Artigo traduzido da edição n.º 506, de 28 de agosto de 2017, do jornal Revolution/Revolución, voz do Partido Comunista Revolucionário, EUA (revcom.us/a/506/role-of-climate-change-in-the-disaster-of-harvey-en.html em inglês e revcom.us/a/506/dr-michael-e-mann-cambio-climatico-es.html em castelhano).

Que se pode dizer sobre o papel das alterações climáticas no desastre do furacão Harvey?

Pelo Dr. Michael E. Mann

Nota do Revolution/Revolución/revcom.us: Reproduzimos este texto publicado no Facebook com autorização do autor, o Dr. Michael Mann, Distinto Professor de Ciência Atmosférica na Universidade do Estado da Pensilvânia, com nomeações conjuntas nos Departamentos de Geociências e da Terra e no Instituto de Sistemas Ambientais. Ele também é Diretor do Centro de Ciência dos Sistemas da Terra da mesma universidade e autor de vários livros, entre os quais a mais recente obra dele, The Madhouse Effect [O Efeito de Manicómio].

Gráfico da subida do nível do mar
Gráfico da subida do nível do mar. (Fonte: Michael Mann, Facebook)

Que podemos dizer sobre o papel das alterações climáticas no desastre sem precedentes que se está a desenrolar em Houston com o furacão #Harvey?

Há certos fatores relacionados com as alterações climáticas que podemos dizer, com grande confiança, que agravaram as inundações.

A subida do nível do mar atribuível às alterações climáticas (parte disto deve-se a aluimentos na costa devidos a perturbações humanas, por exemplo, perfurações petrolíferas) é de mais de 15 cm durante as últimas décadas (para uma discussão decente deste tema ver: insurancejournal.com/news/southcentral/2017/05/31/452704.htm).

Isso significa que a vaga de temporais criou uma precipitação cerca de 15 cm mais elevada do que teria acontecido há apenas algumas décadas, resultando em muito mais inundações e destruição.

Gráfico do aquecimento das águas costeiras
Gráfico do aquecimento das águas costeiras. (Fonte: Michael Mann, Facebook)

Além disso, as temperaturas da superfície do mar na região subiram cerca de 0,5ºC (perto de 1ºF) durante as últimas décadas, de cerca de 30ºC (86ºF) para 30,5ºC (87ºF), o que contribuiu para as temperaturas mais elevadas da superfície do mar (30,5-31ºC, ou seja 87-88ºF). Há uma relação termodinâmica simples conhecida como “equação de Clausius-Clapeyron” (ver, p. ex., en.wikipedia.org/wiki/Clausius%E2%80%93Clapeyron_relation) que nos diz que há um aumento de sensivelmente 3% no conteúdo médio de humidade atmosférica por cada 0,5ºC (~1ºF) de aquecimento. As temperaturas da superfície do mar na zona onde o Harvey se intensificou eram 0,5-1ºC mais quentes que as temperaturas médias atuais, o que se traduz em 1-1,5ºC mais quentes que as temperaturas ‘médias” de há algumas décadas. Isto significa 3-5% mais humidade na atmosfera.

Esta grande quantidade de humidade criou o potencial para muito mais chuva e maiores inundações.

A combinação entre alagamentos costeiros e chuvas intensas é responsável pelas devastadoras inundações que Houston está a sofrer.

Gráfico que mostra o padrão do tempo que fez com que o Harvey se demorasse sobre a costa do Texas
Gráfico que mostra o padrão do tempo que fez com que o Harvey se demorasse sobre a costa do Texas. (Fonte: Michael Mann, Facebook)

Não só as águas superficiais do golfo estão invulgarmente mais quentes agora, como há uma profunda camada de água quente de que o Harvey se pôde alimentar quando se intensificou a um ritmo quase record à medida que se aproximava da costa. O aquecimento causado pelos seres humanos está a penetrar até ao oceano, aquecendo não só à superfície mas também criando camadas mais profundas de água quente no Golfo e noutros lugares.

Por isso, o Harvey foi quase certamente mais intenso do que teria sido na ausência do aquecimento causado pelos seres humanos, o que significou ventos mais fortes, mais danos causados pelo vento e uma maior vaga de temporais (um exemplo de como isto funciona: demonstrámos que as alterações climáticas conduziram a um aumento dramático do risco de vagas de temporais na Cidade de Nova Iorque, tornando mais prováveis eventos devastadores como a Supertempestade #Sandy, pnas.org/content/112/41/12610.full).

Por fim, os fatores climáticos mais ténues mas potencialmente relevantes: parte do que fez do Harvey um temporal tão devastador foi a maneira como se demorou muito perto da costa, continuando a fustigar Houston e as regiões vizinhas com um dilúvio aparentemente infindável que provavelmente irá acrescentar quase 1,3 metros de chuva ao longo de um período de vários dias antes de terminar.

Uma sala inundada no sul do Texas devido ao furacão/tempestade tropical Harvey
Uma sala inundada no sul do Texas devido ao furacão/tempestade tropical Harvey.

A demora é devida aos ventos prevalecentes muito fracos que não estão a conseguir empurrar o temporal para o mar, permitindo-lhe andar às voltas e a oscilar de um lado para o outro como um pião sem rumo. Este padrão, por sua vez, está associado a um sistema subtropical enormemente expandido de altas pressões que neste momento está sobre grande parte dos EUA, com os ventos fortes muito empurrados para norte. Este padrão de expansão subtropical é previsto nas simulações do modelo das alterações climáticas causadas pelos seres humanos.

Mais ténue, mas possivelmente ainda pertinente, é o facto de que padrões de tempo de verão deste tipo, muito persistentes, quase ‘estacionários’ (em que as anomalias climatéricas, tanto em regiões quentes e secas de alta pressão como em regiões de baixa pressão de tempestades e chuva, ficam presas num lugar durante muitos dias) parecem ser favorecidos pelas alterações climáticas causadas pelos seres humanos. Publicámos recentemente um artigo sobre este fenómeno: nature.com/articles/srep45242.

Em conclusão, embora não possamos dizer que as alterações climáticas tenham “causado” o furacão Harvey (isso é uma pergunta mal formulada), podemos dizer que exacerbaram várias características do temporal de uma maneira que aumentou enormemente o risco de danos e perdas de vidas.

As alterações climáticas agravaram o impacto do furacão Harvey.

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