Do Serviço Noticioso Um Mundo A Ganhar (SNUMAG) de 9 de Outubro de 2006, aworldtowinns.co.uk

Opinião:
Leitora de Katmandu responde a advertência de senador norte-americano

O texto que se segue é uma versão ligeiramente abreviada de um artigo de opinião enviado ao SNUMAG por uma leitora de Katmandu que se descreve a si própria como “feminista activista dos direitos humanos, actualmente a gravitar para os maoistas”. É uma resposta aberta a um importante político norte-americano, o Senador Arlen Specter, o qual, com a forma arrogante típica da classe imperialista que representa, foi ao Nepal dizer aos nepaleses o que deviam fazer – desarmar os maoistas. Ele comparou os maoistas a outros grupos que chamou de “terroristas”: a organização palestiniana Hamas e o Hezbollah libanês. O jornal The Kathmandu Post recusou-se a publicar o texto dela.

Eu gostaria de falar sobre vários pontos levantados pelo Senador Specter, presidente do Comité do Senado norte-americano para o poder judicial, no final da sua viagem ao Nepal para investigação de factos. Estou a referir-me aos seus comentários tal como relatados no The Kathmandu Post (Terça-feira, 15 de Agosto).

Ele disse que os maoistas “poderiam fazer parte do governo se forem sinceros, abandonarem as suas armas e aderirem à democracia, (...) estamos ansiosos por ver uma organização terrorista renunciar ao terrorismo. (...) Se vocês [os maoistas] se empenharem no processo democrático e acatarem a lei, respeitaremos isso e lidaremos convosco da mesma maneira.”

Eu gostaria de perguntar ao Senador quais são os seus padrões nas questões de “acatar a lei” e que lei quer ele que os maoistas acatem? Nós sabemos que o regime Bush nos EUA mudou as leis para restringir os direitos legais e civis das pessoas. Este governo norte-americano tem-se envolvido em múltiplos actos ilícitos dentro dos EUA e contra o seu próprio povo. Tem ignorado as leis e encarcerado pessoas ilegalmente; tem interpretado arbitrariamente as leis do país e redigido freneticamente novas leis como o Acto Patriótico para “legalizar” as suas acções ilegais.

Eu penso que as pessoas nos EUA não devem acatar esta lei marcial do governo. Não só é correcto não acatar essas leis antidemocráticas como também é correcto revoltarem-se e mudarem-nas. As pessoas só devem acatar leis que são da sua própria criação e que representem os seus interesses. Não devem acatar leis que atentem contra a sua dignidade e a sua humanidade. E, aqui no Nepal, o povo nepalês tem o direito a mudar a actual lei monárquica e depois a acatar a lei popular. O Senador Specter está horrorizado com este espectro.

Este é o mais básico direito democrático do povo. É deste tipo de democracia que o povo necessita. Os conselheiros norte-americanos ficam muito entusiasmados por virem aqui e aconselharem-nos sobre democracia. Eles incendeiam país atrás de país com base na vontade e nas decisões de alguns políticos e depois andam por aí a dissertar sobre democracia. A maioria das pessoas que sabe o que se passa ridiculariza a democracia deles.

Encarceraram uma percentagem considerável da população negra masculina dos EUA; exploram e abusam dos direitos de milhões de trabalhadores latino-americanos que são escravos da sua economia; tentam abolir o direito das mulheres ao aborto; proíbem a investigação científica em troca do apoio à doutrina cristã; hostilizam e despedem os professores secundários e universitários e os cientistas que divergem desse projecto – porque é que qualquer pessoa progressista em pleno uso das suas capacidades iria querer esse tipo de democracia? E os maoistas deveriam abandonar as armas para seguir que democracia, caro senhor?

No que diz respeito a saber quem é terrorista, deixem-nos analisar os factos. Quem tem instrumentos de terror e vontade para os usar indiscriminadamente contra todo o planeta Terra? Qualquer criança que veja notícias na televisão pode responder a esta questão. Senhor Senador, ninguém pode ganhar ao vosso país nesse jogo – nem mesmo os vossos parceiros industrializados. Quão profundo foi Mao quando disse: os imperialistas incendeiam o mundo, mas quando as massas acendem uma vela eles gritam e esperneiam!

O veredicto sobre quem são os terroristas foi votado democraticamente nas ruas de todo o mundo, de Nova Iorque a Deli e Pequim. Terror significa espalhar o medo nos corações das pessoas e criar horrores. Não é justo perguntar quem receiam as massas de qualquer parte do mundo: o exército dos EUA e a sua máquina de guerra ou o EPL? De quem os povos têm medo? E quem os povos amam? Este é um critério muito importante para decidir que exércitos são terroristas. O povo e a relação com o povo são o critério decisivo e não a vontade subjectiva dos senadores norte-americanos. Peçam às mulheres iraquianas que decidam que exército deve ser designado terrorista.

O Sr. Specter disse que não têm nenhum problema com o facto de os maoistas serem comunistas: “Nós lidamos com muitos comunistas”.

Em primeiro lugar, não entendo o que é que ele quer dizer com “lidar”. Refere-se ao massacre de comunistas às centenas de milhares na Indonésia nos anos 60? Ou ao sangrento golpe da CIA no Chile contra o governo legalmente eleito de Allende? Em todo o caso, Sr. Senador, vocês têm um problema com a ideologia dos comunistas. Porque a ideologia do comunismo significa a abolição da exploração dos seres humanos por outros seres humanos e toda a própria existência do imperialismo se baseia na exploração de seres humanos por outros seres humanos. O vosso sistema capitalista adora transformar toda e qualquer interacção entre pessoas numa relação entre mercadorias – uma relação de compra e venda. Vocês tentam mesmo fazer da mudança e das transformações políticas no Nepal uma mercadoria que possa ser regateada. Assim, oferecem “ajuda financeira” a troco de trairmos os sucessos e o orgulho do povo nepalês. Sejamos honestos, Senador! Olhe para o mundo que vocês criaram: só pode funcionar com base na ganância e na destruição da vida humana e do nosso planeta. Vocês são forçados a ter um problema com a ideologia e o programa comunista que querem criar um mundo radicalmente diferente deste inferno. Sejamos honestos!

Sobre a comparação dos maoistas com o Hezbollah

O Senador Specter cita o exemplo do Líbano e do Hezbollah libanês para alegar que o EPL deve ser desmantelado antes de participar no governo. Ele disse que “eles [o Hezbollah] têm um exército dentro do exército e minam o exército libanês. É por isso que temos uma guerra. Eu acho que o exemplo é aplicável a qualquer país. Assim, se o Nepal está a pensar experimentar o que tem de ser feito para ter um governo com sucesso, olhem para o Hamas e o Hezbollah.”

Sejamos honestos, Sr. Senador. Você deveria dar uma olhada ao vosso historial de constituição de um governo de sucesso no Iraque. E, se há pessoas que querem receber lições norte-americanas sobre a formação de governos de sucesso, é melhor que elas dêem uma olhada ao Iraque. O Iraque dos Estados Unidos é um excelente modelo de exércitos dentro de exércitos. Os EUA e a Grã-Bretanha entregaram o controlo de diferentes partes do Iraque a diferentes milícias das forças tribais curdas, xiitas e sunitas. Além dos exércitos de ocupação dos EUA e da Grã-Bretanha e desses três exércitos, há um exército dito nacional iraquiano sob controlo e liderança dos EUA: tudo com um único governo. Esse é o país mais militarizado do mundo. Em resultado, uma média de 150 civis é morta diariamente nas ruas do Iraque – isto para além dos assassinatos de civis em massa pelo exército norte-americano nas suas operações de contra-insurgência. Muitas das forças da quase resistência que controlam esta ou aquela parte das cidades iraquianas têm origem nos grupos fundamentalistas islâmicos que a CIA acarinhou e treinou no Médio Oriente durante a Guerra Fria com a União Soviética. Imaginem o horror de uma nação que é violada e sacrificada por tantos exércitos bárbaros no terreno. É este o historial de edificação de estados dos EUA no Médio Oriente.

Em total contraste, o EPL tem sido a criação dos filhos e filhas revolucionários do povo nepalês que durante muitos anos lutaram contra a monarquia e por um país de nova democracia. Para conseguirem levar a cabo este programa revolucionário, tiveram que recorrer à guerra popular. Como eram o próprio povo, apenas conseguiram iniciar esta guerra com armas humildes e feitas localmente, não com rockets.

O EPL e o Hezbollah são duas forças totalmente diferentes. O EPL luta por um programa social que está a quebrar as grilhetas das massas uma a uma. O EPL são as massas do povo oprimido a arrebatar o poder aos seus opressores para usar esse poder para alterar a sua situação e toda a sociedade. O Hezbollah enche as mentes do povo com obscurantismo religioso. Mas o EPL ensina as massas a levantarem-se de cabeça erguida e a ousarem tomar o seu destino nas suas próprias mãos. Introduz novas ideias progressistas nas regiões mais atrasadas, iluminando as massas e enchendo-as de optimismo e confiança no seu próprio poder criativo. A libertação das mulheres está no cerne da ideologia que guia o EPL e a escravização das mulheres está no centro da ideologia que guia o Hezbollah. O Hezbollah baseia-se numa das religiões do Líbano. O EPL unificou as diferentes nacionalidades do Nepal e tornou possível que, pela primeira vez, todos os povos do Nepal forjassem uma nação. O Hezbollah usa o ódio das massas do sul do Líbano contra o estado religioso, militar e opressivo de Israel, para sobreviver como jogador político no terreno e poder regatear com as potências imperialistas e os estados árabes reaccionários.

Durante os longos anos da Guerra Fria, os EUA recrutaram, financiaram e treinaram forças fundamentalistas islâmicas para fechar todo o espaço de desenvolvimento das forças comunistas ou revolucionárias seculares em diferentes países do Médio Oriente. O mais famoso líder islâmico criado pelos EUA não é outro senão o Sr. Bin Laden. Quando a revolução antimonárquica começou no Irão, os EUA e os países europeus concordaram em abrir caminho à tomada do poder pelos aiatolas do Irão, porque eles eram considerados de confiança para esmagarem a revolução e garantirem o controlo contínuo do petróleo iraniano.

Na realidade, há bastantes lições a aprender com o Médio Oriente. Mas o Sr. Specter não é um bom professor.

 

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