Do Serviço Noticioso Um Mundo A Ganhar (SNUMAG) de 30 de Julho de 2012, aworldtowinns.co.uk
A seguinte recensão literária foi escrita por Lindsay Wright, autora de “As mulheres já são consideradas humanas?” no SNUMAG de 11 de Outubro de 2010 [não disponível em português]. Acolhemos de bom grado recensões de livros e filmes e outros artigos que expressem as opiniões dos seus autores.
O neuro-behaviorismo e a representação deturpada da mente humana
Por Lindsay Wright
Aping Mankind — Neuromania, Darwinitis and the Misrepresentation of Humanity
[Em tradução livre: A Macaqueação do Género Humano — Neuromania, Darwinite e a Representação Deturpada da Humanidade]
por Raymond Tallis (Acume, 2011)
Raymond Tallis, até se ter reformado, trabalhou como médico e investigador especialista em neurologia clínica. O seu recente livro Aping Mankind é uma crítica à forma como a neurologia e a teoria da evolução são abusivamente usadas para defender que o comportamento humano é essencialmente determinado pela biologia, enquanto o papel da consciência humana e os factores sociais e culturais são, quando muito, postos de lado ou simplesmente ignorados.
A primeira coisa que se deve dizer é que Tallis apoia integralmente a teoria da evolução de Darwin como explicação para a existência da espécie humana (Homo sapiens). O que Tallis está a criticar é a utilização da teoria da evolução de Darwin para explicar o comportamento humano. Diz ele:
“Eu não estou a questionar a origem biológica do organismo Homo sapiens. A verdade da teoria da evolução está para além de qualquer dúvida razoável.” (pág. 239)
“O meu ataque à darwinite [...] não tem nada a ver com o questionamento pela cintura bíblica [região dos EUA com uma grande influencia fundamentalista cristã — NT] da veracidade da ideia central de Darwin de que as espécies, incluindo o Homo sapiens, foram criadas por mecanismos de selecção natural de variação aleatória [...]”
“A selecção natural afasta a necessidade de se procurar um criador. Nada num organismo vivo foi projectado, quer tivesse sido de uma forma inteligente, superinteligente ou estúpida. Não há nenhuma necessidade de se procurar uma mão moldadora consciente para se explicar o sugimento de criaturas complexas.” (págs. 210-211)
Criticar o uso da teoria da evolução para caracterizar o comportamento humano é vital porque esse behaviorismo evolutivo é uma pseudociência que se mascara de verdade objectiva. A teoria é usada para defender que o nosso comportamento é determinado pela evolução, pelos genes e pelas estruturas do cérebro, pelo que a “vontade livre” (a ideia de que o comportamento é mais do que uma resposta automática) e consequentemente a própria consciência são consideradas ilusões. Estas ideias não só ignoram o papel da consciência no comportamento humano, como também não reconhecem a importância da interacção dinâmica entre o pensamento humano (o qual envolve a relação entre o cérebro e o resto do corpo) e a realidade material “exterior” ao indivíduo, incluindo o mundo social com toda a sua complexidade. Pelo contrário, o que nos é oferecido é uma visão estática e uniforme do comportamento humano que não consegue explicar porque é que a conduta humana varia de sociedade para sociedade, já para não dizer que a mesma pessoa pode agir de maneiras diferentes em momentos diferentes.
Muitos defensores do behaviorismo evolutivo vêem a base dos actos humanos localizada fora da consciência e baseada no que foi útil há milhares de anos. Por exemplo, defendem que a desigualdade sexual é uma consequência natural da evolução. De acordo com essa teoria, as mulheres são vistas como tendo evoluído para serem melhores que os homens a cuidar dos filhos e no serviço doméstico de forma a assegurarem que o investimento genético delas nos filhos irá prosperar, enquanto os homens evoluíram para quererem reproduzir os seus genes tanto quanto possível — pelo que alegam que eles têm uma propensão natural para a não-monogamia. Isto é apenas o “bom velho chauvinismo machista” e a opressão da mulher disfarçados de factos científicos.
Quem queira mudar o mundo precisa de se envolver e lidar com esta questão porque estes argumentos são cientificamente errados e estão a ser promovidos por quem está no poder de forma a apoiar o actual estado das coisas e defender que as coisas são como era suposto serem.
As falsas explicações biológicas, alegando terem por base a evolução e outros factos científicos, são usadas para justificar ordens sociais retrogradas. Durante a década de 1960 começou a haver um cada vez maior conhecimento da forma como os factores sociais e culturais têm impacto no comportamento. Estas teorias de construção social foram importantes para fornecer as armas correctas àqueles que queriam mudar o papel da mulher e a socialização das crianças e da sociedade em geral. Em resposta, aqueles que queriam manter a situação actual, e em particular “manter as mulheres no lugar delas”, acolheram bem uma justificação “científica” de porque é que a mudança é impossível, e daí o crescente apoio às pseudocientíficas teorias evolutivas do comportamento. Tallis não nos fornece uma análise sobre a forma como a psicologia evolutiva é usada abusivamente para apoiar e manter uma posição subordinada da mulher. Para uma análise adicional, ver Wood & Eagly (2002).
O impacto mais importante da aplicação da teoria da evolução ao comportamento humano é que ela despreza qualquer papel da consciência humana e da acção humana na mudança do mundo. A teoria da evolução está a ser usada como o novo “ópio do povo”, para usar a expressão de Karl Marx sobre o papel da religião no século XIX. Embora Tallis não seja um revolucionário, é um ateu e diz: “Não me parece ser um grande avanço escaparmos da prisão do falso pensamento sobrenatural apenas para aterrarmos na prisão de uma perspectiva naturalista.” (pág. 10)
Aqueles que promovem as teorias evolutivas do comportamento humano reivindicam legitimidade ao defenderem que as suas teorias têm uma base científica, i.e. ao alegarem que essas teorias resultam da teoria da evolução de Darwin (que tem a ver com a evolução física da nossa espécie), bem como usando as semelhanças entre nós e outros animais, as teorias genéticas e, mais recentemente, os desenvolvimentos nas neurociências. Este behaviorismo evolutivo é na verdade o oposto de uma verdadeira compreensão científica da realidade e o livro de Tallis visa desafiar essa abordagem incorrecta, em particular a utilização imprópria das neurociências para apoiar as teorias evolutivas do comportamento. A crítica dele às conclusões cientificamente incorrectas a que chegou parte da comunidade neurocientífica é de importância vital porque nas últimas décadas as neurociências têm sido muitas vezes consideradas o árbitro do que é cientificamente correcto ou incorrecto no que diz respeito ao estudo e análise do pensamento e do comportamento. Não é necessariamente culpa dos neurocientistas o facto de, ultimamente, tanto na ciência como nas humanidades se dar a uma teoria um peso maior se ela puder ser “provada” usando digitalizações do cérebro.
Assim, estamos perante a situação extraordinária de as “provas” neurocientíficas estarem a ser usadas nas artes para explicar o impacto de pinturas, música e literatura através do estudo de vias neuronais que são estimuladas. Defende-se que as nossas preferências estéticas foram forjadas na era do Pleistoceno (que terminou há 10 000 anos) em vez de emergirem de influências sociais e culturais actuais. Deste ponto de vista, a crítica de arte deveria passar a ser um ramo das neurociências. Porém, se a avaliação da arte e da literatura fossem simplesmente uma questão de estimular neurónios, então, como salienta Tallis, porque é que nós todos não respondemos da mesma maneira a cada obra artística ou literária?
Essa posição não vê os seres humanos como tendo uma consciência que pode determinar o comportamento, o que é uma das críticas centrais de Tallis a essa pseudoneurociência. Esta tornou-se numa corrente notável entre os autores sobre o comportamento humano. Como diz Tallis, às neurociências é “frequentemente dada autoridade onde ela a não tem. Isto reflecte-se no pressuposto de que o que as neurociências não conseguem encontrar no cérebro não é verdadeiramente real” (pág. 244). Tallis defende correctamente que as neurociências não podem capturar tudo o que ocorre no mundo social humano olhando para dentro do cérebro de um indivíduo. Diz ele: “Só o próprio pressuposto de que as neurociências têm a última palavra sobre o que nós somos pode forçar-nos a negar a existência do nosso eu com base em que não pode ser descoberto por eléctrodos ou aparelhos digitalizadores”. (pág. 58) Em contraste, o argumento central de Aping Mankind é que a consciência, o eu e as nossas personalidades existem mas não são identificáveis com padrões rigidamente pré-programados da actividade neuronal. Tallis afirma que “a expressão ‘do cérebro, e só do cérebro’ está na base da noção a que este livro se opõe: a de que o cérebro é não só uma condição necessária mas também suficiente das experiências conscientes” (pág. 30, ênfase no original).
Em Aping Mankind, Tallis está especificamente a tentar criticar aquilo a que ele chama “neuromania” (a ideia de que a mente não é senão uma colecção de sinapses que estão predeterminadas a activarem-se de uma certo forma, e que a nossa consciência, identidade, pensamento e comportamento são análogas a isso) e “darwinite” (a de que porque a mente é um órgão evoluído, o comportamento e o pensamento são determinados pelos funcionamento histórico dos processos de selecção natural e pelo que foi adaptado há dezenas de milhares de anos para assegurar a replicação dos genes nos ambientes ancestrais). Este tipo de psicologia evolutiva alega poder explicar todas as nossas escolhas quotidianas com base na evolução, reduzindo a vida humana a uma sequência de respostas programadas, negligenciando assim o papel da deliberação consciente e o impacto dos factores sociais e culturais.
Entre os exemplos que Tallis dá deste tipo de pensamento estão o dos gestores de investimentos que, segundo alguns behavioristas evolutivos, estão apenas a tentar fazer do mundo um lugar mais seguro para os genes deles, e os homens que dormem com muitas mulheres que estão simplesmente a tentar reproduzir os genes deles tantas vezes quanto possível. A implicação é que as actuais relações de opressão entre homens e mulheres são imutáveis e eternas, uma alegação não confirmada pela evidência científica histórica real ou outras. De facto, o que se seguiria (e normalmente acontece) a isto seria a ideia de que as relações humanas e a própria sociedade são uma função da nossa herança genética — pelo que qualquer tentativa de provocar uma mudança social de fundo (incluindo as formas como os seres humanos se relacionam uns com os outros) está condenada (é “antinatural”) e limitada a produzir um desastre.
Só para dar um pequeno mas devastador contra-argumento, alguns desses teóricos alegam que as mulheres gostam do cor-de-rosa porque as antepassadas delas eram responsáveis pela recolha de bagas para a alimentação; enquanto os homens são atraídos pelo azul porque os antepassados deles eram caçadores, e o azul está relacionado com os céus azuis da caça aos animais e com a água azul da pesca. Contudo, como salienta Tallis, na era vitoriana o cor-de-rosa era a cor dos rapazes e o azul a cor das meninas, pelo que as preferências de cor, em vez de serem determinadas pela evolução com base na era do Pleistoceno, são determinadas histórica e culturalmente (e não biologicamente).
Tallis destaca que há cada vez mais provas que mostram que em vez das funções do cérebro estarem localizadas, é a capacidade do cérebro para funcionar como unidade integradora que é muito crítica para as suas funções. Ele dá-nos uma crítica detalhada da teoria computacional da mente, actualmente muito popular.
Ele também detalha alguns dos problemas conceptuais, metodológicos e estatísticos da investigação (que é frequentemente simplista e distante das situações reais), e esboça algumas das limitações da teoria neurológica e evolutiva para explicar o comportamento humano e a consciência. Ele defende que uma correlação em digitalizações do cérebro não prova a causa nem prova que a actividade neuronal e a consciência sejam idênticas; a actividade neuronal é necessária para a consciência humana mas não é suficiente para a explicar. Ele defende que os neuromaníacos não explicam a intencionalidade humana, a nossa capacidade de perceber sem acção, de contemplar o mundo, de fazer planos e adiar acções, a nossa capacidade de actuar em tempos (passado, presente e futuro) e a memória — se o comportamento humano se reduzisse pura e simplesmente à forma como os nossos cérebros são rigidamente pré-programados ao nascermos, estas coisas não seriam possíveis. Tallis nota que os mesmos neurónios são activados quer estejamos a recordar um evento passado ou a ver um evento actual, pelo que as neurociências estão impossibilitadas de diferenciar esses dois eventos quando se olha para uma digitalização do cérebro; contudo, os humanos conseguem diferenciar os dois.
Tallis defende que “os seres humanos, ao juntarem as nossas cabeças, transcenderam a nossa biologia [...]; funcionando com o que nos é dado biologicamente, nós transformámos isso em algo profundamente diferente” (pág. 6). Ele afirma que um elemento chave na consciência humana em evolução é o papel do processo colectivo (“Não iremos descobrir a evolução da comunidade de mentes no crescimento nem na reestruturação de evidências em cérebros individuais” — pág. 225), mas, tristemente, não se expande suficientemente sobre esta proposição muito interessante.
Além disso, embora mencione o papel do colectivo, tal como também mostra que a teoria da evolução não pode explicar as enormes variações do comportamento humano entre culturas e dentro de culturas, parece não levar suficientemente em conta o impacto dos factores sociais e culturais no comportamento individual. Ele critica “as experiências que removem o eu do seu mundo e se centram em elementos do comportamento que estão desenraizados dos contextos que dão sentido às acções” (pág. 247), mas Tallis não cita nenhum dos estudos que visam determinar a influência dos factores sociais e culturais no comportamento humano. A consciência de uma pessoa não deriva de si mesmo, mas evolui numa relação dinâmica com o seu mundo, as suas experiências, as relações sociais e as ideias dominantes e outros factores que são exteriores à sua consciência, e o seu pensamento pode retroagir com tudo isso.
Tallis critica os estudos neurológicos por reduzirem a vida humana a “respostas a incentivos ou a fazer escolhas triviais, muitas vezes dicotómicas”, que isolam “uma acção de todo um campo de acção do fluxo da vida” (pág. 282). Os estudos tornam-se tautológicos: “Se se reduz a vida humana a respostas a incentivos, então parece ficar justificado vermo-nos como dispositivos biológicos programados para responderem a incentivos” (pág. 283). Isto, por sua vez “liga-se a uma das principais suposições por trás das pseudo-disciplinas neuro-evolutivas: a de que nós somos tão programados que tudo o que fazemos serve directa ou indirectamente o projecto da replicação dos genes.” (pág. 283)
Tallis descreve o livro dele como um “local de paragem única para qualquer pessoa que deseje questionar as alegações irracionais e frequentemente absurdas que são feitas em nome do biologismo”. Embora Aping Mankind seja a mais profunda crítica que eu li sobre o papel das neurociências na montanha russa do determinismo biológico, os argumentos dele nalguns pontos parecem fracos e ele centra-se demasiado nas diferenças entre animais e seres humanos como base para os argumentos dele sobre porque é que o determinismo biológico e a psicologia evolutiva são errados.
A distinção entre os seres humanos e as outras espécies é de importância crucial no que diz respeito à evolução do comportamento. Por exemplo, como comentou Friedrich Engels, as aranhas podem fazer teias tão bonitas como qualquer catedral mas, ao contrário dos seres humanos, as aranhas não têm nenhum plano consciente para implementarem uma perspectiva do que querem construir. Mas, ao mesmo tempo, para se perceber o pensamento e a acção humana, é útil analisar o papel da aprendizagem e da consciência nos animais mais avançados.
Por exemplo, os sapos no meu jardim costumavam comportar-se de uma forma que poderia ser considerada como consistente com a evolução, ou seja, ficavam imóveis quando enfrentavam um perigo (eu). Passados dois anos, eles perceberam que se continuassem a agir dessa forma isso resultaria em continuarem a ser (acidentalmente) pisados e, em tempo de chuva, a transformarem-se no meu skate ao longo do carreiro do jardim. Agora quando me vêem chegar, afastam-se do caminho e mantêm-se imóveis. Eu não tenho ilusões, não acredito em que quando chegarem aos 50 anos terão aprendido a fazer jardinagem, mas eles têm claramente uma capacidade de aprender e talvez algum nível de consciência.
De forma semelhante, as vacas aprendem a ir para o local de ordenha no momento certo para serem ordenhadas. Isto é um fenómeno muito novo na longa história evolutiva delas e mostra alguma capacidade de mudarem padrões, com tudo o que isso possa implicar sobre a consciência. Tallis fica demasiado limitado pela convicção dele de que a melhor forma de minar a incorrecta aplicação da teoria da evolução ao comportamento é provar as diferenças entre a consciência humana e a animal.
Outra crítica que eu tenho a Aping Mankind é a muito limitada cobertura dada à plasticidade do cérebro (a capacidade das diferentes partes do cérebro aumentarem e mudarem em resposta às exigências da actividade e experiência humana). Eu vejo a plasticidade do cérebro como um dos pilares essenciais para lidar com o determinismo biológico. É muito claro que o nosso cérebro não é rigidamente pré-programado de forma permanente ao nascermos, como seria de esperar se a biologia e a evolução fossem a chave que determina o comportamento. Tallis dá a este tópico apenas uma escassa cobertura. Ele usa o exemplo das alterações no cérebro quando alguém aprende a tocar violino. Eu acho que há exemplos mais robustos na batalha contra o predomínio do determinismo biológico. Vou apresentar agora o que eu considero serem dois exemplos melhores da plasticidade do cérebro, retirados de livros que nem sequer se centram na evolução nem nas neurociências.
O primeiro exemplo é de Walter (2010), que revê vários estudos que demonstram como o comportamento e a experiência podem realmente mudar a forma biológica, incluindo o tamanho das estruturas anatómicas do cérebro. O exemplo mais impressionante que ela dá são os estudos que investigam o hipocampo posterior do cérebro em motoristas de táxi de Londres. Esses estudos descobriram que o hipocampo posterior era maior nos motoristas de táxi com mais de dois anos de experiência que nos grupos de controlo. Além disso, quanto maior o número de anos a conduzir um táxi, “maior o hipocampo posterior, pelo que quando eles acrescentam detalhes ao conhecimento deles sobre a cidade, a matéria cinzenta deles aumenta. Como o volume de matéria cinzenta nessa parte do cérebro está correlacionado com o tempo passado como motorista de táxi, isto sugere que o cérebro humano pode mudar fisicamente como resposta ao meio ambiente, mesmo durante a maioridade.” Isto é um exemplo muito importante, já que se diz muitas vezes que as mulheres não são capazes de ler mapas, o que normalmente é apresentado como devido às diferenças entre homens e mulheres na pré-programação do cérebro. Porém, este exemplo de Walter sugere convincentemente que em vez de a biologia ser responsável pelas diferenças observadas entre os cérebros de homens e mulheres, essas diferenças podem ser melhor explicadas por diferenças de educação, comportamento e experiência. Walter também examina os estudos que mostram como as expectativas, as diferenças de poder e cultura podem determinar o comportamento.
Um segundo exemplo é de um livro sobre o abuso de substâncias. Childress (2006) descreve os estudos feitos em macacos que revelaram que alterações no meio ambiente podem determinar o número de receptores da dopamina D2, os quais por sua vez determinam a probabilidade de se gostar de cocaína. Quando macacos “machos alfa” foram mudados de alojamentos individuais para alojamentos de grupo, os macacos que se tornaram dominantes revelaram um aumento significativo dos receptores de dopamina D2 e um desinteresse na cocaína; enquanto nos macacos subordinados se verificou um número significativamente mais reduzido de receptores D2 e uma ávida auto-administração de cocaína. Portanto, neste exemplo não havia um cérebro rigidamente pré-programado ao nascerem que determinou o número de receptores de dopamina, mas sim factores ambientais.
De forma semelhante, Avakian (2007) nota que aquilo que se clama ser a “natureza humana” é de facto um reflexo:
“da estrutura económica e da cultura condicionada por ela. Não é inata nos seres humanos, não está nos ‘nossos genes’, as pessoas não são rigidamente pré-programadas para isso [...] Toda a história não é mais que uma contínua transformação da natureza humana [...] Uma das características definidoras da ‘natureza’ dos seres humanos é justamente a grande ‘plasticidade’ que eles têm — a capacidade de responderem às coisas numa variedade de formas, e a capacidade de mudarem a forma como vêem e respondem às coisas quando mudam as suas condições e se mudam a si próprios numa relação dialéctica com isso.”
“Em suma, a ‘natureza humana’, na medida em que podemos falar de tal coisa, é muito flexível e muda com as mudanças na sociedade humana.”
Uma crítica adicional que eu tenho é que Tallis minimiza muito o papel da teoria genética dizendo “Os escritores mais cuidadosos, aqueles mais inclinados para o biologismo, sabem que a noção do ‘gene com uma finalidade’, quando aplicada ao comportamento humano, já teve os seus dias” (pág. 330). Porém, não posso estar mais em desacordo com ele. Eu acho que as teorias genéticas do comportamento e do temperamento continuam bem vivas. Para dar apenas um exemplo, do mundo do aconselhamento, a edição de Junho de 2011 da revista Therapy Today, começa com um artigo intitulado “Descoberto o gene da felicidade”, explicando como tendemos ou não a estar naturalmente felizes ou tristes dependendo da nossa forma genética em vez da nossa experiência de vida. (Além disso, pessoas diferentes que passam por experiências semelhantes podem ter interpretações e avaliações delas muito diferentes, o que revela o papel da consciência nas reacções emocionais.) isto é apenas um exemplo muito pequeno de como a teoria genética continua a ser usada para reforçar explicações sobre o comportamento, o temperamento e a saúde mental. Para conhecer mais críticas à teoria genética aplicada ao comportamento, em particular as falhas metodológicas no estudo de gémeos, ver Joseph (2003).
O livro de Tallis é de leitura muito fácil na forma simples como ele coloca os argumentos dele, mas ele assume que o leitor tem o vocabulário de um neurocientista. Um glossário dos principais termos específicos das neurociências e da teoria da evolução teria tornado este livro muito mais fácil de ler num comboio sem acesso a um dicionário.
Em conclusão, acho que Aping Mankind é uma adição útil para quem já esteja bem versado nos argumentos dos behavioristas evolutivos e queira desenvolver os seus argumentos contra a supremacia desta pseudociência. Porém, penso que, embora Tallis escreva de uma forma clara e simples, o livro dele será de uso limitado para quem esteja à procura de um texto introdutório que examine criticamente os argumentos daqueles que reivindicam que o pensamento e o comportamento humano são pouco mais que genes, sinapses cerebrais e evolução.
BIBLIOGRAFIA
Avakian, B. (2007) "Making Revolution and Emancipating Humanity" [“Fazer a revolução e emancipar a humanidade”], Revolution/Revolución n.º 105, 21 de Outubro de 2007, disponível em inglês em revcom.us/avakian/makingrevolution/ e em castelhano em revcom.us/avakian/makingrevolution/makingrevolution-pt1-es.html.
Childress, A. R. (2006) "What Can Human Brain Imaging Tell Us About Vulnerability to Addiction & to Relapse?" [“O que nos podem dizer as imagens digitais do cérebro humano sobre a vulnerabilidade do vício e recaída?”], em Miller, W. R. e Carroll, K. M., Rethinking Substance Abuse [Repensar o Abuso de Substâncias], The Guilford Press, Nova Iorque, 2010.
Joseph, J. (2003) The Gene Illusion — Genetic Research in Psychiatry and Psychology Under the Microscope [A Ilusão dos Genes — A Investigação Genética em Psiquiatria e Psicologia Sob o Olhar do Microscópio], PCCS Books.
Walter, N. (2010) Living Dolls [Bonecas Vivas], Virago, Londres.
Wood, W. & Eagly, A. H. (2002) "A Cross-cultural Analysis of the Behaviour of Women and Men: Implications for the Origins of Sex Differences" [“Uma Análise Multicultural do Comportamento de Mulheres e Homens: Implicações para as Origens das Diferenças de Género”], Psychology Bulletin, Volume 128(5), págs. 699-727.