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Do Serviço Noticioso Um Mundo A Ganhar (SNUMAG) de 7 de novembro de 2011, aworldtowinns.co.uk

O seguinte texto é a tradução de um artigo publicado no n.º 15 (maio de 2011) da revista Aurora Roja, voz da Organização Comunista Revolucionária, México (aurora-roja.blogspot.com/2011/04/aurora-roja-15.html).

Um desastre planetário anunciado
O aquecimento global: Causas, efeitos e perspetiva

O aquecimento global é real e, juntamente com outras crises ambientais, constitui uma grande ameaça para o planeta e todos os seres vivos, incluindo a raça humana.

As principais causas do aquecimento global são o uso de petróleo, gás e carvão, bem como a desflorestação

Floresta tropical ardida na Indonésia
Floresta tropical ardida na Indonésia (Foto: Greenpeace)

O planeta está a aquecer devido às crescentes emissões de gases de efeito de estufa (GEE). O principal destes GEE é o dióxido de carbono (CO2) que é emitido na queima de combustíveis fósseis como o petróleo, o gás e o carvão. A segunda causa mais importante é a desflorestação.1

O dióxido de carbono é um gás que é produzido naturalmente. Por exemplo, os seres humanos e os animais em geral inalam oxigénio e exalam dióxido de carbono. O problema é que, devido à acumulação de dióxido de carbono e outros GEE na atmosfera, a atmosfera “aprisiona” ainda mais o calor do sol, impedindo-o de ser radiado para o espaço, o que faz com que o planeta aqueça, tal como uma estufa captura o calor no seu interior, elevando assim a sua temperatura, embora o efeito aqui resulte de um processo diferente.

Por outro lado, as árvores e as plantas em geral absorvem dióxido de carbono e emitem oxigénio, pelo que a desflorestação e destruição de vegetação em geral são um outro fator que contribui para a acumulação de dióxido de carbono na atmosfera e para o aquecimento global.

As emissões anuais de dióxido de carbono aumentaram cerca de 80% entre 1970 e 2004 e o conjunto dos GEE aumentou 70% nesse mesmo período.2 Além do dióxido de carbono, os GEE incluem o metano (produzido pelo uso de carvão e gás natural, a queima de biomassa, a incineração de lixo e outros fatores), o óxido nitroso (também produzido pelos combustíveis fósseis e na agricultura intensiva e tecnológica) e os gases que contêm halógenos (produzidos em vários processos industriais e na agricultura intensiva).

O nível de dióxido de carbono na atmosfera tem aumentado todos os anos, de 316 ppm3 [partes por milhão] em 1959 para 399 ppm em 2010, tendo ultrapassado em 1988 o nível de 350 ppm que muitos cientistas consideram ser o limite para que sejam evitadas alterações drásticas do clima. Além disso, o aumento anual médio mais que duplicou durante esse período.4

Um produto do sistema capitalista-imperialista mundial

O aumento dos gases de efeito de estufa
Figura 1. O aumento dos gases de efeito de estufa5

A Figura 1 ilustra o aumento dramático dos GEE durante as últimas décadas. Este aumento do dióxido de carbono e outros GEE foi provocado pela industrialização capitalista do mundo, a qual é altamente dependente do uso de combustíveis fósseis como fontes de energia mais rentáveis: três quartos de toda a energia produzida no mundo provêm do petróleo, gás natural e carvão.6 As fontes de GEE são a produção de energia (25,9%); a indústria (19,4%); a silvicultura (17,4%), sobretudo a desflorestação; a agricultura (13,5%), sobretudo a intensiva e tecnológica; os transportes (13,1%); os edifícios comerciais e residenciais (7,9%), sobretudo devido ao aquecimento com base em combustíveis fósseis; e os resíduos (2,8%).7

As economias dos países imperialistas (os chamados “países desenvolvidos”) são responsáveis pela maior parte do aquecimento global, e mesmo a contribuição do resto do mundo em grande parte deve-se ao sistema de produção capitalista impulsionado pelo investimento do capital desses países “ricos”. Nos últimos 50 anos, cerca de três quartos (75%) dos GEE foram produzidos nos países industrializados, os quais representam 20% da população mundial, enquanto a quarta parte restante (25%) foi produzida nos países oprimidos, onde vive 80% da população mundial. Os Estados Unidos têm apenas 4% da população mundial, mas emitem 25% do dióxido de carbono e 36% de todos os GEE.8

O planeta já está a aquecer

Estes fatores já desencadearam o aquecimento global. O Painel Intergovernamental sobre as Alterações Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), que reúne os esforços de um grande número de cientistas nomeados pelos governos através da Organização das Nações Unidas (ONU), concluiu no seu relatório de 2007 que “o aquecimento do sistema climático é inequívoco [para além de qualquer dúvida razoável], como é evidente através da observação dos aumentos das temperaturas médias globais do ar e dos oceanos, da fusão da neve e do gelo e da subida do nível médio global dos mares”.9

Além disso, o aquecimento global tem acelerado durante as últimas décadas. “Quanto à média global, durante o último século o aquecimento decorreu em duas fases: dos anos 10 aos anos 40 (0,35 °C) e mais fortemente dos anos 70 ao presente (0,55 °C).10 A taxa de aquecimento tem aumentado nos últimos 25 anos e 11 dos 12 anos mais quentes de que há registo ocorreram nos últimos 12 anos.” A Figura 2 ilustra o aumento da temperatura média do globo terrestre, bem como o seu ritmo mais acelerado nas últimas décadas.

O aquecimento já está a provocar destruição

O aumento da temperatura média do planeta
Figura 2. O aumento da temperatura média do planeta11

O aquecimento global já está a causar uma grande destruição. O IPCC concluiu que “as observações recolhidas em todos os continentes e na maioria dos oceanos mostram que as alterações climáticas regionais, e em concreto o aumento da temperatura, afetam muitos sistemas naturais.”12 Além disso, durante as últimas décadas, aumentou o número de vagas de calor, há mais regiões a sofrer secas e, paradoxalmente, devido ao mesmo descalabro climático, também tem havido um aumento do número de temporais e furacões que resultam em inundações.13 Segundo o Centro de Investigação da Epidemiologia de Desastres, nos EUA, durante os últimos 30 anos, as alterações climáticas causaram 4 vezes mais desastres naturais que durante os primeiros 75 anos do século XX.14

Estima-se que o aquecimento global já esteja a matar 150 000 pessoas por ano devido à maior frequência e severidade das secas, temporais, inundações, vagas de calor e doenças parasitárias.15 Os desastres naturais já estão a causar a morte de 60 000 pessoas, e muitos milhões mais morrem todos os anos, segundo a Organização Mundial de Saúde, devido a causas que se intensificaram e se irão intensificar com o aquecimento global e a outras formas de destruição do meio ambiente, onde se inclui a morte de cerca de 1,2 milhões de pessoas devido à contaminação do ar, 2,2 milhões por diarreia devido à falta de água limpa e 3,5 milhões por desnutrição.16

O nível dos mares já está a subir e a sua taxa de crescimento tem aumentado, em particular nas últimas décadas devido ao degelo dos glaciares, das calotes de gelo e dos mantos de gelo polar,17 o que tem provocado maiores inundações das zonas litorais e das ilhas e o perigo de estas ficarem submersas e de extinção de muitas espécies polares. O degelo dos glaciares também está a eliminar as fontes de água fresca em várias regiões densamente povoadas.

Sobreviventes do furacão Katrina, Nova Orleães, EUA, agosto de 2005
Sobreviventes do furacão Katrina, Nova Orleães, EUA, agosto de 2005 (Foto: AP)

O pior ainda está para vir

Mas o pior ainda está para vir. O IPCC declarou: “A continuação das emissões de GEE às taxas atuais, ou acima delas, irá causar um maior aquecimento e induzir inúmeras alterações no sistema climático global durante o século XXI”.18 As suas estimativas do aumento de temperatura durante este século variam, dependendo de várias hipóteses, entre um mínimo de 1,1 ºC e um máximo de 6,4 ºC em relação ao já elevado nível de 1980-1999.19 Em particular, na hipótese de continuação do uso intensivo de combustíveis fósseis, mesmo que com tecnologias mais eficientes, e do rápido desenvolvimento económico, o IPCC prevê um aumento da temperatura entre 2,4 e 6,4 ºC até ao final do século, sendo o mais provável um aumento de 4 ºC.20

As estimativas do IPCC são conservadoras, devido à pressão dos governos: em 2001, previu um aumento da temperatura entre 0,15 e 0,30 °C em cinco anos, mas a realidade superou os seus prognósticos, com um aumento de 0,33 °C.21 Um artigo na prestigiosa revista académica Science indicava que da última vez que os níveis de carbono atmosférico foram semelhantes aos atuais, há 15-20 milhões de anos, as temperaturas globais chegaram a um nível entre 3 e 6 °C acima das atuais e o nível dos mares estava entre 25 e 40 metros mais alto que agora.22 Isto sugere que mesmo que se mantenha o atual nível de dióxido de carbono atmosférico — o que não irá acontecer — chegaremos a temperaturas no limite superior das estimativas do IPCC com maiores emissões de GEE.

O desastre planetário global que se avizinha

O Ártico
O Ártico (Foto: US Coast Guard/Patrick Kelley)

As alterações climáticas provocadas pela industrialização capitalista mundial já estão a causar desastres e irão causar ainda mais, embora seja difícil prever isso com certeza científica. Uma das razões deve-se às incertezas envolvidas na previsão da magnitude da variação da temperatura, tanto devido à complexidade dos processos climáticos como porque também estão envolvidos vários fatores humanos: o ritmo de crescimento económico, o aumento da população e sobretudo que medidas serão tomadas (ou não) para abandonar o uso de combustíveis fósseis e impedir a desflorestação. Outra razão é que o aquecimento global, embora seja um importante perigo em si mesmo, não é o único problema ecológico: a produção capitalista mundial está a provocar outras crises ambientais e é difícil prever a interação recíproca das várias alterações nocivas que talvez possam gerar uma “reação em cadeia” de destruição ecológica mais intensa e generalizada que a previsível para o aquecimento global por si só.23 Em todo o caso, o que fica claro é que o atual sistema de produção capitalista está a destruir o equilíbrio ecológico global e a ameaçar o futuro de muitas espécies, incluindo o género humano.

Embora já tenha havido temperaturas muito mais elevadas há milhões de anos, antes de existirem seres humanos, uma diferença importante em relação à atualidade é que, devido à industrialização capitalista, o aquecimento é hoje em dia mais rápido e não dá às espécies nenhuma hipótese de evoluírem para se adaptarem a estas rápidas alterações do meio ambiente, o que potencialmente irá destruir ecossistemas inteiros. Mesmo as estimativas conservadoras do IPCC indicam que um aumento da temperatura em 2 ºC (em relação a 1980-1999) colocaria 30% das espécies do planeta em maior risco de extinção, e um aumento de 4 ºC levaria à extinção de 40% das espécies do planeta.24 Uma alteração dessa magnitude teria efeitos incalculáveis no meio ambiente e na capacidade da Terra para sustentar a sua atual população humana.

James Hansen, o principal climatólogo da NASA (a agência espacial norte-americana), forneceu uma eloquente e aterradora projeção das potenciais alterações causadas pelo aquecimento global, ao avaliar que se de imediato não forem tomadas medidas decisivas para desativar “a bomba relógio do aquecimento global [...] será inútil reduzir o dióxido de carbono atmosférico para níveis que evitem que o sistema climático atinja o ponto de inflexão mais elevado a partir do qual se produzirá uma espiral de alterações climáticas desastrosas que escaparão ao controlo da humanidade [...] Já está ‘em curso’ um maior aquecimento, apenas retardado pela grande inércia dos oceanos. O clima está a aproximar-se de perigosos pontos de inflexão. Os elementos para um ‘temporal perfeito’, um cataclismo global, já estão conjugados. O clima pode atingir um ponto em que certas reações amplificadas irão desencadear profundas e rápidas transformações. O gelo do Mar Ártico é um bom exemplo atual. O aquecimento global causou o degelo marítimo ao propiciar que as regiões profundas dos oceanos absorvam mais luz solar, derretendo assim uma maior quantidade de gelo. Como consequência, e mesmo que não haja mais nenhum GEE, em breve o Ártico deixará de ter gelo durante o verão.”

“Na minha opinião, se as emissões continuarem a depender da habitual lógica do benefício económico, é provável que neste século o nível do mar suba pelo menos dois metros. Centenas de milhões de pessoas irão converter-se em refugiados. Não será possível restabelecer nenhuma linha costeira estável num período de tempo concebível pela humanidade.”

“As espécies animais e vegetais já estão a sofrer com as alterações climáticas. Se o aquecimento continuar, as espécies polares desaparecerão do planeta. Outras espécies tentarão migrar, mas, à medida que algumas se vão extinguindo, as suas interdependências poderão causar o colapso do ecossistema. No passado já houve extinções em massa, de mais de metade das espécies do planeta, quando a Terra aqueceu tanto como se espera que aconteça se continuarem a aumentar as emissões de GEE. A biodiversidade recuperou, mas foi necessário passarem centenas de milhares de anos.”

Uma espécie ameaçada: o orangotango da floresta de Kalimantan, na Indonésia
Uma espécie ameaçada: o orangotango da floresta de Kalimantan, na Indonésia (Foto: AP)

“A inquietante conclusão, documentada num artigo que eu escrevi com alguns dos principais especialistas mundiais em questões climáticas, é que um nível seguro de dióxido de carbono atmosférico não deve exceder as 350 ppm, e talvez mesmo menos. A quantidade de dióxido de carbono já é de 385 ppm e aumenta cerca de 2 ppm por ano. O surpreendente corolário é: o objetivo reiterado de manter o aquecimento global abaixo dos 2 °C é uma receita para o desastre global, não para a salvação. Estas conclusões baseiam-se em dados paleoclimáticos que mostram como no passado a Terra respondeu às concentrações de GEE e em observações que mostram como o mundo está a responder hoje à acumulação de dióxido de carbono. As consequências de um aumento continuado dos GEE vão muito mais além que o extermínio de espécies e a futura subida do nível dos mares.”

“As zonas de clima subtropical árido estão a expandir-se em direção aos polos. Já houve uma expansão média de 400 quilómetros, afetando o sul dos Estados Unidos, a região mediterrânica, a Austrália e a África meridional. Os incêndios florestais e a secagem dos lagos continuarão a aumentar, a menos que o se pare e inverta a tendência para a concentração de dióxido de carbono. Os glaciares de montanha são uma fonte de água fresca para centenas de milhões de pessoas. Esses glaciares estão a desaparecer em todo o mundo, nos Himalaias, nos Andes e nas Montanhas Rochosas. Desaparecerão, com os rios convertidos em fios de água no final do verão e no outono, a menos que se inverta a tendência para o aumento do dióxido de carbono.”

“Nos recifes de coral, que são as florestas tropicais dos oceanos, vive um terço das espécies marítimas. Os recifes de coral estão ameaçados por várias razões, entre elas o aquecimento dos oceanos, mas sobretudo devido à acidificação dos oceanos, um efeito direto da acumulação de dióxido de carbono. A vida marítima que depende das conchas e dos esqueletos carbónicos corre perigo de destruição à medida que o oceano fica mais ácido.”25

O que é preciso fazer para evitar o desastre?

Há muita controvérsia sobre a magnitude das mudanças necessárias para evitar o desastre. Em parte, isto deve-se a um problema científico, já que o que está a acontecer — o rápido aquecimento e a generalizada contaminação do globo pelo processo de produção capitalista moderno — nunca antes aconteceu na história do planeta. Uma muito maior fonte de confusão e desinformação são os interesses económicos e políticos do atual sistema: tanto as poderosas forças económicas que minimizam o problema do aquecimento global porque querem maximizar os seus lucros de curto prazo com a exploração dos combustíveis fósseis, como os representantes políticos do sistema que fazem bonitos discursos sobre a necessidade de deter o aquecimento global e tentam criar a ilusão de que se estão a tomar medidas, quando na realidade o problema está a agravar-se a um ritmo acelerado.

Há um consenso científico de base de que o aquecimento global é real, que representa importantes perigos e que é necessário reduzir as emissões de GEE. O IPCC concluiu que “a estabilização das emissões de CO2 nos níveis atuais levará a um incremento constante do CO2 na atmosfera durante o século XXI e para além dele”.26 É de realçar que essas emissões continuam a aumentar de ano para ano a um ritmo acelerado, e não a estabilizar-se. Há provas científicas esmagadoras que indicam que é essencial reduzir as emissões de GEE, mas a questão é: em quanto?

Uma das estimativas mais “otimistas”, e alinhada com os interesses económicos e políticos do atual sistema, provém de um recente estudo do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, o qual alega que um nível anual de emissões de GEE para a atmosfera em 2020 entre 39 e 44 gigatoneladas equivalentes de dióxido de carbono27 teria uma boa probabilidade de limitar o aquecimento global a 2 graus célsius, ou seja, uma redução de apenas 4-9 gigatoneladas equivalentes de CO2, em relação ao nível de 48 gigatoneladas de 2009 (uma redução de apenas 8 a 19% em relação aos níveis atuais),28 ainda que reconheça que, tal como as coisas estão agora, as emissões provavelmente atingirão as 56 gigatoneladas em 2020. O estudo foi publicado ao serviço descarado do objetivo político — nefasto e absurdo — de demonstrar a suposta bondade das fracassadas negociações para a cimeira de Copenhaga sobre as alterações climáticas29 e parece representar uma perigosa subestimação do problema [e a conferência nem sequer chegou a acordo em relação a esse objetivo muito limitado].

Zona destruída da floresta tropical do Bornéu, na Indonésia
Zona destruída da floresta tropical do Bornéu, na Indonésia (Foto: Greenpeace)

É comummente aceite nos círculos científicos que é realmente necessária uma redução em cerca de metade das emissões mundiais de GEE.30 Outros estudos, entre os quais um importante estudo do já citado cientista da NASA, indicam que evitar grandes alterações climáticas requer manter o nível de dióxido de carbono atmosférico em 350 ppm, um nível que, como já foi referido, já foi ultrapassado em 1988 e implicaria reduções ainda maiores.31

Estão a acumular-se mais provas de que são essenciais reduções drásticas das emissões de GEE. Um problema fundamental é que, uma vez libertado o dióxido de carbono, este permanece durante muito tempo na atmosfera e as emissões do passado e do presente demoram a produzir todos os seus efeitos. O recente estudo publicado na revista Science usou o ar antigo capturado em bolhas no gelo para analisar a composição da atmosfera antiga com uma margem de erro de apenas 14 ppm, chegando à surpreendente conclusão já citada de que níveis de dióxido de carbono semelhantes aos atuais resultaram, há 15-20 milhões de anos, em temperaturas 3-6 °C mais elevadas que as atuais, alterações que seriam catastróficas para os ecossistemas e a sociedade humana no mundo atual. O estudo também mostrou uma relação muito estreita entre os níveis de dióxido de carbono e as mudanças de temperatura (e o nível dos mares).32

Um estudo publicado em 2006 na revista Nature, que analisou um período há 55 milhões de anos em que houve rápidas alterações climáticas associadas a grandes emissões de GEE, descobriu temperaturas incríveis no Ártico de mais de 23 °C, um valor muito maior que o previsto pelos modelos climáticos atualmente mais usados. As três dezenas de autores que participaram no estudo concluíram que esses modelos podem não estar a ter em conta fatores importantes que poderão produzir efeitos muito maiores.33 Um outro estudo científico, que analisou as alterações climáticas na Idade Média, concluiu que o efeito retroativo do aquecimento, que por sua vez provoca a libertação de mais dióxido de carbono, poderá levar a um aumento de temperatura entre 15 a 78 por cento, ou mais, acima das estimativas do IPCC.34

Um dos estudos recentes com mais impacto, realizado pelos climatólogos Ken Caldeira e Damon Matthews usando o sofisticado modelo do sistema ambiental terrestre desenvolvido pelo Departamento de Ecologia Global do Carnegie Institute, descobriu que para deter o aquecimento global seria necessário reduzir as emissões de dióxido de carbono basicamente a zero. Antes deste estudo pioneiro, a maioria dos estudos anteriores concentrou-se na quantificação da redução de emissões necessária para estabilizar o nível de dióxido de carbono na atmosfera, sem terem em conta que, devido aos efeitos cumulativos, um nível estável de GEE não quer dizer um clima estável. Estudando o impacto de diferentes níveis de emissões durante os próximos 500 anos, concluíram que qualquer nível de emissões produz um efeito de aquecimento, pelo que é necessário chegar a emissões zero para se conseguir parar o aquecimento já em curso. Nas suas previsões, mesmo com emissões zero, as plantas e os mares absorveriam gradualmente o carbono, mas mesmo assim as temperaturas continuariam elevadas durante 500 anos após o fim das emissões. Tal como uma folha continua quente depois de se ter apagado a chama, também a Terra continuaria quente depois de acabarem totalmente as emissões de GEE. Mais emissões, mesmo a um nível inferior ao atual, iriam piorar a situação durante séculos.35

É necessária uma alteração radical do sistema de produção para salvar o planeta

Nível relativo do mar durante os últimos 300 anos
(Clicar na imagem para ver o tamanho original)

Fora dos debates científicos, só os representantes de um sistema motivado essencialmente pela necessidade de lucro imediato e com um profundo desprezo pelo futuro do planeta e pelos seres vivos, incluindo os seres humanos, podem continuar a manter o pé no acelerador rumo ao precipício do desastre com a vã esperança de que talvez o abismo em que iremos cair não seja tão profundo. Isto descreve exatamente o sistema em que vivemos, o sistema capitalista-imperialista mundial. Os seus representantes continuam com o seu palavreado sobre a ecologia, o desenvolvimento sustentável, etc., ao mesmo tempo que todas as potências imperialistas e todos os blocos do grande capital prosseguem cegamente na sua incessante corrida para vencerem os concorrentes, sob pena de morrerem enquanto capitalistas, numa dinâmica que é a própria essência do funcionamento do sistema capitalista. A perfeita ilustração da natureza fundamental deste sistema é o que tem acontecido com o degelo do Polo Norte devido ao aquecimento global: agora, as potências imperialistas e as multinacionais petrolíferas estão a lutar pelo controlo dos campos petrolíferos do Ártico que agora podem explorar devido a este desastre ecológico.

As emissões de GEE continuam a aumentar ano após ano, as temperaturas aumentam ano após ano e o nível dos mares aumenta ano após ano. A dura realidade é que os irrefutáveis números da concentração de GEE na atmosfera mostram que nada do que supostamente foi feito conseguiu deter a acumulação de GEE e portanto o aquecimento global, nem o Protocolo de Quioto, nem as conferências da ONU, nem os “mercados de créditos de carbono”, nem os seus “objetivos” de reduções, nem nenhumas das suas outras supostas medidas.

Nada fizeram e nada farão, porque deter o aquecimento global requer uma enorme reestruturação do atual sistema de produção de forma a reduzir drasticamente e depois eliminar a queima de combustíveis fósseis e começar a reflorestar o planeta, em vez de o desflorestar. O sistema capitalista, cuja regra fundamental é a concorrência entre os diversos capitais pelo lucro máximo, não pode fazer esse esforço. Nós não podemos continuar a viver no sistema que criou este problema e que o agudiza a cada dia que passa.

Se realmente queremos salvar o planeta, se realmente queremos salvar milhões de espécies da extinção, se realmente queremos salvar a humanidade de um futuro horrendo, temos de ser realistas: aquilo de que necessitamos é uma revolução, uma revolução comunista.


NOTAS

1  “A queima de combustíveis fósseis (e, numa contribuição menor, a produção de cimento) é responsável por mais de 75% das emissões antropogénicas [ou seja, emissões provocadas pelos seres humanos — Nota da Aurora Roja] de CO2. A utilização dos solos (sobretudo a desflorestação) é responsável pelo resto.” Em “Pergunta Frequente 7.1 — Será que o aumento do dióxido de carbono atmosférico e de outros gases de efeito de estufa durante a era industrial é causado pelas atividades humanas?”, em Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC), Climate Change 2007: The Physical Science Basis. Contribution of the Working Group I to the Fourth Assessment Report of the Intergovernmental Panel on Climate Change [Alterações Climáticas 2007: Bases Científicas. Contribuição do Grupo de Trabalho I para o 4º Relatório de Avaliação do Painel Intergovernamental de Peritos sobre Alterações Climáticas], p. 512, Solomon, S., D. Qin, M. Manning, Z. Chen, M. Marquis, K. B. Averyt, M. Tignor e H. L. Miller (eds.), Cambridge University Press, Cambridge, United Kingdom and New York, NY, USA, disponível em: ipcc.ch/report/ar4/wg1/.

2  IPCC, 2007: Cambio climático 2007: Informe de síntesis. Contribución de los Grupos de trabajo I, II y III al Cuarto Informe de evaluación del Grupo Intergubernamental de Expertos sobre el Cambio Climático [Alterações Climáticas 2007: Relatório Síntese. Contribuição dos Grupos de Trabalho I, II e III para o 4º Relatório de Avaliação do Painel Intergovernamental de Peritos sobre as Alterações Climáticas] [Equipa de redação principal: Pachauri, R. K. e Reisinger, A. (diretores da publicação)]. IPCC, Genebra, Suíça, p. 2, disponível em: ipcc.ch/site/assets/uploads/2018/02/ar4_syr_sp.pdf.

3  NOAA, Dados do Observatório de Mauna Loa publicados pela National Oceanic and Atmospheric Administration (Administração Oceânica e Atmosférica dos EUA, NOAA), ftp://ftp.cmdl.noaa.gov/ccg/co2/trends/co2_annmean_mlo.txt, também em: co2.earth/keeling-curve-monthly.

4  De um aumento médio anual de 0,88 ppm no período 1961-1970 para 2,04 ppm por ano em 2001-2010, valores calculados com base nos dados da NOAA, op. cit., co2.earth/co2-acceleration.

5  “Pergunta Frequente 2.1 — Como é que as atividades humanas contribuem para as alterações climáticas e como é que se comparam com as influências naturais?”, IPCC, Climate Change 2007, op. cit., pp. 135-6.

6  Hopwood, Nick e Jordan Cohen, “Greenhouse Gases and Society” [“Os gases de efeito de estufa e a sociedade”], umich.edu/~gs265/society/greenhouse.htm, resumo em citeseerx.ist.psu.edu/viewdoc/summary?doi=10.1.1.510.8971.

7  IPCC, Cambio climático 2007, op. cit., p. 29.

8  “El Protocolo de Kioto: Odisea internacional para reducir los gases del efecto invernadero”, revista Consumer, Espanha, Set. 2001,
revista.consumer.es/portada/odisea-internacional-para-reducir-los-gases-del-efecto-invernadero.html.

9  IPCC, Alterações Climáticas 2007, op. cit., p. 5.

10  “Pergunta Frequente 3.1 — Como variam as temperaturas na Terra?”, IPCC, Climate Change 2007, op. cit., pp. 252-3.

11  Ibidem, p. 253.

12  IPCC, Cambio climático 2007, op. cit., p. 28.

13  “Pergunta Frequente 3.3 — Houve alterações em eventos extremos como vagas de calor, secas, inundações e furacões?”, IPCC, Climate Change 2007, op. cit., pp. 308-9.

14  Charles M. Blow, “Farewell, Fair Weather” [“Adeus, bom tempo”], New York Times, 31 de maio de 2008, disponível em: nytimes.com/2008/05/31/opinion/31blow.html.

15  Bill McKibben, EAARTH, citado em “As conversações sobre o clima em Cancún: O acordo inútil e a emergência planetária”, Revolution/Revolución n.º 220, 19 de dezembro de 2010, revcom.us/a/220/cancun-en.html (em inglês) e revcom.us/a/220/cancun-es.html (em castelhano).

16  Organização Mundial de Saúde, Protecting health from climate change — Connecting science, policy and people [Proteger a saúde dos perigos das alterações climáticas — Ligar a ciência, as políticas e as pessoas], 2009, Dinamarca, p. 2, apps.who.int/iris/handle/10665/44246 (em inglês).

17  Em média, o nível dos oceanos aumentou 1,8 mm/ano desde 1961, e desde 1993 tem aumentado 3,1 mm/ano. IPCC, Climate Change 2007, op. cit., p. 5.

18  IPCC, Climate Change 2007, op. cit., p. 13.

19  Ibidem.

20  Ibidem.

21  “Aquecimento global: A Terra clama pela revolução”, Serviço Noticioso Um Mundo A Ganhar, 5 de fevereiro de 2007,
paginavermelha.org/noticias/aquecimento-global-a-terra-clama-pela-revolucao.

22  Tripati, Aradhna K., Christopher D. Roberts e Robert A. Eagle, “Coupling of CO2 and Ice Sheet Stability Over Major Climate Transitions of the Last 20 Million Years” [“Acoplamento do CO2 e da estabilidade da camada de gelo ao longo das principais transições climáticas dos últimos 20 milhões de anos”], Science, 4 de dezembro de 2009, Vol. 326, n.º 5958, pp. 1394-1397, resumo em sciencemag.org/content/326/5958/1394.abstract, e “Last Time Carbon Dioxide Levels Were This High: 15 Million Years Ago, Scientists Report” [“A última vez em que os níveis de dióxido de carbono foram tão elevados foi há 15 milhões de anos, reportam os cientistas”], Science Daily, sciencedaily.com/releases/2009/10/091008152242.htm.

23  Para uma análise mais global das crises ecológicas, ver o “Número especial sobre a crise ambiental” do Revolution/Revolución, n.º 199, 18 de abril de 2010, disponível em revcom.us/environment/ (em inglês) e revcom.us/medio_ambiente/ (em castelhano).

24  IPCC, Cambio climático 2007, op. cit., p. 40.

25  Hansen, James, tradução de excertos do discurso dele em inglês, falando em nome pessoal perante o Congresso dos Estados Unidos a 23 de junho de 2008, traduzido para o castelhano com o título “James Hansen reitera advertencia sobre hecatombe mundial, 20 años después”, disponível em circuloastronomico.cl/noticias/cronoeco.html. O texto original em inglês, “Global Warming Twenty Years Later: Tipping Points Near” está disponível em columbia.edu/~jeh1/2008/TwentyYearsLater_20080623.pdf.

26  “Pergunta Frequente 10.3 — Se se reduzirem as emissões de gases de efeito de estufa, com que rapidez diminuirá a sua concentração na atmosfera?”, IPCC, Climate Change 2007, op. cit., pp. 824-5.

27  Um número agregado que se obtém convertendo os outros GEE no seu “equivalente” em dióxido de carbono no que diz respeito ao efeito de estufa.

28  Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), “5 gigatoneladas — a brecha entre o indicado pela ciência climática e as atuais reduções aquando de Copenhaga?”, Comunicado de Imprensa, 23 de novembro de 2010, disponível em cinu.mx/comunicados/2010/11/5-gigatoneladas-la-brecha-entr/.

29  Para uma análise do fracasso da COP15 de Copenhaga, ver Orpheus, “Acordo sobre o clima na cimeira de Copenhaga: Um crime contra o planeta”, Revolution/Revolución n.º 188, 10 de janeiro de 2010, disponível em revcom.us/a/188/copenhagen_orpheus-en.html (em inglês) e revcom.us/a/188/copenhagen_orpheus-es.html (em castelhano).

30  “La tierra se recalienta”, em circuloastronomico.cl/noticias/cronoeco.html.

31  Hansen, J., M. Sato, P. Kharecha, D. Beerling, R. Berner, V. Masson-Delmotte, M. Raymo, D. L. Royer, J. C. Zachos, “Target atmospheric CO2: where should humanity aim?” [“Objetivo de CO2 atmosférico: Para onde é que a humanidade deve apontar?”], arxiv.org/abs/0804.1126 e arxiv.org/abs/0804.1135.

32  Tripati, op. cit. e Science Daily, op. cit.

33  Citado em climateprogress.org, estudo em nature.com/nature/journal/v441/n7093/abs/nature04668.html.

34  Estudo publicado em 2006 na Geophysical Research Letters, citado em climateprogress.org e disponível em agu.org/pubs/crossref/2006/2005GL025044.shtml.

35  Matthews, H. D., e K. Caldeira (2008), “Stabilizing climate requires near-zero emissions” [“A estabilização do clima requer quase zero emissões”], Geophysical Research Letters, doi:10.1029/2007GL032388, resumo em agupubs.onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1029/2007GL032388, relatório em Science Daily, sciencedaily.com/releases/2008/02/080215103252.htm.

 

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