Do Serviço Noticioso Um Mundo A Ganhar (SNUMAG) de 31 de Maio de 2010, aworldtowinns.co.uk

Os Estados Unidos, Israel e a bomba: Razões para preocupação

Cartoon de Latuff
Israel mantém o seu criminoso bloqueio a Gaza com o apoio dos EUA (Cartoon do brasileiro Latuff)

O massacre israelita de apoiantes da Palestina que levavam ajuda humanitária a Gaza é apenas uma pequena demonstração dos crimes que os sionistas estão dispostos a cometer. Israel tem na manga coisas muito piores, o suficiente para alarmar mesmo as pessoas mais sóbrias, incluindo armas nucleares e um comprovado desprezo em relação ao perigo delas. Pior, outros desenvolvimentos recentes têm destacado o empenho dos EUA em manter armas nucleares em mãos israelitas e o continuado apoio do governo de Barack Obama ao alarido atómico israelita contra o Irão.

Dois acontecimentos políticos apresentados como actos de afastamento da ameaça de guerra nuclear podem tratar-se apenas do seu oposto. Um deles foi a revelação por Obama da política norte-americana de utilização de armas nucleares, tal como ela foi detalhada num novo documento intitulado Revisão da Postura Nuclear. O outro foi o acordo assinado pelos 189 países signatários do Tratado de Não-Proliferação Nuclear [TNPN] para a realização de uma conferência em 2012 para discutir tornar o Médio Oriente numa zona livre de armas nucleares.

A Revisão da Postura Nuclear datada de 6 de Abril é assustadora. Algumas pessoas estavam à espera que Obama fosse o primeiro presidente norte-americano a declarar uma política de “não utilização inicial” – em que os EUA nunca usariam armas nucleares a menos que fossem atacados com elas. O documento declara claramente o oposto: Os EUA “não estão actualmente preparados para adoptar uma política universal em que a dissuasão de um ataque nuclear seja o único objectivo das armas nucleares”. Pelo contrário, diz: “Os Estados Unidos não usarão nem ameaçarão usar armas nucleares norte-americanas contra estados não-possuidores de armas nucleares que integrem o Tratado de Não-Proliferação Nuclear, em conformidade com as suas obrigações de não-proliferação nuclear.”

Quem é que determina se um país, quer seja signatário do TNPN ou não, está “em conformidade”? Não é, como poderiam estar à espera os ingénuos, a Agência Internacional da Energia Atómica, o organismo da ONU responsável por fiscalizar o TNPN, nem sequer o Conselho de Segurança da ONU, embora estes organismos estejam longe de ser impermeáveis à pressão dos EUA. Os peritos estão de acordo em que, ao não os mencionar, o documento implica que o governo dos EUA reserva esse direito para si próprio. Mesmo que decida que um país está “em conformidade” quanto às armas nucleares, ainda assim pode lançar um ataque nuclear inicial se ele for “garantido pela evolução e desenvolvimento da ameaça” de armas biológica ou face a qualquer outra coisa que considere potencialmente “devastadora”.

É verdade que o governo de Obama parece ter abandonado os planos de Bush para desenvolver novas armas atómicas tácticas (do tipo “rebenta-bunkers” nucleares). A alegação de que os EUA e a Rússia estão dispostos a vir a reduzir dramaticamente o seu enorme poder nuclear apontado um ao outro também é merecedora de análise, embora os acordos até agora alcançados não sejam impressionantes. Mas, em termos imediatos, o efeito prático desta revisão de políticas é recordar à República Islâmica que, tal como com o Presidente George W. Bush, para Obama “todas as opções estão na mesa”, incluindo um ataque nuclear inicial norte-americano.

O único objectivo do TNPN é proteger o monopólio nuclear dos EUA, da Rússia, da Grã-Bretanha, da França e da China. Supostamente, o tratado é um “compromisso” em que outros países concordam em não obter armas nucleares em troca de as cinco potências nucleares concordarem num calendário legalmente imposto para destruírem o seu próprio arsenal. Mas isso nunca aconteceu e, no mundo de hoje, o desarmamento nuclear, independentemente de quanto os povos do mundo o desejem, não está na mesa. A Índia e o Paquistão têm bombas nucleares, mas obtiveram-nas sem qualquer oposição dos EUA, que não fizeram nenhum alarido quanto à sua recusa em assinarem o TNPN. A Coreia do Norte foi signatária do TNPN, mas retirou-se, pelo que é um potencial alvo de um ataque inicial ao abrigo da doutrina de Obama. O Irão é o único país que se ajusta à segunda e nova categoria que o governo dos EUA agora criou, a de signatário do TNPN que não está “em conformidade”.

A ironia é que de todos estes países, o Irão é o único que não tem nenhuma arma nuclear. Pode muito bem ser verdade que a República Islâmica esteja a tentar desenvolvê-las, o que iria mudar a relação de poder num Médio Oriente onde o gendarme dos EUA, Israel, que se recusa a assinar o TNPN, tem pelo menos várias centenas de ogivas nucleares de combate de forma a garantir que o seu irmão mais velho, os EUA, tem a última palavra na região. A mensagem não verbalizada mas inibidoramente clara da revisão de política de Obama é que os EUA usarão tudo o que têm para obterem tudo o que querem nas zonas do mundo onde o seu domínio é contestado.

A reunião de signatários do TNPN em Nova Iorque, que terminou a 28 de Maio, deve ser vista da mesma maneira que a Revisão da Postura Nuclear, um ajuste da política dos EUA que não é necessariamente o que parece ser. Esses países reúnem-se a cada cinco anos. Em 1995, quando Bill Clinton era presidente dos EUA, a conferência terminou num impasse quando os países liderados pelo Egipto não conseguiram concretizar uma piedosa esperança de que as armas nucleares fossem proibidas em todo o Médio Oriente. A reunião de 2005, com Bush, também terminou em desordem. Dessa vez, chegou-se a um acordo por consenso, ou seja que não foi vetado pelos EUA (nem pelo Irão que, ao contrário dos EUA, sempre tinham apoiado publicamente esse objectivo). Mas há boas razões para se crer que o objectivo dos EUA era dar “cobertura” política a regimes árabes dependentes dos norte-americanos (sendo o Egipto – historicamente o maior recipiente de ajuda norte-americana depois de Israel – o principal exemplo) para continuarem a tentar diluir o ódio dos seus povos a Israel e a facilitarem a acção dos EUA contra o Irão.

Cartoon de Latuff
A situação na Palestina e a indignação internacional põem em causa a cumplicidade dos regimes árabes vendidos ao imperialismo (Cartoon do brasileiro Latuff)

Há algum tempo que os comentadores pró-Obama têm vindo a defender que é difícil aos EUA mobilizar uma frente unida contra um país que pode estar a tentar obter armas nucleares ao mesmo tempo que dá a Israel toda a liberdade nuclear. Essa convocatória de uma conferência em 2012 parece “equilibrada”, como alega o presidente do TNPN, o qual representa um estado cliente dos EUA, as Filipinas. Menciona mesmo Israel como detentor de armas nucleares, o que os EUA nunca antes permitiram em nenhum documento internacional. Mas Obama disse em relação a essa convocatória da conferência: “Nós opomo-nos fortemente aos esforços para isolar Israel, e opor-nos-emos a acções que ponham em risco a segurança nacional de Israel”. Comentando o acordo que ajudou a negociar, o General James Jones, Conselheiro de Segurança Nacional de Obama, disse que o desmantelamento das armas iranianas de destruição em massa (note-se: nem sequer se trata apenas das nucleares) é uma “condição prévia” para se falar sequer numa conferência para discutir o desarmamento nuclear regional. A propósito, é suposto que os EUA liderem a organização da conferência, segundo a convocatória que também diz que a conferência só se pode realizar se todos os países da região estiverem presentes. O governo israelita já anunciou a sua não-participação. Como escreveu o The New York Times (ecoando palavras semelhantes da BBC), “mesmo convocar essa conferência, e muito menos atingir qualquer dos seus objectivos, continua a ser uma perspectiva distante” (NYT, 28 de Maio, e BBC, 29 de Maio de 2010).

As armas nucleares de Israel e o apoio nuclear dos EUA a Israel não são apenas questões abstractas em algum horizonte distante. Segundo o jornal britânico Sunday Times (30 de Maio de 2010), Telavive deslocou um submarino equipado com mísseis nucleares de cruzeiro para o litoral iraniano e destacou mais dois. (Os submarinos são uma oferta da Alemanha. É assim que o imperialismo funciona, caso se pense que os países capitalistas monopolistas podem alterar a sua natureza: a Alemanha está a dar compensações pelo seu genocídio de judeus que potenciam um novo holocausto.) Embora o Times não indique claramente a fonte dessa notícia, sabe-se que os três submarinos já antes estiveram no Golfo, tal como os navios de guerra dos EUA. Agora, Israel decidiu que pelo menos um deles ficará permanentemente estacionado ao largo do Irão. “Esta mobilização visa actuar como dissuasora, recolher informações e provavelmente fazer entrar agentes da Mossad”, escreveu o jornal, com base no que disse ser uma entrevista ao chefe da flotilha. Se esta notícia é verdadeira, então não só é uma informação alarmante, como o próprio facto de as forças armadas israelitas a terem decidido divulgar também é uma provocação deliberada.

Provavelmente não foi nenhuma coincidência que, ao mesmo tempo que decorria a conferência do TNPN, as autoridades israelitas tenham condenado Mordechai Vanunu a três meses em prisão. Ele foi o cientista israelita que, em 1986, forneceu à imprensa britânica fotografias e documentos que provavam que Israel andava há várias décadas a fabricar urânio de grau militar. O programa nuclear de Israel nunca foi segredo para os governos das grandes potências – oito presidentes norte-americanos, de Nixon a Obama, sabiam e ajudaram Israel a mantê-lo oficialmente em segredo, para que pudessem continuar a manter a charada da não-proliferação. Mas prová-lo com documentos capazes de resistir ao escrutínio de especialistas foi outra coisa.

Vanunu, um homem religioso, dirigiu-se à imprensa porque queria a paz na região. Israel drogou-o, sequestrou-o e levou-o clandestinamente para Israel ser julgado em segredo. Passou 18 anos na prisão, 11 dos quais em prisão solitária para que não pudesse dizer mais nada a ninguém. Desde a sua libertação, ele tem sido repetidamente preso por ter tido contactos com estrangeiros – desta vez, um desses contactos foi, segundo ele, com a sua namorada norueguesa. “É uma vergonha para Israel pôr-me na prisão depois de 24 anos a dizer a verdade. É uma vergonha para toda a comunicação social mundial não proteger a liberdade de expressão”, disse ele antes da sua condenação (Associated Press, 24 de Maio).

Nem é preciso dizer que os EUA (e a Grã-Bretanha, etc.) nunca protestaram contra esta ultrajante injustiça. Afinal de contas, a verdade de Vanunu é uma ameaça à estratégia norte-americana no Médio Oriente e aos seus interesses.

Infelizmente para Israel, o tipo de denúncia que a sua vendeta contra Vanunu visava impedir reaparece neste preciso momento sensível. O académico norte-americano e editor sénior da revista Foreign Affairs Sasha Polakov-Suransky revelou documentos que descrevem um acordo militar secreto em 1975 entre Israel e a África do Sul do apartheid, entre os quais correspondência privada, uma cópia de um acordo assinado e as actas de uma reunião entre os ministros da defesa dos dois países, Shimon Peres e P. W. Botha. Israel oferecia-se para vender à África do Sul mísseis nucleares. As conversações tornaram claro que os governos sionista e do apartheid consideravam a aliança estabelecida entre os dois países em 1973 como sendo ideológica além de militar, numa cruzada para proteger a “justiça” para os “brancos” contra a reivindicação de “um homem, um voto”, considerando mesmo a inaceitável perspectiva de que as armas nucleares deveriam ser usadas contra países africanos vizinhos caso fosse necessário defender o sistema do apartheid. Embora o acordo tenha acabado por cair, a África do Sul avançou para o desenvolvimento das suas próprias armas nucleares, provavelmente com ajuda israelita. Em 1979, a vigilância por satélite descobriu um clarão nuclear no Oceano Índico identificado como proveniente do teste de uma bomba nuclear israelita, talvez realizado conjuntamente com a África do Sul. (The Nation, 14 de Maio, e Guardian, 24 de Maio 2010. Os memorandos e outros documentos estão disponíveis no sítio web do Guardian. O livro é The Unspoken Alliance: Israel's Secret Relationship with Apartheid South Africa [A Aliança Não Falada: A Relação Secreta de Israel com a África do Sul do Apartheid].)

Os EUA nunca emitiram sequer um pio de protesto sobre tudo isto, quer no passado quer agora. Porquê? O que é que o governo de Obama continua a tentar proteger? Os EUA acabaram por aceitar o desmantelamento do apartheid na África do Sul como sendo a melhor opção disponível para servir os interesses norte-americanos nessa região, mas não aceitará o desmantelamento do apartheid israelita contra os palestinianos devido ao valor estratégico central do estado sionista na actual situação regional e mundial. A aliança militar israelo-sul-africana, tal como as revelações de Vanunu, podem ser notícias antigas, mas proteger politicamente Israel contra a verdade ainda é uma preocupação central dos EUA.

Washington pode sentir que tem que ser hipócrita em relação ao objectivo de um Médio Oriente sem armas nucleares para fazer pressão contra o Irão, mas não há nenhuma possibilidade de as armas nucleares de Israel lhes serem retiradas, pela simples razão de que elas são, de facto se não mesmo literalmente, armas vitais da política externa dos EUA numa região que é cada vez mais explosiva e mesmo impossível de prever, em não pequeno grau devido à própria actuação dos EUA e Israel.

Estes desenvolvimentos, desde a história do nuclear israelita ao seu desenvolvimento pelo Irão, tudo sob o guarda-chuva político e militar dos EUA e ao serviço dos interesses imperialistas norte-americanos, não são muito diferentes, embora tenham uma escala diferente, do assassinato deliberadamente provocatório de hoje de membros da “Flotilha da Liberdade”, uma demonstração não só das armas israelitas como da falta de restrição moral e desprezo cínico pela opinião mundial com que Israel as usa. Eles mostram uma propensão para “voar para a frente” face às dificuldades – por outras palavras, para erguer a parada e escalar a situação.

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