Do Serviço Noticioso Um Mundo A Ganhar (SNUMAG) de 6 de Setembro de 2010, aworldtowinns.co.uk

O controlo das cheias e a transformação social na China revolucionária — “Ensinar a água a escalar as montanhas”

O texto que se segue são excertos de um artigo que apareceu na edição n.º 13 (1989) da revista A World to Win [Um Mundo A Ganhar], bannedthought.net/International/RIM/AWTW/1989-13/AWTW-13.pdf. Tinha sido publicado originalmente a 10 de Junho de 1985 no jornal Revolutionary Worker/Obrero Revolucionario (agora chamado Revolution/Revolución), voz do Partido Comunista Revolucionário, EUA.

O Presidente Mao visita uma comuna popular (Poster chinês, 1961)

Durante centenas de anos, as cheias e as secas tinham sido os “flagelos gémeos” da China. Vastas áreas do território eram atingidas por uma grande cheia ou seca a um ritmo de quase uma vez por ano, destruindo colheitas ou tornando impossível o plantio e assim originando fomes terríveis que levavam as vidas de centenas de milhares de pessoas de cada vez.

Com a derrota em Outubro de 1949 do partido reaccionário Kuomintang (KMT), apoiado pelos EUA, o regime revolucionário liderado por Mao e pelo Partido Comunista da China enfrentaram uma situação extremamente difícil. O imperialismo norte-americano e os seus aliados reaccionários cercaram e bloquearam a Nova China, numa tentativa de a asfixiarem até à morte. A terra e o povo tinham sido saqueados pelas décadas de invasão e ocupação imperialista japonesa e pelos ataques do exército do KMT, que se juntavam à devastação das cheias, da seca e da fome.

Como recordava um artigo de 1974 da revista Peking Review [Pequim Informa, na sua edição em português — NT] intitulado “Domar os Rios da China”: “O que é que os reaccionários do Kuomintang deixaram para trás há 25 anos, quando nasceu a Nova China? Com todas as vias fluviais, diques e represas há muito a necessitar de reparações, os camponeses estavam completamente à mercê da natureza. Cheias e secas eram ocorrências comuns, causando devastação alternadamente ou em simultâneo e infligindo a devastação a milhões de pessoas, com dezenas de milhões mais a ficarem sem casa. Sendo este o dilema da velha China, alguns profetas imperialistas ficaram alegremente à espera do colapso da Nova China, estrangulada por esses desastres gémeos com que nenhum governo do passado tinha conseguido lidar.”

Para o recém-nascido regime revolucionário, a tarefa de domar os grandes rios — o Yangtze, o Rio Amarelo, o Huai (que corre nas planícies costeiras centrais entre o Yangtze e o Rio Amarelo), e outros — era um aspecto crucial da transformação da China de neocolónia dependente em país socialista independente. Sem uma protecção em relação às cheias e sem novos sistemas de irrigação para combater as secas e abrir novas terras agrícolas, os camponeses — que constituíam a esmagadora maioria da população — continuariam a sofrer. A aliança operário-camponesa seria negativamente afectada e a capacidade da China resistir aos ataques dos imperialistas e contribuir para a revolução mundial ficaria debilitada.

Em 1951 e 1952, Mao declarou que o Rio Huai e o Rio Amarelo “devem ser domados”. Esses apelos foram feitos durante, e eram uma importante parte dela, uma feroz luta entre as duas linhas no interior do próprio Partido Comunista sobre o rumo da China após a libertação.

Ao lado do Presidente Mao, a primeira brigada de produção da comuna popular “O Oriente é Vermelho”
(Poster pintado por Liu Wenxi, 1961)

Sob o lema da “harmonia” entre o capitalismo e o socialismo e da “consolidação” da nova democracia, os revisionistas como Liu Shao-chi lutavam por levar a China para a via do desenvolvimento capitalista (o que, no contexto da China, queria inevitavelmente dizer um desenvolvimento neocolonial). Na agricultura, esses “democratas burgueses tornados seguidores da via capitalista” tentaram abafar e sabotar a transformação socialista da propriedade dos meios de produção e de todas as relações de produção. Eles alegavam que a mecanização e o desenvolvimento da indústria pesada (que por sua vez dependiam da tecnologia e da “ajuda” estrangeira) tinham que anteceder a colectivização e que, entretanto, as velhas relações sociais deveriam permanecer intactas nos campos. A exploração era um “mérito”, chegou mesmo a declarar Liu.

As duas linhas foram fortemente colocadas na questão de assumir a tarefa de controlar os rios da China.

Segundo as pessoas como Liu, esses projectos de larga escala e tecnicamente difíceis eram impossíveis de levar a cabo porque a China não tinha nem os fundos nem a tecnologia necessárias. Liu pregava condescendentemente que as pessoas das zonas afectadas pelas cheias ou pela seca deveriam depender da “ajuda”. Como salientou um observador, em meados dos anos 70, quando foram concluídos os projectos do Rio Huai e o Rio Amarelo estava em grande parte controlado, “se as massas tivessem esperado que as máquinas o tivessem feito, ainda haveria fome no Norte da China”.

Mao criticou duramente e combateu a linha revisionista e capitulacionista de Liu e outros e declarou: “Temos agora que perceber que em breve haverá uma vaga nacional de transformação socialista nos campos”.

De facto, uma extraordinária agitação varreu os campos da China. Os milhões de camponeses, mobilizados em formas de cooperação sem precedentes para grandes projectos hídricos, foram uma parte integrante dessa movimentação — levando à implementação básica da propriedade socialista na agricultura (bem como na indústria) em 1956. A luta deflagrou ainda mais em 1958 com a grande sublevação do Grande Salto em Frente; foi nessa fornalha que nasceram as comunas populares. Os projectos de manutenção hídrica representaram uma vez mais um papel chave nesse novo e importante passo da transformação socialista.

As comunas populares surgiram espontaneamente na província de Honan a partir de um projecto para transportar água através da cordilheira de Taihang para irrigar uma planície árida que sofria de seca durante oito ou nove anos em cada dez. As cooperativas de camponeses tomaram a iniciativa de fundir o seu potencial de trabalho a uma escala antes desconhecida, para construírem o Canal Vermelho que se estendia por 1500 quilómetros ao longo da Taihang. Quando Mao foi visitar essa fusão de associações de camponeses, escolheram o nome de “comuna popular”. “Isto é uma criação nova das massas”, escreveu Mao. Outras seguiram-lhe o exemplo por todo o país: no final de 1958 tinham sido formadas 26 mil comunas (que em 1961 subiram para 72 mil com novas formações e subdivisões).

A imponente central hidroeléctrica do rio Xin'an
(Poster pintado por Pang Ka, 1964)

Um dos slogans avançados pelos camponeses durante o Grande Salto em Frente foi: “Ensinemos a água a escalar as montanhas até ao céu!” O slogan referia-se clara e directamente à abertura de vias fluviais através das montanhas para levar água e vida a terras áridas. Mas também descrevia mais amplamente as principais lutas das massas que transformavam conscientemente a sociedade e a natureza e que, nesse processo, se transformavam a si mesmas. Durante a domínio opressivo da velha sociedade, quem senão os mais corajosos e visionários teriam ousado sonhar ensinar “a água a escalar as montanhas até ao céu”?

O flagelo dos rios

Vários exemplos ilustram os notáveis avanços conseguidos pelo povo chinês após a libertação no controlo das forças da natureza, em particular do “flagelo” dos rios. Em 1952, o povo chinês concluiu um programa de larga escala de desvio das cheias do Rio Chingkiang, um afluente nefasto do curso médio do Yangtze. O projecto envolveu reparar e reforçar os diques existentes, construir novos diques ao longo de mais de 200 quilómetros, instalar inúmeras comportas e criar uma zona de segurança para acomodar 170 mil pessoas em caso de evacuação durante uma cheia particularmente grande. Trezentos mil soldados e civis foram mobilizados e a totalidade do projecto foi concluída em 75 dias.

Isto contrasta abertamente com os “feitos” conseguidos durante os anos do regime do KMT reaccionário. Para construir uma pequena represa de drenagem no Yangtze perto da cidade de Wuhan, o KMT andou a implorar fundos de cinco países diferentes e depois demorou três anos a completar o trabalho.

A bacia do Rio Huai costumava ser uma dessas áreas atingidas pela seca e/ou cheias quase todos os anos. O desvio do Rio Amarelo em 1938 pelo KMT causou uma devastação de ainda maiores dimensões. A mudança de curso do Rio Amarelo trouxe lodo que encheu o estuário do Rio Huai, soterrou terras cultivadas e elevou os leitos de muitos lagos. Tudo isto afectou todo o sistema do Rio Huai, tornando-o ainda mais susceptível às cheias e às secas.

O apelo de Mao em 1951 — “O Rio Huai deve ser domado” — levou milhões de camponeses a começarem a desenvolver vários projectos de controlo das águas ao longo do Huai. Esta vasta mobilização estilhaçou o lamurio revisionista de que era impossível que camponeses “atrasados” e sem máquinas levassem a cabo esse tipo de grandes projectos. De facto, à excepção de projectos chave financiados pelo estado, a maquinaria moderna — como bulldozers, escavadoras, deslocadoras de terras e camiões de grande porte — raramente estava disponível, sobretudo durante os primeiros anos.

A ascensão dos revisionistas ao poder na União Soviética em 1956 e a subsequente cisão sino-soviética e retirada da China dos técnicos, fundos e equipamento soviéticos, criaram dificuldades adicionais. Os “domadores de rios” tiveram que se basear em ferramentas e equipamento simples — martelos buriladores, picaretas, carrinhos de mão, máquinas e explosivos improvisados. E, mais importante que tudo, havia a poderosa iniciativa das massas, despoletada pela linha revolucionária de Mao.

No início dos anos 70, um relatório salientava “mudanças notáveis” nos estaleiros dos projectos do Rio Huai em comparação com as fases iniciais: “Dragas construídas na China estão a trabalhar ao lado de outras máquinas. O grau de mecanização tem aumentado e os contingentes de técnicos têm crescido enormemente. O que merece particular atenção é que se desenvolveu um grande número de camponeses-técnicos com uma rica experiência prática.”

A eclusa da solidariedade, construída colectivamente pelas comunas populares “O Oriente é Vermelho”, “Bandeira Vermelha” e “Vitória” (Poster pintado por Yan Chengfu, 1975)

Esta passagem dá um vislumbre do verdadeiro desenvolvimento das forças produtivas durante os anos de liderança de Mao (ao contrário das mentiras e distorções tanto dos imperialistas como dos revisionistas) e, mais importante, das grandes mudanças nas relações de produção, sobretudo durante a Revolução Cultural: as diferenças entre trabalho mental e manual, entre cidade e campo e entre indústria e agricultura estavam a começar a ser destruídas.

As mudanças que tiveram lugar num município da bacia do Rio Huai condensaram a diferença das condições da noite para o dia entre o passado neocolonial e a China socialista. Num município de 11 mil famílias, as cheias de 1931 causaram a morte pela fome a 2600 camponeses e forçaram 6700 famílias a fugir para outras regiões. A mesma zona sofreu chuvas torrenciais durante o verão de 1974 — caíram mais de 30 centímetros de chuva em dois dias e o nível de água do Huai subiu mais de 1,8 m; Contudo, os diques e as bombas de água mantiveram os danos num nível mínimo — as casas dos camponeses não foram levadas e os campos de cultivo continuaram verdes.

Desde que os revisionistas tomaram o poder e restauraram o capitalismo em 1976, muitos dos avanços conseguidos durante a China socialista — e sobretudo durante o Grande Salto em Frente e a Revolução Cultural — foram destruídos. Por exemplo, as comunas populares foram na sua maioria fragmentadas, com as terras novamente divididas entre cada uma das famílias e com as relações de exploração e a polarização de classe a fazerem o seu regresso. Embora possa ter havido algum aumento da produção em certas zonas e durante um certo período, o quadro global levanta o sinistro espectro das provavelmente desastrosas consequências da restauração capitalista nos campos.

Alguns observadores têm salientado, por exemplo, que houve um aumento da frequência das cheias e da gravidade dos danos por elas causados e têm ligado esses desenvolvimentos, pelo menos em parte, à destruição da agricultura socializada. Como os camponeses são cada vez mais levados a aumentar a produtividade dos seus terrenos privados e dos seus negócios, há uma crescente relutância a participar em projectos de trabalhos públicos — trabalhos de manutenção hídrica, de conservação da terra, programas de florestação — dado que eles requerem um agrupar de trabalho e recursos, e sacrifícios da parte dos membros individuais a favor do todo global.

As imagens das cheias, secas e fome pré-1949 estão a começar a lançar a sua sombra.

Como salientava o artigo “Domar os Rios da China” do Pequim Informa: “Nos velhos dias negros, a opressão de classe andava de mãos dadas com a seca e as cheias; o regime político reaccionário e os grilhões ideológicos impostos ao povo não só o privavam das condições objectivas necessárias para combater as cheias como também tornavam impossível que ele próprio visse a sua força subjectiva para as vencer. Após cada desastre natural, os governantes reaccionários, ao mesmo tempo que usavam o pretexto de construírem projectos de controlo das águas para extorquirem o povo, propagavam as doutrinas de Confúcio e Mencio e forçavam as pessoas a construir templos e oferecer sacrifícios para satisfazerem os deuses. O vendaval da revolução socialista após a libertação rompeu os grilhões políticos e económicos que acorrentavam o povo trabalhador e varreu as teias ideológicas que impediam a sua iniciativa e criatividade.”

Lidar com os ciclones e outros desastres “naturais” e “antinaturais” requer fazer a revolução.

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