Recebemos o seguinte comunicado dos ocupantes da Casa do Passadiço em Lisboa:

Comunicado da Casa do Passadiço

1º Comunicado à População da Freguesia de S. José

Ratazanas da especulação
Ratazanas da especulação

Resolvemos emitir um comunicado porque pensamos que fechados em nós próprios caímos no erro que caracteriza a sociedade em que vivemos nos nossos dias. Além disso, porque sentimos necessidade de comunicar com as pessoas que habitam as casas em torno do n.º 26, bem como toda a gente que constantemente ou esporadicamente vem passando na Rua do Passadiço.

Por essa Lisboa fora saltam à vista as centenas de imóveis abandonados, deixados a degradar e sem qualquer uso. Ao mesmo tempo, é nesta mesma cidade que centenas de pessoas enfrentam grandes problemas quando necessitam de espaços para criar projectos. Quando falamos em projectos, falamos das acções, mobilizações e no esforço empregue na tentativa de alcançar objectivos que são necessários para as nossas vidas.

Entre muitas coisas, estamos a falar de Centros Sociais, que nascem do trabalho e vontades colectivas e que tentam combater a inexistência de actividades sociais e culturais livres, abertas a todos. Sendo assim, acreditamos que o numero 26 da Rua do Passadiço, estando abandonado há tanto tempo, se pode assumir como um espaço onde esta dinâmica cultural e social poderá vir a nascer. Acreditamos também que pode ser um espaço onde a vida não se fica apenas pela nossa própria casa e trabalho, mas que possa ser um local comum entre todos, sem distinções de raças ou crenças, idades ou ideias.

No nosso entender este objectivo torna-se ainda mais emergente quando sabemos que onde existe uma casa em perfeitas condições pode vir a erguer-se um condomínio privado em que as habitações estão apenas ao alcance de alguns. O porquê é bastante simples: vivemos num mundo em que o dinheiro fala mais alto que qualquer necessidade que o indivíduo tenha. Estamos tão habituados a ter que pagar quantias exorbitantes por necessidades tão básicas como a habitação, a cultura, a comida, a água e em geral a vida, que nem nos apercebemos que criando nós próprios o máximo daquilo que precisamos podemos deixar de pagar muita coisa.

Desejamos criar uma aproximação ao bairro, ou seja, às pessoas do bairro. Queremos fazê-lo porque não queremos que esta casa continue a estar fechada a todos como estava. Sabemos também que todas estas ambições escritas no papel só se podem concretizar se as pessoas do bairro apoiarem conscientemente esta iniciativa que se quer para todos. Aqui ou em qualquer lugar os imóveis são propriedade de alguém ou de alguma entidade, o que faz com que qualquer proprietário dê às casas o uso que desejar (inclusive deixá-las devolutas e mortas). Não estamos contra as pessoas terem as suas próprias casas, o que nos repugna é que estas estejam abandonadas (e a rentabilizar) quando há tanta gente que necessita delas para viver ou criar algo em concreto.

Por causa destas e doutras coisas a polícia apareceu em nome dos proprietários na tentativa de nos tirar do interior da casa... Certamente toda a gente viu a polícia na 4ª e 5ª feira à tarde na rua. Na Terra onde os serviços básicos estão a ser privatizados a um ritmo alucinante é de esperar que um projecto comum e livre como o que tentamos levar a cabo seja condenado e reprimido.

Esperamos poder continuar a emitir comunicados e mais que tudo contactar directamente com quem esteja curioso e interessado em apoiar e construir este projecto connosco.

Ass.: Os jovens do n.º 26.

O que é a especulação imobiliária?

Quais são os seus efeitos?

O que queremos? Porque o fazemos?

Especulação é, por definição, um acto que visa a procura do interesse próprio. Em termos económicos, a especulação traduz-se numa série de operações que, manipulando os mercados, têm como principal objectivo a maximização da riqueza de quem a pratica. Tomemos como exemplo a seguinte situação: numa aldeia, existem cem casas, para cem pessoas (de estratos sócio-económicos diferenciados). Uma dessas pessoas decide comprar 70 casas (as quais irão permanecer inabitáveis), restando apenas 30 para as outras 99 pessoas.

A diminuição da oferta de casas, e a manutenção do nível da sua procura fazem com que a habitação escasseie e, consequentemente, aumente de preço. A pessoa que comprou as 70 casas pode então, aos poucos, começar a vender os imóveis que tem em sua posse. A diferença entre o preço de compra inicial e o preço de venda garante-lhe uma enorme margem de lucro, sem verdadeiramente ter tido qualquer trabalho, ou sequer produzido algo.

A rentabilidade obtida faz com que a especulação imobiliária constitua um excelente meio de lavagem de capitais. Existem relatos de compras de apartamentos, em empresas de imóveis, realizadas com dinheiro e na hora (estamos a falar de quantias superiores aos 1,5 ou dois milhões de euros).

Todavia, o ganho de poucos prejudica a grande parte. Apesar da existência de cerca de 544 mil casas vagas, vários estudos indicam que o preço das casas poderá aumentar cinco por cento por ano, até 2006. Isto, enquanto 80 mil famílias vivem em casas sem as mínimas condições de habitabilidade.

O que fazem as autoridades?

As pessoas que nos governam não só se limitam a assistir, serenamente, a estas práticas, como também as incentivam. A nova lei do arrendamento é um claro exemplo desta realidade. O descongelamento das rendas, ao contrário do que é falsamente apregoado pelo governo, não irá ter em conta a situação das pessoas mais pobres. Para os inquilinos com menos de 65 anos e com rendimentos mensais inferiores a três salários mínimos, o governo concederá, apenas nos próximos três anos, um subsídio de renda. Parece assim partir do princípio que até 2008, estas pessoas irão enriquecer.

O objectivo de transformar os centros das cidades em paisagens de lojas de roupa, restaurantes de fast-food e escritórios de empresas (e retirar aquilo que as grandes cidades têm de mais típico: as pessoas) levou a que o governo tenha igualmente diminuído os prazos do despejo dos 7 – 10 anos, para os 1 – 2,5 anos.

O que queremos?

Numa cidade a saque reinventemos a vida. Decidimos ocupar esta casa porque necessitamos de um espaço onde possamos desenvolver actividades, que sirva como ponto de encontro e local de convívio. Queremos também arranjar este casarão e habitá-lo. Não queremos exercer o direito de propriedade sobre a casa, queremos sim torná-la útil para o bairro e para tod@s. Numa cidade onde a vida se aborrece esta casa estava morta, agora está a ser recuperada. Estamos fartos dessa coisa dos ricos e dos pobres, dos polícias e dos ladrões, esta casa estava vazia e faz todo o sentido que alguém a utilize.

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