemplo, que alguém de uma classe privilegiada possa ter tido noções elitistas e menosprezado o trabalho manual e aqueles que trabalham com as mãos. Mas aqueles que estão no fundo da sociedade e chegam à luta revolucionária podem ter sentimentos de ressentimento e vingança em relação aos profissionais e aos com maior grau de educação ou, alternativamente, sentimentos de inferioridade e de vergar perante a autoridade e perante uma instrução mais elevada. Será que os proletários do sexo masculino estão de alguma maneira isentos do chauvinismo masculino e do sexismo?

A questão é que toda a gente, e as massas de base não menos que as pessoas das classes médias e dos estratos privilegiados, tem de dar saltos ideológicos e fazer transformações em direção à consciência comunista.47 Mas Ajith está a sugerir que os proletários têm uma aquisição especial da consciência comunista devido à sua posição material-social; ela “chega-lhes” de uma maneira que não chega aos outros, os quais têm de ser previamente “desclassificados”.

Ao mesmo tempo, Ajith insiste, como vimos, em que o marxismo não é uma ciência. Mas sem ciência as pessoas não podem aprender sobre o funcionamento subjacente da sociedade, a configuração social da sociedade, a base e possibilidade e as vias para a revolução comunista — nem podem fazer os saltos e transformações ideológicos necessários para se afastarem da ideologia burguesa, do “revanchismo”, da sua mentalidade de “primeiro eu”, das formas de pensar religiosas, etc.

Assim, tomados em conjunto, o ponto de vista de Ajith de os operários terem uma capacidade especial para obter uma consciência socialista e também a negação dele do marxismo como ciência só podem significar que a consciência de classe flui mais automaticamente das condições e da experiência diretas. Claro, Ajith pode negá-lo. Mas isso é o ponto fulcral da posição dele. A ciência é supérflua se as condições materiais predispõem os proletários para a consciência de classe. E, como irá ficar claro através desta polémica, a consciência que Ajith vê como sendo comunista é na realidade uma outra coisa que não um comunismo baseado na superação das “4 Todas”.

Este quadro de pensamento leva Ajith a abraçar o tipo de reificação do proletariado que tem sido um problema de longa data no movimento comunista e que Avakian tem dissecado e criticado.

A expressão “reificação do proletariado” refere-se a uma tendência para pensar que o conjunto da perspetiva que corresponde à revolução proletária mundial, necessário para a transição para o comunismo, é materializado e encarnado nos indivíduos específicos que constituem o proletariado — num determinado momento ou num determinado país. Isto pode significar considerar os proletários, ou digamos, numa sociedade supremacista branca como os Estados Unidos, “as pessoas de cor” como indivíduos concretos, materializações ideais do comunismo ou da revolução. Da mesma maneira, as mulheres enquanto tal podem ser reificadas como sendo materializações de metas ou princípios libertadores.

Ajith objeta: “Eles [os seguidores de Avakian] imaginam um proletariado internacionalista ‘ideal’ e depois fazem disso a base da sua análise”48. Mas o que Ajith caricatura como “proletariado ‘ideal’” é, na realidade, uma abstração científica, correta, do significado histórico do proletariado, da sua missão histórica. Sim, o proletariado existe como classe real e material e como base social para a revolução e a sua abstração científica, nas palavras de Lenine, “[reflete] a natureza mais profundamente, mais fielmente e mais completamente49.

Isto leva-nos de volta à nossa discussão anterior sobre o avanço científico feito por Marx que colocou a compreensão da sociedade humana numa base científica — análogo ao que Darwin fez na biologia na esfera das ciências naturais.

A contribuição decisiva de Lenine sobre a consciência comunista

Contar com as condições materiais da classe não irá capacitar ninguém, incluindo os próprios proletários, a chegar a uma correta compreensão de toda a dinâmica social, nem a compreender o seu próprio papel histórico como emancipadores da humanidade. Ao contrário da alegação de Ajith, o proletariado não tem nenhuma aquisição especial da verdade devido às suas condições materiais. Isto leva-nos a uma das contribuições decisivas de Lenine para o marxismo.

Lenine argumentou que a consciência de classe proletária não se podia desenvolver espontaneamente ou simplesmente a partir da contradição entre o proletariado e a classe capitalista. Ele enfatizou que a consciência proletária, ou comunista, requer aprender como e porquê cada classe e estrato responde aos principais acontecimentos e questões sociais.

Lenine criticou a abordagem empirista que considera a compreensão espontânea e percetual como sendo a mais importante fonte de consciência.

Diz-se frequentemente: a classe operária dirige-se espontaneamente para o socialismo. Isto é perfeitamente correto no sentido em que a teoria socialista, com mais profundidade e exatidão do que todas as outras, determina as causas dos males de que padece a classe operária, e, precisamente por isso, os operários a assimilam com tanta facilidade, desde que esta teoria não retroceda perante a espontaneidade, desde que subordine a espontaneidade a ela própria. (...) A classe operária dirige-se espontaneamente para o socialismo, mas a ideologia burguesa, mais divulgada (e constantemente ressuscitada sob as formas mais variadas), não deixa de ser também aquela que, espontaneamente, se impõe ainda mais aos operários.50 [Ênfase nossa]

O papel do proletariado na produção e as condições objetivas de vida dos oprimidos são uma base para a atração destas massas para os princípios comunistas mas, como Lenine deixa claro na citação acima, a ideologia burguesa impõe-se ainda mais; daí a ênfase dele na necessidade de levar a compreensão comunista a partir de fora da experiência direta dos operários. Lenine teve de levar a cabo uma importante luta para clarificar as responsabilidades dos comunistas na inovadora discussão dele sobre o papel da teoria e da obtenção da consciência comunista, na qual ele elaborou uma devastadora crítica do “culto da espontaneidade” e da necessidade de lutar para desviar a luta dos operários do caminho da espontaneidade.

O proletariado e o curso da história

Como resultado do desenvolvimento das forças produtivas, do desenvolvimento societal humano, emergiu uma classe, o proletariado, que corresponde e é a força vertebral de um tipo inteiramente novo de revolução na história humana: a revolução proletário-comunista.

Esta classe não possui nada a não ser a sua capacidade de trabalho. Trabalha em comum em cadeias de produção, nos vastos, tecnicamente avançados e cada vez mais globalizados meios de produção que o capitalismo originou. É uma classe internacional despojada de toda a propriedade dos meios de produção.

O proletariado e esta produção socializada estão em conflito fundamental com a apropriação privada pelo capitalismo da riqueza socialmente produzida — sob a forma de capital privado, cuja natureza interna é a exploração e uma feroz competição a uma escala em expansão, com consequências devastadoras para a humanidade e a natureza.

O proletariado é a classe extensa e estrategicamente situada na sociedade moderna. Mas, ainda mais importante, esta classe representa o potencial para relações socializadas de produção: para uma nova forma socializada de utilizar coletivamente as forças produtivas, como propriedade comum da humanidade — sem exploração. É uma classe universal no sentido de não ter nenhum interesse particular-paroquial a defender. Não pode, enquanto classe, libertar-se a si mesma sem libertar toda a humanidade e suprimir a própria divisão da sociedade em classes.

A sociedade humana, com o desenvolvimento das forças produtivas a nível global, incluindo o conhecimento técnico e científico acumulado pela humanidade, atingiu um patamar histórico. É agora possível à humanidade dar um salto sem precedentes: para além da escassez material, além da exploração e além da divisão da sociedade em classes. O proletariado encarna o potencial para levar a humanidade para um lugar específico, para um mundo totalmente diferente. É a isto que Avakian se tem referido ironicamente como a “posição tipo divina do proletariado”51.

E o que são os comunistas? Num sentido fundamental, eles representam a resolução histórico-mundial da contradição entre a produção socializada e a apropriação privada. Eles são, para usar a expressão de Marx, os “representantes políticos e literários” desta classe historicamente única, o proletariado: a primeira classe na história que requer uma revolução que irá eliminar não apenas algumas mas todas as relações de exploração e opressão e todas as estruturas políticas e formas de pensar que delas resultam e que reforçam essas relações. Os comunistas são os representantes políticos e literários desta revolução e desta luta revolucionária que encarna os interesses fundamentais e mais elevados desta classe nesta etapa da história humana.

Nacionalismo ou internacionalismo?

Ajith insiste em ver o proletariado como proletários no seu “contexto nacional distinto” já que “eles emergem das particularidades internas ao seu país”52.

É verdade que há particularidades nas condições socioeconómicas dos operários em diferentes países, bem como fatores histórico-culturais particulares, que exercem uma influência real na luta e na consciência. Mas há uma realidade mais importante e determinante. A verdade é que, tal como foi assinalado na anterior discussão sobre a produção interconectada, globalizada e socializada, o proletariado é uma classe internacional, cujos interesses fundamentais residem numa revolução mundial que visa criar uma comunidade mundial da humanidade sem classes nem antagonismos sociais.

Há esta base material para o internacionalismo — e o ponto de vista do proletariado não é o da “nação”. A ênfase de Ajith no “contexto nacional distinto” está ligada ao nacionalismo dele e abre caminho a um errado e perigoso seguidismo das forças reacionárias em países específicos. A abordagem de Ajith em relação ao proletariado é um exemplo de empirismo; ele continua atolado na manifestação externa do fenómeno e não consegue chegar às suas verdadeiras natureza e estrutura essenciais.

Este mesmo tipo de palas empiristas e pragmatistas está ligado ao que se chama “economicismo”, a noção de que os comunistas têm de se basear nas lutas “reais” que “os operários” estão a levar a cabo hoje em dia. Por exemplo, isto tem levado muito frequentemente os comunistas nos países capitalistas-imperialistas avançados (bem como noutros países!) a adotarem o chauvinismo nacional porque ele procede dos sentimentos e interesses imediatos dos operários nesses países, em vez de os liderarem política e ideologicamente. E este tipo de problemas de seguidismo tem existido em todo o tipo de países.

Os comunistas, incluindo os que proveem do proletariado e de outros estratos oprimidos, têm de dar um salto na sua consciência, de fazer uma “rutura radical” na esfera das ideias e de chegar à compreensão do seu papel, não de lutadores por um grupo de interesses “concreto” (e nacional), mas antes de “emancipadores da humanidade” das divisões e antagonismos de classe.

O impacto negativo da reificação nas anteriores revoluções socialistas

Avakian tem analisado a forma como a reificação do proletariado foi um problema na primeira etapa da revolução comunista.

Na União Soviética, durante o tempo em que foi um país genuinamente socialista, havia a crença de que o caráter proletário do estado e do partido seria assegurado, como diz Ajith, indo “buscar os pontos fortes proporcionados pela posição de classe”. Ou seja, de que se os técnicos e o pessoal administrativo fossem escolhidos e treinados de entre as fileiras dos operários e camponeses, seria resolvido o problema da superação da divisão histórico-mundial entre trabalho intelectual e trabalho manual, ligada ao surgimento da sociedade de classes — e de que o perigo da contrarrevolução seria grandemente reduzido.53 A história mostrou que não foi assim.

Juntamente com esta conceção errada — de que a origem de classe proletária seria uma muralha contra o revisionismo — durante o período de Estaline havia a noção de que, uma vez estabelecido e estabilizado o regime proletário, o pensamento espontâneo das massas iria favorecer necessariamente a continuação da revolução. Isto reflete insuficiências na compreensão de que a sociedade socialista representa um período de transição, marcado por intensas e complexas contradições — e que os operários e os camponeses são eles próprios influenciados, na sua forma de pensar e perspetiva, pelos resíduos do capitalismo na sociedade socialista. Além disso, a própria vitória do socialismo e a criação de um novo sistema socialista que traz benefícios materiais aos que antes eram explorados e oprimidos pode ter e tem tido, na história da revolução socialista, uma influência conservadora sobre alguns setores dos operários. Há uma espécie de “acomodação”, de “não abanar o barco da nova sociedade” e isto está ligado ao facto de as sociedades socialistas do passado, e provavelmente as do futuro, terem de avançar contra a dominação do mundo pelo imperialismo.

Mao andou a debater-se com este mesmo problema nas etapas iniciais da Revolução Cultural. Não só havia uma nova classe capitalista a emergir dentro das estruturas dirigentes do Partido Comunista, como vastos setores das massas se tinham tornado complacentes, “demasiado satisfeitas” se se quiser, com os benefícios materiais do socialismo. Esta foi uma das razões por que ele se virou para a juventude radical para desencadear essa “segunda revolução”.

Contudo, e uma vez mais, na China durante o período do socialismo houve problemas de reificação que se manifestaram de várias maneiras. Nas etapas iniciais da Revolução Cultural foi dada uma ênfase indevida à origem de classe dos quadros do estado, das organizações de massas e do partido. Algumas organizações importantes dos Guardas Vermelhos recusavam a admissão a jovens provenientes de “más origens de classe”.

Relacionado com isto, durante este período houve a promoção de um slogan que dizia que “a corrente principal do movimento de massas é sempre correta” quando, de facto, a história do mundo inteiro e da própria China socialista, está repleta de exemplos onde tem sido o oposto. Vejamos um exemplo dilacerante: “a corrente principal do movimento de massas” que inicialmente derrubou Mubarak no Egito acabou a apoiar o sangrento golpe militar contra a Irmandade Muçulmana em 2013. A orientação de que “a corrente principal do movimento de massas é sempre correta” não é correta.

Uma forma de pensar como a de Ajith irá na verdade afastar-nos de apreciar plenamente as compreensões inovadoras e as transformações revolucionárias desenvolvidas pela Revolução Cultural. O “significado fundacional da posição de classe, da posição material da classe” que ele proclama não levará espontaneamente a uma correta compreensão das contradições e da dinâmica essenciais da transição histórico-mundial para o comunismo — por exemplo, as contradições entre cidade e campo ou entre trabalho mental e trabalho manual.

É importante registar a forma como os revisionistas chineses usaram o “obreirismo” e uma forma de pensar como a de Ajith como parte da falsa caracterização do golpe de estado reacionário que eles levaram a cabo pouco depois da morte de Mao. Os golpistas acusaram os genuínos revolucionários, o chamado “bando dos quatro”, de serem “frouxos, laxistas e preguiçosos”. Os dirigentes revisionistas Hua Guo-feng e Deng Xiaoping queriam afastar o centro das questões cardeais da linha ideológica e política, da realidade de uma luta de vida ou morte entre a via capitalista (que eles representavam) e a via socialista e, em vez disso, fizeram apelos economicistas e obreiristas às massas.

E a verdade é que, entre consideráveis setores das massas chinesas, havia muito descontentamento espontâneo em relação às dificuldades de fazer a revolução socialista, o que facilitou o golpe de estado revisionista. O interesse espontaneamente percebido dos “operários” não tornou evidente porque é que o programa revisionista das “quatro modernizações” era na realidade um programa para restaurar o capitalismo.

A maioria das forças anteriormente maoistas do mundo acabou a apoiar o golpe de estado revisionista de Hua ou a ficar desmoralizada e desmobilizada por ele. Uma das razões foi que importantes setores das massas na China pareciam estar, e de facto estavam, a tolerá-lo, se não mesmo a apoiá-lo inteiramente. Milhões de operários e camponeses chineses não podem estar errados, pensaram muitos comunistas. Mas sim, podem estar errados e, neste caso, estavam errados, e isto tornou-se parte da dificuldade enfrentada pelos milhões de pessoas que sim, queriam continuar a fazer avançar a revolução.

IV. A verdade tem um caráter de classe?

A crítica de Ajith a Avakian por “eliminar a classe” não só serve de desculpa para promover políticas seguidistas e economicistas e para abandonar o papel dos comunistas de levarem às massas uma compreensão científica global da natureza e das metas da revolução comunista: os erros de Ajith vão muito para além disto e chegam de uma forma profunda à questão de saber como o mundo deve ser compreendido, à epistemologia dele.

Muita da diferença entre o avanço do marxismo feito por Avakian e a defesa obstinada e o aprofundamento feitos por Ajith de tendências erróneas na história do movimento comunista centra-se na questão de saber se a verdade tem ou não um caráter de classe.

Dado que isto é um ponto crucial no debate, e na discussão que se segue, clarifiquemos o que se quer dizer com a incorreta noção de que a verdade tem um caráter de classe. Um aspecto disto é a ideia de que para algo ser verdadeiro ou não, isso depende ou está profundamente condicionado pela classe, pela origem social ou pela posição política da pessoa (ou agrupamento social) que defende, propõe ou argumenta a favor de pontos de vista específicos. Por exemplo, segundo a teoria do caráter de classe da verdade, o facto de um técnico ter uma origem privilegiada estabelece limites à compreensão dele; ou se um cientista defende pontos de vista politicamente reacionários, isto coloca necessariamente em questão a verdade do trabalho ou das descobertas científicas dele. Um outro aspecto desta noção de que “a verdade tem um caráter de classe” é o de que a verdade está condicionada pelos usos político-sociais que se dá às ideias. Por exemplo, na União Soviética sob Estaline, houve uma proeminente perspetiva da agricultura e da genética enunciada por Lysenko, um cientista de origem proletária, a qual era na realidade bastante errada mas foi apoiada como sendo correta, em parte devido às origens deste cientista mas também porque ele era um grande apoiante da revolução que usava o seu trabalho científico para ajudar a resolver problemas reais da agricultura socialista.54

Ajith defende o que é frequentemente referido como “epistemologia do ponto de vista” ou “perspetivismo”, segundo o qual todos os pontos de vista ou grupos de interesses têm a sua própria visão ou conhecimento das coisas e assim a verdade objetiva é “problematizada” (como dizem muitos defensores deste ponto de vista) e rejeitada.

Avakian tem examinado e criticado repetidamente esta formulação da “verdade de classe” e as suas premissas subjacentes. Ajith alega que “a persistente crítica de Avakian à ‘verdade de classe’ reflete uma profunda falha na conceção dele da realidade material e do processo de a compreender. (...) Avakian esforça-se por eliminar a classe do processo de compreensão da realidade social e funde as esferas natural e social.”55

Uma vez mais, Ajith esquiva-se ao âmago da questão, que é saber se o reconhecimento ou não da verdade de uma afirmação não depende de maneira nenhuma de que pessoa ou classe a enuncia. Ajith alega que “a ‘verdade marxista’ pode aproximar-se o mais possível da realidade objetiva devido à sua parcialidade de classe. A sua qualidade de ser completamente científica, de partir da realidade objetiva e fazer a essa realidade o teste da sua compreensão, está indissoluvelmente ligada à sua parcialidade”56 [ênfase nossa]. Ajith está a esforçar-se arduamente para construir uma dependência indissolúvel da verdade e do conhecimento científico à parcialidade de classe.

Na polémica dele, Ajith afirma reconhecer este problema no movimento comunista internacional. Mas ele vê-o como algo que já foi essencialmente ultrapassado. Embora ele conceda que “a tendência para ver ou explicar a realidade de uma forma ajustada aos pontos de vista ou às necessidades políticas e organizativas imediatas” foi “particularmente pronunciada durante o período do Comintern”, tudo isto foi reposto no lugar, segundo Ajith, dado que “Mao rompeu com isto”57.

Embora Estaline tenha por vezes concentrado tendências erróneas do movimento comunista, é errado separá-lo deste movimento como se ele fosse uma aberração. Ajith usa Estaline simultaneamente como bode expiatório e como válvula de escape para evitar uma dissecação científica dos problemas do movimento comunista. Nesta questão da verdade de classe, a rutura de Mao com Estaline esteve longe de ser completa, e ainda assim Ajith quer esconder-se atrás de Mao para evitar lidar com os erros do movimento nesta matéria.

A “verdade de classe” como tendência secundária na Revolução Cultural

Ajith centra o argumento dele a favor da verdade de classe numa defesa da Circular de 16 de Maio que iniciou a Grande Revolução Cultural Proletária (GRCP) na China. Avakian tinha criticado uma formulação presente nessa Circular. Ajith cita e defende a afirmação da Circular:

Foi precisamente quando nós desencadeámos a contraofensiva aos ataques desenfreados da burguesia que os autores do relatório lançaram a palavra de ordem seguinte: “Todos são iguais diante da verdade”. Essa é uma palavra de ordem burguesa. Eles utilizaram esta palavra de ordem para proteger a burguesia e opor-se ao proletariado, ao marxismo-leninismo, ao pensamento Mao Tsétung, negando totalmente o caráter de classe da verdade. Na luta entre o proletariado e a burguesia, na luta entre a verdade marxista e os absurdos da burguesia e de todas as outras classes exploradoras, ou o vento de Leste predomina sobre o vento de Oeste, ou acontece o inverso, não havendo de modo algum lugar à igualdade.58 [Ênfase no texto de Ajith]

O nosso ponto aqui não é rever a história da GRCP e as várias maneiras como as forças burguesas avançaram com palavras de ordem como “Todos são iguais diante da verdade”. Nem isto muda a nossa avaliação de que a GRCP representa, até hoje, a mais avançada experiência da revolução proletária, a qual deve ser defendida e propagada entusiasticamente e com a qual devemos aprender. Mas a verdade é que a defesa do “caráter de classe da verdade” foi errada. Só se pode decidir se uma qualquer tese, teoria ou proposição específica é verdadeira ou falsa através da sua correspondência à realidade objetiva, não através da posição de classe ou da mundividência do seu exponente.59

Ajith, na sua confusão, quer contornar o assunto através da interpretação da utilização da palavra “verdade” na Circular de 16 de Maio, como se ela se referisse não à realidade objetiva mas “a ideologias e formas de pensar”60. Porém, a verdade, pela sua própria definição, tem sempre a ver com a forma de pensar e com saber se as formas de pensar correspondem ou não à realidade objetiva; não há como fugir à questão. Quando as formas de pensar correspondem à realidade, chamamos-lhes verdadeiras. Há uma realidade material objetiva independente da mente. O materialismo dialético defende que esta realidade pode ser conhecida.

Desde que a mente pensante, os seres humanos conscientes, evoluiu, com as suas faculdades cognitivas distintivas, tem havido um debate permanente sobre a validade, o rigor e a fiabilidade da reflexão humana sobre a realidade. Isto é uma questão que define uma linha divisória na epistemologia e na filosofia da ciência, referida como teoria da verdade como correspondência, à qual voltaremos em breve.

O debate sobre os critérios e a definição da verdade continua aceso: o positivismo, o pragmatismo, o empirismo e outras escolas opostas ao materialismo dialético insistem noutras definições da verdade ou, em alguns casos, argumentam que não serve de nada tentar sequer determinar se temos ou se podemos obter a verdade (os neopragmatistas, por exemplo, usam este tipo de argumentos).

Considere-se a que é referida como teoria consensual da verdade. Segundo esta perspetiva errada, tudo o que seja aceite consensualmente funciona como verdade e qualquer tentativa de definir a verdade de uma maneira mais rigorosa é impossível, fútil e contraprodutiva. O que Ajith defende como verdade de classe é uma versão da teoria consensual da verdade que é bastante semelhante à forma como ela é exposta pelos pragmatistas e outras pessoas.61

Ajith e a parcialidade de classe

Ajith coloca isto da seguinte maneira:

Não apenas os “absurdos da burguesia”, também a “verdade marxista” não é uma realidade objetiva em si mesmo. Através de um processo contínuo de “buscar a verdade nos factos”, o marxismo consegue captar esta realidade de uma maneira qualitativamente mais profunda e mais abrangente em comparação com a burguesia e outras classes. A “verdade marxista” pode aproximar-se o mais possível da realidade objetiva devido à sua parcialidade de classe. A sua qualidade de ser completamente científica, de partir da realidade objetiva e fazer a essa realidade o teste da sua compreensão, está indissoluvelmente ligada à sua parcialidade. Isto é assim porque a classe que representa, o proletariado, é a única que tem um interesse fundamental em compreender a realidade na máxima extensão possível. Isto deriva de ser a única classe que tem de levar a revolução até ao fim, até à emancipação de toda a humanidade, para obter a sua própria libertação.62

Este parágrafo é constituído por várias afirmações parcialmente corretas revestidas com alguns erros epistemológicos e filosóficos fundamentais que acabam por construir um todo erróneo. Uma vez mais, clarifiquemos os termos, neste caso, “parcialidade” [“partisanship”]. Isto refere-se à posição política e ideológica: com quem se está, se com os oprimidos e explorados ou com as forças que perpetuam a atual situação de opressão; se estamos ao lado da revolução ou contra ela. O marxismo é simultaneamente verdadeiro — corresponde à realidade — e parcial, está ao serviço da causa da revolução, da revolução comunista (ou proletária) para eliminar toda a exploração e opressão.

Mas Ajith inverte a relação entre a verdade científica do marxismo e a sua parcialidade de classe; ele insiste em defender a posição errónea de que o “marxismo é verdadeiro porque é parcial”. Ajith continua:

Os avakianistas [sic] sublinham a aplicação por Marx e Engels de princípios científicos e do método científico de uma forma separada da parcialidade de classe que os guiou. De seguida, eles confundem a questão ao introduzirem o tema da “construção da verdade” em oposição a “descobri-la”. Certamente que temos de descobrir a verdade, não de a construir. Porém, o ponto em debate aqui é o papel dos interesses de classe, da parcialidade, em nos permitir realizar essa tarefa. O marxismo afirma e apoia enfaticamente esta relação. Os avakianistas negam-na.63

O marxismo deve a sua capacidade de captar a realidade de uma maneira qualitativamente mais profunda e mais abrangente não à sua parcialidade, mas ao seu método científico, incluindo confrontar a realidade tal como ela de facto é. Ao contrário da alegação de Ajith, o marxismo fornece a base científica para a parcialidade ao revelar a natureza objetiva da exploração e opressão de classe, a sua especificidade e desenvolvimento históricos e a sua “desnecessidade”. Este caráter científico também ajuda a explicar porque os intelectuais e outras pessoas de classes não-proletárias podem ser ganhos para compreenderem a necessidade da revolução proletária e abraçarem essa causa.

V. A denegrição da teoria por Ajith

A perceção, a experiência, por si só não revela a dinâmica interna e as leis (a necessidade interna) que governam as causas subjacentes do desenvolvimento e das tendências sociais. Tal como disse Mao: “A aparência exterior é visível, estimula os sentidos. A essência é invisível e intangível; está escondida por trás da aparência exterior. A essência só pode ser descoberta através da investigação e do estudo. Se pudéssemos tocar e ver a essência, não haveria necessidade da ciência.”64

Mas o método de Ajith não lhe permite ir além do nível da aparência. Marx também foi muito claro neste ponto: “[a] maneira de conceber as coisas dos filisteus e dos economistas vulgares surge (...) porque a única coisa que se reflete nos cérebros deles é a forma de aparência imediata das relações e não a relação interna delas. A propósito, se fosse esta última que se refletisse, certamente não teríamos necessidade nenhuma da ciência.”65

Há uma unidade dialética entre aparência e essência, mas elas não são a mesma coisa. Ajith acusa Avakian de concessões ao positivismo, mas é Ajith que não consegue compreender o salto do conhecimento percetual ao conceptual e, juntamente com isto, venera o conhecimento disponível empiricamente (disponível através da posição de classe). Ao fazê-lo, Ajith está na companhia dos positivistas que tinham feito da recusa da distinção entre fenómeno e essência a sua marca registada.

Tem de ocorrer um salto, e uma rutura, para que emerja uma conceptualização teórica depois de a experiência e o conhecimento percetual terem sido acumulados. Este processo convida e, ao mesmo tempo, requer contribuições das mais vastas esferas da prática humana e do pensamento humano. Não há, de maneira nenhuma, uma correspondência automática de um para um e, de facto, há invariavelmente conceptualizações diferentes, e opostas, que englobam os mesmos, ou grande parte dos mesmos, dados empíricos, observações, etc.

Ajith também reduz todo o complexo processo de indagação e descoberta científicas a simplesmente “buscar a verdade nos factos”, uma referência a uma citação de Mao com que Ajith termina o artigo dele. Uma vez mais, Ajith pega numa tendência secundária em Mao, remove-a da correta orientação global de Mao e assim encobre o seu próprio empirismo. Como vimos, Mao também fez outras afirmações, mais corretas, como a seguinte: “[O] conhecimento lógico difere do conhecimento sensível na medida em que o conhecimento sensível abraça aspectos isolados dos fenómenos, os seus aspectos exteriores, a ligação externa dos fenómenos, enquanto o conhecimento lógico, fazendo um enorme passo em frente, abarca os fenómenos por inteiro, a sua essência e a ligação interna dos fenómenos, eleva-se até ao ponto de evidenciar as contradições internas do mundo objetivo.”66

Os positivistas e os empiristas gostam de falar de factos em bruto, mas todos os factos devem ser mediados pela teoria, até para estabelecer quais são os factos e, mais importante, para explicar a sua interligação e revelar a sua dinâmica subjacente. Além disso, o processo de descobrir, verificar e estabelecer a verdade não é linear. Não se trata simplesmente de retirar conclusões de um conjunto específico de factos; chegar à verdade também inclui a corroboração e a polinização cruzada com outras esferas da atividade e da indagação humanas. Mesmo a própria verificação é um processo complexo e não deve ser vulgarizado de uma forma unilateral para dizer que o significado e o conteúdo de uma teoria são redutíveis ao método da sua verificação, como é enunciado pelas escolas do empirismo e do positivismo. Às vezes, o que acontece é a verificação não de uma teoria imediata mas de uma teoria subordinada ou derivada, afastada numa ou duas gerações da teoria original. Ajith compreende muito pouco deste processo.

Os empiristas e os pragmatistas orgulham-se de estar perto da realidade no sentido de que argumentam que só a observação empírica feita com os cinco sentidos é a fonte do conhecimento. Para eles, só a prática imediata num domínio específico pode demonstrar o sucesso ou o fracasso necessários para corroborar ou falsear qualquer alegação específica de conhecimento.

Uma visão estreita da prática e da realidade social

Naturalmente, esta visão da realidade e do método epistemológico produz necessariamente uma perspetiva e uma orientação que estreitam os horizontes e as expectativas. Como parte disto, leva a um raciocínio que concebe e define de uma forma estreita o que é referido como “prática”. Tudo o que, nas palavras dos pragmatistas, “conclui a indagação” (provisoriamente) e produz alguma forma de consenso com esse fim, com base num sucesso percebido nos resultados imediatamente obtidos num contexto específico, é então definido como verdade (ou, como fariam os pragmatistas, é tomado como um substituto em vez da verdade).

Este tipo de conceção empirista e pragmatista da “prática” não é o envolvimento materialista completo de conhecer e mudar o mundo material. Como é que devemos compreender corretamente a prática no sentido mais universal da palavra? Isto significa todo o esforço humano, tanto as interações com a natureza externa como as interações de uma comunidade humana mundial que se tornou cada vez mais integrada com o desenvolvimento do capitalismo e particularmente do imperialismo. Embora esta comunidade mundial esteja dilacerada por divisões e antagonismos de classe, pelas divisões entre nações, especialmente entre nações oprimidas e opressoras, e pela opressão de metade da humanidade, as mulheres, ainda há um “todo” na humanidade.

Mas Ajith desvia-se e trunca a realidade social mundial em nome da “complexa materialidade do seu surgimento e existência [do proletariado] em diferentes países. O proletariado de qualquer país emerge e toma forma através de um processo histórico, um processo específico a esse país”. Desta maneira, Ajith (tal como tantos outros antes dele, e em todos os países!) está a ignorar e a denegrir o verdadeiro alcance da atividade humana e da prática social que é a base de uma teoria correta.

Vemos aqui as amarras filosóficas do nacionalismo de Ajith e do ataque dele ao entendimento de Avakian sobre o imperialismo e a revolução mundial proletária como “um único processo mundial”67. Mas isto não é tudo. As palas epistemológicas dele impedem-no de ter uma compreensão inclusiva quer do processo mundial como um todo, quer dos complexos processos que definem qualquer sociedade. O economicismo, o obreirismo, o ir atrás da espontaneidade e uma abordagem fragmentada da revolução e da tomada do poder, tudo isto são manifestações deste tipo de forma de pensar.

Avakian tem realçado a importância de ver a natureza multicamada da realidade social, sobretudo na luta contra todos os tipos de reducionismo que ignorem ou neguem importantes manifestações políticas, artísticas, culturais e ideológicas da realidade social.68 Só compreendendo a realidade desta maneira pode a prática, tanto a prática revolucionária direta como a prática social mais alargada, no mundo e em cada país específico, assumir o seu pleno significado e importância e servir como base sólida para desenvolver uma correta teoria revolucionária. São na verdade o empirismo e o pragmatismo do tipo dos de Ajith que, para pedir emprestadas as palavras de Ajith, “no mundo real e para as verdadeiras tarefas da revolução, têm implicações desastrosas”69.

A “prática direta” de Marx e Engels não foi a fonte do desenvolvimento do marxismo

Ajith distorce a maneira como surgiu e depois se desenvolveu o marxismo. “O avakianismo gosta muito de evocar o exemplo dos fundadores do marxismo. Alega que Marx e Engels chegaram à síntese do marxismo a partir da teoria já existente e não da prática direta. Tal como apontámos antes, isso não é verdade. Marx e Engels estiveram bastante envolvidos nas lutas de classe que ocorreram nesses dias, por vezes até diretamente.”70

A insinuação de que a “prática direta” foi central para o trabalho teórico de Marx e Engels é uma reescrita da história (lembram-se dos anos que Marx passou à mesma secretária no Museu Britânico?). Mais importante, Marx e Engels desenvolveram a teoria deles no decurso de uma luta teórica com destacados representantes, sobretudo nos domínios cruciais da filosofia, da economia política e do socialismo científico. Há sempre diferentes abstrações (teorias) rivais que emergem das mesmas condições e experiência sociais (quer da “prática direta”, quer, para o caso, da prática indireta mais geral) e há uma luta para determinar qual das abstrações é correta, i.e., qual delas corresponde mais de perto à realidade. O que está a faltar no relato de Ajith é a realidade desta luta sobre ideias.

Marx chegou de facto a uma síntese, a uma reconfiguração do entendimento e conceções de outros pensadores como Ricardo, Darwin, Hegel, etc., e da sua profunda análise e observação dos desenvolvimentos políticos e da luta de classes, bem como, de uma forma muito secundária, da sua própria experiência direta na construção da I Internacional (a primeira tentativa de juntar organizações de diferentes países que estavam a lutar pelos operários e oprimidos e pelo socialismo) e assim por diante. Ajith deveria ter como alvo não Avakian mas Lenine que, no seu famoso artigo “As três fontes e as três partes constitutivas do marxismo”, não escreveu uma única palavra sobre a experiência direta de Marx mas antes realçou a ligação entre Marx e as escolas de filosofia, da economia política e do socialismo do século XIX.71 A contradescrição do trabalho de Marx feita por Ajith não é senão uma cândida admissão do próprio empirismo e pragmatismo dele.

Ajith diz:

Sem diminuir minimamente o admirável labor intelectual de Marx e Engels, deve salientar-se que eles foram impelidos por esta parcialidade e não por nenhuma propensão super-heroica a serem científicos. Eles chegaram a isto através de um processo de compreensão da incapacidade das teorias existentes para captarem corretamente a realidade e de aprendizagem com as lutas de classes que estavam a decorrer.72

Na realidade, esta descrição é a-histórica e torna a “parcialidade” numa categoria metafísica. Marx e Engels desenvolveram a sua parcialidade, fundamentalmente, através da descoberta de que a base científica para eliminar o antagonismo de classe, a exploração e a opressão passava pela revolução proletária. Havia uma abundância de adeptos utópicos, alguns dos quais compreendiam as condições das massas e simpatizavam com elas não menos que Marx e Engels. Alguns lutaram heroicamente e deram as suas vidas a lutar pela Comuna de Paris em 1871, mas não desenvolveram uma teoria científica para a emancipação e, por isso, o entendimento deles (i.e., a linha, a teoria) não era parcial em relação ao proletariado (daí a descrição dessas forças no Manifesto do Partido Comunista como defensoras do “socialismo feudal”, do “socialismo pequeno-burguês”, etc.).73

Sim, Ajith está correto em que há uma relação entre parcialidade e verdade, mas esta relação é a inversa da que ele argumenta. É a ciência do marxismo, a correspondência dela à realidade, que em última análise estabelece a sua parcialidade.

Além disso, a atribuição por Ajith do papel de parcialidade ao proletariado não resolve o problema — de facto, é tautológica, ou seja, um argumento circular que assume o que deveria explicar. Deveríamos perguntar a Ajith, parcial em relação a quê? Marx era parcial em relação ao proletariado ou era-o o reformista Proudhon? Ou o utopista Saint Simon? A parcialidade em relação ao proletariado não é patentemente óbvia. Ajith assume que o reconhecimento desta parcialidade não requer “nenhuma propensão super-heroica a serem científicos” (como ele calunia os esforços intelectuais de Marx e Engels).

Uma vez mais vemos por que Mao realçou que “a correção ou incorreção da linha ideológica e política decidem tudo”74. Mesmo as pessoas que juram parcialidade e fidelidade a uma classe, e mesmo aquelas que acreditam sinceramente nisto e que frequentemente fazem sacrifícios consideráveis, serão confrontadas com a questão de saber se a compreensão delas explica cientificamente (rigorosamente) a realidade e o que é necessário para a transformar rumo ao comunismo. É isto que em última análise irá determinar qual a classe que um líder ou uma linha política efetivamente representam.

Mao falou sobre esta questão à sua própria e inimitável maneira:

Marx também foi um dividido em dois. A filosofia de Marx foi apreendida de Hegel e Feuerbach, a economia dele do inglês Ricardo e outros, e de França ele estudou o socialismo utópico. Tudo isto era burguês. A partir disto, um dividiu-se em dois e produziu o marxismo. Deixem-me perguntar-vos: quando Marx era jovem, será que ele alguma vez leu a obra de Marx?75

Marx desempenhou o papel principal no desenvolvimento da ciência do comunismo através da interação entre o seu próprio trabalho teórico e o desdobrar de uma complexa conjuntura de lutas de classes e lutas políticas, sociais e ideológicas que estavam a ocorrer na Europa em meados do século XIX, no decurso do crescimento e consolidação de um novo modo de produção, o capitalismo, e da sua superstrutura política.76 De facto, quando Marx e Engels iniciaram as suas atividades políticas, a ideologia deles poderia ser caracterizada como o que agora chamamos “democrático-burguesa”, representando uma força que naquele momento da história, em meados do século XIX, ainda estava na vanguarda da luta revolucionária. O compromisso de Marx e Engels com uma transformação completa da sociedade encorajou certamente o seu rigor teórico e a sua crítica das teorias então existentes; porém, para que eles se tornassem marxistas, tiveram de fazer uma rutura radical, nas palavras deles, para “acertar as contas com a nossa consciência filosófica anterior”77.

A parcialidade deve estar ancorada na ciência

Os apoiantes da nova síntese de Avakian não negam a relação entre a parcialidade do marxismo e a sua capacidade de descobrir a verdade científica sobre a sociedade. Mas, uma vez mais, Ajith vê esta relação ao contrário. A parcialidade em relação à revolução proletária deve estar ancorada num entendimento verídico (i.e., científico) da realidade da sociedade de classes. A motivação para fazer a revolução pode e deve encorajar e apoiar as pessoas a que obtenham e perseverem na obtenção deste conhecimento indispensável. Ao mesmo tempo, quanto mais pessoas compreenderem teoricamente que o mundo não precisa de continuar a ser assim, mais elas podem ser motivadas a lutar pela criação de um mundo diferente.

Isto deve ajudar a capacitar e a encorajar os praticantes desta ciência, os comunistas, a confrontarem a realidade, incluindo, como diz Avakian, “as verdades dolorosas”78. Podemos ver que a parcialidade não é suficiente. Nenhum comunista deve realmente querer argumentar que Estaline não era parcial em relação à causa proletária. Porém, ainda assim, Estaline caiu numa forma de pensar muito errada. Os erros dele devem ser procurados nas esferas da metodologia, da abordagem e da conceptualização científica, no que Mao identificou como “a metafísica de Estaline”79, i.e., na filosofia e na abordagem dele, não numa suposta falta de parcialidade.

De facto, quanto mais conhecemos o mundo em todos os seus aspectos, melhor e mais profundamente seremos capazes de o mudar. Como disse Avakian:

Claro, nem sempre os comunistas agiram em conformidade com esta verdade fundamental — houve marcadas tendências na história do movimento comunista para cair na adoção de várias formas de “verdades políticas” — por outras palavras, declarar como verdades coisas que na realidade não são verdadeiras mas que parecem convenientes nesse momento (uma abordagem que Lenine identificou filosoficamente e criticou como sendo a “verdade como princípio organizativo” ou “experiência organizativa”). Mas a verdade continua a ser, como questão de princípio básico, que o comunismo como mundividência e método rejeita essas abordagens instrumentalistas e reconhece o princípio epistemológico fundamental de que, tal como eu formulei noutra discussão: “Tudo o que é realmente verdade é bom para o proletariado, todas as verdades podem ajudar-nos a chegar ao comunismo.”80

Uma vez mais: tudo o que é realmente verdade é bom para o proletariado, todas as verdades podem ajudar-nos a chegar ao comunismo. Agora contraste-se isto com a seguinte afirmação que parece similar mas que está em profundo desacordo com isto e é profundamente errada: tudo o que é bom para o proletariado é verdade. É isto a “verdade política”.

As onerosas lições da “verdade política”

Infelizmente, uma pretensa parcialidade não-científica pode, e demasiadas vezes tem, interferido com uma correta análise da realidade. Um caso concreto foi a disposição de muitos comunistas para não confrontarem frontalmente a realidade do que aconteceu no Peru em 1991. Aí, estava a ser levada a cabo uma guerra popular sob uma liderança maoista. Esta tinha obtido grandes vitórias, mas então enfrentou um desafio sem precedentes com a captura da sua liderança central, incluindo Gonzalo, o presidente do Partido Comunista do Peru. Com ele na prisão, foram feitas declarações atribuídas a Gonzalo que apelavam a “acordos de paz” e à cessação da luta armada.

O Partido Comunista do Peru e muitos dos seus apoiantes declararam que isto era uma “patranha”. Muitos comunistas, incluindo Ajith, aceitaram esta “teoria da patranha” sem provas — na realidade, face a fortes evidências em contrário.81 O que foi considerado politicamente conveniente, ou que os defensores desta perspetiva proclamaram como “verdade política”, supostamente deveria valer mais que a investigação dos factos — a que alguns daqueles agora aliados a Ajith chamaram “verdade jornalística”. Para usar a nossa formulação do parágrafo anterior: foi considerado bom para o proletariado internacional manter as esperanças das pessoas na vitória da revolução peruana e desvirtuar a verdade concreta do que a investigação e as evidências estavam a revelar sobre a posição de Gonzalo.

As trágicas consequências no Peru desta forma de pensar — a desorientação e a verdadeira desmoralização que ela causou quando já não podia resistir a mais provas de que Gonzalo estava a advogar os acordos de paz e a cessação da guerra popular — sublinham que a revolução teria sido melhor servida se a verdade tivesse guiado a parcialidade em vez do contrário. Ironicamente, isto também mostra que os empiristas e pragmatistas como Ajith, que erguem o “buscar a verdade nos factos” em oposição à procura das ligações internas e do salto para o conhecimento racional, facilmente acabam a minimizar os factos que eles acham inconvenientes.

A abordagem de Ajith subestima os desafios que derivam do difícil e complexo processo da revolução comunista e que requerem uma teoria comunista avançada. Em vez disso, ele assume que a teoria e a consciência revolucionárias ficarão disponíveis através de um vínculo indissolúvel à classe. A convicção profundamente enraizada de Ajith sobre a inevitabilidade e o “significado fundacional da posição de classe, da posição material da classe”, vai diretamente contra a compreensão da necessidade de se chegar a um entendimento global e científico do processo da revolução proletária. A decisiva necessidade de luta e clarificação na esfera das ideias, da teoria, da filosofia, das artes e das ciências e, em última análise, de luta na superstrutura, não parece figurar muito no esquema de Ajith para preparar e fazer a revolução proletária, ou seja, para obter o avanço histórico-mundial para o comunismo.

O marxismo abomina a ideia de criar a sua própria linha particular de verdades ou axiomas. Os comunistas devem empenhar-se em chegar à verdade das coisas, não às suas próprias verdades das coisas. As falácias são falácias simplesmente porque não correspondem às coisas que se alega descreverem ou refletirem no pensamento, e não simplesmente porque são coligidas para fins políticos não-proletários ou não-comunistas.

Da mesma maneira, devemos confrontar frontalmente aquelas “verdades dolorosas” da história do movimento comunista, ou seja, aquelas práticas e abordagens na experiência comunista que vão contra a dinâmica esmagadoramente positiva e libertadora da história da revolução proletária até hoje. Assim que as pessoas aceitam o conceito da verdade de classe, então lidar de facto com as experiências negativas da revolução proletária torna-se muito mais difícil, aparentemente menos necessário e menos provável. Por que não simplesmente ignorar os erros, mesmo os penosos? Ou justificá-los através de uma referência às intenções ou aos resultados de curto prazo? De facto, uma forma de pensar como a de Ajith irá reforçar exatamente este tipo de tendências que inegavelmente existiram e causaram tantos danos no passado e até aos dias de hoje.

Enfrentar e captar a realidade tal como ela é, através do conhecimento e da metodologia científica, permite-nos compreender como transformar as condições materiais e ideológicas de escravização da humanidade para pôr fim e avançar para além das divisões de classe, dos antagonismos sociais e de todas as formas de opressão, exploração e desigualdade. A necessidade da revolução comunista deriva desta realidade. A parcialidade em relação à revolução proletária mundial está ancorada e é apoiada por esta compreensão científica das atuais condições históricas e materiais. Não é uma maquinação utópica ou uma injunção moral transcendente, nem um plano para que o proletariado e os oprimidos se vinguem e tenham a sua oportunidade de, por sua vez, ficarem por cima.

VI. Alguns elementos sobre filosofia e ciência

Ajith critica Avakian de depauperar a filosofia porque Avakian insiste na ancoragem científica do materialismo dialético. Como veremos, Ajith está à procura de uma filosofia que se posiciona “mais alto” que a ciência, que não é responsabilizada perante a realidade e que não está sujeita ao rigor e à racionalidade.

Ajith argumenta:

A filosofia está sem dúvida indissoluvelmente ligada à realidade material e às ciências que a explicam. Mas as ciências empíricas são apenas uma das fontes da filosofia. Ela emerge de todas as esferas da existência humana, incluindo a arte e a cultura, e obtém sustento nelas. As suas raízes residem não só na interação homem-natureza mas também nas interações de cada um com a sua própria existência material e espiritual. A grandeza da filosofia marxista reside na sua capacidade ilimitada para abranger e lidar com esta totalidade em todas as suas deslumbrantes particularidades.82

Encorajamos o leitor a ponderar o parágrafo acima em todas as suas “deslumbrantes particularidades”. Primeiro, Ajith está a apresentar uma separação não-dialética e não-materialista entre as diferentes esferas da atividade humana. Está, uma vez mais, a estreitar injustificadamente o âmbito da ciência apenas às “ciências empíricas” e depois a declarar todos os outros aspectos da existência humana como estando para além do âmbito da indagação científica. Uma falha fundamental no argumento de Ajith é que restringe a ciência apenas à explicação da realidade material na “interação homem-natureza”. Ajith não consegue ver que embora outras “esferas da existência humana, incluindo a arte e a cultura” sejam de facto fontes da filosofia, também elas estão enraizadas na realidade material entendida de uma forma correta, e fazem parte dela, e não devem ser confinadas a um domínio do qual a ciência está excluída.

Ajith está a elevar a filosofia acima da ciência; está a argumentar, de facto, que a filosofia tem um poder explicativo superior e mais abrangente.83 O ponto de vista de Ajith está em aguda contradição com a correta relação expressa por Mao (e repetidamente realçada por Avakian) de que “o marxismo abraça mas não substitui” as ciências naturais e outros campos intelectuais e culturais distintos.84 Vejamos como Avakian examina isto:

Mao (penso que é em “Sobre a prática”) diz: o materialismo dialético é universal porque é impossível a alguém escapar na prática ao seu domínio. Ora sucede que eu penso que isto é uma afirmação verdadeira, e importante, mas qualquer pessoa que diga (...) que “isto é o fim da discussão”, em vez de, num certo sentido, o início de mais discussão e mais trabalho, do meu ponto de vista não compreende a questão. (...) Ser-se apenas materialista dialético não nos diz nada sobre a teoria da gravidade de Einstein, ou a mecânica quântica ou qualquer outra coisa. Continuamos a ter de entrar nessas esferas e de compreendê-las, e continuará sempre a haver nelas muito a aprender. Eu acredito que quanto mais uma pessoa consegue aplicar o materialismo dialético, mais completamente consegue compreender as coisas. Digamos que eu tento aplicar o materialismo dialético, mas que sei muito menos de física que muitos físicos que não acreditam no materialismo dialético e que talvez se lhe oponham fortemente. (...) É importante não confundir estas duas coisas. É esta a questão do “abraça mas não substitui”, tal como eu a entendo. Para mim também significa que, em qualquer campo, incluindo o da filosofia, as pessoas que não aplicam o materialismo dialético, e que se lhe opõem fortemente, podem acertar em importantes aspectos da realidade (...) que aqueles de nós que somos comunistas não compreendemos num determinado momento.85

Mesmo na medida em que Ajith aceita uma relação entre o marxismo e as outras ciências, ele vê-a como uma relação hierárquica em que o marxismo representa “um nível superior de abstração”. Porém, “abraça mas não substitui” significa ir beber ao conhecimento sobre o mundo real obtido em todos os campos, e sintetizá-lo, tanto nas suas componentes naturais como nas sociais. O marxismo não pode ditar às outras ciências, como Ajith quer fazer com a ênfase dele na pretensa inviolabilidade dos seus princípios fundamentais (voltaremos a este ponto). O marxismo pode e deve absorver o que é descoberto noutros campos, e ao fazê-lo o marxismo deve desenvolver-se.

O lugar da filosofia no marxismo

Regressemos atrás e retracemos parte do desenvolvimento do entendimento do marxismo sobre o lugar da filosofia e o papel dela no desenvolvimento do conhecimento humano à medida que a ciência se tem tornado muito mais avançada.

No processo de ajustar contas com o seu anterior entendimento, que mantinha um pé nas suas raízes hegelianas, Marx escreveu:

Com a representação da realidade [i.e., a sua explicação objetiva e científica], a filosofia autónoma perde o seu meio de existência. Em seu lugar pode, quando muito, surgir uma súmula dos resultados mais gerais que é possível abstrair da consideração do desenvolvimento histórico.86

Com o mesmo sentido, Engels escreveu o seguinte em Anti-Dühring:

[O] materialismo moderno é essencialmente dialético, e já não aceita uma filosofia colocada [tipo rainha] acima [da turba] das ciências. Desde o momento em que cada ciência especial é convidada a tomar consciência exata do lugar que ocupa no encadeamento geral das coisas e do conhecimento destas, torna-se supérflua qualquer ciência exclusiva do encadeamento geral. Então, de toda a filosofia antiga fica apenas em estado independente a doutrina do pensamento e das suas leis, a lógica formal e a dialética. Tudo o mais se converte na ciência positiva da Natureza e da história.87

Marx e Engels estão a apontar para o facto de que problemas que anteriormente eram considerados questões filosóficas ou teológicas (por exemplo, a origem do universo, a origem de vida, o desenvolvimento da consciência humana, etc.) foram sendo cada vez mais adotados pelas ciências naturais.

Contudo, nas citações acima, Marx e Engels foram unilaterais na forma como trataram a filosofia. É errado insinuar que já não haveria mais nenhum papel para a filosofia na demanda geral pelo conhecimento. A filosofia tem um papel indispensável na formulação, clarificação e sistematização de ideias e conceitos. Por exemplo, há um papel e uma necessidade legítimos de uma filosofia da matemática, da linguagem e da moral. O materialismo histórico observa, descreve e analisa fenómenos, acontecimentos e épocas socio-históricas. Isto envolve tanto uma observação empírica dos dados como o seu adequado enquadramento e teorização conceptuais e é moldado pela filosofia materialista dialética.

Avakian observou que tinha “algumas discordâncias significativas com este argumento de Engels”88:

Eu gostaria de dividir isto em dois. Por um lado, penso que a essência do que ele [Engels] está a dizer é que, de agora em diante, como temos o ponto de vista e o método materialista dialético, é uma questão de procurar as ligações entre as coisas no mundo real e não em fantasias nos cérebros das pessoas. Neste sentido, não só estou de acordo com ele, como penso que isto é importante. Por outro lado, se em “o fim da filosofia” houver um aspecto que possa ser interpretado como já não havendo necessidade de se pensar na filosofia, então eu não estou de acordo com isso.89

Porém, quaisquer que tenham sido os erros cometidos por Marx e Engels na avaliação deles do futuro papel da filosofia, o erro de Ajith é muito mais fundamental e nefasto. Para Ajith, a “grandeza da filosofia marxista”90 que ele quer ressuscitar é precisamente o papel errado da filosofia que Marx e Engels tão vivamente denunciaram. Ajith quer que a filosofia domine sobre a restante “turba das ciências”, como Engels se lhes refere, enquanto a própria filosofia é cuidadosamente resguardada do rigor e da racionalidade. Ajith restabelece para a filosofia o papel “tipo rainha” que Engels ridicularizou na citação acima.91

Ajith critica a afirmação de Avakian de que:

O comunismo, poderia dizer-se, não é simplesmente uma ciência, no sentido de que envolve outros elementos, incluindo a moral, que estão, em sentido estrito, fora do terreno da ciência. Mas tudo isto não pode ser divorciado da ciência; e tudo isto, de uma forma geral e fundamental, baseia-se no que é realmente verdade, e também precisa de ser continuamente re-ancorado no que é realmente verdade, tal como determina uma abordagem e um método científicos, e nenhuma outra coisa.92

Para Ajith:

De uma forma bastante surpreendente, isto é dito ao mesmo tempo que se alega apresentar uma correta compreensão da relação entre ciência e filosofia. À parte a “moral”, os “outros elementos” mencionados por Avakian como constituindo a filosofia comunista são “a perspetiva e o método”. Entre estes, o “método” obviamente não pode ser “mantido estritamente” fora do terreno da ciência. O que é distintamente filosófico é assim reduzido a “moral e perspetiva”. Assim, o que é avançado como defesa dos métodos científicos na filosofia acaba por ser a depauperação da filosofia.93

Ajith divorcia a filosofia da ciência

O que Ajith alega ser a “depauperação da filosofia” é a insistência de Avakian em que, em última análise, a filosofia “não pode ser divorciada da ciência”. Avakian está a enfatizar que o nosso entendimento deve estar fundamentalmente ancorado numa rigorosa compreensão do mundo material. Nada pode ser divorciado disto nem valer mais que isto.

Toda a indagação e debate filosóficos úteis lidam, correta ou incorretamente, com a mesma realidade material. Certamente que a discussão e o debate filosóficos podem contribuir, e de facto contribuem, para a demanda intelectual e a indagação humana em geral e para todo o processo de sintetização e teorização. A filosofia é uma forma legítima e necessária de consciência e indagação. Não é a mesma coisa que a ciência. Porém, em última análise, a validade de qualquer proposição ou teoria, incluindo a própria filosofia, será determinada por quão bem se engrena e corresponde à realidade material. De facto, são geralmente a religião e o idealismo que mais vociferantemente insistem em que a sua mundividência não seja sujeita ao teste da correspondência à realidade material. É uma infelicidade que autodeclarados maoistas como Ajith sintam necessidade de exigir a mesma exoneração.

Será, por exemplo, a não-existência de deus apenas uma questão filosófica, como argumentaria a lógica de Ajith e mesmo como concedem muitos agnósticos e céticos? Não. Os filósofos têm vindo a discutir a existência de deus há milénios mas, em última análise, isto é uma questão científica: a ciência pode estabelecer, e de facto estabelece, a não-existência de deus. O problema é que Ajith admite uma outra, de facto mais elevada, esfera do conhecimento para além e acima da ciência. Este é o verdadeiro nó da acusação dele de cientismo — Ajith quer ter uma ideologia que não precisa de estar sujeita ao teste da sua correspondência à realidade. À luz disto, temos de notar que é Ajith que depaupera a filosofia marxista do materialismo dialético ao divorciá-la da ciência e da base para o contínuo enriquecimento desta filosofia indo buscar as verdades que estão a ser continuamente descobertas tanto nas ciências naturais como nas sociais, na luta de classes e noutras conceções que emergem de outras esferas do esforço humano.

Quanto ao suposto desdém de Avakian pela filosofia, Ajith só pode ter a esperança de que os leitores dele não estejam familiarizados com a extensa obra de Avakian sobre a filosofia marxista e as questões filosóficas. Por exemplo:

Agora, obviamente, tudo aquilo de que aqui tenho estado a falar envolve a questão da religião e da “espiritualidade” (ou “alma”, como é por vezes referida) e da sua relação com o materialismo dialético, o qual representa uma abordagem abrangentemente e sistematicamente científica da realidade e das suas forças motrizes. (...) “Nem só de pão vive o homem” (ou as pessoas). O comunismo reconhece e abraça isto. (...) O comunismo e a sua perspetiva e método materialistas dialéticos não nos deixam apenas com “frias leis materiais”. (...) Quando falamos em busca da “espiritualidade”, a primeira coisa que temos de dizer é que esta não pode ser compreendida ou abordada abstraindo, ou ignorando, as relações sociais em que ela de facto ocorre. (...) O comunismo não porá fim à reverência e ao deslumbramento, à imaginação e à “necessidade de assombro” — nem de maneira nenhuma envolve a sua supressão —, (...) como parte de uma perspetiva e uma metodologia científicas sistemáticas e abrangentes para compreender e transformar a realidade. (...) Temos de entender que há aqui uma unidade. Sim, é uma unidade de contrários.94

Contraste-se a citação acima com a anterior afirmação de Ajith de que as “raízes [da filosofia] residem não só na interação homem-natureza mas também nas interações de cada um com a sua própria existência material e espiritual”. Obviamente, Avakian não está a negar a importância ou o papel da ética, da moral ou do estritamente filosófico, mas está, pelo contrário, a revigorar a discussão destes tópicos. Contudo, Ajith está a exigir que os elementos espirituais da existência humana sejam encontrados numa esfera completamente diferente, fora da estrutura material da sociedade. Isto é uma outra clara expressão de dualismo por parte de Ajith, a discussão das “duas substâncias” na filosofia, espírito e matéria, o que é simultaneamente um produto e um sinal de religião e idealismo.

Por exemplo, ao discutir diferentes explanações não-materialistas das fontes de significado, Avakian diz: “Eu vejo-me uma vez mais a querer dizer uma palavra sobre ciência e materialismo. Não para excluir a questão do significado, mas para lidar com a questão do significado.”95 Mais à frente na mesma obra, Avakian salienta:

O que eu quero dizer é que as pessoas confrontem, se envolvam, aprendam e transformem a natureza, a si mesmas, as suas inter-relações, as suas interações e a sua forma de pensar, por si mesmas e por sua própria iniciativa, sem a invenção de meios ilusórios e imaginários de tentar fazê-lo. (...) Incluo nisto as pessoas, por si mesmas, darem significado e propósito à existência humana, a partir das condições sociais em que estão emaranhadas e que estão a transformar num dado momento. (...)96

Ajith vê o materialismo como uma ameaça a dar o devido lugar a outras “esferas da existência humana”. No melhor dos casos, ele quer deixar que as “ciências empíricas” tratem das condições materiais da vida e da natureza, enquanto reserva para a filosofia as outras “esferas da existência humana”. Disto resulta o medo e a denúncia dele do pretenso cientismo de Avakian, o que para Ajith realmente significa que as questões fundamentais da ideologia devem ser desligadas da ciência e do materialismo.

Esta discussão faz realçar claramente o significado de o trabalho teórico de Avakian insistir, defender e desenvolver ainda mais a posição filosófica de Mao sobre a relação dialética entre matéria e consciência, a interpenetração delas e a transformação de uma na outra. O materialismo não acorrenta nem torna irrelevante o papel do lado espiritual das pessoas, antes fornece a verdadeira base para se compreender corretamente estes aspectos da humanidade e reconhecer o poderoso papel que a consciência humana pode e tem de desempenhar na transformação das condições materiais e sociais, incluindo das próprias pessoas.

A abordagem quase religiosa de Ajith aos princípios fundamentais do marxismo

Nesta parte da nossa discussão iremos responder à falsa alegação de Ajith de que os “avakianistas” tratam a “prática como incidental no desenvolvimento da ideologia”97. Isto está relacionado com uma errada compreensão da verificação da verdade; com como é que a teoria pode e deve andar à frente da prática para poder guiar o trabalho revolucionário; e em que sentido é correto falar de princípios universais e fundamentais de uma ciência, incluindo o marxismo.

Sim, a teoria é de facto testada e finalmente verificada na prática e, acrescentamos nós, de uma forma repetida. Mas Ajith, uma vez mais, concebe erradamente este processo — aqui iremos olhar para um aspecto da errónea compreensão dele. Segundo Ajith, “novas ideias e práticas” emergem no movimento comunista, mas elas “necessitam de verificação durante um período mais longo”, antes de poderem, nas palavras dele, ser “elevadas ao nível de ideologia”98.

Como vimos antes, com “ideologia” Ajith quer dizer uma categoria especial de verdades, de “abstrações superiores”, que estão acima da ciência. Aqui vemo-lo a explicar que, uma vez estabelecidas, essas proposições se tornam numa espécie de artigo de fé que não mais deve ser questionado.

Aqui queremos regressar à anteriormente citada crítica de 2007 do PCR,EUA a um artigo de Ajith, no qual ele escreveu: “Embora os novos avanços no marxismo surjam da aplicação concreta e da verificação pela prática num país específico, eles contêm uma universalidade precisamente porque são guiados pelos seus fundamentos”. O PCR,EUA salientou em resposta que: “Ele [Ajith] não alega que elas [as novas verdades] são universais por serem universalmente verdadeiras, mas antes por corresponderem, ou se basearem, nos ‘fundamentos’ do marxismo. Desaparece o critério objetivo da verdade, o facto de ela corresponder à realidade material, e aparece um outro critério oposto em que a verdade de alguma ideia ou teoria (a sua ‘universalidade’) é determinada pela sua consistência com as premissas em que se baseia.”99

Ajith diz isto da seguinte forma:

A linha de um partido maoista num país é desenvolvida através da aplicação criativa da universalidade do MLM nas condições concretas aí presentes. Essa universalidade já corresponde, num sentido global, à realidade material aí existente. Isto é assim porque as experiências das aplicações particulares a partir das quais foi derivada (em grande medida) resultaram em lições já validadas pela realidade objetiva. (...) Uma aplicação criativa do MLM já contém uma universalidade precisamente devido a esta orientação. A sua verificação através da prática numa realidade material específica, as condições concretas de um país, por sua vez enriquece a universalidade do marxismo.100

Há um profundo erro na forma como Ajith vê a relação entre “conhecimento percetual” e teoria e, em particular, a relação entre o avanço global do marxismo e a experiência da sua aplicação num dado país. Uma expressão da visão estreita, empirista e nacionalista de Ajith em relação a isto é a incapacidade dele de dar alguma atenção substancial às lições das revoluções na União Soviética e na China. Essa experiência, e o “conhecimento percetual” nela baseado, bem como as sínteses teóricas desenvolvidas das revoluções socialistas do século XX, são muitíssimo mais vastas, mais ricas e mais profundas que a importante mas infelizmente demasiado limitada experiência dos comunistas de fazerem a revolução no período posterior à morte de Mao. Segundo Ajith, quase quarenta anos após a morte de Mao, o movimento comunista internacional tem de compreender que permanece num processo de “desenvolvimento quantitativo no contexto do desenvolvimento ideológico [que] só pode ser compreendido como sendo a acumulação de ‘conhecimento percetual’ no decurso da revolução.”101

Simplesmente não é verdade, como alguns camaradas têm acreditado, que primeiro tem de haver mais tomadas vitoriosas do poder político pelo proletariado, seguidas de um extenso período de construção socialista e revolução socialista, e que só então, depois (nas palavras de Ajith) da “verificação durante um período mais longo”, pode ser possível haver um salto adicional na teoria comunista.

Pelo contrário, a experiência extremamente profunda e rica da revolução proletária no século XX é a principal fonte a partir da qual Avakian pôde desenvolver uma teoria mais correta (embora certamente não a única fonte — Avakian tem ido beber a outras experiências de luta revolucionária e a desenvolvimentos na sociedade, nas artes e nas ciências) sobre a natureza da transição socialista para o comunismo e da luta revolucionária de uma forma mais geral.

Embora todas as leis científicas estejam sujeitas à verificação pela prática, essa verificação não é necessariamente de “um para um” e imediata. A compreensão científica também avança quando é encontrada uma explicação para fenómenos já observados, e não apenas para fenómenos que ainda não foram observados, e na realidade a luta sobre que teoria melhor explica um conjunto de fenómenos já observados desempenha um papel importante, geralmente adiantando-se à sua verificação final na prática. Aqui, uma vez mais, vemos a importância de examinar os diferentes entendimentos da revolução comunista à luz da história das revoluções que de facto ocorreram e do que sabemos sobre as sociedades socialistas anteriormente existentes.

Além disso, quando ocorre um avanço na compreensão, a sua verdade não é necessariamente confirmada através de uma verificação imediata, nem ao longo de qualquer período específico de tempo. Os avanços de Lenine na compreensão da ditadura do proletariado tal como estão concentrados na obra crucial dele O Estado e a Revolução foram desenvolvidos antes da Revolução de Outubro; de facto, foram um importante andaime teórico sem o qual a Revolução de Outubro não teria acontecido.

Felizmente, a teoria de Lenine foi rapidamente testada e verificada, mas a teoria dele não teria sido menos correta se a Revolução de Outubro tivesse fracassado, o que poderia ter acontecido, por razões que não resultam de erros na teoria dele. O contrário também é verdade: os sucessos de Estaline na construção do socialismo estiveram entrelaçados com uma série de significativos erros teóricos, bem como com importantes erros políticos. Usando uma lógica do tipo da de Ajith, foi geralmente aceite pela maioria dos comunistas desse período que as teorias de Estaline tinham conseguido uma “verificação durante um período mais longo” e, na maior parte do movimento comunista internacional, foram assim “elevadas a ideologia”.

A “verificação” essencialmente empirista estreita de Ajith significa, em última análise, que “tudo o que funciona é verdade” e de facto conduz a uma conceção da verdade como a “lei do mais forte”.

Em “Contra o Avakianismo”, Ajith reconhece limitações na forma como ele tem abordado aquilo a que chamou a distinção entre “fundamentos e modelos”. Mas ele quer agarrar-se a uma categoria especial de verdades superiores:

Eu tentei uma definição sugerindo que esses princípios [do marxismo] devem ser distinguidos dos modelos criados através da sua aplicação. Esta abordagem é útil em alguns contextos. Vejamos um importante assunto atualmente em debate, a ditadura do proletariado. A sua vital necessidade durante o período de transição do capitalismo para o comunismo é um princípio básico inviolável do marxismo. Ora, a forma específica como isto foi implementado na União Soviética foi a certa altura considerada como _A_ aplicação e santificada como fundamento. Contudo, os seus erros foram mais tarde criticados e Mao desenvolveu uma aplicação qualitativamente diferente. A distinção “fundamentos/modelos” pode ser uma ajuda para compreender isto. Mas, mesmo assim, tem um valor limitado. Os exemplos listados pelo PCR,EUA, de princípios que a certa altura foram considerados fundamentais e que foram depois abandonados como errados ou obsoletos, certamente que mostram isto. Contudo, continua a ser um facto que continua a não estar concretizada uma definição satisfatória de quais são os princípios fundamentais essenciais do marxismo. Sem dúvida que a posição, o ponto de vista e o método estão no seu núcleo. Mas isso não é tudo. As posições ideológicas também fazem parte disto.102

Por vezes Ajith usa o termo princípios, e outras vezes verdade universal, mas do contexto é claro que, para ele, significam a mesma coisa. O problema específico que ele atribuiu a si mesmo é procurar uma fórmula que lhe permita definir um conjunto de princípios e verdades universais que sejam invioláveis, que já não estejam sujeitos à divisão em dois, como realçada por Mao.

Verdade absoluta e verdade relativa e o progresso do conhecimento

A forma como compreendemos a relação entre a verdade absoluta (que denota a totalidade do conhecimento possível da realidade material) e a natureza relativa e aproximada do nosso conhecimento real, existente, da realidade é um princípio básico do materialismo dialético. Esta questão foi exaustivamente desenvolvida por Engels em Anti-Dühring e por Lenine em Materialismo e Empiriocriticismo103. Avakian coloca isto da seguinte forma: “O comunismo fez um importante avanço na compreensão do mundo — um importante avanço com o materialismo dialético. Mas isto não significa que compreendemos tudo sobre o materialismo dialético a cada momento dado — ou que alguma vez venhamos a compreender — e, como reflexão mais profunda, não significa que compreendemos tudo sobre a realidade e o universo, ou que alguma vez venhamos a compreender.”104

Regressemos ao acima referido exemplo de Ajith sobre a ditadura do proletariado. É um conceito do marxismo cientificamente fundamentado e universalmente válido. Mas o nosso entendimento atual da ditadura do proletariado não é em si mesmo uma verdade absoluta que resista à mudança e que só pode diferir na sua aplicação, como Ajith está a argumentar na citação acima.

A teoria da ditadura do proletariado não é uma conceção platónica, ideal e pura, que estava à espera de ser descoberta — é uma abstração científica feita primeiramente por Marx e Engels com base na síntese de um grande número de elementos do desenvolvimento histórico, do processo revolucionário, e por aí adiante. Também havia muita coisa que estava incompleta e mesmo elementos que estavam errados na formulação inicial de Marx sobre a teoria da ditadura do proletariado.

De forma semelhante, vimos que o entendimento de Lenine, Mao e Avakian sobre a ditadura do proletariado evoluiu por etapas, e que aspectos significativos do anterior entendimento foram vistos como estando incompletos ou parcialmente errados, ao mesmo tempo que a conceção da ditadura do proletariado foi sendo enriquecida. A expressão ditadura do proletariado pode e tem sido usada para refletir programas políticos e mundividências bastante diferentes e opostas.

O golpe de estado contrarrevolucionário na China em 1976 após a morte de Mao, por exemplo, foi levado a cabo sob a bandeira de proteger a ditadura do proletariado contra os seguidores de Mao. Portanto, claramente não foi suficiente haver uma aceitação do princípio universal da ditadura do proletariado como “posição ideológica”, tal como argumenta Ajith, e meramente debater a sua aplicação; era necessário um maior aprofundamento das razões históricas e materiais da ditadura do proletariado e o seu conteúdo. De facto, essa discussão esteve muito no centro da luta entre as duas linhas na China que se desenvolveu durante os anos anteriores ao golpe de estado.105 Apenas conhecer a posição ideológica sobre a ditadura do proletariado não foi suficiente para capacitar muitas pessoas na China ou no movimento maoista a nível internacional a distinguirem o marxismo do revisionismo, tal como conhecer o princípio da ditadura do proletariado não parece ter sido uma grande ajuda a Ajith para compreender o abandono revisionista da revolução no Nepal, do qual ele foi um apologista.106

Em qualquer campo da ciência há um corpo de trabalho estabelecido que tem mostrado corresponder à realidade objetiva e que serve de base para um maior avanço. Mas este processo irá envolver necessariamente um reexame de princípios, premissas e conceitos, especialmente naqueles pontos do desenvolvimento de uma dada ciência onde é necessário um salto na compreensão para explicar diversos fenómenos de uma forma mais correta.

Ajith cita Avakian numa nota de rodapé, na qual ele explica uma importante forma como a verdadeira ciência avança: “Claro, é possível que uma teoria científica seja verdadeira — que reflita corretamente a realidade — nos seus aspectos principais e essenciais, mas que se mostre ser incorreta em certos aspectos secundários — e, em conformidade com isso, algumas das suas previsões específicas se comprovem não ser verdadeiras. E quando isso acontece, a aplicação do método científico leva a um maior desenvolvimento da teoria — através do abandono, ou modificação, de certos aspectos da teoria e da adição de novos elementos.”107 Ajith então continua, acrescentando: “Isto baseia-se na pressuposição de que o conceito popperista de falseabilidade é completamente aplicável ao marxismo.” Além da clara distorção de Avakian por parte de Ajith ao acrescentar a palavra “completamente” antes de “aplicável”, esta suposta refutação de Avakian é realmente apenas mais uma autodenúncia de Ajith.

Avakian está correto ao insistir que o marxismo, tal como qualquer outra ciência, pode e tem de descartar e modificar certos aspectos do seu entendimento anterior e adicionar novos elementos quando alguns aspectos secundários mostrarem não ser verdadeiros. Que há de errado nisto? O argumento de Ajith conduz inevitavelmente à conclusão de que a versão dele do marxismo não precisa de descartar os aspectos que mostrarem não ser verdadeiros. De facto, isto ajusta-se bem ao conceito de Ajith de verdade de classe.

Vimos antes a aversão de Ajith ao método científico na recusa dele a aceitar que o marxismo pode ser sujeito ao critério da falseabilidade. Ajith escreve:

Recuperemos a observação de Mao de que, apesar de terem ideias corretas, os representantes da classe avançada podem ainda assim sofrer derrotas devido à sua fraqueza comparativa. Pela sua própria lógica, o critério da falseabilidade nunca pode abranger este paradoxo. Para este critério, um fracasso é simplesmente um fracasso e uma prova conclusiva de não ser científico. A defesa do marxismo feita por Avakian está portanto fatalmente viciada.108

De facto, o exemplo de Ajith nada contribui para provar o argumento dele e realmente só mostra o quão errada é a conceção dele do marxismo.

Um “fracasso” num qualquer esforço marxista específico, como as tentativas de revolução num qualquer país específico num qualquer momento específico, não falseia os princípios centrais do marxismo, como a necessidade da revolução e da ditadura do proletariado. Estes princípios centrais, tal como discutimos antes em relação à refutação de Popper por Avakian, estão sujeitos a falseamento... mas não foram falseados.

Ajith partilha a mesma compreensão errónea da ciência que os positivistas e Popper, de que a essência da obra científica é fazer previsões precisas que possam então ser testadas. Uma vez mais, isto é uma visão errada da ciência em geral, incluindo da ciência do marxismo. Contudo, o marxismo de facto teoriza leis, tendências e dinâmicas da história e da sociedade que não são proposições intestáveis nem teorias metafísicas e que, pelo contrário, devem ser e são constantemente “testadas” pelos desenvolvimentos reais.

Não há nada no marxismo que exclua o fracasso ou que preveja que uma dada revolução tenha que triunfar. Mas as razões objetivas de uma derrota (a força dos lados opostos com certeza, mas também o impacto do acaso, do acidental e da contingência), bem como as razões subjetivas (erros ou limitações na forma de pensar dos próprios comunistas) que podem ter contribuído para uma derrota, precisam e podem ser compreendidas e explicadas através de uma análise científica. Quando uma derrota (ou, para o caso, também um sucesso!) revela erros na forma de pensar dos marxistas, é necessário corrigi-los.

Ajith defende-se: “Os fundamentos do marxismo não estão a ser colocados como algo acima da análise crítica. Reconhece-se a necessidade de os desenvolver através da rutura com pontos de vista que não correspondem à realidade social contemporânea.”109

Aqui Ajith está a recuar na sua criação de uma categoria especial de “fundamentos” que estão para além da análise, o que antes tinha sido criticado pelo PCR,EUA. Mas a explicação de Ajith só é parcialmente verdadeira. Não se trata apenas de uma teoria poder já não corresponder à “realidade social contemporânea”. Também acontece, por vezes, que as pessoas podem descobrir erros numa teoria que significam que essa teoria não correspondia, ou não correspondia inteiramente, à anterior realidade social histórica e, além disso, as leis das ciências naturais também se estão a desenvolver à medida que são descobertas novas coisas e são desenvolvidas novas teorias. Ajith continua: “Mas se isto não é feito mantendo-nos firmes na verdade universal do marxismo, irá ocorrer um desvio”110. Uma vez mais, a tautologia — podemos examinar os fundamentos desde que não nos desviemos da “verdade universal do marxismo”.

Ajith afirma que ainda não houve uma “definição satisfatória de quais são os princípios fundamentais do marxismo”. E continua: “Portanto, o desenvolvimento do marxismo não é simplesmente uma questão de submeter a reanálise os seus princípios fundamentais num sentido geral.” O que, claro, nem Avakian nem a crítica do PCR,EUA a Ajith alguma vez alegaram — em qualquer ciência há princípios centrais que, embora também sujeitos a reanálise, servem como blocos constitutivos para um maior avanço. Finalmente, Ajith conclui esta passagem com uma declaração pomposa mas confusa de que “Isto exige a aplicação da verdade universal do marxismo a situações concretas, o que inclui a esfera da prática teórica111.

Deixaremos a outros o tentarem desenredar o que Ajith quer dizer ao chamar à “esfera da prática teórica” uma “situação concreta”. O que nos interessa aqui é que ele continua a defender a sua anterior alegação errada de que há uma categoria especial de “posições ideológicas” ou uma “verdade universal do marxismo” a partir da qual se pode julgar outros argumentos.

Quão seguros podemos estar do nosso conhecimento?

Avakian explicou de uma forma clara e correta a relação entre o conhecimento existente e o seu avanço adicional, e entre a nossa capacidade de ter a certeza de algumas coisas, mesmo quando estamos conscientes da natureza relativa e não-absoluta do nosso conhecimento. Aqui encorajamos novamente o leitor a estudar a obra de Avakian Fora com Todos os Deuses, onde há um extenso tratamento desta questão que é construído a partir da abordagem de Engels e Lenine. Aqui citaremos apenas parte desse fértil trecho. (E também veremos que esta passagem desmente, uma vez mais, a acusação de Ajith de que Avakian ignora o aspecto estritamente filosófico do marxismo.)

Isto leva-me à questão mais geral da certeza, da certeza científica e moral — o que é o mesmo e o que é diferente nelas, (...) para invocar o que talvez pareça ser um oximoro, podemos chegar à certeza, de uma forma relativa. (...) É possível ter, numa base correta, a certeza de certas coisas. (...) Podemos dizer com certeza que a evolução é um facto cientificamente estabelecido. Ou, em termos simples e básicos: que é verdadeira. (...)112

Isto é ainda mais explicado por Ardea Skybreak em A Ciência da Evolução e o Mito do Criacionismo — Saber o Que É Real e Porque Isso É Importante:

[N]unca teremos uma verdade absoluta — no sentido de que nunca saberemos tudo o que se pode saber sobre tudo — mas temos alguns meios e métodos para chegarmos ao ponto em que podemos dizer, com um alto grau de confiança, que algo é verdade — querendo dizer que realmente corresponde a algum aspecto da realidade material tal como ela existe.

[A] questão é que é bom e importante questionar tudo, mas também é bom e importante reconhecer que nem tudo estará sempre disponível — por vezes podemos saber o suficiente sobre alguma coisa para a aceitarmos como verdadeira.113 [Ênfase no original]

A abordagem científica requer que nos baseemos no que sabemos ser verdade num dado momento e que interajamos com o mundo material e social — e que aprendamos e descubramos coisas novas. Mas, uma vez mais, tal como enfatiza Skybreak, isto não significa que nunca possamos chegar a uma conclusão e dizer que alguma coisa é verdade.

Não há nenhuma validade na alegação de Ajith de que Avakian e o PCR,EUA estão a “submeter a reanálise os seus princípios fundamentais [do comunismo] num sentido geral”. Mas a “certeza” de Avakian é baseada cientificamente e não “baseada na fé”.

O que é necessário compreender é que quando Ajith abandona de uma forma fundamental o método e a abordagem científicos, e ainda mais já que Ajith está decidido a manter-se de pé firme e a defender os seus erros epistemológicos, ele cai em diferentes erros, muitas vezes aparentemente opostos.

Por um lado, ele rejeita como “cientismo” a insistência de Avakian na fundação científica do marxismo e ataca violentamente Avakian por este insistir numa abordagem e numa metodologia científicos. Por outro lado, Ajith pega nos piores métodos que infestam a ciência e que foram elevados a princípio por algumas escolas, como o positivismo e o empirismo, para descrever como é que ele acredita que o marxismo se desenvolve (esta é a base para a crítica dele de que Avakian nega o papel da “prática no desenvolvimento da teoria”).

Por um lado, Ajith não vê o marxismo como ciência. O marxismo torna-se numa espécie de ferramenta técnica para resolver problemas — ele deve lidar com necessidades muito específicas — e, neste sentido, uma abordagem empirista e pragmatista ao “que funciona” é suficiente para determinar a verdade. Por outro lado, o marxismo de Ajith, caso tenha um âmbito teórico, deve ser visto como uma espécie de sistema de crenças que está, pela sua própria natureza, divorciado e fora do alcance da ciência. Ajith divide-se por dois pontos de vista errados cuja unidade é a rejeição da ciência na explicação do movimento e do desenvolvimento da sociedade humana.

Em vários pontos de “Contra o Avakianismo”, Ajith ataca Avakian e o PCR,EUA dizendo que os “princípios fundamentais” do marxismo são reduzidos a “método e abordagem”. A muitas vezes repetida divisão por parte de Ajith entre princípios e método é central na insistência dele em que o marxismo se fundamente em princípios primordiais e axiomáticos como base para um julgamento ulterior (ainda que ele seja forçado a admitir que ainda não conseguiu catalogá-los).

VII. A revolução comunista é necessária e possível, mas não inevitável... tem de ser feita conscientemente

Avakian tem criticado as tendências no marxismo para a teleologia, i.e., o ponto de vista de que a natureza e a história estão dotadas de um propósito, que são impelidas por um fim ou uma meta preexistente — e a tendência relacionada para o “inevitabilismo”, ou seja, a crença em que um determinado desfecho na natureza ou na sociedade, e em particular o triunfo final do comunismo, é inevitável. O entendimento pelo qual Avakian tem vindo a lutar é central para o materialismo e o método científico da nova síntese.

Ajith reage veementemente à crítica de Avakian e dedica várias páginas a tentar refutar Avakian neste ponto. Mas Ajith hesita entre defender a noção de inevitabilidade e negar que o marxismo alguma vez tenha exibido essas tendências de todo — ele quer “ficar com o bolo e também comê-lo” através da redefinição de termos bem estabelecidos e de ignorar ou tentar ocultar evidências óbvias na história do movimento comunista.

Ele alega que Marx se opôs à teleologia desde o início, ao mesmo tempo que argumenta que a inevitabilidade não significa o que comummente se entende por esse termo: ele concede que “não há nenhuma certeza preconceituosa de que a humanidade chegará ao comunismo” e depois recua imediatamente ao acrescentar: “Mas será que estas possibilidades eliminam em bloco a inevitabilidade do desenvolvimento histórico? Não, não eliminam.”114

Os esforços de Ajith para fazer uma distinção entre “certeza” e “inevitabilidade” são realmente apenas uma tentativa grosseira de jogar com as palavras e evitar enfrentar a realidade. Veja-se, por exemplo, como é que Zhang Chunqiao, um destacado representante do quartel-general revolucionário no Partido Comunista da China, disse isto: “A burguesia e todas as outras classes exploradoras serão eliminadas e o comunismo triunfará, isso é algo de inevitável, certo, independente da vontade do homem.”115 Não só Zhang usa “inevitável” e “certo” como sinónimos como, ao acrescentar “independente da vontade do homem” também está a virar-se para uma explicação teleológica do processo histórico.

Ajith opõe-se aos esforços de Avakian para criticar as tendências teleológicas no marxismo dizendo: “[Quanto] a compreender o avanço histórico num sentido teleológico, os fundadores do marxismo negaram isto logo desde os seus primeiros textos.”116 Antes de mais, Avakian nunca alegou que a conceção da história em Marx fosse teleológica na sua essência. Pelo contrário, Marx abriu um novo horizonte científico no estudo da história não baseado numa indagação metafísica e especulativa da história e por vezes Marx e Engels fizeram fortes críticas à teleologia.117 Marx era um materialista e pôde compreender as reais contradições materiais, em especial a contradição entre as forças e as relações de produção, que moldam a sociedade humana e o seu desenvolvimento.

Avakian tem colocado uma grande ênfase neste avanço científico e na conceção central de Marx que diz respeito à “coerência” da história humana. Por outras palavras, a história não é apenas uma barafunda amorfa de acontecimentos e coincidências desconexos, nem é fundamentalmente o produto das ideias de grandes homens e mulheres ou heróis. Nem a história é o produto do desenvolvimento e a autorrealização da Ideia Absoluta, tal como especula o idealismo do género hegeliano. Porém, dentro do corpo do marxismo, incluindo os seus maiores mestres, têm existido tendências secundárias que são inconsistentes com o método e a abordagem científicos globais do marxismo, incluindo tendências teleológicas.

Veja-se o conceito da “negação da negação”, que Marx e Engels tomaram de Hegel, o qual o tinha formulado como “lei”. Isto tem definitivamente implicações teleológicas. A abordagem fundamentalmente científica de Marx e Engels também está entrelaçada com insuficiências no materialismo das ciências naturais do tempo deles.118 Mas há exemplos contemporâneos de raciocínio teleológico ainda mais óbvios e nefastos, os quais Ajith convenientemente ignora.

Uma versão extrema disto, proveniente de uma experiência mais contemporânea, é a afirmação do Presidente Gonzalo do Partido Comunista do Peru (PCP), que declarou: “Recordemos o que enunciámos em 1979: 15 mil milhões de anos de matéria em movimento, a parte do processo que conhecemos, levaram à marcha irrefreável do comunismo.”119 Esta afirmação é, para o dizer de uma forma branda, uma aguda expressão de um raciocínio teleológico — de que há um propósito na natureza e na história. Embora isto seja particularmente evidente nos textos de Gonzalo, dificilmente está limitado a ele.

A história natural do universo definitivamente não está a “levar” a nenhum lugar de uma maneira predeterminada, incluindo não à vitória da revolução comunista neste minúsculo ponto de matéria nesta parte do universo.120 Este raciocínio teleológico não pode explicar a evolução do nosso universo nem o desenvolvimento e as mudanças nas formas de vida na Terra, entre os quais o aparecimento do Homo sapiens e da sociedade humana, nem o desenvolvimento das classes e o aparecimento tanto da base material como da necessidade da revolução comunista.

Este tipo de forma de pensar tem muito em comum com um certo tipo de mundividência teológica — é negada a existência de uma divindade transcendente que intervém nos assuntos terrenos, mas continua a haver um deus “imanente” co-substancial à própria natureza e dotado de um propósito e um objetivo e admitidamente regido, para tomar emprestadas as palavras de Ajith, a partir de um contexto diferente mas relacionado, através de uma “interconexão lógica, ordenada e consistente”121. Uma tal mundividência irá dificultar, em última análise, a nossa capacidade de compreender corretamente o mundo e de o transformar.

Avakian trouxe um entendimento mais cientificamente correto deste assunto:

Nem o surgimento da espécie humana nem o desenvolvimento da sociedade humana até ao presente foram predeterminados nem seguiram caminhos predeterminados. Não há uma intenção transcendente nem um agente que tenha concebido e moldado todo este desenvolvimento e a natureza e a história não devem ser tratadas como tal — como Natureza e História. Em vez disso, esse desenvolvimento ocorre através da interação dialética entre necessidade e acidente e, no caso da história humana, entre as forças materiais subjacentes e a atividade e a luta conscientes das pessoas.122

Avakian está a ir buscar à ciência lições que fortalecem a filosofia materialista. As tendências para ver na natureza processos “com propósito” e em busca de um objetivo têm existido nas ciências e na filosofia e também têm influenciado o movimento comunista.123

Marx e Avakian sobre a “coerência” na história humana

Num importante ensaio teórico, Para Uma Colheita de Dragões, escrito em 1983 por ocasião do centenário da morte de Marx, Avakian discute “porquê e como os princípios do materialismo dialético se aplicam à sociedade humana e ao seu desenvolvimento histórico”124, e cita uma importante conceção de Marx:

Devido a este simples fenómeno, a saber, que a geração posterior encontra as forças produtivas adquiridas pela geração anterior que lhe servirão como matéria-prima de uma nova produção, deriva a existência de uma conexão na história dos homens, uma história da humanidade que as forças produtivas dos homens e, por consequência, as suas relações sociais desenvolveram.125

Numa obra mais recente, Avakian prossegue esta luta pelo materialismo histórico:

[Tal como] Marx também assinalou com uma ênfase muito importante, estas relações de produção foram estabelecidas e estão em efeito de uma forma em grande medida independente da vontade dos indivíduos. Por outras palavras, as relações de produção não são arbitrariamente determinadas pela vontade dos indivíduos, incluindo aqueles que constituem a classe dominante da sociedade e que têm o domínio da propriedade dos meios de produção. (...) Uma vez mais, eis aqui a analogia entre as mudanças na sociedade humana e as mudanças — a evolução — no mundo natural em geral.

Era também isto que Marx assinalava ao realçar que há uma certa “conexão” [“coerência”] na história humana. Temos salientado que não há nenhuma inevitabilidade em relação ao comunismo, não há nenhum rumo inevitável para a sociedade humana. Mas há uma certa coerência. Assim, toda a gente, incluindo os membros da classe dominante de qualquer sociedade, tem de lidar com o que é lhe legado em termos de forças produtivas — e de relações de produção — das gerações anteriores, ainda que em certas conjunturas críticas se deem saltos em termos da transformação das relações de produção através de uma revolução na superstrutura (...).126

Ajith critica a interpretação de Avakian da passagem de Marx acima citada. Em vez de captar o materialismo subjacente, Ajith vê uma evidência de inevitabilidade. A passagem completa dele diz:

A conceção materialista da história abrange determinações de necessidade, de inevitabilidade, a vários níveis da existência e do desenvolvimento humanos. Quando Marx fala de coerência no desenvolvimento histórico, ele indica a interconexão lógica, ordenada e consistente de vários aspectos da vida social. É desnecessário dizer que estas interconexões contêm invariavelmente a necessidade. Há um elemento de inevitabilidade nelas. É isto que dá origem ao rumo no movimento histórico, ao potencial para o avanço histórico. Se isto se concretiza, ou se outros fatores venham a perturbar esta resolução das contradições, isso é uma questão diferente. O uso por Marx do termo “coerência” é consistente com o entendimento dele do papel da “inevitabilidade” na história. A interpretação de Avakian elimina a base materialista da historiografia marxiana.127

Vejamos o que Ajith está a fazer. Ele pega na correta e crucial conceção de Marx sobre a “conexão” [coerência] na história humana e — tal como a mão de um mágico é mais rápida que o olho — introduz este “elemento” ou “papel da ‘inevitabilidade’”. Ele pega na verdade de que há certas inter-relações necessárias na sociedade humana, por exemplo, entre a base económica da sociedade e as estruturas políticas e ideias dominantes na sociedade, e transforma isto numa doutrina da inevitabilidade.

Inevitabilidade quer dizer que “não se pode evitar”. Indica uma trajetória fixa de desenvolvimento sem nenhum outro resultado possível. A necessidade é diferente; a necessidade determina, estrutura e limita os potenciais e os caminhos, mas nem sempre produz um resultado único. O conceito de necessidade envolve leis causais, há relações de “causa e efeito”, mas isto não é linear nem predeterminado — é um processo dinâmico.

Para tornar isto mais claro, tomemos um exemplo. O capitalismo, enquanto sistema económico movido pelo lucro que é, poderia não funcionar se as leis, a cultura e os valores dominantes na sociedade defendessem, impusessem e reforçassem mandatos em que nenhuma empresa pudesse despedir trabalhadores, (...) em que toda a gente tivesse direito a comer (...) e em que a sociedade garantisse um desenvolvimento fecundo e global do indivíduo. Se houvesse este tipo de superstrutura legal-política-moral, uma economia capitalista iria simplesmente colapsar (ou a classe capitalista iria destruir essa superstrutura). Isto é outra forma de dizer que há características e relações necessárias na sociedade capitalista — deve haver uma certa correspondência (há uma correspondência necessária) entre a base económica e estruturas políticas e as ideias e valores dominantes. Mas não era inevitável que o capitalismo tivesse emergido na história humana, ou que assumisse as formas precisas que tem.

Ajith não só está a trivializar o verdadeiro significado da inevitabilidade como também está a tentar transformar a “coerência” de Marx num inevitável esquema de desenvolvimento completamente “lógico, ordenado e consistente”.

Ao fazê-lo, nega o papel do acidente e do acaso na história. Isto é empurrar na direção de dizer que tudo o que aconteceu tinha de acontecer, e de uma maneira forçosamente determinística. O “maoista” Ajith faria bem em aprender com a visão dinâmica e revolucionária de Mao Tsétung sobre a realidade contraditória e constantemente em agitação (por exemplo, “os desastres são fenómenos sociais, fenómenos naturais. As mudanças súbitas são a lei mais fundamental do universo”128).

A aceitação por Ajith da “inevitabilidade” não é uma questão menor. Porque além de negar o papel do acidente, e a verdadeira dinâmica do desenvolvimento, há um problema ainda maior. Ajith é incapaz de compreender, de aprofundar, o papel dinâmico consciente dos seres humanos, que tem raiz na relação entre liberdade e necessidade (um ponto a que regressaremos mais adiante). A visão dele da inevitabilidade é muito semelhante à visão dele do proletariado e das suas condições materiais: os inevitáveis mecanismos do sistema farão com que eles se tornem agentes conscientes da revolução comunista.

A verdadeira dinâmica da história e os pontos de vista erróneos no movimento comunista

Embora Ajith objete veementemente ao argumento de que a teleologia influenciou os argumentos de Marx e outros líderes, ele alega que, sem a inevitabilidade, “o que fica do materialismo histórico?”

O pensamento determinístico e mecânico sob diferentes formas, ao procurar um “movimento típico”, tem contribuído para erros significativos no movimento comunista ao analisar acontecimentos e tendências em desenvolvimento.129

Na China, estas mesmas tendências foram representadas em particular pelo argumento de Lin Piao de que “vivemos numa era em que, em todo o mundo, o imperialismo se precipita para o seu colapso e o socialismo e o comunismo avançam para a vitória em todo o mundo”130. Isto era uma visão distorcida da dinâmica de funcionamento do sistema imperialista mundial. As tendências parciais desse período foram absolutizadas e transformadas na marcha inevitável da história mundial.

Estas teorias tiveram efeitos muito nefastos no movimento maoista a nível internacional. O próprio Mao não foi totalmente imune a estas tendências, mas à medida que ele se confrontava cada vez mais com as contradições envolvidas em fazer avançar a revolução sob o socialismo, a tendência dele foi para se basear mais no materialismo e questionar alguma da “sabedoria recebida” do movimento comunista. Ajith foi na direção oposta, não só ao ressuscitar grande parte do conteúdo específico do desejo ilusório nacionalista e conveniente de Lin Piao mas também ao insistir no “inevitabilismo” associado à mundividência de Lin.

Avakian tem vindo a aprofundar e a construir sobre o avanço científico de Marx, ao identificar e combater as tendências secundárias que também podem ser encontradas nos textos de Marx, Lenine e Mao. Embora esses erros sejam secundários no pensamento e nos textos dos grandes líderes da revolução proletária, historicamente dentro das fileiras do movimento comunista estas tendências secundárias têm aumentado em importância e âmbito, ameaçando substituir a base materialista científica do próprio marxismo.

Só um padre que se recusa a examinar os “fundamentos” da sua fé, e não um praticante de uma ciência genuína e viva, ficaria surpreendido, chocado ou ofendido quando um erro (mesmo um erro importante) é posteriormente descoberto. De facto, é com conceções como a de “milhões de anos de processo da matéria em movimento” que levam ao comunismo e com o apego desesperado de Ajith ao inevitabilismo que “não fica muito do materialismo histórico”.

Ajith não dá atenção a exemplos óbvios de teleologia no movimento comunista contemporâneo porque, na realidade, ele próprio partilha em grande medida esta conceptualização. O verdadeiro problema dele não é que Avakian tenha imputado injustamente alguma “teleologia” a Marx e Engels, mas que a própria mundividência dele se baseia abundantemente numa crença na “inevitabilidade”.

Há leis tendenciais subjacentes na história. Um dos grandes sucessos de Marx foi identificar a contradição entre as forças e as relações de produção como motor subjacente do desenvolvimento social. Esta contradição subjacente desenvolve-se através da mediação de diferentes aspectos e contradições na sociedade, nas lutas de classes, nas questões ideológicas, nas crises e guerras, etc., que se entrelaçam e podem acelerar ou mitigar o desenvolvimento global da contradição fundamental da época burguesa: entre a produção socializada e a apropriação privada.

Em vez de procurar os processos e estruturas reais e materiais que dão à história a coerência de que falava Marx, o “elemento de inevitabilidade” de Ajith procura impor um propósito e um significado ao processo histórico (a própria definição de teleologia que Ajith nega) e vê o proletariado como seu produto e agente inevitável.

O potencial para a revolução pode ser cientificamente identificado, as tendências devem ser reconhecidas e é com base nisso que a luta revolucionária precisa de ser desenvolvida e liderada. Contudo, ninguém pode dizer com certeza como e mesmo se qualquer potencial específico se irá concretizar numa dada sociedade ou mesmo à escala mundial. Note-se que os próprios Marx e Engels escreveram sobre como por vezes a luta de classes resultou na destruição mútua das classes em disputa.131

Liberdade, necessidade e transformação da necessidade

Avakian desenvolveu ainda mais o entendimento marxista da relação entre liberdade e necessidade. A liberdade não reside na ausência de necessidade mas no reconhecimento, compreensão e transformação da necessidade através da atividade humana consciente, através da luta.

A necessidade refere-se às condições e constrangimentos subjacentes, tanto naturais como sociais, que impõem limites em qualquer momento dado ao que as pessoas podem fazer e como. As pessoas são compelidas a responder à necessidade. Na sociedade capitalista, por exemplo, a vasta maioria das pessoas, para poderem viver têm de trabalhar — e têm de trabalhar, de encontrar trabalho, numa economia que opera na base da propriedade privada e de acordo com os ditames do lucro. As obrigações que as pessoas têm umas para com as outras, para com os seus filhos e a sociedade são uma outra forma de necessidade. Os ecossistemas (e a crise ambiental) do planeta impõem certos limites à forma como as pessoas podem viver e sustentar-se.

A liberdade refere-se principalmente à capacidade e ao âmbito de as pessoas, tanto como indivíduos mas mais decisivamente a nível social e coletivo, agirem e efetuarem mudanças e transformarem a sociedade e a natureza. Isto é a liberdade positiva. Há também a liberdade negativa de se ser capaz de prosseguir inclinações individuais sem a interferência das instituições da sociedade, desde que esse prosseguimento não prejudique outras pessoas ou a sociedade de uma forma mais geral.

Avakian tem realçado que, através da compreensão da realidade material subjacente e da identificação de possíveis canais e caminhos de desenvolvimento, a necessidade pode ser transformada em liberdade. Os constrangimentos e as possibilidades formam uma contradição, uma unidade de contrários, e fornecem a base para a realidade ser transformada. Além disso, Avakian tem realçado que este processo é contínuo, com um movimento em espiral, através do qual é criada uma nova necessidade, a qual, por sua vez, também deve ser transformada em liberdade através da luta. Há algo mais de importância crítica que Avakian apresenta na obra dele, O Comunismo e a Democracia Jeffersoniana:

Atualmente, ainda estamos na era da história humana em que as tentativas de qualquer indivíduo ou de qualquer grupo para responder à necessidade não só têm de confrontar essa necessidade num sentido geral, como ao tentarem fazê-lo enfrentam obstáculos impostos pelas divisões sociais e de classe e pelas correspondentes ideias e perspetivas.

A diferença essencial em relação à sociedade comunista não é que já não teríamos de enfrentar a necessidade, ou que já não seriam estabelecidas nenhumas condições — não só por parte da natureza mas também socialmente — mas que os seres humanos, individualmente e acima de tudo coletivamente, seriam capazes de confrontar e abordar a transformação dessa necessidade sem os entraves das divisões de classe e de outras relações sociais de opressão e das correspondentes ideias, incluindo as formas em que uma compreensão da realidade é distorcida pelo prisma destas relações sociais e de classe antagónicas, e das ideias e perspetivas que lhes correspondem. (...)

O comunismo visiona e irá encarnar toda uma nova dimensão da liberdade positiva: com as pessoas a procurar, e a efetuar, individualmente mas acima de tudo em conjunto e através da sua interação mútua — incluindo através da luta não-antagónica — a transformação permanente da sociedade e da natureza (e da relação entre as duas) para melhorar continuamente a vida material, intelectual e cultural da sociedade como um todo, bem como dos indivíduos que constituem a sociedade.132 [Ênfase no original]

A compreensão errada de liberdade e necessidade por parte de Ajith

Ajith é incapaz de compreender a liberdade e a necessidade neste tipo de forma dinâmica, dialética e revolucionária. O entendimento diferente e errado de Ajith da relação entre liberdade e necessidade aparece nos comentários dele sobre uma famosa afirmação de Engels onde este menciona “o salto da humanidade do reino da necessidade para o reino da liberdade”. Embora iremos ver que está registado que Ajith acusa Marx e Engels de estarem presos à tradição do Iluminismo, para Ajith qualquer crítica à afirmação unilateral de Engels sobre a relação entre liberdade e necessidade, que tem a influência de Hegel, é um apelo às armas: “A imputação de Avakian é que Marx e Engels tenderam a ignorar ou a subestimar o papel da necessidade no comunismo. Procura-se encerrar isto com banalidades sobre como a necessidade irá continuar a existir no comunismo.”133

Ajith elabora:

O conceito de “reino da necessidade” tem um significado específico no marxismo. Não é a necessidade em geral, mas o reino das necessidades físicas da existência humana.[!] Quando Marx escreveu sobre a passagem do reino da necessidade para o reino da liberdade, ele foi explícito em que isto não significaria o fim do reino da necessidade. A questão era que a humanidade já não seria regida por ela, mas seria capaz de a submeter ao seu controlo. [Ênfase nossa.] Assim, as suas necessidades físicas de existência seriam alcançadas com o menor gasto de energia e sob condições mais favoráveis à sua natureza humana, e merecedoras dela. Isto por sua vez iria permitir-lhe desenvolver as suas faculdades humanas no maior grau possível nas circunstâncias dadas. Evidentemente, não há aqui nada que sugira, mesmo que remotamente, uma libertação da necessidade.

Em apoio do seu argumento, Ajith cita o Livro III de O Capital em que Marx escreveu:

Assim como o homem primitivo tem de lutar contra a natureza para prover as suas necessidades, para se manter vivo e se reproduzir, o homem civilizado também é forçado a fazer o mesmo, sejam quais forem a estrutura da sociedade e o modo de produção. Com o desenvolvimento do homem, estende-se por igual o reino das necessidades naturais, e, ao mesmo tempo, alargam-se as forças produtivas para as satisfazer. Neste domínio, a única liberdade possível é que o homem social, e os produtores associados, regulem racionalmente as suas trocas com a natureza, que a controlem juntos em vez de serem dominados pela cega potência da mesma natureza, e que realizem as trocas gastando o mínimo de força, nas mais dignas condições e nas mais conformes à natureza humana. Esta atividade constituirá sempre o reino da necessidade; é aí que começa o desenvolvimento das forças humanas como objetivo em si, o verdadeiro reino da liberdade, que só pode desabrochar fundando-se no reino da necessidade.134 [Ênfase acrescentada por Ajith]

Aqui Marx reflete o seu entendimento materialista histórico científico da liberdade e da necessidade enfrentadas pela humanidade. Porém, continua a haver ambiguidade, como se vê na expressão “o verdadeiro reino da liberdade” e em “que [os homens] a controlem [a natureza] juntos”. O problema é que o que representa talvez apenas uma sombra de erro na forma de pensar de Marx foi agravado e consolidado em entendimentos errados entre os comunistas. Ajith mostra que ele próprio não está livre desta forma de pensar e que, de facto, quer consagrar um erro.

Ele parafraseia com ligeireza Marx sobre a necessidade de “submeter [a natureza] ao seu controlo” sem parecer ter notado a implicação errónea e nefasta de pensar, ou de agir como tal, que a humanidade pudesse alguma vez submeter a natureza ao seu controlo. Em primeiro lugar, a humanidade faz parte da natureza (de facto, noutros locais Marx mostra uma notável presciência ao discutir a relação entre a humanidade e a natureza, demonstrando mesmo um notável discernimento sobre alguns problemas ecológicos que só se tornariam evidentes várias gerações mais tarde). Mas Ajith, apesar da experiência contemporânea e de uma discussão muito generalizada sobre a degradação do meio ambiente e dos ecossistemas, contenta-se em repetir o anterior entendimento marxista que tendia a ver a humanidade a passar de um estado de subordinação à natureza para um de domínio e utilização da natureza.

A compreensão mais correta é que a humanidade tem de regular de uma maneira cada vez mais consciente as inter-relações da sociedade humana com a natureza, e de captar de uma maneira mais profunda as leis e a dinâmica do desenvolvimento do mundo natural — e não menos a crise dos ecossistemas do planeta. Avakian tem enfatizado a necessidade de os emancipadores da humanidade também serem os protetores do planeta.

Este mesmo ponto de vista errado também se vê quando Ajith diz que “o reino da necessidade tem um significado específico para os marxistas”, que só se refere ao “reino das necessidades físicas da existência humana”. Isto é filosoficamente irregular já que as necessidades físicas da humanidade são apenas um subconjunto da escala completa da necessidade na natureza e na sociedade. Além disso, esta incorreta definição da necessidade alimenta os pontos de vista pragmatistas e economicistas que têm infestado o movimento comunista. De facto, o estudo da experiência das primeiras sociedades socialistas revela a importante necessidade de expandir os horizontes das massas (e da sua liderança) a muito mais do que simplesmente satisfazer as necessidades físicas da humanidade, apesar do quão importante isso continue a ser.

Um olhar mais detalhado a diferentes passagens de Marx e Engels, e especialmente à passagem de Anti-Dühring que há muito tempo é considerada a apresentação autorizada do ponto de vista marxista sobre liberdade e necessidade, mostra que Ajith está errado na sua descrição do pensamento de Marx e Engels.

Engels escreveu em Anti-Dühring:

O círculo de condições de vida que rodeia o Homem e que até aqui o dominava passará a estar sob o domínio e o controlo dos homens, que pela primeira vez se tornarão senhores autênticos e conscientes da natureza, visto serem senhores da sua própria vida em sociedade. Do mesmo modo, as leis da sua prática social, que até aqui se têm erguido diante deles como leis naturais, estranhas e dominadoras, serão desde então aplicadas pelos homens com pleno conhecimento de causa e por eles dominadas.135 [Ênfase nossa]

Engels está a falar não apenas das imediatas “necessidades físicas da existência humana”, como insiste Ajith, mas a fazer uma afirmação mais vasta, mais geral, sobre a necessidade. Isto é claro, por exemplo, na referência de Engels às “leis da sua prática social”. Engels de seguida argumenta:

[A] vida em sociedade inerente aos homens e que até aqui também se erguia diante deles se fosse outorgada pela natureza e pela história, tornar-se-á da sua parte um ato pessoal e livre. As forças estranhas, objetivas, que até agora têm dominado a história, passarão para o controlo dos homens. Só a partir desse momento os homens farão a sua própria história com plena consciência; só a partir desse momento as causas sociais postas por eles em movimento produzirão preponderantemente e em medida sempre crescente os efeitos por eles pretendidos. Será o salto da humanidade do reino da necessidade para o reino da liberdade.136 [Ênfase nossa]

Um salto mas não para a liberdade absoluta

Esta passagem de Engels há muito que tem sido apreciada pela sua extensiva descrição da extraordinária transformação que será conseguida pela humanidade ao abolir a divisão e os antagonismos de classe e ao se organizar conscientemente para transformar as suas próprias condições de existência e a sua relação com o resto da natureza. Isto significará, como insiste Engels, um salto da humanidade para uma liberdade qualitativamente maior da que existe sob a sociedade dividida em classes.

Porém, este salto não é um salto para a liberdade absoluta, como a celebrada citação de Engels poderia dar a entender. Nem pode haver uma reconciliação e resolução final de todas as contradições da história. A necessidade continua a existir — a própria necessidade será continuamente transformada, e para a humanidade haverá constantemente novos desafios e constrangimentos, bem como novas possibilidades e caminhos.

Nem a humanidade será alguma vez capaz de fazer a sua própria história “de uma forma plenamente consciente”. O conhecimento ficará sempre atrás da realidade. As contradições da necessidade e da contingência colocarão sempre em jogo novos elementos inesperados. Existirão sempre elementos de indeterminismo na estrutura da realidade, juntamente com elementos de determinismo que atuam através de leis causais. Se o salto para o comunismo não for compreendido desta forma, haverá uma forte tendência para ver o comunismo como o “fim da história”.

Engels também escreveu que Marx “nunca fundamentou desse modo [no princípio moral] as suas reivindicações comunistas, mas sim na ruína necessária do modo de produção capitalista, que se consuma aos nossos olhos todos os dias e cada vez mais”137. Ajith é cego às debilidades na discussão de liberdade e necessidade por parte de Engels, porque ela dá conforto a uma persistente noção de inevitabilidade que Ajith aprecia, porque ele está à procura de algum “domínio completo” da natureza que de facto nunca é possível, e porque não entende o papel da transformação para arrancar a liberdade à necessidade, o que conduz sempre, como uma espiral, a uma nova necessidade.

Ajith diz que a discussão destes pontos por Avakian não apresenta nada mais que “banalidades sobre como a necessidade irá continuar a existir no comunismo”. Mas o não-reconhecimento do que Ajith ridiculariza como “banalidades”, a continuação da existência de contradições no comunismo, tem sido de facto um importante problema no movimento comunista. Há muito que existe uma perspetiva quase religiosa do comunismo como um paraíso sem contradição, a reconciliação final das contradições na história humana (ou mesmo, como vimos na anterior citação de Gonzalo, o momento final de “15 mil milhões de anos de processo da matéria em movimento”).

Ajith, o (às vezes) “maoista”, ignora o facto de que foi o próprio Mao que iniciou a crítica à formulação de liberdade e necessidade em Engels (a qual, como salientou Mao, “só diz metade e deixa o resto em suspenso”), enfatizando que a liberdade reside não só na “compreensão” mas também na “transformação” da necessidade.138 Avakian compreendeu a importância da crucial observação de Mao que tantos escolheram ignorar (incluindo ainda hoje, como vemos, Ajith) e desenvolveu esta compreensão materialista dialética da relação entre liberdade, necessidade e transformação.139

De facto, esta compreensão de liberdade e necessidade está ligada à ênfase da nova síntese de Avakian na base científica do papel dinâmico das pessoas. Este papel revolucionário consciente das pessoas não vem do voluntarismo, nem do puro poder da vontade, nem de um dom divino oriundo da posição de classe, ou da “inevitabilidade histórica”, mas de um completo reconhecimento de que o caminho possível e favorável do desenvolvimento (a concretização do comunismo) tem as suas raízes nas condições materiais, mas não há um caminho único ou inevitável: para usar novamente as palavras de Avakian, “é necessário desbravá-lo”140.

Na revolução não há predestinação

Ajith escreve:

A resolução das contradições sociais contém inevitabilidade. Por exemplo, uma revolução socialista (ou de nova democracia) é inevitável para a resolução da contradição entre o proletariado e a burguesia. E se a humanidade continuar a existir, as contradições fundamentais do imperialismo irão inevitavelmente continuar a agudizar-se e a originar rebeliões, partidos comunistas e revoluções lideradas por eles.141

Aqui Ajith está simultaneamente a redefinir o conceito bastante claro de “inevitável” e a confundir novamente necessidade e inevitabilidade. A revolução comunista é necessária para resolver as contradições do capitalismo mas não é inevitável. Há contradições e relações objetivas e materiais cuja resolução fornece específica e necessariamente uma base, requer, uma revolução comunista. Mas não há uma força ou processo filosófico determinante que signifique que a revolução irá inevitavelmente ocorrer. Não há “predestinação” na revolução.

As contradições da realidade material objetiva compelem os atores e as classes sociais a agir. Os capitalistas continuarão a explorar a escalas ainda maiores, o proletariado será forçado a vender a sua forca de trabalho e a ser explorado, neste processo será criada ou reforçada uma miríade de outros males sociais, e tudo isto levará a uma grande privação, resistência, luta e sublevações. Porém, a questão é que estas condições formam a base para a revolução comunista como caminho possível e potencial, para resolver complexas contradições sociais. Este é certamente o desfecho altamente desejável e muito necessário para a humanidade, mas há outros caminhos menos desejáveis, como o que aconteceu na África do Sul, onde o regime de apartheid acabou mas não houve uma sociedade libertadora a tomar o seu lugar; ou mesmo caminhos horrendos, como o que aconteceu no Irão a seguir à revolução de 1979 que derrubou o odiado Xá, com a consolidação de um regime islâmico do tipo medieval. Este entendimento materialista reforça a nossa capacidade de lutar para fazer avançar a revolução comunista como desfecho necessário, desejável e possível.

Com base nas mesmas condições objetivas, ou seja, na necessidade, as classes irão colidir e vários atores irão desenvolver compreensões, programas políticos, organizações e soluções diferentes e concorrentes. Contudo, para responder ao confuso exemplo de Ajith, não é de todo inevitável que venha a ser criado um partido comunista, não é de todo inevitável que uma determinada revolução venha a contribuir de facto para a resolução destas condições (veja-se o caso do Irão em 1979), e definitivamente não é inevitável que a humanidade como um todo venha a chegar ao comunismo e muito certamente não independentemente da atividade consciente e revolucionária liderada por um partido de vanguarda baseado numa compreensão científica da forma como o mundo é e pode ser.

Como compreender as leis da história?

Uma revelação adicional da falta de compreensão do materialismo histórico por parte de Ajith, que ele vê não como uma ciência mas como um sistema fechado e axiomático é a forma como ele trata as leis da história. Ele critica Avakian porque “a eliminação por parte dele das premissas do materialismo histórico já está de facto estabelecida ao falar de uma ‘tendência’ em vez de ‘leis’ das formações sociais e da sua transformação histórica”. Para Ajith, o materialismo histórico requer inevitabilidade e leis rígidas, sem o que, de facto, “nada fica” do materialismo histórico. Para Ajith, as “leis” são completamente determinísticas e lineares.

Porém, o marxismo não ergue uma muralha entre “tendência” e “lei”; por exemplo, Marx foi bastante explícito ao descrever a taxa decrescente de lucro como “lei tendencial”, ou, por outras palavras, sujeita a mediações e contracorrentes. Ajith antevê esta possível objeção e tenta esvaziar as críticas com uma nota de rodapé: “Pode argumentar-se que ele [Avakian] tem razão ao usar este termo uma vez que estas leis são tendenciais. Mas isso é verdade para todas as leis, e ainda mais no caso das leis sociais.”

O problema não é se Avakian usa a palavra “tendência” ou “lei”, é a forma como Ajith entende o próprio conceito de lei, tanto nas ciências naturais como nas ciências sociais, e especificamente no marxismo. Um conceito metafísico de lei que envolve rígidas relações causais, similar à conceção “lógica, ordenada e consistente” do mundo de Ajith, há muito que tem infestado a filosofia e as ciências.

Historicamente, esta conceção de lei tem estado frequentemente ligada à noção religiosa da perfeição de deus como fonte de conhecimento, criação e propósito. Isto é um pressuposto subjacente ao pensamento idealista. Mesmo quando os cientistas passaram a recusar a metafísica da teologia, muitos deles continuaram cativados por uma ordem perfeita percebida na natureza e pela ideia de que tudo é determinado por rígidas relações causais. Os materialistas mecânicos acreditavam que, se houvesse um conhecimento adequado e exato das condições iniciais, seria possível prever eventos futuros com uma precisão exata. Claro que eles sabiam que isso seria impossível na prática devido às limitações do conhecimento humano — mas, nesta visão, a contingência, a aleatoriedade, o indeterminismo, o acidente, etc., eram devidos apenas à insuficiência de conhecimento e não a fazerem parte da natureza da própria realidade.142 O movimento comunista foi, em grande medida, fortemente influenciado por este entendimento.

Além disso, ao vermos como Ajith justapõe “lei” e “tendência”, precisamos de notar que as leis envolvem contradição. Mesmo a mais determinística das leis envolve (e pode mesmo produzir) imprevisibilidade. O contrário também é verdade: a “incerteza” pode ser usada para descrever um comportamento muito “regido por uma lei”. Por exemplo, na física, o princípio da incerteza de Heisenberg pode levar a previsões e medições muito precisas. A visão de lei por parte de Ajith assume que ela opera numa estreita cadeia de relações de causa e efeito que produzem um movimento linear e determinismo. Com este raciocínio, procurar-se-ia erradamente uma explicação para fenómenos complexos através de uma cadeia ininterrupta de causalidades com base no nível e/ou nos componentes mais elementares da realidade. Os embelezamentos feitos por Ajith não podem esconder o facto de que ele realmente não está a fazer nada mais que a repetir a afirmação mais direta de Gonzalo de que “15 mil milhões de anos de processo da matéria em movimento (...) levaram à marcha irrefreável do comunismo”.

De facto, em importantes ramos da ciência, o acidente e o fortuito, juntamente com as leis determinísticas, têm um papel integral — o princípio da incerteza na física, as equações de onda probabilísticas e determinísticas e a moderna síntese da teoria darwiniana da evolução reconhecem o papel de possíveis caminhos e constrangimentos e o papel da contingência. O reconhecimento de “ocorrências contingentes e fortuitos” não nega a esses ramos da ciência a sua coerência, rigor e poder explicativo.

Peguemos num acontecimento monumental como a Primeira Guerra Mundial. Havia profundas contradições no sistema imperialista que lhe deram origem. Mas o como e quando começou — e o acontecimento específico que a desencadeou, o assassinato do Arquiduque Ferdinando da Sérvia em agosto de 1914 — esteve dependente de múltiplos fatores contingentes e acidentais.

A existência de possíveis caminhos num processo histórico e o resultado concreto desse processo como produto de um caminho específico são o resultado da interação entre acidente e necessidade — e do papel dinâmico do fator humano consciente e da interação entre diferentes forças de classe.

O que Ajith não consegue ver é que o materialismo dialético e histórico “fica” quando a teleologia e a inevitabilidade são corretamente removidas do marxismo. Ajith quer o consolo da inevitabilidade. Ele quer o marxismo como uma religião.

VIII. Ajith descobre-se na companhia do pós-modernismo e da religião

Temos discutido o que é a ciência, o que uma abordagem científica envolve: conhecer as causas dos fenómenos, porque as coisas acontecem e como elas se desenvolvem, e procurar essas causas no mundo material — e fornecer explicações cuja validade depende de teste e verificação, de demonstração ou refutação.

O ataque de Ajith a Avakian por cientismo e racionalismo está ligado à avaliação negativa e unilateral do Iluminismo feita por Ajith. De facto, os esforços globais de Ajith para erigir um “maoismo” desligado dos seus alicerces científicos conduzem-no a apontar contra o Iluminismo.

A avaliação dialética do Iluminismo feita por Avakian

Avakian tem identificado a importância da avaliação e da atual controvérsia sobre o Iluminismo do século XVIII. O Iluminismo representou o surgimento e a consolidação da ideologia, da forma de pensar, que corresponde à época moderna e ao modo capitalista de produção tal como ele emergiu na Europa, especialmente no século XVIII. Nas últimas décadas tem havido um intenso debate sobre a natureza e as limitações do Iluminismo. Em particular, tem havido fortes desafios à “ideologia do Iluminismo” vindos tanto de vários ataques religiosos ressurgentes e reacionários à razão e à ciência, como da diversificada e imprecisa corrente geralmente referida como “pós-modernismo” — iremos ver que Ajith está confortável na companhia de ambas.

Num importante ensaio, “O Marxismo e o Iluminismo”, Avakian escreveu:

[Há] várias correntes de pensamento imperialistas e reacionárias relacionadas com o Iluminismo. Por um lado, há um certo tipo de ataque concentrado ao Iluminismo, por parte dos fundamentalistas e obscurantistas religiosos, incluindo a “Direita Religiosa” nos Estados Unidos, que identificam o Iluminismo com o despontar da idade do diabo, por assim dizer — e em particular o conceito de confiar na ciência e na racionalidade, em vez de em noções religiosas obscurantistas, como base da ideologia e da política. Por outro lado, (...) há uma corrente muito definida do pensamento liberal burguês que concebe o Iluminismo (e o que são considerados os seus resultados) como um instrumento “positivo” do colonialismo e de uma dominação imperialista que procura refazer o mundo inteiro à imagem da democracia burguesa. (...)

[O] marxismo concorda com o aspecto do Iluminismo que diz que o mundo é conhecível, que as pessoas devem procurar compreender o mundo (ou a realidade em geral) em toda a sua complexidade e que devem fazê-lo através de métodos científicos. (...) [É] um princípio e uma premissa fundamental do Iluminismo que as pessoas devem procurar compreender o mundo através de métodos científicos, e esta é uma importante razão por que o Iluminismo tem vindo a ser atacado — e hoje em dia está a ser novamente atacado — pelos obscurantistas religiosos e outras correntes reacionárias. Este é o aspecto do Iluminismo com o qual, num sentido geral, o marxismo está de acordo.

Aquele do qual discorda é, antes de tudo, a noção de que (para invocar uma certa ironia ao citar a Bíblia Cristã) “conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”. Em última análise, isto não é verdade. Primeiro que tudo, o que está na Bíblia não é a verdade. Mas mesmo que fosse, simplesmente conhecer a verdade e pensar que ela em si mesmo “vos libertará” é uma forma de racionalismo (de idealismo); está alinhada com a ideia de que a ciência irá refazer o mundo através da mera força das suas “verdades”. (...)

De modo que esta é uma maneira importante, filosoficamente, em que o marxismo difere do pensamento central do Iluminismo, ou do racionalismo que é parte integral do Iluminismo. E, ao mesmo tempo, claro, politicamente, o proletariado revolucionário opõe-se ao sistema de domínio político burguês, e representa uma rutura radical com esse sistema, o qual corresponde essencialmente ao Iluminismo. E, mais especificamente, opomo-nos à utilização do Iluminismo, e dos avanços científicos e tecnológicos a ele associados, como forma de impor e justificar o colonialismo e a dominação imperialista em nome do “fardo do homem branco” ou da alegada “missão civilizadora” de um sistema imperialista “mais iluminado e avançado”, etc. Esta é outra maneira em que diferimos, profundamente, de pelo menos alguns aspectos importantes da forma como o Iluminismo (e as coisas a ele associadas) tem sido aplicado.143

A abordagem que Avakian faz do Iluminismo, e este artigo seminal em particular, leva Ajith a um frenesim em que ele ignora e distorce o que Avakian está de facto a argumentar e, mais importante, revela a sua própria perspetiva e a sua própria posição no debate sobre o Iluminismo, no qual ele está na perturbadora companhia de fanáticos religiosos reacionários e das correntes pós-modernistas.

A forma como Ajith aborda o Iluminismo e a distorção por parte dele dos pontos de vista de Avakian

Vejamos o mais sucinto resumo feito por Ajith das suas próprias perspetivas em que ele responde diretamente à passagem de Avakian citada imediatamente acima:

Hoje em dia, mesmo em comparação com o tempo de Mao, estamos enriquecidos com um novo conhecimento da essência contraditória do Iluminismo e da sua consciência científica. As correntes pós-modernistas têm feito contribuições significativas a este tema. Embora o relativismo delas as tenha levado a uma rejeição a-histórica do Iluminismo e da modernização, as conceções críticas que elas oferecem devem ser sintetizadas pelo marxismo. As contribuições feitas pelos teóricos da Escola de Frankfurt também devem ser reconhecidas. A necessidade de distinguir o aspecto emancipatório do Iluminismo da sua natureza e ímpeto essencialmente burgueses e coloniais é uma importante lição que devemos retirar. Além disso, a própria consciência científica deve ser criticada para se separar o seu conteúdo racional da influência dos valores do Iluminismo que se veem nela. (...)

Longe de lidar com uma nova forma de pensar que dirige a sua atenção para os problemas inerentes ao Iluminismo e à consciência científica moderna, tudo aquilo de que ele fala é a forma como eles são concebidos e usados pelo imperialismo. Isto sugere que o problema está na sua incorreta interpretação e uso. Uma tal forma de pensar é um passo atrás nos avanços teóricos feitos nesta matéria.144

Em deferência para com a acima declarada apreciação do pós-modernismo feita por Ajith, tentemos “desconstruir” um pouco da emaranhada forma de pensar dele.

É bastante claro quando se lê toda a passagem acima de Avakian (a qual Ajith tem a intenção de distorcer) que Avakian está de facto a chamar a atenção para as agudas contradições do legado do Iluminismo. Ele salienta especificamente algumas das formas em que “o marxismo difere do pensamento central do Iluminismo”. Na acima citada crítica dele ao racionalismo, Avakian está a chamar a atenção para o facto de que a luta não se restringe à esfera do que está certo ou errado num determinado conjunto de ideias. As contradições de classe e o domínio de classe não podem ser escondidos em nome da verdade científica e do progresso, como argumentam os apologistas do imperialismo, do capitalismo e da democracia burguesa.

O perigo dos erros de Ajith em relação ao Iluminismo assenta grandemente na luta política e de classes, tal como fica evidenciado na atual luta em várias partes do mundo contra o criacionismo e o ataque fundamentalista religioso à ciência — que se interpenetra com outras lutas, especialmente contra a escravização das mulheres.

Noutras obras, Avakian tem tratado extensamente estes temas, incluindo no pioneiro livro dele (publicado em 1984) Democracia: Será o Melhor Que Conseguimos?, o qual examinava extensamente os argumentos e premissas filosóficas e políticas de pensadores chave do Iluminismo como Locke, Rousseau e Mill. Longe de justificar os “valores do Iluminismo”, como acusa Ajith, na realidade Avakian mostra como muitas das mais sacrossantas premissas de hoje, incluindo a própria “democracia”, são inseparáveis da sociedade moderna dividida em classes com as suas formas modernas de opressão e exploração na Europa e em todo o mundo.

Neste livro e na obra dele em geral, Avakian está a chamar a atenção e a desenvolver o salto em frente e a rutura fundamentais que Marx fez com os horizontes limitados do Iluminismo, os quais estavam intrinsecamente ligados ao modo de produção capitalista em ascensão.145

Ajith ousa acusar Avakian de não conseguir “distinguir o aspecto emancipatório do Iluminismo da sua natureza e ímpeto essencialmente burgueses e coloniais”. Na realidade, ao longo dos textos dele durante várias décadas, Avakian tem insistido no caráter conhecível do mundo (o qual está intrinsecamente ligado ao caráter transformável do mundo, através da revolução) através da aplicação de uma abordagem científica, a qual ganhou predominância com a ascensão e consolidação do modo de produção capitalista. Mas a questão nunca foi aceitar a dominação dos países capitalistas-imperialistas onde surgiu este modo de produção. Por exemplo, num artigo de 2000, Avakian escreveu:

Isto sublinha uma vez mais a necessidade de termos uma abordagem correta do Iluminismo — de dividirmos corretamente em dois o Iluminismo, e os valores e tradições a ele associados — para nos unirmos ao aspecto do Iluminismo que diz que o mundo é conhecível, que as pessoas devem procurar compreender o mundo (ou a realidade em geral) em toda a sua complexidade e que o devem fazer através de métodos científicos, ao mesmo tempo que nos opomos à noção idealista de que meramente ter uma abordagem racional (ou racionalista) do mundo irá levar por si só a uma sociedade justa, e que nos opomos resolutamente à proclamação da superioridade da sociedade liberal burguesa para justificar a dominação e a depredação imperialistas em todo o mundo, em particular no terceiro mundo.

Esta “linha internacional” do imperialismo “liberal” nos nossos dias (que pode ser caracterizada de uma forma legítima e razoável como uma versão atualizada do “fardo do homem branco”) argumenta em favor dos “direitos humanos”, colocando-os mesmo acima dos “direitos nacionais” — proclama os “direitos humanos” como um valor e um bem “universais” que suplantam e “triunfam” (como eles gostam de dizer) mesmo sobre a soberania nacional e os princípios relacionados. É uma espécie de “universalidade imperialista” (...).146

Sobre a posição de Marx acerca do domínio britânico na Índia

Tem sido necessário refutar as tolas calúnias de Ajith a Avakian como apologista do imperialismo. Mas Ajith também reforça o ataque dele ao Iluminismo e ao marxismo como ciência ao virar as críticas dele em “Contra o Avakianismo” para Marx e para a forma como ele trata o colonialismo britânico e a Índia:

Alguns dos textos de Marx e Engels exibiam de facto a influência do Iluminismalismo [sic] eurocêntrico. Isto não pode ser inteiramente atribuído à escassez de informação que eles tinham sobre essas sociedades. Isto pode ser visto, por exemplo, nos textos deles sobre a Índia. Também podemos ver uma tendência para rejeitar alguns movimentos nacionais como obstruções ao avanço histórico.147

Ajith está a argumentar que há um ângulo morto eurocêntrico nos textos de Marx e Engels que os levou a minimizar, se não mesmo a negar, os efeitos cruéis e destrutivos do domínio britânico na Índia. Ou seja, a ver a libertação nacional como algo que se interpunha ao desenvolvimento das forças produtivas, como a construção de caminhos-de-ferro, que seria estimulado pela expansão dos mercados, pela rotura dos sistemas tradicionais de agricultura, etc., associadas ao domínio britânico e à penetração económica da sociedade indiana. Isto é uma interpretação bastante difundida de Marx, e alguns pensadores pós-modernistas e pós-coloniais chegaram mesmo a caracterizar Marx como apologista eurocêntrico do colonialismo britânico.

Em O Marxismo e o Apelo do Futuro, Avakian faz algumas observações marcantes que fornecem um importante quadro metodológico para se compreender a abordagem de Marx, o desenvolvimento do pensamento dele e o desenvolvimento de qualquer ciência, incluindo o materialismo histórico.

A primeira questão é que Marx analisa os desenvolvimentos que estavam a decorrer na Índia nessa altura. Ele está a tentar ver o que está a motivar o colonialismo britânico a conquistar mercados e quais poderiam ser os seus efeitos, os seus resultados, do ponto de vista de fazer avançar a revolução proletária mundial. Avakian faz referência a alguns textos de Mao sobre os efeitos do imperialismo na China onde ele indica todas as coisas que ele fez, mas Mao também mostra que, por outro lado, criou ou precipitou o desenvolvimento do proletariado, o que tornou possível um tipo diferente de revolução na China.

Avakian volta atrás e coloca a questão desta maneira: dizer que algo “aconteceu” (a violenta e destrutiva penetração da Índia) não é o mesmo que dizer “esta é a única forma como poderia ter acontecido, e portanto isto é bom”. A questão é: “[i]sto aconteceu assim e divide-se em dois: por um lado, fez tudo isto — trouxe todos estes estragos e sofrimento — mas, por outro, criou certas condições e agora podemos fazer algo com o que isto criou”148.

A segunda questão é que o pensamento de Marx de facto evoluiu:

O que [Marx] disse sobre a questão irlandesa, creio que também se aplica à Índia — que ele pensou durante muitos anos que a questão irlandesa seria resolvida pela revolução proletária em Inglaterra, e depois veio a reconhecer que nunca haveria uma revolução proletária em Inglaterra sem que se desse atenção à questão irlandesa, ou seja, à questão da emancipação dos irlandeses em relação à Inglaterra. (...)

Penso que podemos fazer uma analogia com Darwin, por exemplo. O que Darwin fez foi um avanço histórico-mundial. (...) Mas houve coisas que Darwin não compreendeu sobre a evolução e houve coisas que ainda precisavam de ser “trabalhadas”. (...) Mas nós, as pessoas que defendemos isto e que queremos continuar a aprender sobre isto, estamos a trabalhar dentro da tradição e do quadro, num sentido geral, estabelecidos por Darwin, mesmo que não concordemos com ele em tudo. (...) Eu vejo Marx da mesma forma. Marx viu a revolução a emergir da Europa — viu-a a emergir em termos mais imediatos do que aconteceu, infelizmente. (...) Quando estamos à espera que ela ocorra rapidamente na Europa e a nossa perspetiva é que isto irá resolver as coisas, no sentido em que estes são os países avançados, onde a revolução proletária irá acontecer primeiro, e assim que estes se tornem socialistas, então o resto do mundo será transformado e “os problemas da história serão resolvidos. (...)”

[Mas] assim que começamos a ter uma perspetiva das coisas mais de longo prazo, há duas coisas que sobressaem. Uma é que a revolução proletária não está a chegar, pelo menos nesta etapa, sobretudo na Europa. (...) E, em segundo lugar, obtivemos uma perspetiva mais extensa da história e compreendemos melhor a complexidade e a natureza variada da história do passado, mas também vemos que esta época em que estamos é uma época muito mais longa do que Marx antecipou.149

A terceira questão é que é absurdo sugerir que Marx ignorava, era insensível, ou de alguma maneira era apologético do colonialismo. Marx e Engels foram enfaticamente claros em relação à natureza brutal e rapinadora do sistema capitalista emergente em todo o mundo. Engels estudou as terríveis condições dos proletários em Inglaterra e Marx descreveu graficamente o processo internacional através do qual este sistema sugava sangue em todo o mundo:

A descoberta das regiões auríferas e argentíferas da América, a redução dos autóctones à escravatura, o seu duro trabalho nas minas ou o seu extermínio, os inícios de conquista e pilhagem nas Índias Orientais, a transformação da África numa espécie de coutada comercial para a caça aos infelizes de peles preta, eis os processos idílicos de acumulação primitiva que assinalam a era capitalista na sua autora. Logo a seguir rebenta a guerra mercantil que tem por teatro o mundo inteiro. Iniciada pela revolta da Holanda contra a Espanha, assume proporções gigantescas na Cruzada da Inglaterra contra a Revolução Francesa, e prolonga-se até aos nossos dias com expedições de piratas, como as Guerras do Ópio contra a China. (...) O capital chegou até nós suando sangue e lama por todos os poros.150

A oposição de Ajith à “consciência científica”

Ajith diz:

Além disso, a própria consciência científica deve ser criticada para se separar o seu conteúdo racional da influência dos valores do Iluminismo nela visíveis. Estes manifestam-se particularmente na alegação feita sobre a ciência moderna como palavra final, no desprezo, com base nisso, do pensamento e das práticas pré-modernas e numa abordagem utilitária da relação homem-natureza. Nos países oprimidos, o menosprezo do conhecimento tradicional continua a ser um aspecto dominante do paradigma desenvolvimental da modernização [da burguesia — NT] compradora.151

Demos uma vista de olhos à confusão de Ajith. Ele deita fora a expressão “consciência científica”, mas não a define de nenhuma maneira a não ser dizer que partilha os “valores” do Iluminismo. Que quer ele dizer? Ajith revela uma perturbadora visão da ciência e do entendimento científico. Não será o próprio marxismo uma “consciência científica”? Talvez o que Ajith queira dizer com “consciência científica” seja a abordagem e o entendimento usados nas ciências naturais tal como eles vieram a ser generalizados durante o Iluminismo e tal como são praticados hoje no mundo atual dominado pelo imperialismo. Mas mesmo que ele queira dizer isto, Ajith continua a estar errado.

É verdade que a prática da ciência é um empreendimento social: a descoberta e o debate acerca das verdades sobre a realidade ocorrem no quadro de uma sociedade dividida em classes e estão profundamente marcados pelo sistema social e pela ideologia prevalecente. Por exemplo, a ciência foi praticada de uma forma muito diferente na URSS quando ela era socialista e na China de Mao, e ainda mais o foi à medida que a revolução se aprofundava no decurso da GRCP. Mas o conhecimento científico em si não é idêntico à prática ou à “indústria” da ciência em nenhum sistema social específico.

Deixemos de lado por um momento a “consciência científica” de Ajith e vejamos o que de facto aconteceu nas ciências durante o período mais ou menos correspondente ao Iluminismo. Estava a consolidar-se uma nova abordagem ao conhecimento da realidade que se opunha a definir ou a conhecer as coisas através de definições qualitativas (Terra, Água, Ar e Fogo de Aristóteles). A abordagem científica emergente baseou-se na consulta à realidade e foram estabelecidas as medições quantitativas, as experiências repetíveis e a metodologia empírica.

Também se desenvolveu rapidamente o papel da argumentação racional (a dedução lógica, a lógica formal, linguagens científicas como o cálculo e, de uma forma mais geral, o desenvolvimento de uma matemática mais avançada). Tomar por base uma investigação filosófica a priori (em que as verdades são predeterminadas como construções da mente ou de Deus) foi desafiado e substituído por novos avanços nas diferentes ciências. De facto, pela primeira vez a ciência estava no processo de se libertar, i.e., de se diferenciar, da filosofia (a ciência era anteriormente chamada “filosofia natural”). O estabelecimento do método científico, a sua generalização e a sua influência sobre outras esferas do pensamento representaram uma revolução no pensamento humano.

Houve, claro, sérias limitações e erros na forma como a ciência era antes praticada no capitalismo, e como continua a sê-lo hoje. Alguns desses erros resultam de uma falta de conhecimento, de limitações nos instrumentos disponíveis para observação e teste e por aí adiante. Porém, o sistema social e a superstrutura ideológica e política também desempenham um papel na prática da ciência e podem quer impulsionar, quer desorientar e dificultar a indagação e a descoberta científicas quer, até certo ponto, fazer ambos.

Darwin e os seguidores dele, por exemplo, tiveram de lutar ferozmente pelo estabelecimento da verdade da teoria da seleção natural precisamente porque essa teoria teve de ir diretamente não só contra os ensinamentos da Igreja (que se manteve poderosa mesmo na época da revolução capitalista) mas também contra a mundividência dominante nesse tempo de que a mudança não era possível sem um Criador. Na teoria de Darwin, o lugar dos seres humanos no universo foi radicalmente despromovido de representarem a “imagem de Deus” para o de um mamífero particularmente bem-sucedido, ainda que surpreendente.

O que Ajith não consegue compreender é que as limitações e os erros da abordagem dos cientistas, e de uma forma mais geral de toda a sociedade, à ciência não podem ser atribuídos à “consciência científica” em geral. Pelo contrário, onde houve (ou há e certamente haverá no futuro) falhas e limitações na abordagem à ciência, estas representam precisamente os métodos, conclusões e argumentos que de facto não seguem, ou vão contra, o verdadeiro método científico.

Ciência e conhecimento tradicional

Ajith argumenta contra ver a “ciência moderna como palavra final, [o] desprezo, com base nisso, do pensamento e das práticas pré-modernas e [uma] abordagem utilitária da relação homem-natureza. Nos países oprimidos, o menosprezo do conhecimento tradicional continua a ser um aspecto dominante do paradigma desenvolvimental da modernização compradora.” Nós acrescentaríamos, não só o pensamento “pré-moderno” das sociedades tradicionais mas mesmo outras formas “não-científicas” de conhecimento como as artes, a investigação não-científica e a especulação também não devem ser “desprezadas”.

A questão é que uma correta perspetiva comunista do mundo que insiste na aplicação rigorosa de uma abordagem e um método científicos, apesar da acusação de Ajith, não “despreza” outras fontes de conhecimento e campos de indagação. Neste sentido, os quadros “não-científicos” do “pensamento pré-moderno” podem definitivamente, e devem, ser interrogados segundo os padrões do conhecimento científico mais avançado. Nem esta interrogação implica que o marxismo considera que as outras escolas de pensamento e indagação não têm valor ou são simplesmente relíquias do passado.

Avakian tem, como comentámos antes, colocado a questão de que haverá sempre “reverência e maravilhamento” face à magnitude e à surpreendente complexidade do universo. A arte e a imaginação farão sempre parte da forma como os seres humanos abordam isto (por exemplo, Avakian perguntou “Podemos prescindir dos mitos?” e avançou para mostrar como devemos prescindir dos mitos no sentido religioso mas que a imaginação fará sempre parte da consciência humana).152

Uma genuína abordagem científica, o materialismo dialético, não procura eliminar nem banir todas as outras mundividências, mas antes fornece os alicerces para criticar o que deve ser criticado, para apreciar melhor as suas contribuições e para assimilar as suas conceções. Mas a questão não é adotar uma alternativa à ciência, em vez disso devemos fazer uso de todos os elementos que contribuam e devemos compreender os processos que ocorrem num quadro científico global, tanto para resolver as necessidades imediatas como para incorporar essas partes do conhecimento na arca do tesouro global da compreensão do mundo pela humanidade. Tudo isto é verdade tanto para os países capitalistas mais avançados como para os mais “tradicionais”. Também é verdade que quando se trata de uma sociedade tradicional é necessário dar uma atenção especial ao legado da opressão, da assimilação forçada e da degradação cultural, grande parte das quais foram levadas a cabo em nome da “modernização” ou mesmo da “ciência”.

É uma calúnia alegar, como faz Ajith, que Avakian esquece estas questões complexas e difíceis. Pelo contrário, note-se com que cuidado e com que dialética Avakian lida com estes espinhosos problemas:

Como é que abraçamos a história da humanidade? E a questão dos povos indígenas cuja religião é tão crucial para o seu sentido de identidade? É difícil — mas não temos qualquer hipótese sem este tipo de perspetiva e metodologia que eu estou a defender. Sem isto, ou vamos acriticamente atrás disso ou o reprimimos brutalmente quando se atravessar à nossa frente.153

Ajith recai no pós-modernismo

A apreensão e confusão de Ajith em relação à ciência e ao seu método e abordagem colocam-no necessariamente na companhia de correntes intelectuais que partilham preocupações similares acerca da disponibilidade da verdade objetiva, da aplicabilidade da ciência à sociedade humana e da afirmação pelo marxismo de que é uma ciência.

Ajith declara: “As correntes pós-modernistas têm feito contribuições significativas a este tema” (na nossa perspetiva, o “tema” a que ele se está a referir é o “tema” da oposição ao materialismo). Ele continua: “Embora o relativismo delas as tenha levado a uma rejeição a-histórica do Iluminismo e da modernização, as conceções críticas que elas oferecem devem ser sintetizadas pelo marxismo. As contribuições feitas pelos teóricos da Escola de Frankfurt também devem ser reconhecidas.”154 Que grande declaração de alguém que tem vindo a argumentar que não houve nenhum avanço qualitativo na teoria comunista desde a morte de Mao!

O nosso desacordo com Ajith não é que ele esteja a examinar escolas não-marxistas à procura de possíveis contribuições, mas que ele partilha elementos importantes das premissas e conceitos delas e é portanto incapaz de discernir o que está correto ou incorreto no pensamento dessas escolas ou de reformular quaisquer possíveis contribuições num quadro materialista dialético.

As curtas mas reveladoras referências de Ajith aos “avanços teóricos” dos pós-modernistas e da Escola de Frankfurt não podem ser ignoradas como desvio nem ser desculpadas como erro menor. São um reflexo da profundamente enraizada e consciente fidelidade de Ajith a algumas das principais correntes intelectuais antimarxistas e anticomunistas, seja aberta ou dissimuladamente, tanto na forma como elas se apresentam hoje como à medida que se desenvolveram historicamente.

O problema é que o que Ajith vê como “avanços teóricos” não são nada disso. Eles fazem parte de uma tendência entre muitos intelectuais para se afastarem de uma crítica do sistema capitalista enquanto sistema e para, em vez disso, atacarem a ciência e a razão que foram proclamadas como a autoridade no Iluminismo contra os anteriores sistemas ideológicos teológicos usados pelas forças sociais reacionárias (sobretudo aquelas associadas ao sistema feudal e à Igreja) que estiveram sob ataque na revolução burguesa.

Vimos anteriormente a preocupação de Ajith em traçar uma clara distinção entre o método científico usado para estudar o mundo natural e o estudo da sociedade humana. Vimos que ele aceita a “verdade de classe”, a qual vai objetivamente contra a teoria da verdade como correspondência que está no coração da epistemologia materialista. Estas duas placas de base da mundividência de Ajith põem em causa a capacidade de se conhecer o mundo. Vemos aqui uma importante convergência entre Ajith e uma das principais correntes atuais de oposição ao marxismo na academia, nas artes e mesmo nos movimentos políticos progressistas, o pós-modernismo.

Embora o pós-modernismo seja uma conglomeração amorfa de correntes de pensamento relacionadas, e muitos dos seus praticantes rejeitem a etiqueta de pós-modernistas, ainda assim é possível indicar alguns dos temas que partilham. Um princípio basilar é que a verdade objetiva não é alcançável. Além disso, alguns pós-modernistas argumentam que o “sair dos limites” ou o “excesso de razão” são responsáveis pelo que eles descrevem como as “duplas tragédias” do século XX: a Alemanha nazi com o seu Holocausto e a União Soviética de Estaline e do gulag (por vezes referidas como Estaline e Hitler). Qualquer tentativa de afirmar uma reivindicação da verdade objetiva é, na forma de pensar dos pós-modernistas, brincar com o fogo e leva ao totalitarismo.155

O desconforto de Ajith com a metodologia científica e com a sua extensão à sociedade humana partilha a rejeição pós-modernista da disponibilidade da verdade objetiva.

Substituir a verdade pela “narrativa”

Além disso, a defesa por Ajith da “verdade de classe” tem muito em comum com a conceção pós-modernista de “narrativa”. Por “narrativa”, os pós-modernistas querem dizer que há muitas interpretações da realidade; que a verdade é relativa a cada narrativa (“tu tens a tua verdade e eu tenho a minha verdade”); e que nenhuma delas pode legitimamente alegar representar a realidade objetiva. Dado que não há nenhum padrão objetivo, qual é então a base para decidir qual das narrativas ou afirmações concorrentes será tomada como verdade? Segundo grande parte do pensamento pós-modernista, é o “poder”, ou seja, as forças económicas, sociais e políticas dominantes numa dada sociedade, que determina a validade ou verdade de uma dada afirmação.

Acontece, de facto, que, na sociedade dividida em classes, as classes dominantes impõem os seus interesses, a sua moral e valores, a sua mundividência e muitas ideias e interpretações específicas ao conjunto da sociedade. Como disseram Marx e Engels: “as ideias dominantes em qualquer época nunca passaram das ideias da classe dominante.”156 A realidade da declaração concisa de Marx é uma das razões por que muitos progressistas foram atraídos para os intelectuais desta corrente, como Michel Foucault, que expôs os pressupostos e éditos consagrados pela sociedade burguesa contemporânea.

O erro dos pós-modernistas é que eles respondem à dominação intelectual das classes dominantes concluindo que não há verdade objetiva de todo. O “conhecimento”, segundo Foucault, “é um efeito do poder”157. A luta torna-se assim não sobre saber se um conjunto de ideias corresponde ou não ao mundo material mas antes qual “a verdade de quem” vai ser estabelecida na sociedade. Inversamente, qualquer conjunto de ideias que ajude os oprimidos a atingirem os seus fins (por exemplo, a chegarem ao poder) torna-se assim no equivalente à verdade, uma verdade substituta.

E, de facto, também no movimento comunista tem havido uma atração por este modo de pensar sob a forma de usar critérios sociais ou políticos para definir o que é verdade, e por conseguinte a “verdade política” ou a “verdade de classe”, a qual, tal como antes analisámos, Ajith tão obstinadamente defende. Em última análise, nesta lógica, quem detém o poder determina o que é verdade, o que se aplica igualmente tanto à classe exploradora como ao proletariado revolucionário. Eis o que Avakian escreveu sobre essa “epistemologia idealista”:

Isto é uma descarada epistemologia subjetiva, idealista, (a noção de que saber se algo é verdade ou não é uma questão a ser determinada pelo sujeito, por um indivíduo específico, sem ter em consideração se está em conformidade com uma realidade objetiva mais vasta). Mas isto é um idealismo subjetivo ao serviço do idealismo objetivo — ou seja, da religião e da crença no sobrenatural como sendo objetivamente verdadeiro (ou funcionalmente o mesmo que objetivamente verdadeiro). E nós sabemos onde o ponto de vista de que não importa saber se algo é factualmente verdadeiro ou não — pode ser uma ilusão em relação à realidade, mas se cumpre uma função tal como definido por alguém em algum lugar, a priori, então isso é tão bom quanto a verdade, se não mesmo literalmente a verdade — sabemos onde esse tipo de coisa pode levar, onde levou e levará. Não só a todos os tipos de erros, mas a todos os tipos de horrores. Se toda a gente for livre de escolher o que é válido e verdadeiro de acordo com o que lhe convém, estamos de regresso a todos os problemas do relativismo — incluindo, em última análise, particularmente quando os mitos entram em conflito uns com os outros, a redução das coisas a uma competição entre relações de poder para ver que mito pode ser imposto sobre outro. Em suma, a “lei do mais forte” — é a isto que as coisas podem chegar, e frequentemente têm chegado, quando não há nenhum critério objetivo para determinar se algo é verdadeiro e válido ou não.158

Já vimos que Ajith procura rejeitar Avakian (e na realidade todo o marxismo) com a acusação dele de “cientismo”. Também aqui, Ajith está a promover um tema central do pós-modernismo. Por exemplo, alguns importantes pós-modernistas têm argumentado que a ciência é apenas uma narrativa tecnoindustrial utilitária ou uma “construção social”159.

Um outro princípio do pós-modernismo é opor-se ao “caráter autorizado” da ciência, isto é, à defesa da metodologia científica como paradigma na sociedade, que eles consideram ter origem na negativa “influência dos valores do Iluminismo”, para usar as palavras de Ajith. Métodos científicos como o teste, a verificação, a falseamento, etc., são considerados marcas de positivismo e contestados pelo pós-modernismo. Também para Ajith, usar métodos científicos no estudo da sociedade (recordemos a objeção dele a submeter as reivindicações teóricas marxistas ao teste da “falseabilidade”) é uma evidência de “cientismo”.

Estas tendências persistentes na forma de pensar de Ajith ecoam de perto os compromissos intelectuais dos pós-modernistas que no Ocidente teorizam sobre as perspetivas e as forças de mudança social. Os defensores dessas escolas, muitos deles “de esquerda”, são desconfiados e críticos (por vezes é usada a palavra “incrédulos”) em relação às “grandes narrativas”, entre as quais o marxismo, o qual é tratado como uma continuação da tradição do Iluminismo.

Uma crítica não-científica do capitalismo

O pós-modernismo argumenta que o pensamento racional associado ao Iluminismo e à busca da verdade objetiva é inerentemente opressor e mal orientado e não tem a validade universal que reivindica ter. O predomínio do mundo ocidental trouxe o predomínio da filosofia ocidental e da sua forma de tratar a ciência. Como assinalámos antes, Avakian chama a atenção para como a ciência e os valores do Iluminismo são “usados” ao serviço do capitalismo e do imperialismo. Mas para Ajith o problema é o facto de Avakian não notar que a “consciência científica” tem “inerentemente” os valores e o caráter de classe do Iluminismo. Essencialmente, Ajith trata a “consciência científica” do Iluminismo como se fosse a “verdade de classe” da burguesia. O ulterior desenvolvimento do marxismo como ciência e a insistência de Avakian em tratar o marxismo como tal é assim um anátema para Ajith.

O crescimento do capitalismo e o sofrimento e exploração que o seu desenvolvimento trouxe às massas, a redução de todas as relações humanas e dos anteriores valores e etos ao que Marx chamou as “exigências do [dinheiro] contado”160, levaram a vagas de desencanto e crítica dirigidas contra o emergente “mundo moderno” (i.e., o sistema capitalista mundial). Os críticos desiludidos entre os artistas, intelectuais e figuras políticas combateram o “etos” e as reivindicações do Iluminismo de que o mundo pode ser compreendido e mudado para melhoramento da humanidade através do uso da ciência e do pensamento racional.

Esta forma de crítica foi, e continua a ser, extremamente contraditória. Inclui programas políticos e ideologias claramente reacionários, por exemplo, os que defendiam a monarquia ou o dogma religioso. Mas também houve críticas perspicazes ao uso descontrolado da tecnologia, como a famosa história do monstro de Frankenstein criado por uma ciência enlouquecida, de Mary Shelly, ela própria parte da tradição romântica que surgiu em reação ao capitalismo. Na filosofia, Friedrich Nietzsche também fez parte desta tendência de rejeição das moralidades e valores contemporâneos defendidos pela sociedade burguesa. Mas os pontos de vista “antissistema” dele não eram científicos e ele “ignorou ativamente” o marxismo, que estava a começar a ter influência na Alemanha e noutros lugares no tempo dele.

No século XX, este mesmo tipo de crítica não-científica do capitalismo reemergiu e foi grandemente ampliada pelos horrores das duas guerras mundiais. Martin Heidegger, cuja obra essencial antes, durante e depois da Segunda Guerra Mundial representa uma influente corrente filosófica que teve impacto nos pós-modernistas, procurou a “autenticidade” num mundo desencantado dominado pela lógica da produção industrial e da tecnologia. Heidegger foi um “nostálgico” de tudo o que tinha sido perdido pela sociedade moderna.161

Os pós-modernistas têm-se colocado a si mesmos diretamente na tradição desta crítica não-marxista e, em última análise, não-materialista do capitalismo (que teve um enorme impulso após a derrota do socialismo na China em 1976 e do colapso do bloco social-imperialista soviético em 1989-91, juntamente com as intensificadas calúnias da burguesia contra o comunismo). Ajith encontra neste tipo de crítica apoio para o autointitulado “maoismo” com o qual ele combate um alegado marxismo eurocêntrico infestado de “cientismo”.

Os pós-modernistas são a fonte de algumas conceções, devido à sua “interrogação”, como eles dizem, dos pressupostos subjacentes aos cânones da cultura ocidental. Por exemplo, em relação à “formação do sujeito [cognoscente]”, Foucault e outros têm discutido como vários fatores, como o poder, o conhecimento e o discurso, ajudaram a produzir (“construir”) o “sujeito”. Um exemplo pode ser a forma como o sistema de escravatura nos EUA construiu o sujeito branco e as conceções de direitos e liberdades que tomaram forma nessa sociedade.162 Os pós-modernistas têm mostrado algumas das maneiras em que o conhecimento e o controlo das potências colonialistas ocidentais se interpenetram.163 Os colonialistas definiram numa tal dimensão a realidade do mundo colonial que os povos colonizados aceitaram essas definições.

Interrogar este tipo de pressupostos tem servido para alargar e aprofundar avenidas de aprendizagem sobre o mundo. Mas essas conceções não devem ser ecleticamente enxertadas num quadro pseudomaoista como Ajith está a procurar fazer. Pelo contrário, como enfatiza Avakian, essas conceções devem ser peneiradas, os argumentos errados devem ser rejeitados e mesmo muito do que é perspicaz e parcialmente correto deve ser reformulado num enquadramento científico.

Ajith abraça a Escola de Frankfurt

Não é de surpreender que Ajith também reconheça abertamente a afinidade e a dívida dele para com a Escola de Frankfurt. A Escola de Frankfurt precedeu os pós-modernistas em alguns dos seus pressupostos básicos, em particular nos esforços deles para negarem a fundação científica do marxismo e do materialismo histórico e no ataque deles ao Iluminismo.

A Escola de Frankfurt, cujas “contribuições” Ajith quer reconhecer, emergiu na Alemanha em crise da República de Weimar e na atmosfera produzida pelas derrotas da revolução alemã em 1919 e 1921. Professava um “marxismo não-dogmático”, com o que queria dizer, em particular, a oposição ao modelo da revolução bolchevique e ao exemplo da URSS sob a liderança de Lenine e Estaline. A mais importante declaração teórica dessa escola é a Dialética do Iluminismo164, de Max Horkheimer e Theodor Adorno. Nesse livro, eles condenam a tradição do Iluminismo pela sua “razão instrumental”, que eles consideravam uma perspetiva e projeto do mundo grosseiros, materialistas e “producionistas”. A sociedade ocidental, tal como emergiu do Iluminismo, foi moldada no modelo de manipular e dominar a natureza e, por sua vez, trouxe todos os aspectos da vida social dominados e “totalmente administrados” por esta lógica.

A Escola de Frankfurt argumenta que o Iluminismo abriu a porta a todos os horrores que testemunhamos sob o capitalismo.165 E os filósofos da Escola de Frankfurt acreditavam que o marxismo e o materialismo histórico não conseguiriam satisfazer a sua reivindicação de emancipar a humanidade porque sofre do defeito do materialismo e da metodologia científica. Vemos a afinidade com a denúncia por Ajith da “consciência científica” do Iluminismo. Juntamente com outras afinidades entre a linha de pensamento de Ajith e importantes elementos da teoria crucial da Escola de Frankfurt, em particular as posições de Jürgen Habermas, eles partilham uma dissonante crítica comum do “cientismo” e uma posição ambivalente sobre o papel da religião na sociedade atual.166

O marxismo, na perspetiva da Escola de Frankfurt, mostrou uma deficiência ao englobar o pensamento filosófico: tinha-se perdido algures entre a ciência e a filosofia. Com isto queriam dizer que o marxismo se estropiou a si mesmo devido às suas pretensões científicas e que este “défice” precisava de ser compensado dando o devido lugar à filosofia, em especial ao idealismo alemão e a Immanuel Kant.167

O que é que Ajith, os pós-modernistas e a Escola de Frankfurt têm em comum? Todos eles têm, ou pelo menos começaram com, uma crítica dos males do capitalismo e da sociedade moderna mas recusam ou são incapazes de uma completa análise materialista e científica da natureza fundamental da sociedade capitalista. No debate filosófico e político, eles ou se esquivam ou se opõem abertamente à existência da verdade objetiva, à teoria da verdade como correspondência e ao método e à abordagem científicos para compreender a realidade e o mundo.

Ajith consegue combinar religiosidade — noções como a do inevitável triunfo da revolução proletária — e elementos chave do pós-modernismo.

Ajith e a tradição kantiana

Como vimos antes, Ajith insiste no “significado fundacional da posição de classe, da posição material da classe. Todos os três componentes da perspetiva proletária do mundo — postura, ponto de vista e método — fluem desta realidade material; são, em última análise, determinados por ela.” Nós temos submetido isto a uma crítica considerável. O que é diretamente relevante aqui na nossa discussão é que a perspetiva de que o proletariado, devido à sua posição, tem uma aquisição especial da verdade — esta perspetiva vai no sentido de que outros que não ocupam esta posição de classe (os não-proletários) não podem ter acesso, ou o mesmo nível de acesso, a este conhecimento. E, por isso, em última análise, o conhecimento é “dependente do observador”.

Em última análise, segundo a lógica de Ajith, não pode haver um conhecimento objetivo fidedigno da realidade e sobretudo da sociedade humana tal como ela existe, e o que está disponível como conhecimento é a forma como o mundo aparenta ser a observadores específicos, neste caso o proletariado. Isto é um debate antigo na filosofia e na ciência: pode o mundo ser conhecido independentemente da mente?

Kant, o favorito da Escola de Frankfurt, é célebre pelo seu dualismo, a tentativa dele de estar nos dois lados e reconciliar idealismo e materialismo. Ele argumentou que há um elemento subjetivo na construção do conhecimento, que não se pode conhecer “a coisa em si”168. Em vez disso, alegava Kant, apenas podemos conhecer os fenómenos tal como eles aparecem “para nós”. No caso de Ajith, o “para nós” torna-se em “para a classe”. Por outras palavras, a verdade está reservada, estruturada e restringida segundo linhas de classe. É na base deste tipo de epistemologia que Ajith defende a afirmação de que a “verdade tem um caráter de classe” e que “o marxismo é verdadeiro porque é parcial”.

A impressionante similaridade do pensamento de Ajith com as características da perspetiva kantiana não acaba aí. Durante o mesmo período em que as ciências modernas se estavam a desenvolver e a separar da filosofia e da metafísica, houve resistência ao alargamento do âmbito da ciência para incluir a esfera social. Vimos Ajith a argumentar nas mesmas bases que o Kant do passado e que os neokantistas do século XX (incluindo alguns dos argumentos que Lenine aborda diretamente em Materialismo e Empiriocriticismo).

Isto é uma marcha em direção ao relativismo, ao agnosticismo e à “incognoscibilidade” do mundo objetivo e, em última análise, ao que os pós-modernistas chamam “incredulidade” em relação às reivindicações da ciência.

IX. A repugnante e tortuosa defesa por Ajith da religião e dos grilhões da tradição

As preocupações de Ajith com a “consciência científica”, a exclusão dele da aplicabilidade universal da ciência à sociedade e à história, a preocupação dele com o “Iluminismalismo” e com “não desprezar o pensamento e as práticas pré-modernas” — tudo isto está concentrado na forma como lida com a questão da religião e da moral tradicional na sociedade humana.

Isto também é outro ponto de convergência entre Ajith e o pós-modernismo.169 Considere-se a declaração de Ajith sobre como avaliar e apreciar devidamente o papel da religião: “A compreensão científica do papel desempenhado pela religião tem sido aprofundada (...) por estudos em diversos campos. O seu papel histórico na criação e desenvolvimento da moral e dos laços sociais e na sua estampagem no cérebro humano é agora melhor conhecido.”170

Vimos que Ajith não consegue compreender corretamente a relação entre ideias e consciência e as condições materiais e sociais que formam a base para essas ideias. A recusa por Ajith do método científico para compreender a realidade social, incluindo as ideias e as ideologias, e o nacionalismo dele fazem-no cair numa séria confusão e em fatais ilusões sobre a natureza e o papel do fundamentalismo religioso — e a uma completa conciliação com ele.

Ajith considera errado chamar “inimigos” a grupos como os talibãs e as forças fundamentalistas islâmicas reacionárias. Na perspetiva dele, isso é “economicismo imperialista”. “O que é necessário é a defesa firme e incondicional do direito de um povo oprimido ou de um setor da sociedade a resistir com armas. Não se pode permitir que a oposição à ideologia ou ao programa social que ele segue dilua isto.”171 Ele continua a sua tortuosa racionalização:

O problema essencial com a principal resistência no Iraque ou no Afeganistão não é ser islâmica, ou, para pôr isto de uma forma mais ampla, liderada por uma ideologia religiosa. As ideologias religiosas desempenharam um papel progressista no passado. Elas ainda podem tornar-se meios para exprimir um conteúdo nacional e democrático porque, nas condições semicoloniais e semifeudais dos países oprimidos, a religião não é apenas uma questão espiritual. Também é um modo de vida firmemente entrelaçado com a cultura nacional. Na questão específica em discussão, o principal problema reside na elaboração específica desta ideologia, nos programas sociais reacionários que estão a ser promovidos pelas forças de resistência islâmica mais determinadas — o fundamentalismo delas.172

Isto é tão fantasmático quanto aterrador. Aqui está um autoproclamado maoista, um suposto comunista, que contempla o mundo. É um mundo em que estão a ser perpetradas todas as formas de horrores medievais e a ser impostos todos os estilos de obscurantismo por fundamentalismos islâmicos e outros fundamentalismos. Um mundo em que o marxismo tem sido implacavelmente atacado... em que o laicismo, a ciência e o pensamento crítico estão sujeitos a um cerco extremo em grande parte do mundo... em que a humanidade das mulheres é negada, degradada e devastada pelo sistema patriarcal e pela tradição religiosa.

Mas Ajith suplica-nos que não nos enervemos demasiado com o papel dominante da ideologia religiosa enquanto tal — trata-se apenas de uma ideologia religiosa não suficientemente progressista que está no lugar dirigente da resistência nacional. Ajith oferece-nos uma repugnante defesa da religião e uma pouco escrupulosa conciliação com o fundamentalismo.

Isto é Ajith na sua plena glória, mostrando-nos onde levam a sua celebração dos sentimentos espontâneos de classe, a sua rejeição do marxismo como ciência e a sua insistência em apreciar a especificidade nacional e o contexto nacional. Que seguramente não é à revolução comunista que Marx encapsulou como originando as duas “ruturas mais radicais”: com as “relações de propriedade tradicionais” e com as “ideias tradicionais”173.

Pôr o véu sobre a opressão das mulheres

Pense-se nisto. Ajith contorce-se para trás para dar crédito à religião pela “sua articulação, expansão e assimilação como discurso nacional” e pelo seu papel na resistência nacional. Entretanto, ele esquece totalmente a degradação e subjugação de metade da humanidade. A obscena apologia da religião por Ajith minimiza o peso colossal da religião na sociedade, tanto ideológica como politicamente, e em particular através da justificação e imposição da opressão das mulheres. Este não é um lapso acidental de julgamento. Pelo contrário, o estrondoso silêncio174 dele numa questão tão fundamental, este flagrante ângulo morto, é em grande medida um produto de toda a mundividência de Ajith e consistente com ela.

A insistência num proletariado reificado e “nacional”, a crença em que a consciência comunista revolucionária transpira das condições materiais e dos sentimentos do proletariado, a recusa em reconhecer o papel indispensável e o verdadeiro âmbito da luta ideológica necessária para transformar a perspetiva do mundo das pessoas na preparação delas próprias e do terreno para a revolução — levam Ajith para uma ideia estreita, circunscrita, pálida e lânguida de “emancipação”, da qual metade da sociedade já está excluída.

Uma vez mais, o contraste nos programas e mundividências opostos entre o resíduo do passado e a nova síntese não podia ser mais completo. Avakian escreve:

Assim, neste contexto, bem como no contexto histórico-mundial mais vasto da revolução comunista, há uma profunda e urgente necessidade de que aqueles que representam as metas emancipatórias da revolução comunista, com o seu objetivo final de abolição de todas as divisões de classe e de todas as relações de exploração e opressão, deem mais saltos e façam mais ruturas em relação à nossa compreensão e abordagem da questão da mulher, na teoria e na prática — na esfera da linha ideológica e política e na mobilização da luta de massas com base nessa linha — em conformidade com o papel crucial e decisivo que esta questão objetivamente desempenha, não só em termos de pôr fim aos milénios de subjugação e degradação de metade da humanidade, mas também na maneira como isto está entrelaçado de uma forma integral e indispensável com a emancipação da humanidade como um todo e com o avanço para toda uma nova era da história humana, com a consecução do comunismo em todo o mundo.175

Ir atrás do nacionalismo, tornar mais atraente o fundamentalismo

Regressemos aos pontos de vista de Ajith sobre a religião. Da forma como ele vê o assunto, a superstrutura ideológica de países oprimidos como o Iraque contém um aspecto de resistência nacional, expressa uma “autenticidade percebida”. Na discussão dele, Ajith outorga um lugar particular de honra à religião, que ele credita como sendo “não apenas uma questão espiritual. Também é um modo de vida firmemente entrelaçado com a cultura nacional”, o que é verdade, claro, mas dificilmente é uma razão para desculpar ou ir atrás da religião.

Para Ajith, todas as contradições dentro da nação e no pensamento do povo são mitigadas pela contradição com o imperialismo. A religião, bem como a tradição e o pensamento retrógrados e reacionários são em geral desculpados ou justificados porque, na visão de Ajith, esta ideologia está imbuída de um conteúdo nacional (por vezes mesmo “democrático”!) autêntico que está na resistência ao imperialismo e à opressão nacional. Mas este pensamento tem problemas: tais ideias não refletem diretamente ou de uma forma não-mediada os antagonismos sociais subjacentes ou a realidade social de qualquer classe ou estratos específicos, já para não falar de uma nação como um todo, a qual está rasgada por contradições de classe.

Em qualquer cultura nacional dada há muitos elementos contraditórios, muitas vezes agudamente. Alguns destes elementos refletem de facto, em vários graus, sentimentos e aspirações historicamente positivos. Muitos destes elementos fazem eco de características revolucionárias ou progressistas semelhantes, que se encontram também noutras culturas. Por outro lado, a religião é, de uma forma fundamental e esmagadora, uma cadeia e um obstáculo a compreender e a mudar radicalmente o mundo.

Frequentemente, as massas populares usam a religião para exprimir as suas esperanças de encontrar consolo e “libertação” do seu destino. Porém, isso não altera a realidade de que a religião ajuda a consagrar relações de servidão na sociedade e, em termos gerais, justifica a subjugação das massas às autoridades dominantes. É verdade que historicamente, sobretudo antes da ascensão de uma perspetiva científica e do materialismo, as correntes e movimentos progressistas e revolucionários estavam frequentemente envoltos em trajes religiosos.

Hoje em dia está disponível e é requerida uma perspetiva e uma análise científicas, e muito em especial o comunismo revolucionário, para compreender o mundo e o transformar na direção necessária. A cultura nacional e a religião, tal como tudo o resto, não devem ser isentadas de uma rigorosa dissecação científica. Ajith quer dar rédea solta à cultura nacional espontaneamente disponível e ao papel da religião dentro desta.

De facto, o que Ajith está realmente a defender equivale a dizer que os comunistas devem tornar-se na melhor expressão de todos os elementos da cultura nacional, incluindo a religião. Que outra coisa pode querer ele dizer quando afirma:

Os argumentos de Avakian são totalmente incapazes de identificar e localizar o importante papel desempenhado pelos sentimentos e a cultura nacionais no crescimento do fundamentalismo no Terceiro Mundo. (...) A sua articulação, expansão e assimilação como discurso nacional não é reconhecida em lado nenhum [por Avakian]. (...) Compreender a reivindicação “nacional” do fundamentalismo ajuda-nos a identificar a razão por que os maoistas não têm defendido a bandeira nacional nos países oprimidos.176

Deve referir-se de passagem que se os maoistas não “têm defendido a bandeira nacional” como gostaria Ajith, incluindo alguns aspectos particularmente horrendos disso, não foi devido a nenhuma falta de tentarem: o ir atrás do nacionalismo, da religião e do pensamento patriarcal, infelizmente, tem sido um problema histórico.

A quão longe da realidade levou Ajith o método de análise dele pode ver-se nas comparações dele entre as “forças islâmicas” de hoje e a heroica luta levada a cabo pelo povo vietnamita:

O Iraque e o Afeganistão não são estritamente comparáveis ao Vietname. Aí, uma força revolucionária estava a liderar uma guerra de libertação nacional. Aqui, a guerra nacional é organizada e liderada principalmente por forças islâmicas. Mas, em termos da situação em que se encontram hoje os EUA, as semelhanças são gritantes. Isto tem raízes na derradeira fonte deles, a resolução da contradição entre o imperialismo e as nações e povos oprimidos, o que estabelece o contexto e determina a dinâmica.177

Ajith chega a esta conclusão recorrendo a algum do mesmo tipo de pensamento metafísico que vimos antes na discussão dele sobre “fundamentos” versus “aplicação”. Ele termina a passagem acima declarando “a contradição [principal] entre o imperialismo e as nações e povos oprimidos”178 como uma premissa dada e inquestionável. Além disso, no ordenamento metafísico das coisas de Ajith, “em qualquer período específico, a contradição principal, não a contradição fundamental enquanto tal, irá determinar ou influenciar a existência e o desenvolvimento das outras contradições.” Finalmente, do seu sistema lógico ele deduz falsos atributos sobre os diferentes atores e chega a conclusões erradas sobre os papéis que eles representam e as tarefas revolucionárias nesses países. Embora Ajith seja suficientemente cauteloso para não equiparar exatamente — ou “estritamente”, nas palavras dele —, as forças islamitas à liderança vietnamita, ele acaba por atribuir a ambas o mesmo papel na “resolução da contradição entre o imperialismo e as nações e povos oprimidos”.

Ao contrário do que afirma Ajith, não são as “semelhanças” entre o Afeganistão e o Vietname mas antes as dissemelhanças que “são gritantes”. Perguntem ao Estado Islâmico no novo Califado deles como se sentem sobre serem creditados com se terem tornado “meios para exprimir um conteúdo nacional e democrático”!

Avakian sobre os “dois obsoletos” e a luta ideológica com a religião

Ajith acusa Avakian de ser “indiferente a esta realidade caótica”. Na realidade, Avakian concebeu uma análise crucial que elucida uma dinâmica chave da atual situação mundial. Eis o que diz Avakian sobre aquilo a que chama os “dois obsoletos”:

“O que vemos em contenda aqui, com a Jihad de um lado e o McMundo/McCruzada do outro, são estratos historicamente obsoletos da humanidade colonizada e oprimida contra estratos dominantes e historicamente obsoletos do sistema imperialista. Estes dois polos reacionários reforçam-se um ao outro, ainda que ao mesmo tempo se oponham um ao outro: se alinharmos com qualquer um destes “obsoletos” acabamos por fortalecer os dois.”

Ainda que esta seja uma formulação muito importante e seja crucial para se compreender muita da dinâmica que domina as coisas no mundo neste período, ao mesmo tempo temos de ser claros em relação a qual destes “historicamente obsoletos” tem causado mais danos e constitui a maior ameaça à humanidade: são os “estratos dominantes e historicamente obsoletos do sistema imperialista”, e em particular os imperialistas norte-americanos.179

Esta análise não tem apenas implicações críticas para se compreender o caráter dos acontecimentos no mundo. Também fala da necessária posição que os comunistas, tanto nos países opressores como nos oprimidos, devem tomar e do tipo de trabalho político e ideológico global que é requerido — não sendo a menor razão porque muitos elementos das massas de base nos países oprimidos têm gravitado para o fundamentalismo reacionário.

Em contraste, os danos políticos e ideológicos do que Ajith está a defender devem ficar claros: a Frente Unida dele, de que ele não ousa dizer o nome, na realidade a estratégia e orientação de Ajith para confrontar o sistema imperialista, não conduzirá à libertação. É antes uma receita para ir atrás de forças reacionárias ou para justificar tentar unir-se a elas sob a bandeira de lidar com “esta realidade caótica”.

Em vez de se basear no tipo de desejo ilusório inventado e idealista abraçado por Ajith, o que é necessário é a abordagem que Avakian descreve para se compreender as condições para a revolução comunista no complexo mundo de hoje:

É como avançar através de um matagal para realmente se chegar a uma compreensão da contradição fundamental do capitalismo e também de como realmente se move e se desenvolve, e das diferentes formas de movimento de tudo isto, e de como elas se interpenetram. É algo que não é imediatamente visível, mesmo para os comunistas que procuram aplicar sistematicamente a perspetiva e o método científico do comunismo ao mundo, à história, à sociedade e à natureza. (...) Temos a responsabilidade de lutar por uma correta compreensão e aplicação do ponto de vista e do método comunistas, de garantir não só que não ficam perdidos mas para que se tornem, a um nível qualitativamente superior, numa verdadeira força material, assumida por cada vez mais elementos das massas populares, do proletariado e de outros estratos.180

Qual é a real atitude de Avakian em relação às massas populares que acreditam na religião? Ao contrário da acusação de Ajith de “racionalismo crasso”, considere-se a forma como Avakian de facto chama os comunistas a lidarem com o pensamento religioso prevalecente entre as massas. Avakian denuncia a condescendente “arrogância presunçosa dos iluminados”181 que de facto ignoram ou se deixam esmagar pela influência que a religião tem sobre importantes setores das massas. Avakian afirma de uma forma bastante clara que amplos setores das massas irão acreditar na religião, não só agora mas também muito para dentro da futura sociedade socialista.

Avakian diz claramente:

[Em] termos da base de unidade na luta política, a linha divisória nunca deve ser se as pessoas acreditam em deus e são religiosas ou não, mas sim se estão dispostas a se unirem, e podem ser ganhas para se unirem, de maneiras que estão objetivamente ao serviço dos interesses das massas populares. Na medida em que o façam, é necessário construir uma unidade com elas, e lutar com elas para o fazerem de uma maneira mais plena e consistente, ainda que ao mesmo tempo também se leve a cabo uma luta com elas, na esfera ideológica, sobre a questão de qual a mundividência que corresponde de facto à realidade e conduzirá à emancipação.182

Avakian vê esta luta ideológica no seio do povo como parte do dinamismo que pode ajudar o conjunto da sociedade a avançar mesmo durante o período da transformação socialista.

Ajith escarnece de Avakian por ele sublinhar a importância de “martelar a religião na esfera ideológica”, que ele cita como exemplo de “racionalismo crasso”. Na realidade, Avakian é bastante claro que o que está aqui envolvido não é apenas uma simples luta das ideias científicas contra as religiosas; ele salienta que “em circunstâncias de grande convulsão e luta social contra a ordem estabelecida, as pessoas passam por grandes mudanças na sua forma de pensar e no seu modo de se relacionarem umas com as outras. Se não fosse assim, as revoluções nunca poderiam ser feitas e as relações sociais nunca poderiam ser mudadas pelas pessoas numa reação consciente sobre elas.”183

Mas a religião faz parte da superstrutura ideológica e deve ser tratada (i.e., “martelada”) nessa esfera, por direito próprio.

Avakian também realça:

É necessário lutar, corajosa e vigorosamente, contra a religião em todas as suas formas — e especialmente contra o obscurantismo e o absolutismo do fundamentalismo religioso e a sua expressão política como fascismo cristão nos EUA. É crucial não subestimar de forma nenhuma a importância da luta na esfera do pensamento, da ideologia, e especificamente de lutar contra a mundividência religiosa em todas as suas manifestações, devido à maneira como isto interfere e afasta as pessoas de verdadeiramente compreenderem a realidade, e por conseguinte de serem capazes de lidarem com ela e de a transformarem de acordo com os seus próprios interesses fundamentais.184

A ideia de que este tipo de questões ideológicas pode ser ignorado quando se apela às massas noutras arenas, como as lutas económicas ou políticas, e se age como se estas questões ideológicas pudessem ser tratadas como um simples subproduto de outras lutas, é uma ilusão perigosa. Isto está muito intimamente relacionado com a adoção por Ajith do equivalente a uma “epistemologia do ponto de vista”: de que as classes irão levar a cabo a luta de acordo com os seus interesses, e o ponto de vista que emergir será estabelecido através dessa luta. Desta forma, não há necessidade de fazer a luta na esfera das ideias. Tudo isto é consistente com o ponto de vista de Ajith.

Ao mesmo tempo que Avakian tem apelado a uma luta ideológica ousada e robusta contra a religião, ele também tem estendido os braços e promovido uma abordagem de unidade-luta-unidade com pessoas motivadas pela crença e a convicção religiosas para que se coloquem ao lado dos oprimidos e contra a injustiça. Um destacado exemplo disto foi o célebre diálogo de novembro de 2014 sobre revolução e religião entre Avakian e Cornel West, o proeminente intelectual público e revolucionário cristão.

As massas precisam de se tornar, como disse Marx, “aptas a governar”, e parte disto significa que um setor decisivo delas precisa de ser ganho para uma mundividência científica. Ao contrário das suposições de Ajith, a história tem mostrado que quando os comunistas não confrontam corajosa e cabalmente as questões ideológicas de uma perspetiva materialista e comunista acabam por ceder terreno às forças reacionárias que defendem essas ideologias reacionárias. Quem precisa da defesa tíbia e eclética de Ajith da tradição, da moral e da religião quando se pode ter os talibãs ou o partido chauvinista hindu BJP?

Escolher entre os “dois obsoletos” ou desenvolver um outro caminho

Ajith diz que:

Tem havido muita agitação ideológica entre os muçulmanos, e isso também é verdade na esfera religiosa. (...) A posição política pró-ocidental de algumas correntes do reformismo islâmico facilita a apropriação do anti-imperialismo pelo fundamentalismo. Isto, por sua vez, reforça as suas reivindicações de ser a verdadeira interpretação do Islão e ajuda-o a obstruir a democratização da fé islâmica. A intervenção ideológica maoista terá de lidar com todos estes aspectos se quiser avançar.185

Note-se que Ajith não está a discutir possíveis contextos políticos em que as relações com algumas forças islâmicas precisam de ser analisadas em concreto. Pelo contrário, está a discutir a “intervenção ideológica maoista”, o que significa acomodar-se com uma ideologia reacionária e obsoleta, sob o disfarce de chamar “democrática” ou “anti-imperialista” a uma ou outra corrente.

Quando Ajith diz que “o principal problema reside na elaboração específica desta ideologia” e não na própria ideologia, ele parece estar a embarcar numa busca de um Islão que seja ideologicamente progressista, o que é precisa distinguir de uma política correta de procurar fazer atividades políticas conjuntas com crentes onde isto for adequado, combinada com uma vigorosa luta ideológica contra a religião. De facto, Ajith insinua claramente que os comunistas têm a tarefa de ajudar à “democratização da fé islâmica”.

Num outro lugar, Ajith adverte que: “se a análise for guiada pela repugnância moral, todo o conjunto [das forças fundamentalistas] irá ser visto apenas como um setor reacionário e obsoleto, ponto final. (...)”186 Não temos de pedir nenhuma desculpa pela nossa “repugnância moral” em relação à ideologia e às práticas das forças islamitas reacionárias (e de outras forças fundamentalistas religiosas reacionárias). Além disso, é crucial que na arena política haja uma oposição completa a esses fundamentalistas religiosos devido à sua visão social e programa reacionários. Trata-se de uma perspetiva medieval horrenda e escravizadora que por acaso tem algumas contradições com o imperialismo. Mas, tal como salienta Avakian, apoiar um obsoleto é fortalecer o outro: a tarefa é “desenvolver um outro caminho”.

Ajith quer congregar uma frente “anti-imperialista” com os fundamentalistas, como se pode ver na acusação dele de que os “avakianistas” não veem que a “articulação, expansão e assimilação [do fundamentalismo] como discurso nacional não é reconhecida em lado nenhum”. Na realidade, o fundamentalismo não é um programa para a emancipação nacional — é um concentrado dos interesses e programas reacionários dos estratos obsoletos das nações oprimidas.187

Ao contrário da esperança de Ajith de edificar uma frente anti-imperialista com essas forças, os atuais acontecimentos estão a corroborar a análise de Avakian sobre a dinâmica reacionária dos “dois obsoletos”, e em particular a de que se alinharmos com qualquer um destes “obsoletos” acabamos por fortalecer os dois.188

Ajith alega que Avakian não examinou as razões pelas quais a religião tem tido uma crescente influência em importantes setores das massas em muitos países em todo o mundo. Isto é, francamente, ridículo, dado que qualquer pesquisa séria à obra de Avakian mostra uma grande quantidade de análises específicas, detalhadas e rigorosas dos fatores materiais, sociais e ideológicos em ação.189

Aquilo a que Ajith objeta é que Avakian faz uma completa análise materialista da religião (daí a denúncia de “racionalismo crasso” por parte de Ajith), enquanto Ajith quer reservar um nicho ou um enclave onde a ciência está excluída. A própria ciência deve reconhecer, segundo Ajith, o papel da religião na “criação e desenvolvimento da moral e dos laços sociais e na sua estampagem no cérebro humano”. Parte do ressentimento em relação ao Iluminismo e da acusação de “cientismo” está na crença de que uma importante esfera da realidade humana é maltratada pela perspetiva materialista e científica do mundo, confundindo assim o que é de facto a ciência com o “sistema científico” dominado pelo capitalismo. Este desencanto com o mundo existente e o (mau) uso da ciência levam algumas pessoas a basear e a ancorar a ética e a moral numa esfera transcendente.

Para Ajith, porém, a moral tradicional, e tantas outras “cadeias das tradições”, devem acorrentar-nos (para parafrasear A Internacional190), porque na visão dele isto é uma parte importante do legado de uma nação que luta contra o imperialismo.

X. CONCLUSÃO

Neste ponto esperamos que o leitor já tenha visto como duas maneiras bastante diferentes de ver o mundo estão em aguda contenda. Como podemos conhecer o mundo e como o mudamos?

Como salientámos no início deste artigo, a compreensão do que chamávamos marxismo-leninismo-maoismo tem-se vindo a dividir em dois. Torna-se agora possível — e necessário — separar de uma forma mais clara o trigo do joio. Ajith serve de espelho útil, ainda que distorcido, como aqueles que se veem nas feiras em que todas as imperfeições são ampliadas para proporções grotescas. Todos os que têm feito parte do movimento comunista podem beneficiar de um olhar através do prisma de Ajith, precisamente para identificarem melhor as zonas mais sombrias do pensamento coletivo do movimento comunista que representam grilhões e pesos mortos no caminho do projeto emancipatório comunista que se eleva a novas alturas.

O mundo grita pela revolução. Não simplesmente para levar avante os primeiros e cruciais avanços da revolução comunista no século passado, mas para haver mais revolução, identificando e erradicando de uma forma mais completa tudo o que escraviza a humanidade; por uma revolução que seja mais capaz de assimilar tudo o que é fresco e revigorante e revolucionário de cada aspecto da existência humana, uma revolução que ecoe ainda mais as aspirações mais profundas das pessoas; por uma revolução que verdadeiramente vise alcançar essas duas “ruturas mais radicais” com as “relações de propriedade tradicionais” e com as “ideias tradicionais”.

Esta é a revolução comunista de que precisamos e que temos de concretizar. Para que esta revolução ocorra, para que se inicie e crie profundas raízes entre as massas populares de base, os jovens de mentalidade radical, os artistas, os intelectuais e outras pessoas, e para que milhões de pessoas novamente se ergam de pé, o nosso movimento tem de limpar o seu próprio pó e reemergir depois do terrível revés que já dura há quatro décadas.

É a esta grande necessidade — o resgate, o revigoramento e um maior desenvolvimento do comunismo — que Bob Avakian tem respondido de uma maneira global. Ele teorizou a forma como, a partir das próprias e reais relações e contradições materiais da sociedade, é possível construir o movimento comunista que pode fazer ainda melhor e ir ainda mais longe que a primeira etapa da revolução comunista. Precisamos de uma mundividência que não se baseie em propriedades místicas como a inevitabilidade nem em supostas qualidades intrínsecas dos proletários e das massas oprimidas. Pelo contrário, é crucial remover os erros que têm desfigurado o entendimento mais revolucionário e científico da sociedade, o marxismo. Mas é neles que se posiciona Ajith, apegando-se às suas próprias muletas metafísicas. Podemos assim apreciar de uma forma mais profunda a rutura epistemológica de que Avakian está a ser pioneiro, os avanços feitos por ele no método e na abordagem comunistas.

É verdade que Ajith é frequentemente hábil a esconder a essência da sua política e mundividência atrás de uma barafunda de palavras que mistura elementos numa balbúrdia. Os textos de Ajith há muito que são marcados pelo ecletismo. Deveríamos recordar a observação de Lenine de que “a falsificação eclética da dialética é aquela que engana as massas com mais facilidade”191. O artigo de Ajith “Contra o Avakianismo” não é exceção e vemos repetidamente que ele protesta por outros retirarem do contexto de uma forma injusta as observações dele e darem suficiente atenção a reproduzir cada uma e todas as folhas de parra.

A veemência do protesto dele não se deve tanto a um esforço deliberado para encobrir os seus próprios erros como ao facto de que o ecletismo não é meramente a barafunda de “por um lado isto, por outro lado aquilo”, mas uma barafunda que mascara o que é principal numa contradição. Para Ajith, a ciência está bem, desde que também se abra espaço à religião — e que assim a religião não possa ser integralmente questionada pela ciência. Independentemente dos erros que possam ter existido no movimento comunista internacional em relação à busca da “verdade política”, ainda assim Ajith insiste na validade da “verdade de classe” — e assim a verdade objetiva é atirada borda fora. Há uma oposição em palavras à teleologia, mas Ajith considera essencial “um elemento de inevitabilidade” na historiografia marxista — e assim o materialismo histórico não é mais materialista nem histórico e fica impregnado de uma predestinação de tipo religioso.

A fonte fundamental do ecletismo de Ajith vem dos anteriores esforços dele para reconciliar o marxismo-leninismo-maoismo com uma corrente de pensamento e política diferente e objetivamente oposta que há muito existia no movimento comunista. Durante muitos anos Ajith tentou sobrepor e reconciliar entendimentos objetivamente opostos e divergentes do maoismo. Mas essa posição tem-se tornado progressivamente impossível de manter. Um “maoismo” que se recusa a avançar, que se afasta das suas fundações científicas e libertadoras, que não consegue compreender e seguir a orientação de que o próprio Mao foi pioneiro — este tipo de maoismo, o maoismo de Ajith, “transforma-se no seu contrário”.

Por outro lado, Bob Avakian concebeu uma nova síntese do comunismo que é um maior desenvolvimento do quadro teórico para fazer avançar a revolução comunista no preciso momento em que os seus inimigos a declaram morta e enterrada. A nova síntese traz à superfície, defende e desenvolve a ciência integral da revolução comunista tal como ela foi fundada primeiro por Marx e levada a novas alturas por Lenine e depois por Mao. Vai buscar conceções a um vasto leque do pensamento e do esforço humanos. E a nova síntese faz ruturas críticas com a errada compreensão anterior. Vai além de Mao — e está a levar o marxismo para um novo lugar. É o enquadramento para ir mais adiante e fazer melhor a revolução e emancipar a humanidade.

Já não é possível a Ajith manter um pé no embarcadouro e outro no barco que parte. Ele, e outros que pensam como ele, ficaram face à necessidade de dar um salto na compreensão que é necessário para que ocorra um novo salto na prática revolucionária. Mas, em vez disso, Ajith caiu e ficou enterrado até aos olhos no resíduo do passado.

Um maior avanço podia surgir e surgiu da única maneira que é possível um avanço — como dialética entre a destruição do errado e a construção do novo, com base numa feroz defesa dos feitos do passado acoplada a uma implacável análise das insuficiências, a uma firme certeza da necessidade e possibilidade da revolução proletária juntamente com uma igualmente feroz insistência em absorver criticamente tudo aquilo que está a vazar de mil poros.

A própria mundividência de Ajith provavelmente fá-lo acreditar, como ele acusa, que a nova síntese de Avakian só pode conduzir a um maior isolamento em relação às massas. Na realidade, nada está mais longe da realidade. São a visão e o programa de Ajith que são desesperadamente sectários, irrelevantes e incapazes de inspirar uma nova geração de comunistas. Ajith espera que, de alguma maneira, os comunistas venham a conseguir surfar a luta espontânea das massas, e então impor a sua “verdade de classe” (tal como ela é interpretada pelos Ajiths do mundo). Mas isto não é nem libertador nem atrativo.

Os esforços de Ajith para se retratar como campeão (de uma certa versão) do maoismo também ajudam a explicar a virulenta distorção feita por ele da verdadeira história do movimento maoista a seguir ao golpe de estado de 1976 na China, e especialmente da luta para reagrupar as forças maoistas a nível internacional através do Movimento Revolucionário Internacionalista. Ele sente-se obrigado a rebaixar a muito conhecida centralidade das contribuições para este processo feitas por Bob Avakian e pelo PCR,EUA (a que ele chama “uma mentira ultrajante”), ao mesmo tempo que embeleza o seu próprio papel muito contraditório.192 Numa outra altura será necessário desemaranhar e refutar a distorcida e conveniente “história” que Ajith conta deste processo. Mas a atual batalha ideológica com Ajith, embora enraizada e ligada a uma série de disputas do passado, tem um caráter qualitativamente diferente. Há simultaneamente a base e a necessidade para que ocorra toda uma nova etapa da revolução comunista.

Na filosofia, que tem sido o nosso foco aqui,

[A] nova síntese é, num sentido significativo, o re-ancorar do marxismo de uma forma mais completa nas suas raízes científicas. Também envolve aprender com a rica experiência histórica desde o tempo de Marx, defendendo os objetivos e os princípios fundamentais do comunismo que se provaram ser fundamentalmente corretos, criticando e abandonando os aspectos que se provaram ser incorretos, ou já não serem aplicáveis, e estabelecendo o comunismo de uma forma ainda mais completa e firme numa base científica.193

O facto de ter havido erros no movimento comunista, incluindo na forma de pensar dos seus maiores líderes, não deveria fazer com que os comunistas se encolham em horror nem que adotem uma defesa tipo avestruz das fraquezas secundárias. Mas o que eram erros num contexto histórico, quando defendidos, canonizados e desenvolvidos como faz Ajith, ficam transformados num projeto qualitativamente diferente de sociedade.

A nova síntese “re-ideologiza” o comunismo e coloca-o numa base mais firme, mais científica. Mais baseado na realidade, mais dialético, mais possível e mais desejável. Isto não é “racionalismo”. Não é “cientismo”. É comunismo. Um comunismo que emergiu, depois de várias décadas de ataque feroz, do seu maior desafio político e ideológico, não “intacto” mas re-sintetizado, armado com as lições do passado, assimilando a compreensão que a humanidade tem adquirido em diversos campos, com um sentido mais forte de missão e, mais importante, com um método e uma abordagem mais profundos e mais científicos para fazer avançar a revolução para a sua etapa seguinte.

A humanidade necessita de transcender toda a época capitalista e a própria divisão da sociedade humana em classes. Há milhões e milhões de pessoas que podem ser ganhas para compreender e agir com base nesta verdade. Os comunistas precisam de pôr de lado todas as ideias e métodos de pensar que levantam obstáculos à realização disto.

NOTAS

*   Ishak Baran é um apoiante da nova síntese de Bob Avakian e um participante de longa data no movimento maoista na Turquia. KJA é um colaborador regular da Demarcations: A Journal of Communist Theory and Polemic.

1  Bob Avakian, “Uma conversa de Bob Avakian com alguns camaradas sobre epistemologia: Sobre conhecer e transformar o mundo”, em Observations on Art and Culture, Science and Philosophy [Observações sobre Arte e Cultura, Ciência e Filosofia], Insight Press, 2005, p. 43. paginavermelha.org/docs/uma-conversa-de-bob-avakian-com-alguns-camaradas-sobre-epistemologia.

2  Clyde Young (1949-2014) foi um membro do Comité Central do Partido Comunista Revolucionário, EUA. Lê mais sobre Clyde Young:

3  A primeira vaga da revolução proletária começou com o estabelecimento da Comuna de Paris em 1871, que apenas durou de 18 de março a 28 de maio.

4  O Movimento Revolucionário Internacionalista (MRI) foi formado em 1984 como “centro embrionário das forças maoistas do mundo”, unido em torno do seu documento fundador, a Declaração do MRI. Desempenhou um importante papel no combate à desmoralização e desorganização após o golpe de estado na China em 1976 e deu ímpeto e apoio à reorganização das forças comunistas em todo o mundo e ao avanço da luta revolucionária por elas liderada. paginavermelha.org/docs/declaracao-do-movimento-revolucionario-internacionalista.

5  “Carta aos partidos e organizações participantes no Movimento Revolucionário Internacionalista”, Demarcations: A Journal of Communist Theory and Polemic [Demarcações: Uma revista de teoria e polémica comunistas] n.º 3, Inverno de 2014. paginavermelha.org/docs/carta-aos-partidos-e-organizacoes-participantes-no-movimento-revolucionario-internacionalista.

6  Ajith, “Against Avakianism” [“Contra o Avakianismo”], Naxalbari n.º 4, Índia, Julho de 2013.

Nessa altura, a Naxalbari era o órgão do Partido Comunista da Índia (Marxista-Leninista) (Naxalbari) de que Ajith era o Secretário-Geral. A 1 de maio de 2013 foi anunciada uma fusão entre o Partido Comunista da Índia (Maoista) e o PCI(ML)(Naxalbari).

Para ajudar o leitor a encontrar o material citado, os subtítulos e os números das páginas onde começam esses subtítulos são incluídos apenas nesta nota: The Special Meeting and the RCP Letter, p. 7; The Ethics of Avakianist Polemics, p. 9; The Arbitrary Stages of Avakianism, p. 16; Mis-rendering Mao, p. 19; A Perversion of Internationalism, p. 22; The National Task in Oppressed Nations, p. 24; The National Question in Imperialist Countries, p. 30; Infantile Criticism of United Front Tactics, p. 34; Gutting Marxist Political-economy, p. 38; The World Situation, p. 43; Socialist Democracy, p. 45; Truth, Class Interests and the Scientific Method, p. 56; A Rationalist Critique of Religion, p. 64; Struggle within the RIM, p. 73; More Devious, More Dangerous, p. 75. Esta numeração corresponde ao PDF disponível em bannedthought.net/India/CPI-ML-Naxalbari/Naxalbari-Magazine/Naxalbari-04.pdf (em inglês).

Daqui em diante, as citações do artigo de Ajith serão referidas como “Contra”.

7  “Contra”, p. 78.

8  Ver Raymond Lotta, “Sobre a ‘força motriz da anarquia’ e a dinâmica da mudança”, Demarcations n.º 3, Inverno de 2014. paginavermelha.org/docs/sobre-a-forca-motriz-da-anarquia-e-a-dinamica-da-mudanca.

9  “A nova síntese do comunismo e os resíduos do passado” e “¿Comunismo o nacionalismo?” [“Comunismo ou nacionalismo?”], ambos da Organização Comunista Revolucionária, México (OCR,M), Demarcations n.os 3 e 4, Invernos de 2014 e 2015. O primeiro está disponível em paginavermelha.org/docs/a-nova-sintese-do-comunismo-e-os-residuos-do-passado e o segundo em:

10  Esta alquimia mascara-se de “maoismo”, mas é uma concha vazia. O seu conteúdo tem pouco em comum com o que o líder comunista revolucionário Mao Tsétung representou e defendeu. Os argumentos de Ajith refletem um apelo àqueles que não compreendem o mais importante desenvolvimento do marxismo feito por Mao, especificamente a análise inovadora de Mao das contradições na sociedade socialista como transição para o comunismo, do perigo da restauração capitalista e da necessidade e dos meios para a revolução continuar sob as condições da ditadura do proletariado. Em vez disso, Ajith e outros opositores da nova síntese do comunismo têm-se focado num Mao diferente, com alguns elementos em comum com Mao, o revolucionário comunista, mas retirando a Mao o núcleo científico e marxista e insistindo em defender e em tornar centrais erros que em Mao foram apenas fragilidades muito secundárias, ao mesmo tempo que atribuem o seu próprio nacionalismo, pragmatismo e outros desvios a este Mao falso e desfigurado.

11  Karl Marx, “As Lutas de Classes em França de 1848 a 1850”, Cap. III, em Obras Escolhidas em três tomos, Tomo I, Editorial Avante!, Lisboa, 1982. marxists.org/portugues/marx/1850/11/lutas_class/.

12  Zhang Chunqiao [ou Chang Chun-Chiao na antiga grafia ou ainda Tcham Tchuen-tchiao nesta publicação], Acerca da Ditadura Integral sobre a Burguesia, Edições em Línguas Estrangeiras, Pequim, 1975. marxists.org/portugues/zhang/1975/mes/ditadura.htm.

13  Para uma descrição e um balanço globais da Revolução Cultural, ver a entrevista a Raymond Lotta, Não sabes o que crês que “sabes” sobre... A Revolução Comunista e o VERDADEIRO Caminho para a Emancipação: A Sua História e o Nosso Futuro, secção “A Revolução Cultural: O maior avanço da emancipação humana até agora”, Insight Press, 2013. paginavermelha.org/docs/nao-sabes-o-que-cres-que-sabes-sobre.

14  The Communist International, 1919-1943 [A Internacional Comunista, 1919-1943], Documentos Selecionados e Editados por Jane Degras. Vol. II, 1923-1928, p. V. marxists.org/history/international/comintern/documents/volume2-1923-1928.pdf (em inglês).

15  KJA, “Compreender cientificamente, defender firmemente e ir além do maoismo, para uma nova etapa do comunismo: Reflexões polémicas sobre ‘O que é o maoismo?’, um ensaio de Bernard D'Mello”, Demarcations n.º 2, Verão-Outono 2012. paginavermelha.org/docs/compreender-cientificamente-defender-firmemente-e-ir-alem-do-maoismo.

16  Friedrich Engels, “Prefácio à edição alemã de 1883” do Manifesto do Partido Comunista, p. 17-18, Publicações Nova Aurora, Lisboa, 1976. “Esta luta atingiu uma etapa em que a classe explorada e oprimida (o proletariado) não pode já libertar-se da classe que a explora e oprime, sem libertar, ao mesmo tempo e para sempre, toda a sociedade da exploração, da opressão e das lutas de classe; esta ideia mestra pertence única e exclusivamente a Marx — Já o declarei muitas vezes; mas agora precisamente é necessário que esta declaração figure à cabeça do Manifesto.” Disponível numa tradução diferente em marxists.org/portugues/marx/1848/ManifestoDoPartidoComunista/.

17  “Contra”, p. 64.

18  Constitution of the Revolutionary Communist Party, USA [Constituição do Partido Comunista Revolucionário, EUA], p. 25, RCP Publications, Chicago, 2008.

19  “Contra”, p. 62. Ver uma resposta em: “The Current Debate on the Socialist State System — A Reply by the Revolutionary Communist Party, USA” [“O atual debate sobre o sistema de estado socialista — Uma resposta do Partido Comunista Revolucionário, EUA”], Demarcations n.º 2, Verão-Outono 2012.

20  Ibid., p. 63.

21  Ibid., p. 64.

22  O positivismo foi uma corrente proeminente nos séculos XIX e XX. Distingue-se por ter estabelecido critérios e normas de conhecimento. A sua característica mais distintiva é a rejeição de qualquer diferença entre fenómeno e essência. Quaisquer alegações de conhecimento para além dos fenómenos observáveis são consideradas qualidades ocultas e portanto fora do quadro do conhecimento legítimo e válido. É por vezes considerado uma antifilosofia.

23  Mateus, capítulo 22, versículo 21.

24  O dualismo é uma antiga escola filosófica associada a Descartes e outros que argumentam que há duas substâncias, dois domínios absolutamente separados, um relativo à matéria e outro relativo à alma ou, de uma forma mais geral, à esfera das ideias e da consciência. Ver uma crítica anterior do PCR,EUA a Ajith que assinalava o dualismo deste, “The Current Debate on the Socialist State System — A Reply by the Revolutionary Communist Party, USA”, op. cit.

25  Ardea Skybreak, The Science of Evolution and The Myth of Creationism — Knowing What's Real And Why It Matters [A Ciência da Evolução e o Mito do Criacionismo — Saber o Que É Real e Porque Isso É Importante], p. 291, Insight Press, Chicago, 2006. O livro foi inicialmente publicado sob a forma de uma série de artigos no jornal Revolution/Revolución. Esta citação está disponível em:

26  Friedrich Engels, Do Socialismo Utópico ao Socialismo Científico, Cap. II, p. 82-83, Novo Tempo, Porto, sem data: “Agora, o idealismo fora despejado do seu último reduto — a conceção da história —, substituída por uma conceção materialista da história, com o que se abria o caminho para explicar a consciência do homem pela sua existência, e não esta pela sua consciência, que era até então o tradicional. (...) Mas o socialismo tradicional era incompatível com essa nova conceção materialista da história, tanto quanto a conceção da natureza do materialismo francês não podia ajustar-se à dialética e às novas ciências naturais. Com efeito, o socialismo anterior criticava o modo de produção capitalista existente e as suas consequências, mas não conseguia explicá-lo nem podia, portanto, destruí-lo ideologicamente; nada mais lhe restava senão repudiá-lo, pura e simplesmente, como mau. (...) Estas duas grandes descobertas — a conceção materialista da história e a revelação do segredo da produção capitalista através da mais-valia — nós devemo-las a Karl Marx. Graças a elas, o materialismo converte-se numa ciência, que só nos resta desenvolver em todos os seus detalhes e concatenações.”. Disponível numa tradução diferente em marxists.org/portugues/marx/1880/socialismo/.

27  A teoria darwiniana clarifica o papel decisivo das mutações aleatórias que, por exemplo, ao contrário de uma bala disparada de uma arma, não são previsíveis e reproduzíveis da mesma maneira. A evolução das formas de vida natural opera através do sucesso reprodutivo diferencial. Algumas mutações aleatórias, na realidade a maioria, fracassam, i.e., não conduzem a uma vantagem adaptativa, enquanto um pequeno número de mutações igualmente aleatórias pode conduzir a uma vantagem reprodutiva para um organismo, sob condições ambientais específicas e variáveis.

28  Por exemplo, na biologia, as bactérias podem reconhecer duas diferentes geometrias ou configurações de uma molécula de açúcar (a sua “lateralidade” ou quiralidade), mas só se alimenta de uma das formas da molécula, não porque as duas diferentes formas sejam feitas de elementos diferentes, mas devido à história da evolução de uma dada bactéria que começou por se alimentar de uma única forma da molécula de açúcar.

29  Friedrich Engels, Anti-Dühring, Vol. I, Cap. I, p. 53, Editorial Minerva, Lisboa 1976. “A natureza é o banco de ensaio da dialética e devemos dizer em abono da moderna ciência da natureza que forneceu a esse banco de ensaio uma rica colheita de dados que aumenta todos os dias.” E, mais adiante, no Vol. I, Cap. XIII, p. 261-2: “Na realidade, a dialética não é mais do que a ciência das leis do movimento e do desenvolvimento da natureza, da sociedade humana e do pensamento.” Disponível numa tradução diferente em marxists.org/portugues/marx/1877/antiduhring/.

30  Observations, op. cit., p. 7: “Tudo aquilo de que eu tenho falado até agora tem muito a ver com o princípio que Mao enfatizou — de que o marxismo abraça mas não substitui todas estas diferentes esferas da sociedade e do esforço humano. Cada uma delas tem a sua própria, como disse Mao, particularidade de contradição.” Excerto da palestra de Bob Avakian, Dictatorship and Democracy, and the Socialist Transition to Communism [Ditadura e Democracia, e a Transição Socialista para o Comunismo], 1ª Parte, Revolutionary Worker/Obrero Revolucionario n.º 1250, 22 de agosto de 2004.

31  Ver a “investigação científica” de V. S. Ramachandran presente no artigo dele intitulado “The Neural Basis of Religious Experience” [“A base neural da experiência religiosa”], apresentado na Conferência Anual da Sociedade de Neurociência. Outubro. Abstract 529.1, Vol. 23, Society of Neuroscience. Ele argumenta que há uma base física nas células e sinapses cerebrais para o processo de agitação espiritual, uma base física para o estado de espírito religioso.

32  “Contra”, p. 64.

33  Ver Bob Avakian, Making Revolution and Emancipating Humanity [Fazer a Revolução e Emancipar a Humanidade], 1ª Parte:

e 2ª Parte:

34  “Contra”, p. 57.

35  Ibid., p. 57.

36  Limitar a necessidade de um partido de vanguarda aos seus aspectos organizativos e práticos, ignorando as questões de perspetiva política e ideológica, de liderança e de rutura com a espontaneidade, conduz ao tipo de partido típico dos trotskistas e outros reformistas e é consistente com o economicismo e a social-democracia.

37  “Contra”, p. 59.

38  Bob Avakian, “The Need for Communists To Be... Communists” [“A necessidade de os comunistas serem... comunistas”], Revolution/Revolución n.º 38, 12 de março de 2006. “Para dizer isto de outra forma, a ‘posição’ não é suficiente. Mesmo entre os comunistas, há muita confusão sobre isto. Às vezes as pessoas dizem, ‘ele ou ela têm uma linha ideológica muito boa’, e com isso querem dizer que essa pessoa tem uma boa posição — que é realmente dedicada, cheia de ódio à opressão, e por aí adiante — mas a posição não é suficiente. Zhang Chunqiao escreveu algo sobre isto (pelo menos diz-se que ele escreveu algo sobre isto, e eu estou disposto a acreditar nisso, a assumir isso como facto e a aceitar isso). Depois do golpe de estado na China, os revisionistas, num dos seus ataques ao ‘bando dos quatro’, disseram que Zhang Chunqiao tinha insistido em que a teoria é o fator mais dinâmico na ideologia. A razão por que esses revisionistas estavam a levantar esta questão era para dizer: ‘oh, ele é apenas um dogmatista — ele é pura teoria e nenhuma prática, não tem a dignidade da realidade imediata’.”

39  “Contra”, p. 59.

40  Bob Avakian, “Rereading George Jackson” [“Relendo George Jackson”], excerto da palestra Getting Over the Two Great Humps: Further Thoughts on Conquering the World [Como Vencer as Duas Grandes Colinas: Mais Pensamentos sobre Conquistar o Mundo], Revolutionary Worker/Obrero Revolucionario n.º 968, 9 de agosto de 1998.

41  Bob Avakian, Unresolved Contradictions, Driving Forces for Revolution [Contradições não Resolvidas, Forças Motrizes da Revolução], Parte III, Secção “O visceral e o teórico”, Revolution/Revolución n.º 184, 29 de novembro de 2009. [Ênfase nossa]

Ver também Break ALL The Chains! Bob Avakian on the Emancipation of Women and the Communist Revolution [Romper TODOS os Grilhões! Bob Avakian sobre a Emancipação da Mulher e a Revolução Comunista], p. 24, RCP Publications, Chicago, 2014.

E também “The New Synthesis and the Woman Question: The Emancipation of Women and the Communist Revolution — Further Leaps and Radical Ruptures” [“A nova síntese e a questão da mulher: A emancipação da mulher e a revolução comunista — mais saltos e ruturas radicais”], Demarcations n.º 4, Inverno de 2015.

42  “Contra”, p. 59.

43  Bob Avakian, “Views on Socialism and Communism: A Radically New Kind of State, A Radically Different and Far Greater Vision of Freedom” [“Pontos de Vista Sobre o Socialismo e o Comunismo: Um Estado de um Tipo Radicalmente Novo, Uma Visão Radicalmente Diferente e Muito Mais Ampla de Liberdade”], em particular a secção intitulada “A Materialist Understanding of the State and Its Relation to the Underlying Economic Base” [“Uma análise materialista do estado e da sua relação com a base económica subjacente”], que foi publicada no Revolution/Revolución n.º 42, 9 de abril de 2006.

A citação que Avakian faz no texto é de V. I. Lenine, Que Fazer?, Cap. II, p. 48, Editorial Estampa, Lisboa, 1973 (2ª ed.). Disponível numa tradução diferente em marxists.org/portugues/lenin/1902/quefazer/. Na citação de Lenine optámos por usar a palavra “empenho” em vez de “tendência”, a tradução incorreta que infelizmente aparece em todas as traduções para português que conhecemos, pois, a ser usada a segunda palavra, tornaria irreconhecível o argumento dos autores. [Nota do Tradutor]

44  Karl Marx e Friedrich Engels, “A ideologia alemã”, Parte II, Secção 6, em Obras Escolhidas em três tomos, Editorial Avante!, Lisboa, 1982. marxists.org/portugues/marx/1845/ideologia-alema-oe/.

45  Karl Marx, A Sagrada Família, Cap. IV.

46  “Contra”, p. 59.

47  Ver a discussão sobre a experiência da China maoista, incluindo as suas forças e as fraquezas, na luta por refazer a conceção do mundo, na entrevista a Raymond Lotta, Não sabes o que crês que “sabes” sobre..., op. cit.

48  “Contra”, p. 24. Ajith argumenta especificamente que o proletariado internacional só pode existir enquanto proletariados nacionais. Para uma refutação desta perspetiva, ver “¿Comunismo o nacionalismo?”, da Organização Comunista Revolucionária, México (OCR,M), op. cit.

49  Tal como citado por Mao em “Sobre a prática”, “Lenine dizia: ‘As abstrações de matéria e de lei natural, a abstração de valor, etc., numa palavra, todas as abstrações científicas (justas, sérias, não arbitrárias) refletem a natureza mais profundamente, mais fielmente, mais completamente!’”. Em Mao Tsétung, Obras Escolhidas, Tomo I, p. 506, Edições em Línguas Estrangeiras, Pequim, 1975. marxists.org/portugues/mao/1937/07/pratica.htm.

50  V. I. Lenine, Que Fazer?, Cap. II, p. 49-50, nota de rodapé 14, Editorial Estampa, Lisboa, 1973 (2ª ed.). Disponível numa tradução diferente em marxists.org/portugues/lenin/1902/quefazer/.

51  Observations, “Uma conversa de Bob Avakian com alguns camaradas sobre epistemologia: Sobre conhecer e transformar o mundo”, op. cit., p. 45.

52  “Contra”, p. 24.

53  Ver a entrevista a Lotta, Não sabes o que crês que “sabes” sobre..., op. cit., secção “Aprender com a Revolução Cultural e avançar para além dela”.

54  Observations, p. 3-5. Excerto da palestra Dictatorship and Democracy, and the Socialist Transition to Communism, op. cit.

55  “Contra”, p. 57.

56  Ibid., p. 57.

57  Ibid., p. 56.

58  Ibid., p. 56. Citação da Circular do Comité Central do Partido Comunista da China (16 de Maio de 1966), p. 7-8, Publicações Nova Aurora, Lisboa, 1975.

59  Também há casos semelhantes em que os revisionistas fazem uma declaração verdadeira como “toda a gente é igual perante a verdade” para fins contrarrevolucionários. Um dos principais seguidores da via capitalista na China, Liu Shaoqi, também salientou que “Marx, Engels, Lenine, Estaline e Mao, todos eles cometeram erros”. Também aqui, embora seja uma coisa criticar os objetivos contrarrevolucionários de Liu ao salientar esta banalidade para combater o chamado “culto da personalidade” (na realidade para se opor à linha revolucionária de Mao), seria uma outra coisa totalmente diferente tentar negar a verdade das palavras específicas que ele salientou.

60  “Contra”, p. 56.

61  Richard Rorty, um destacado neopragmatista, disse celebremente: “Se cuidarmos da liberdade, a verdade cuidará de si mesma”. Para Rorty, a “liberdade” significava assegurar as condições políticas (a democracia burguesa) através das quais seriam construídos o acordo e o consenso. Uma vez alcançado esse consenso, “a verdade cuida de si mesma”, ou seja, não há nenhuma razão para disputas sobre como definir e compreender a verdade, que ele considerava um pseudoproblema. Ajith partilha muito desta abordagem quando faz concessões à verdade de classe. Ajith conta apenas com a experiência, os sentimentos e a luta partilhados por uma classe para criar um consenso, neste caso um consenso de classe que possa servir de base para determinar o que é considerado verdadeiro. Isto é uma versão da teoria da verdade por consenso, a qual rejeita a teoria da verdade como correspondência, uma característica fundamental do materialismo. Cuidemos das condições políticas do proletariado e dos seus interesses e a verdade cuidará de si mesma, é esta a conclusão inevitável se não insistirmos na teoria da verdade como correspondência.

62  “Contra”, p. 57.

63  Ibid., p. 58.

64  Mao Tsétung, “Discurso em Hangchow”, 21 de dezembro de 1965, em Chairman Mao Talks to the People, Talks and Letters, 1956-1971 [O Presidente Mao Fala ao Povo, Palestras e Cartas, 1956-1971], p. 235-236, Pantheon Books, Nova Iorque, 1974, publicado com uma introdução de Stuart Schram e traduzido por John Chinnery e Tieyun. [Este livro foi publicado em Portugal com o título Mao Tsé Tung sem Artifícios, Edições Acrópole, Alfragide-Damaia, 1976, mas esta passagem não foi incluída.] Também em Mao Tsétung, Selected Works [Obras Escolhidas], Vol. IX, p. 224, Sramikavarga Prachuranalu, Hyderabad (Índia), 1994. marxists.org/reference/archive/mao/selected-works/volume-9/mswv9_44.htm (em inglês).

65  Karl Marx, “Letter to Engels in Manchester, 27 June 1867” [“Carta a Engels em Manchester, 27 de junho de 1867”], em Marx-Engels Collected Works, Vol. 42, p. 389. marxists.architexturez.net/archive/marx/works/1867/letters/67_06_27.htm (em inglês). [Ênfase no original].

66  Mao Tsétung, “Sobre a prática”, op. cit., p. 505.

67  Ver o documento da OCR,M, “¿Comunismo o nacionalismo?”, op. cit., para uma discussão do ataque de Ajith ao entendimento de Avakian sobre a revolução proletária como um “único processo mundial”.

68  Em Making Revolution and Emancipating Humanity, op. cit., 2ª Parte, Avakian escreveu: “A Revolução surge de uma complexa interação de contradições, num país específico e a nível internacional, e da interpenetração entre esses níveis ou dimensões. Sim, há certas coisas e certos padrões que podemos identificar. Sim, o papel do fascismo cristão é um elemento muito importante da ‘mistura’ neste momento. E, sim, poderá vir a desempenhar o papel de ‘diretor de cena’. Sim, há algo muito real na analogia entre o que está a acontecer agora e o período anterior à Guerra da Secessão nos EUA em meados do século XIX. Em termos gerais, há algo de verdade na analogia com uma ‘guerra civil que se perfila’. Mas isto tem de ser entendido de uma maneira dialética e viva, e de uma maneira materialista. Não com uma abordagem religiosa e dogmática seca, morta e pouco inspiradora.”

“O que está realmente envolvido, e o que temos realmente de compreender firmemente e aplicar consistentemente é uma compreensão materialista e dialética da relação entre os fatores objetivos e subjetivos, com toda a complexidade que isto envolve, com toda a interpenetração das diferentes camadas dessa realidade de ‘múltiplas texturas’.”

69  “Contra”, p. 24.

70  Ibid., p. 77.

71  V. I. Lenine, “As três fontes e as três partes constitutivas do marxismo”, em Obras Escolhidas, Tomo I, p. 35-39, Editorial Avante!, Lisboa, 1977. Se alguma coisa, aqui Lenine subestima o elemento de rutura que Marx representou em relação a anteriores pensadores. marxists.org/portugues/lenin/1913/03/tresfont.htm.

72  “Contra”, p. 58.

73  Karl Marx e Friedrich Engels, Manifesto do Partido Comunista, op. cit., Cap. III, p. 76: “Assim nasceu o socialismo feudal, mistura de jeremiadas e de pasquins; de ecos do passado e de ameaças sobre o futuro. Se algumas vezes a sua crítica amarga, mordaz e engenhosa feriu a burguesia no seu coração; a sua incapacidade absoluta de compreender a marcha da história moderna acabou sempre por cobri-lo de ridículo.” E na p. 78: “Em países como a França, onde os camponeses formam bastante mais de metade da população, é natural que os escritores que defendiam a causa do proletariado contra a burguesia aplicassem à sua crítica do regime burguês critérios pequeno-burgueses e pequeno-camponeses, e defendessem a classe operária do ponto de vista da pequena burguesia. Assim se formou o socialismo pequeno-burguês.”

74  Do Relatório ao X Congresso do Partido Comunista da China: “O Presidente Mao ensina-nos que ‘a correção ou incorreção da linha política e ideológica decidem tudo’. Quem seguir uma linha incorreta cairá inevitavelmente, mesmo tendo o controlo das autoridades centrais, locais e militares.”

75  Mao Tsétung, “Remarks at a Briefing” [“Comentários numa reunião”], Março de 1964, De Long Live Mao Tsetung Thought [Viva o Pensamento Mao Tsétung], uma publicação dos Guardas Vermelhos. marxists.org/reference/archive/mao/selected-works/volume-9/mswv9_16.htm (em inglês).

76  Marx salvou as conceções de Ricardo dos próprios seguidores dele que estavam prontos a abandonar essas mesmas conceções porque não se ajustavam às ideologicamente moldadas teorias económicas deles. Isto mostra, de uma só vez e simultaneamente, que a verdade descoberta por outras classes precisa de ser reconhecida, defendida e, onde necessário, reformulada por pensadores comunistas, e também que há de facto uma tendência por parte das classes exploradoras para enterrarem as verdades científicas quando estas parecem estar em contradição com os enquadramentos deles. Ver Karl Marx, Teorias da Mais-Valia, 2ª e 3ª Partes, Difel (Brasil), 1980. marxists.org/archive/marx/works/1863/theories-surplus-value/ (em inglês).

77  Friedrich Engels, Ludwig Feuerbach e o Fim da Filosofia Clássica Alemã, publicado conjuntamente com Do Socialismo Utópico ao Socialismo Científico, op. cit., p. 119: “No prólogo da sua obra Contribuição à Crítica da Economia Política (Berlim, 1859), relata Karl Marx como em 1845, quando ambos nos encontrávamos em Bruxelas, decidimos ‘trabalhar em comum para desenvolver a oposição existente entre a nossa conceção’ — tratava-se da conceção materialista da história, elaborada sobretudo por Marx — ‘e a conceção ideológica da filosofia alemã, o que significa, na realidade, acertar as contas com a nossa consciência filosófica anterior. Esse propósito foi realizado sob a forma de uma crítica da filosofia pós-hegeliana.’” Disponível numa tradução diferente em marxists.org/portugues/marx/1888/02/21.htm.

Também, na p. 150: “o homem não vive apenas na natureza, mas vive também na sociedade humana, e esta possui igualmente, tanto quanto a natureza, a sua história evolutiva e a sua ciência. Tratava-se, pois, de adaptar ao fundamento materialista, reconstruindo-a sobre esta base, a ciência da sociedade, isto é, a essência das chamadas ciências históricas e filosóficas.” Disponível numa tradução diferente em marxists.org/portugues/marx/1886/mes/fim.htm.

78  Observations, “Uma conversa de Bob Avakian com alguns camaradas sobre epistemologia: Sobre conhecer e transformar o mundo”, op. cit., p. 54.

79  Mao Tsétung, “Intervenções numa conferência de Secretários dos Comités do Partido nas Províncias, Municípios e Regiões Autónomas”, janeiro de 1957, em Obras Escolhidas, Vol. V, p. 439, Editora Vento de Leste, Lisboa, 1977. “Estaline tinha dentro dele uma grande quantidade de metafísica e ensinou muitas pessoas a atuar de acordo com ela.”

80  Bob Avakian, Bringing Forward Another Way [Desenvolver Um Outro Caminho], 15ª Parte, nota de rodapé 2, Revolution/Revolución n.º 98, 19 de agosto de 2007.

81  “Carta aos partidos e organizações participantes no Movimento Revolucionário Internacionalista”, op. cit.

82  “Contra”, p. 63.

83  Ibid., p. 64. “Em comparação com as abstrações científicas em campos específicos, as abstrações da ideologia e da filosofia representam certamente um nível superior. Isto é assim porque as categorias universais que elas enunciam são elas próprias derivadas de um conjunto diverso de universalidades contidas em leis que regem campos específicos da vida social e dos fenómenos naturais. Uma ideologia ou uma filosofia estarão erradas nas suas abstrações se não estiverem ancoradas na realidade natural e social. Mas isso não muda o facto de representarem um nível superior de abstração.”

84  Mao Tsétung, “Intervenções nos Colóquios de Ien-an Sobre Literatura e Arte”, em Obras Escolhidas, Tomo III, p. 138, Edições em Línguas Estrangeiras, Pequim, 1975. “O marxismo abraça o realismo na criação literária e artística mas não pode substituir-se a este, tal como abraça, sem poder substitui-las, as teorias atómicas e eletrónicas em Física”. marxists.org/portugues/mao/1942/05/23.htm.

85  Bob Avakian e Bill Martin, Marxism and the Call of the Future, Conversations on Ethics, History, and Politics [O Marxismo e o Apelo do Futuro — Conversas sobre Ética, História e Política], p. 162-164, Open Court Press, Chicago, 2005. Esta citação não está disponível online, mas alguns capítulos estão disponíveis em:

86  Karl Marx e Friedrich Engels, “A ideologia alemã”, op. cit., Parte I, Secção 4.

87  Anti-Dühring, op. cit., Vol. I, Cap. I, p. 57.

88  Bob Avakian, Away with All Gods! [Fora com Todos os Deuses!], p. 214, nota de rodapé, Insight Press, Chicago, 2008.

89  Marxism and the Call of the Future, op. cit., p. 161-162.

90  “Contra”, p. 63.

91  Na sua preocupação, Ajith defende pontos de vista semelhantes aos dos pais fundadores do pragmatismo norte-americano. William James disse: “Toda a função da filosofia deveria ser descobrir qual a diferença definida que ela fará a si e a mim, em instâncias definidas na nossa vida, se esta ou aquela fórmula do mundo é a verdadeira.” De William James, Meaning of Truth [O Significado da Verdade], p. 30, Cambridge, Massachusetts, Harvard Press, 1978. Poderia chegar-se mais próximo da “verdade política” que isto?

92  Bob Avakian, Ruminations and Wranglings [Reflexões e Discussões], secção “A Correct Understanding Of The Relation Between Science And Philosophy” [“Um correto entendimento da relação entre a ciência e a filosofia”]. No original, só a palavra “simplesmente” está em itálico.

93  “Contra”, p. 63.

94  Observations, op. cit., p. 34-42, Capítulo “Materialism and Romanticism: Can We Do Without Myth?” [“Materialismo e romantismo: Podemos prescindir dos mitos?”], excerto da palestra Getting Over the Two Great Humps: Further Thoughts on Conquering the World, op. cit., Revolutionary Worker/Obrero Revolucionario n.º 1211, 24 de agosto de 2003.

95  Marxism and the Call of the Future, op. cit., p. 199.

96  Ibid., p. 226.

97  “Contra”, p. 77.

98  Ibid., p. 77.

99  “The Current Debate on the Socialist State System — A Reply by the Revolutionary Communist Party, USA”, op. cit.

100  “Contra”, p. 61.

101  Ibid., p. 77.

102  Ibid., p. 60.

103  Lenine, Materialismo e Empiriocriticismo, Cap. II, Secção 11, Editorial Calvino Ltda., Rio de Janeiro, 1946: “Numa palavra, toda a ideologia é historicamente relativa, mas é um facto absoluto que a cada ideologia científica (contrariamente ao que acontece, por exemplo, com a ideologia religiosa), corresponde uma verdade objetiva, uma natureza absoluta. Esta distinção entre a verdade absoluta e a verdade relativa é vaga, dirão. Responderei: é precisamente bastante ‘vaga’ para impedir a ciência de se tornar um dogma no pior sentido dessa palavra, uma coisa morta, congelada, ossificada; mas também é bastante ‘precisa’ para traçar entre nós e o fideísmo, o agnosticismo, o idealismo filosófico, a sofística dos discípulos de Hume e de Kant, uma linha de demarcação decisiva e indestrutível. Existe aqui um limite que não observastes, e, por não o terdes observado, caístes no pântano da filosofia reacionária. É o limite entre o materialismo dialético e o relativismo.” marxists.org/portugues/lenin/1909/empiro/.

104  Marxism and the Call of the Future, op. cit., p. 162.

105  Ver “Study Well the Theory of the Dictatorship of the Proletariat” [“Estudar bem a teoria da ditadura do proletariado”], Peking Review n.º 7, 14 de fevereiro de 1975, p. 4-5 (Tradução para inglês do Editorial do Renmin Ribao de 9 de fevereiro de 1975). marxists.org/subject/china/peking-review/1975/PR1975-07.pdf (em inglês). Ver também Acerca da Ditadura Integral sobre a Burguesia, op. cit.

106  Ver Robert Borba, “The (new) Communist Party of Nepal-Maoist and the Crossroads Facing the International Communist Movement” [“O (novo) Partido Comunista do Nepal-Maoista e a encruzilhada que o Movimento Comunista Internacional enfrenta”], Demarcations n.º 4, Inverno de 2015, sobretudo as p. 17-23, para uma resenha detalhada da apologia do revisionismo feita por Ajith.

107  “Contra”, p. 60, nota de rodapé 214. Ajith está a citar Avakian em Making Revolution and Emancipating Humanity.

108  Ibid., p. 63.

109  Ibid., p. 60.

110  Mesmo o exemplo político concreto dado por Ajith de uma “verdade universal” é muito revelador do seu próprio dogmatismo obstinado e de uma epistemologia errada. “Para dar um exemplo, a Internacional Comunista realçou que o imperialismo transforma e faz do feudalismo a sua base social num país oprimido. Essa lição foi derivada das análises sociais de inúmeros países coloniais e semicoloniais. Enquanto tal, ela contém uma verdade universal que ajuda os comunistas a prepararem os seus programas e a guiarem a sua prática”. “Contra”, p. 61, nota de rodapé 217 de Ajith.

Os comunistas têm de, e devem continuar a, discutir a relação entre o imperialismo e o feudalismo nos países que ele oprime, e este artigo não é o lugar para começar uma grande discussão desta importante questão nem da sua história. Porém, uma coisa que deveria ser óbvia para toda a gente menos para os dogmatistas mais preconceituosos é que ela é uma relação fluida e dinâmica e que o mundo do século XXI apresenta-se bastante mais diferente em relação a isto que no período que o Comintern analisou ou quando Mao desenvolveu as teses dele sobre a revolução na China. Se assumirmos a tese de que o imperialismo “faz do feudalismo a sua base social” como “verdade universal”, ou se considerarmos isto como “princípio ideológico” que então só difere na “aplicação” de uma situação para outra, é altamente duvidoso que esta forma de pensar venha a “ajuda[r] os comunistas a prepararem os seus programas e a guiarem a sua prática”.

111  Ibid., p. 60. [Ênfase no original].

112  Away with All Gods!, op. cit., p. 205-207.

113  The Science of Evolution and The Myth of Creationism — Knowing What's Real And Why It Matters, op. cit., p. 214. Esta citação está disponível em:

114  “Contra”, p. 68.

115  Acerca da Ditadura Integral sobre a Burguesia, op. cit., p. 26.

116  “Contra”, p. 71.

117  Anti-Dühring, op. cit., Vol. I, Cap. VII, p. 132-3: “Em todo o caso, não há dúvida que a aplicação do ‘fim interno’ de Hegel, isto é, de um fim que não é introduzido na natureza intencionalmente por um terceiro elemento — como, por exemplo, a sabedoria da Providência —, mas que reside na necessidade da própria coisa, leva constantemente as pessoas que não possuem uma cultura filosófica a admitir levianamente a existência de uma ação consciente e intencional.”

118  Note-se como, na seguinte citação de O Capital, uma explicação esmagadoramente materialista do processo histórico de derrube do capitalismo é desfigurada de uma forma secundária por uma aplicação da “negação da negação” e como também tende para uma interpretação mecânica e determinística da lei científica: “À medida que diminui o número dos potentados do capital que usurpam e monopolizam todas as vantagens deste período de evolução social, aumentam a miséria, a opressão, a escravatura, a degradação, a exploração, mas também a resistência da classe operária crescendo sem cessar e cada vez mais disciplinada, unida e organizada pelo próprio mecanismo da produção capitalista. O monopólio do capital torna-se um entrave para o modo de produção que com ele cresceu e prosperou, sob os seus auspícios. A socialização do trabalho e a centralização dos seus recursos materiais chegam a um ponto em que já não podem conter-se no invólucro capitalista. Este invólucro rebenta em estilhaços. A hora da propriedade capitalista soou. Os expropriadores são por sua vez expropriados. (...) [Isto] constitui a primeira negação da propriedade privada que é apenas o corolário do trabalho independente e individual. Mas a produção capitalista engendra ela mesma a sua própria negação com a fatalidade que preside às metamorfoses da natureza. É a negação da negação.” Em Karl Marx, O Capital em 2 Volumes, Vol. I, Cap. XXXII, p. 479-480 (noutras edições, corresponde ao Livro I, Cap. 24, Ponto 7), Edições Delfos, Lisboa, 1974. Disponível numa tradução diferente em marxists.org/portugues/marx/1867/capital/cap24/.

119  Gonzalo, “Sobre la Campaña de Rectificación con el Documento ‘¡Elecciones, No! ¡Guerra Popular, Si!’” [“Sobre a Campanha de Retificação com o Documento ‘Eleições, não! Guerra Popular, sim!’”], Un Mundo Que Ganar n.º 19, 1993.

120  Entre os pressupostos fundamentais dos filósofos idealistas está o assumir a mente e/ou a consciência como “anterior” à realidade material, se não temporalmente pelo menos logicamente “anterior”. Mesmo alguns “materialistas” também defendem que as propriedades da matéria são tais que proporcionam, e mesmo que requerem, especificamente o aparecimento ou a existência de inteligência ou consciência para que a matéria seja considerada.

Desde meados do século XX tem crescido entre os cosmólogos, físicos, astrofísicos e outras pessoas uma escola de pensamento que defende o que geralmente tem sido referido como Princípio Antrópico. Este princípio interpreta os dados empíricos observados sobre o universo como estabelecendo uma correlação entre a existência de inteligência e observação consciente e a estrutura material/física e as características do universo. Na realidade, isto está relacionado com a pletora de argumentos da “Criação” de que o universo é planeado. O Princípio Antrópico junta-se assim a um tipo de argumento que pode ser encontrado desde os tempos antigos em que a ciência e a filosofia ainda não se tinham diferenciado e em que também estavam misturadas com a metafísica para dar significado à ordem das coisas e, de facto, a toda a existência.

121  “Contra”, p. 69.

122  Bob Avakian, citado na introdução a Of Primeval Steps and Future Leaps: An Essay on the Emergence of Human Beings, the Source of Women's Oppression, and the Road to Emancipation [Sobre os Passos Primevos e os Saltos Futuros; Um Ensaio sobre o Surgimento dos Seres Humanos, a Fonte da Opressão da Mulher e o Caminho para a Emancipação], de Ardea Skybreak, p. 7, Banner Press, Chicago, 1984.

123  Eis como o biólogo David Hanke descreve os efeitos nocivos da teleologia: “A seleção natural passou despercebidamente para o lugar do Criador, o Seletor Natural, como a nova face aceitável do Grande Criador. (...) Periodicamente, há tentativas bem-intencionadas de justificar o uso do raciocínio teleológico como sendo virtualmente inofensivo e uma ajuda ao pensamento. (...) A teleologia, a muleta do biólogo, é nefasta não tanto porque é preguiçosa e errada (que o é) mas porque é um colete-de-forças da mente que restringe o pensamento científico verdadeiramente criativo. (...) Os sentimentos são enganadores, e a verdade, alguma dela contraintuitiva, está lá fora à espera.” De “Teleology: the Explanation that Bedevils Biology” [“Teleologia: A Explicação que Confunde a Biologia”], em Explanations, editado por John Cornwell, p. 143-155, Oxford University Press, 2004. Hanke mostra como a teoria científica de Darwin pode ser pervertida, para usar a expressão de Hanke, numa muleta nociva. Alguns erros ou debilidades secundários na teoria de Darwin (por exemplo, a ênfase no gradualismo) foram aproveitados e desenvolvidos de uma forma que conduziu aos erros que Hanke descreve. A mesma perversão teleológica da teoria científica de Marx também pode ocorrer e de facto algumas pessoas têm feito exatamente isso.

124  Bob Avakian, For A Harvest of Dragons [Para Uma Colheita de Dragões], p. 27, RCP Publications, Chicago, 1983. bannedthought.net/USA/RCP/Avakian/Avakian-HarvestOfDragons-Searchable.pdf (em inglês).

125  “Cartas Filosóficas — Marx a Paul Annenkov” (28 de dezembro de 1846), em Marx-Engels, Antologia Filosófica, p. 190, Editorial Estampa, Lisboa, 1974 (2ª ed.). Disponível numa tradução diferente em marxists.org/portugues/marx/1846/12/28.htm.

126  Bob Avakian, Birds Cannot Give Birth to Crocodiles, But Humanity Can Soar Beyond the Horizon [Os Pássaros não Podem Dar à Luz Crocodilos, mas a Humanidade Pode Voar para além do Horizonte], secção “Matter has not disappeared—reality is not just ‘virtual’” [“A matéria não desapareceu — a realidade não é apenas ‘virtual’”], Insight Press, Chicago, 2014.

127  “Contra”, p. 69.

128  Mao Tsétung, “Speeches at the Second Session of the Eighth Party Congress, May 8-23, 1958” [“Discursos na Segunda Sessão do Oitavo Congresso do Partido, 8-23 de maio de 1958”]. De Long Live Mao Tsetung Thought [Viva o Pensamento Mao Tsétung], uma publicação dos Guardas Vermelhos. Incluído em Selected Works [Obras Escolhidas], Vol. VIII, Kranti Publications, Secunderabad (Índia) e Sramikavarga Prachuranalu, Hyderabad (Índia). marxists.org/reference/archive/mao/selected-works/volume-8/mswv8_10.htm (em inglês).

129  Para um estudo adicional, referimos o leitor para o documento do Partido Comunista Revolucionário, EUA, “Notes on Political Economy — Our Analysis of the 1980s, Issues of Methodology, and the Current World Situation” [“Notas sobre economia política — A nossa análise dos anos 1980, questões de metodologia e a atual situação mundial”], 1999. Em particular, ver a secção “Taking the Self-Criticism Further... Against Typical Motion and Absolute Thresholds” [“Aprofundar a autocrítica: Contra o ‘movimento típico’ e os limiares absolutos”].

130  Lin Piao, Long Live the Victory of People's War! [Viva a Vitória da Guerra Popular!], Cap. VI, Foreign Languages Press, Peking, 1969. Em 1969, Lin Piao tinha sido designado oficialmente sucessor de Mao. Posteriormente, em 1971, Lin morreu numa tentativa abortada de golpe de estado contra Mao.

131  Manifesto do Partido Comunista, op. cit., Cap. I, p. 44: “Homens livres e escravos, patrícios e plebeus, senhores e servos, mestres e oficiais, numa palavra, opressores e oprimidos, em oposição constante, travaram uma guerra ininterrupta, ora aberta, ora dissimulada, uma guerra que acabava sempre pela transformação revolucionária de toda a sociedade, ou pela destruição das duas classes beligerantes.”

132  Bob Avakian, Communism and Jeffersonian Democracy [O Comunismo e a Democracia Jeffersoniana], p. 61-62, RCP Publications, Chicago, 2008.

133  “Contra”, p. 67.

134  O Capital, op. cit., Vol. II, Cap. XLIX, p. 689 (noutras edições, corresponde ao Livro III, 7ª Secção, Cap. 48).

135  Anti-Dühring, op. cit., Vol. II, Parte III, Cap. II, p. 247.

136  Ibid., p. 247.

137  Friedrich Engels, Prefácio de 1884 à 1ª edição alemã de Miséria da Filosofia, de Karl Marx, p. 14, Editorial Estampa, Lisboa, 1978. [Ênfase nossa]. Disponível numa tradução diferente em marxists.org/portugues/marx/1847/miseria/.

138  Mao Tsétung, “Palestra sobre Questões de Filosofia”, 18 de agosto de 1964, em Stuart Schram, Mao Tsé Tung sem Artifícios, op. cit., p. 159: “Engels falou em se deslocar do campo da necessidade para o da liberdade e acrescentou que esta constitui a compreensão da necessidade. A frase não está completa, pois só diz metade e deixa o resto em suspenso. Porventura a simples compreensão basta para nos tornar livres? A liberdade é a compreensão e também a transformação da necessidade: uma pessoa tem também trabalho a executar.” marxists.org/reference/archive/mao/selected-works/volume-9/mswv9_27.htm (em inglês).

139  Mesmo Mao não esteve imune a estas influências, como se pode ver na declaração dele sobre quando “as classes, o poder de estado e os partidos políticos desapareçam muito naturalmente e a humanidade entre no reino da Grande Harmonia”. Em Mao Tsétung, “Sobre a ditadura democrática popular”, Obras Escolhidas, Tomo IV, p. 636, Edições em Línguas Estrangeiras, Pequim, 1975.

Com base num estudo mais aprofundado da sociedade socialista e da luta de classes no socialismo, e sem dúvida nenhuma também de uma maior reflexão filosófica, Mao desenvolveu uma perspetiva muito mais profunda e mais correta do período de transição e do próprio comunismo: “No futuro, (...) ainda haverá revoluções? Qual é a vossa opinião? Do meu ponto de vista, a revolução ainda será necessária.” Em Mao Tsétung, “Discurso pronunciado na Segunda Sessão Plenária do Oitavo Comité Central do Partido Comunista da China”, 15 de novembro de 1956, Obras Escolhidas, Vol. V, p. 404, Editora Vento de Leste, Lisboa, 1977.

O problema é que demasiadas pessoas no movimento comunista ou não notaram os desenvolvimentos feitos por Mao em relação a estes aspectos que emergiram sobretudo durante a GRCP, ou os rejeitaram como “banalidades”, tal como faz Ajith. Se, tal como argumenta Ajith, não havia nenhuma ambiguidade nem erro no tratamento destes assuntos por Marx e Engels, porque é que Mao sentiu necessidade de os corrigir? Se o próprio entendimento de Mao não se tivesse desenvolvido, porque é que não se viu mais nenhuma referência à “Grande Harmonia” durante a GRCP sob a liderança de Mao nem nas muitas referências à sociedade comunista nos últimos textos dele?

140  Bob Avakian, “The Material Basis and the Method for Making Revolution, A Talk given in 2014” [“A base material e o método para fazer a revolução, Uma palestra proferida em 2014”].

141  “Contra”, p. 68-69.

142  Isto é evidente no materialismo mecânico do século XVIII de Diderot e outros filósofos e no materialismo praticado por um crescente número de cientistas nos séculos XVIII e XIX. O sucesso do sistema newtoniano na descrição da ordem na natureza foi expandido por Maupertuis e Lagrange para conseguirem uma descrição mais detalhada e lidarem de uma forma englobadora com os fenómenos naturais. O materialismo dessa época acreditava ter descoberto uma ordem inerente, “oferecida por deus”, na natureza. A inevitabilidade, o determinismo e a ordem derradeira das coisas eram proclamados por este ponto de vista (similar à “interconexão lógica, ordenada e consistente de vários aspectos da vida social”, de Ajith).

143  Bob Avakian, “Marxism and the Enlightenment” [“O marxismo e o Iluminismo”], Revolutionary Worker/Obrero Revolucionario n.º 1129, 2 de dezembro de 2001.

144  “Contra”, p. 71-72. [Ênfase no original]

145  Bob Avakian, Democracy: Can't We Do Better Than That? [Democracia: Será o Melhor Que Conseguimos?], p. 28-30, Banner Press, Chicago, 1986. Uma nova edição foi publicada na Índia pela Phoneme Publishers, Deli, 2014.

146  Bob Avakian, “Imperialism and ‘Internationalism’ — Reactionary and Revolutionary Challenges” [“Imperialismo e ‘internacionalismo’ — Desafios reacionários e desafios revolucionários”], Revolutionary Worker/Obrero Revolucionario n.º 1130, 9 de dezembro de 2001.

147  “Contra”, p. 70.

148  Marxism and the Call of the Future, op. cit., Secção “História e Redenção”, p. 144.

149  Ibid., p. 144, 146-147. Ver ligações na nota 148.

150  Karl Marx. O Capital, op. cit., Vol. I, Cap. XXXI, p. 470-477 (noutras edições, corresponde ao Livro I, Cap. 24, Ponto 6). Disponível numa tradução diferente em marxists.org/portugues/marx/1867/capital/cap24/.

151  “Contra”, p. 71.

152  Observations, op. cit., p. 28. “Tal como salientei em Pregando, a religião apresenta todo o tipo de fantasias mas insiste que essas coisas são não só verdadeiras mas a essência da verdade, e os princípios operacionais que definem e determinam a realidade. Assim, em resposta à pergunta ‘podemos prescindir dos mitos?’, a resposta é que temos de abandonar os mitos no sentido religioso, ou os mitos que se apresentam como verdadeiros, os mitos que se apresentam como encarnação dos princípios definidores e organizadores da realidade.”

“Mas não podemos — a humanidade nunca o pôde fazer nem nós queremos — prescindir dos mitos num outro sentido. Para dizer isto de outra forma, não podemos nem queremos prescindir da metáfora — na arte e na vida em geral. O que é outra forma de dizer que não podemos, nem queremos, prescindir da imaginação.”

Também disponível em “Materialism and Romanticism: Can We Do Without Myth?”, op. cit. A referência é a Preaching from A Pulpit of Bones, We Need Morality But Not Traditional Morality [Pregando de Um Púlpito de Ossos, Precisamos da Moral, mas não da Moral Tradicional], também de Avakian, Banner Press, Nova Iorque, 1999. bannedthought.net/USA/RCP/Avakian/Avakian-PreachingPulpitOfBones-Searchable.pdf (em inglês).

153  Observations, “Uma conversa de Bob Avakian com alguns camaradas sobre epistemologia: Sobre conhecer e transformar o mundo”, op. cit., p. 46-47.

154  “Contra”, p. 71.

155  Aqui devemos salientar que o conceito de “totalitarismo” é de facto uma construção ideológica não científica e anticomunista que foi posta ao serviço das potências imperialistas no final da Segunda Guerra Mundial para vilipendiar e desacreditar o comunismo, e em particular a União Soviética. Qualquer análise séria do verdadeiro caráter da sociedade soviética quando ela era socialista, desde 1917 até meados dos anos 1950, os seus feitos libertadores perante obstáculos incríveis, mostra que equiparar a Alemanha nazi capitalista-imperialista à União Soviética socialista sob Estaline é grotesco e absurdo. Ver o capítulo 6 de Democracy: Can't We Do Better Than That?, op. cit., p. 167-190, e o sítio internet Setting the Record Straight [Repor a Verdade].

156  Manifesto do Partido Comunista, op. cit., Cap. II, p. 71.

157  Michel Foucault, The History of Sexuality, Vol. I: An Introduction [A História da Sexualidade, Vol. I: Introdução], Pantheon, Nova Iorque, 1978. “As relações de poder não ocorrem numa posição de exterioridade em relação a outros tipos de relações (processos económicos, relações de conhecimento, relações sexuais), mas são imanentes nestas últimas; são os efeitos imediatos das divisões, desigualdades, e desequilíbrios em que ocorrem as últimas, e reciprocamente são as condições internas dessas diferenciações.”

158  Away with All Gods!, op. cit., p. 204-205.

159  Bruno Latour e Steve Woolgar, Laboratory of Life: The Construction of Scientific Facts [Laboratório da Vida: A Construção de Factos Científicos], Princeton University Press, Princeton, 1979. Ver também Jean-François Lyotard, A Condição Pós-Moderna, p. 51-57 e 117-129, Gradiva, Lisboa, 1979, em referência à “pragmática do saber científico” e à “pragmática social”.

160  Manifesto do Partido Comunista, op. cit., Cap. I, p. 46-47: “Todos os laços complexos e variados que unem o homem feudal aos seus ‘superiores naturais’ [a burguesia], esmagou-os sem piedade para não deixar subsistir outro vínculo entre os homens que o frio interesse, as duras exigências do ‘contado’. Afogou o sagrado êxtase do fervor religioso, o entusiasmo cavalheiroso e o sentimentalismo pequeno-burguês nas águas geladas do cálculo egoísta. Fez da dignidade pessoal um simples valor de troca; substituiu as numerosas liberdades tão afetuosamente conquistadas por uma liberdade única e impiedosa: a liberdade do comércio. Numa palavra, em lugar da exploração velada por ilusões religiosas e políticas, estabeleceu uma exploração aberta, descarada, direta e brutal.”

161  Esta forma de pensar, incluindo o antissemitismo dele, levou Heidegger a tornar-se apoiante do regime nazi e a desempenhar um papel ativo na “purga” das universidades de elementos “não-arianos”. Depois da guerra, Heidegger foi reabilitado pelas autoridades da Alemanha Ocidental e pelos imperialistas norte-americanos.

162  Os pós-modernistas têm tendência a despojar estas observações, frequentemente úteis, da realidade material subjacente. Ver Bob Avakian, Democracy, Can't We Do Better Than That?, op. cit., para um tratamento científico do surgimento da “democracia jeffersoniana” no início da história dos EUA.

163  Edward Said, Orientalism [Orientalismo], p. 108, Vintage Books, Nova Iorque, 1979. Said fez contribuições a este respeito, apesar das críticas unilaterais de “eurocentrismo” feitas a Marx.

164  Max Horkheimer e Theodor W. Adorno, Dialectic of Enlightenment [Dialética do Iluminismo], Stanford University Press, 2002.

165  Depois da guerra, algumas das principais figuras desta escola abandonaram o seu “anticapitalismo”. Jürgen Habermas continuou a Escola de Frankfurt, tanto ao “aprofundar” a crítica da “razão instrumental” como ao lançar uma crítica que se transformou num ataque total ao materialismo histórico como ciência. Habermas concluiu que o materialismo histórico era um “projeto impossível” que não podia ser “retificado” e, em vez dele, avançou com uma nova teoria, a “ação comunicativa”. Esta nova teoria foi criada através da mistura de Kant, Freud, Marx e Weber. Esta mundividência visa levar a novas relações entre os seres humanos que irão mitigar e resolver os conflitos e antagonismos na sociedade. Em última análise, não é nada mais que uma tentativa de renovar a democracia burguesa. Habermas acabou por rejeitar completamente o marxismo, ao mesmo tempo que se tornava num apoiante aberto e entusiástico da democracia formal (burguesa) ocidental. O resultado final foi que Habermas foi reconhecido como o intelectual público número um, o sumo sacerdote, do imperialismo alemão.

166  Jürgen Habermas, Between Naturalism and Religion [Entre o Naturalismo e a Religião], p. 136, Polity Press, Cambridge (Grã-Bretanha), 2008. “A cultura ocidental tem testemunhado uma transformação da consciência religiosa desde a Reforma e o Iluminismo. Os sociólogos descrevem esta ‘modernização’ da consciência religiosa como uma resposta das tradições religiosas aos desafios colocados pelo pluralismo religioso, o surgimento da ciência moderna e a expansão da lei positiva e da moral laica. Nestes três aspectos, as comunidades tradicionais da fé têm de processar dissonâncias cognitivas que ou não surgem para os cidadãos laicos, ou só têm de surgir na medida em que aderem às doutrinas ancoradas em formas dogmáticas similares.”

167  Os textos de Kant em geral, e em particular o influente artigo dele “What Is the Enlightenment?” [“O Que é o Iluminismo?”] (que tanto defende o Iluminismo como avisa contra levá-lo demasiado longe), foram uma importante fonte de inspiração teórica e filosófica para Foucault, para a Escola de Frankfurt e para muitos outros. Vale a pena recordar que Kant, escrevendo durante a sublevação intelectual e o tumulto social que varreu a Europa no período anterior à revolução francesa, tentou responder às controvérsias relativas à natureza, às fontes e às possibilidades de conhecimento. O debate foi particularmente feroz entre os empiristas e os racionalistas. Os primeiros alegavam que o conhecimento é obtido apenas através da experiência e portanto necessariamente contaminado e marcado pela posição e condição do agente da experiência (o observador). Por outro lado, os racionalistas argumentavam que o conhecimento deriva do exercício da razão e que o raciocínio claro fornece um conhecimento absoluto do mundo não manchado pelas distorções e limitações subjetivas do agente experimentador. Kant tentou — usando a própria expressão dele — “legislar” entre campos epistémicos ferozmente em disputa, mas estava focado na tempestade que fermentava em todas as sociedades europeias. A preocupação dele em como legislar torna-se totalmente evidente na segunda crítica dele à “razão pura”. Na primeira crítica dele, Kant discute as condições para a possibilidade da experiência e do conhecimento e tenta limitar as “ambições sobredimensionadas” da razão, avisando contra aventuras para além da sua esfera “legítima”. O elemento essencial do “idealismo transcendental” dele é a reivindicação de que o que torna possível o conhecimento para os seres humanos são as inerentes capacidades transcendentais de estruturação da mente. Esta capacidade, na visão de Kant, modela e constrói o que é “fornecido” pelo mundo como fenómenos, como objetos de experiência, os quais então aparecem às pessoas como prolongados no espaço e a acontecer no tempo. Na visão de Kant, o espaço e o tempo não são objetivos, mas antes a contribuição da mente humana para a construção do que experimentamos como realidade. A necessidade e a causalidade não existem objetivamente para Kant. Em vez disso, Kant acreditava que só o esquema estruturador da mente humana permite às pessoas “experimentarem” um evento a “causar” outro.

168  Para uma discussão do dualismo de Kant, ver Lenine, Materialismo e Empiriocriticismo, op. cit.

169  É fácil ver uma afinidade entre a atitude de Ajith em relação ao papel e ao potencial do Islão político nos países oprimidos expressa em “Contra o Avakianismo” e o entusiasmo de Michel Foucault pela “política espiritual” da teocracia islâmica dos aiatolas como alternativa ao que as potências ocidentais, e em particular os EUA, tinham estado a apoiar até à crise revolucionária de 1979 no Irão. Este não é o lugar para tentar fazer uma análise completa dos compromissos conceituais e afiliações filosóficas de Foucault que o impeliram a abraçar o papel e a figura dos aiatolas do Irão que entravam no palco político. Contudo, é útil indicar que linhas divisórias como as exibidas no método e análise de Foucault encontrem eco em alguns dos pronunciamentos característicos do “Contra o Avakianismo” de Ajith.

Para Foucault, o “poder” e o “conhecimento” estão reciprocamente relacionados (“o poder define o conhecimento”) enquanto para Ajith “a verdade tem uma natureza de classe”. Foucault valoriza “a vontade de conhecer” e separa isto de uma apropriação científica do conhecimento. Isto foi exemplificado, para Foucault, pelo Islão político, que ele aplaude por “transgredir os limites” do que existe através do seu zelo religioso. Da mesma forma, Ajith emenda a forma científica de compreensão do mundo com a defesa dele do “pensamento pré-moderno” e, tal como Foucault e os outros pós-modernistas, acolhe uma profunda suspeita e rejeição do Iluminismo e da visão científica do mundo a ele associada.

170  “Contra”, p. 64.

171  Ajith, “Islamic Resistance, the Principal Contradiction and the ‘War on Terror’” [“Resistência islâmica, a contradição principal e a ‘guerra ao terror’”], New Wave n.º 3, Julho de 2007, p. 37. bannedthought.net/India/CPI-ML-Naxalbari/TheNewWave/nw-3.pdf#page=26 (em inglês).

172  Ibid., p. 27.

173  Karl Marx e Friedrich Engels, Manifesto do Partido Comunista, op. cit., Cap. II, p. 72: “A revolução comunista é a rutura mais radical com as relações de propriedade tradicionais, portanto, não há nada de estranho em que no decurso do seu desenvolvimento rompa da maneira mais radical com as ideias tradicionais.” [Nota do Tradutor]

174  De facto Ajith menciona de passagem “a violação e o assassinato de uma jovem num autocarro em Deli”, a única referência indireta dele à condição das mulheres no ensaio dele, de 60 mil palavras, “Contra o Avakianismo”.

175  Bob Avakian, Unresolved Contradictions, Driving Forces for Revolution, op. cit., 3ª Parte.

176  “Contra”, p. 66.

177  “Islamic Resistance, the Principal Contradiction and the ‘War on Terror’”, op. cit., p. 26.

178  “Contra”, p. 3.

179  Bob Avakian, Bringing Forward Another Way, op. cit., 3ª Parte, Revolution/Revolución n.º 86, 29 de abril de 2007.

180  Bob Avakian, “The Basis, The Goals, and The Methods of the Communist Revolution” [“A base, as metas e os métodos da revolução comunista”], 3ª Parte, excertos de uma palestra feita em 2005.

181  Away with All Gods!, op. cit., p. 113. Este excerto está disponível em:

182  Ibid., p. 232.

183  Ibid., p. 231.

184  Ibid., p. 231-232.

185  “Contra”, p. 66.

186  “Islamic Resistance, the Principal Contradiction and the ‘War on Terror’”, op. cit., p. 28.

187  De facto, os islamitas insistem na “comunidade de crentes” e não em reconhecer o que eles consideram conceitos laicos como o de nação. O programa reacionário deles divide as nações oprimidas segundo linhas de crenças religiosas.

188  Avakian, Bringing Forward Another Way, op. cit., 3ª Parte: “Como questão de princípio geral, e especificamente estando neste país imperialista, temos uma responsabilidade particular de nos opormos ao imperialismo norte-americano, à ‘nossa própria’ classe dominante e ao que está a fazer no mundo. Mas, ao mesmo tempo, isso não faz com que estas forças fundamentalistas islâmicas não sejam historicamente obsoletas e reacionárias. Não altera o caráter da oposição deles ao imperialismo, de onde isso conduz e da dinâmica de que faz parte — o facto de estes dois estratos ‘historicamente obsoletos’ se reforçarem um ao outro, ainda que ao mesmo tempo se oponham um ao outro. E é muito importante compreender, e lutar para que outros compreendam, que quando se apoia qualquer um destes dois estratos ‘historicamente obsoletos’, se está a contribuir para fortalecer ambos. É crucial romper com essa dinâmica — para desenvolver um outro caminho.”

189  Avakian tem vários textos sobre a religião, dos quais indicamos aqui apenas alguns: Away with All Gods!, Bringing Forward Another Way e Preaching from a Pulpit of Bones.

190  Referência ao 5º verso da versão norte-americana de A Internacional, de Charles Hope Kerr: “No more tradition's chains shall bind us”. antiwarsongs.org/canzone.php?id=2003#agg1933. [Nota do Tradutor]

191  “O ecletismo substitui-se à dialética: é, relativamente ao marxismo, o processo mais corrente, mais divulgado na literatura social-democrata oficial dos nossos dias. Semelhante substituição não é, sem dúvida, uma novidade — ela pode ser observada até na história da filosofia grega clássica. Na falsificação oportunista do marxismo, a falsificação eclética da dialética é aquela que engana as massas com mais facilidade; dá-lhes uma aparência de satisfação; finge tomar em consideração todos os aspectos do processus, todas as tendências da evolução, todas as influências contraditórias, etc., mas, na realidade, ela não fornece nenhuma ideia corrente e revolucionária do desenvolvimento da sociedade.” Lenine, O Estado e a Revolução, Cap. I, p. 25, Colecção Textos Políticos, Porto, 1974. Disponível numa tradução diferente em marxists.org/portugues/lenin/1917/08/estadoerevolucao/.

192  Ajith objeta ao reconhecimento da centralidade do papel de Avakian na luta internacional para compreender o golpe de estado revisionista na China. Ajith faz referência a pessoas não nomeadas e não traduzidas que fizeram importantes contribuições para o desmascaramento e a luta contra o golpe de estado na China. Não há dúvida que foram feitas algumas críticas significativas, algumas de que temos conhecimento e outras de que beneficiaríamos em conhecer, mas isto não diminui a incomparável profundidade e âmbito do tratamento do assunto por Avakian. Veja-se em particular Mao Tsetung's Immortal Contributions [As Contribuições Imortais de Mao Tsétung], RCP Publications, Chicago, 1979, bannedthought.net/USA/RCP/Avakian/Avakian-MaoTsetungImmortal-Searchable.pdf (em inglês), e The Loss in China and the Revolutionary Legacy of Mao Tsetung [A Perda na China e o Legado Revolucionário de Mao Tsétung], RCP Publications, Chicago, 1978, bannedthought.net/USA/RCP/Avakian/Avakian-LossInChina-Searchable.pdf (em inglês), ambos de Bob Avakian.

193  Ver Comunismo: O início de uma nova etapa — Um manifesto do Partido Comunista Revolucionário, EUA. Capítulo IV, “Os novos desafios e a nova síntese”, p. 22. paginavermelha.org/docs/comunismo-o-inicio-de-uma-nova-etapa.

 

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