Do Serviço Noticioso Um Mundo A Ganhar (SNUMAG) de 7 de Janeiro de 2008, aworldtowinns.co.uk
Maoistas afegãos: O pano de fundo da actual situação no Paquistão
O texto que se segue é extraído de “Golpe dentro do Golpe”, um artigo sobre a declaração do estado de emergência pelo Presidente Pervez Musharraf no Paquistão, publicado no número de Dezembro de 2007 do Sholeh Javid (Chama Eterna), jornal do Partido Comunista (Maoista) do Afeganistão (www.sholajawid.org). Embora escrito antes do assassinato de Benazir Bhutto, a sua informação e análise é ainda muito pertinente. As explicações entre parênteses são nossas.
Globalmente, o General Pervez Musharraf indicou três razões para declarar o estado de emergência no Paquistão:
- O terrorismo extraordinário intensificou-se e expandiu-se através do extremismo político, sobretudo o fundamentalismo islâmico extremo.
- O colapso das estruturas governamentais devido à crescente falta de coordenação entre as instituições governamentais, sobretudo a falta de coordenação entre os ramos judicial e executivo.
- As dúvidas das pessoas sobre a coesão futura do país.
O General Musharraf não mencionou nada sobre os factores regionais e internacionais por trás desta situação. Porém, ela não foi gerada apenas por factores internos ao Paquistão; as questões regionais e internacionais também representaram um importante papel.
De facto, o Paquistão foi originalmente concebido pelos senhores feudais muçulmanos, apoiados por Mohammad Ali Jinah e pela Liga Muçulmana sob sua liderança, em oposição à reforma da terra proposta pelo Partido do Congresso da Índia. Por isso, o feudalismo tem sido uma das suas marcas fundamentais desde os primórdios do Paquistão.
Com base na estrutura feudal de classe do estado paquistanês, o país tem sido marcado pelo islamismo, pelo militarismo e pelo pró-ocidentalismo. O Paquistão é um país com apenas 60 anos (fundado e 14 de Agosto de 1947, quando o Paquistão e a Índia se tornaram independentes da Grã-Bretanha). A sua fundação baseou-se na ideia de que “há duas nações na Índia”: uma nação hindu e uma outra nação muçulmana. De uma forma geral, essas duas regiões da antiga Índia britânica carecem de coesão, e as zonas habitadas sobretudo por muçulmanos que se tornaram no Paquistão carecem sequer de coerência geográfica bem como de qualquer unidade nacional. Neste aspecto, tanto o Paquistão como a Índia são considerados países multinacionais, não países de uma única nação. O Paquistão foi constituído por cinco regiões, cada uma com a sua própria nacionalidade maioritária:
- Bengala Oriental (em 1971, o Bengala Oriental conquistou a sua independência e tornou-se no Bangladesh)
- Punjab Ocidental
- Sind
- Pachtunistão Oriental (chamada Província da Fronteira do Noroeste no actual Paquistão)
- Baluchistão Oriental e Ocidental
É por isso que o Paquistão tem sido desde o seu início propenso à crise e ao colapso.
O papel do exército
A classe dominante indiana nunca aceitou inteiramente a existência do Paquistão. Mas os conflitos entre os dois países têm origem nos dois lados. Os governantes do Paquistão procuraram controlar a Caxemira desde 1947. Foram travadas três grandes guerras entre a Índia e o Paquistão. Em vez de conseguir conquistar a Caxemira, o Paquistão perdeu um terço da sua população (o Bangladesh) nesses conflitos.
As fronteiras ocidentais do Paquistão também não ficaram seguras. O conflito sobre a linha Durand, uma questão contenciosa entre os governos do Afeganistão e do Paquistão desde o início do Paquistão, tem sido marcado por altos e baixos. Embora o conflito em torno da linha Durand não tenha sido tão intenso como o conflito com a Índia – sobretudo porque os governos do Afeganistão foram historicamente demasiado fracos para causarem problemas ao Paquistão –, o Paquistão sempre considerou as suas fronteiras ocidentais como causa de preocupação.
Por todas estas razões, desde o início até hoje que o exército tem tido um importante papel nas questões políticas do Paquistão.
O Paquistão tem vivido mais de metade da sua vida, quase 35 anos, sob controlo directo de generais do exército: Ayub Khan, Yahya Khan, Zia ul-Haq e agora Musharraf. Mesmo durante os outros 25 anos em que os governos civis estiveram no poder, o verdadeiro controlo esteve nas mãos do exército.
A dependência em relação aos EUA
A inclusão do Paquistão na Commonwealth (controlada pelos britânicos) e a sua participação no tratado militar CENTO colocou desde o início o Paquistão no campo dos imperialistas ocidentais. Mesmo quando o Paquistão se juntou à Conferência dos Países Não-Alinhados, permaneceu um aliado do Ocidente. Durante a revolução antimonárquica do Irão em 1979, todos os escritórios e centros de espionagem da CIA deslocaram-se de Teerão para Islamabade – as tarefas que antes pertenciam a gendarmeria principal foram atribuídas ao governante militar do Paquistão, o General Zia.
Quando o Afeganistão foi invadido pelos social-imperialistas soviéticos (imperialistas que falsamente alegavam ser socialistas), foram instalados em Islamabade escritórios e centros de espionagem dos EUA. O Paquistão e a CIA trabalharam em conjunto para tornarem o país numa linha da frente dos imperialistas norte-americanos contra os avanços dos social-imperialistas soviéticos na região. Isso intensificou cada vez mais a dependência do Paquistão em relação aos EUA e a outros imperialistas ocidentais.
Essa dependência estratégica em relação aos imperialistas norte-americanos e britânicos continuou depois dos acontecimentos de Setembro de 2001 com o derrube do Emirado Islâmico dos talibãs no Afeganistão. Mas, desta vez, as contradições intensificadas entre os três elementos do islamismo, militarismo e pró-ocidentalismo mostraram ser perigosos para os governantes do Paquistão a um nível nunca antes visto na história do país.
A Constituição do Paquistão, promulgada em 1973 (após a independência do Bangladesh), baseada num consenso genérico entre todos os poderes e individualidades, declara oficialmente o Islão como base de toda a legislação. A constituição foi promulgada no tempo de Zulfikar Ali Bhutto (pai da assassinada Benazir Bhutto) e do seu Partido Popular do Paquistão (PPP). O principal slogan dele era: “O Islão é a nossa religião, a democracia é a nossa política e o socialismo é a nossa economia”. Mais tarde, Benazir Bhutto reformularia isso para: “O Islão é a nossa religião, a democracia é a nossa política e a justiça do Profeta Maomé é a nossa economia”. (O PPP foi influenciado em várias ocasiões por ideias sobre o socialismo ao estilo soviético e pela China. Benazir, porém, aceitou a abordagem do mercado).
Com base nisso, durante o reinado do General Zia o país adoptou o nome de “República Islâmica do Paquistão”. As emendas feitas à constituição durante o tempo do General Zia ul-Haq fortaleceram o fervor islâmico – o General Pervez Musharraf reteve intacto esse fervor. Apesar de nos primeiros dias após a sua tomada do poder Musharraf ter fingido fazer gestos de laicismo, o “Islão moderado e iluminado” continuou a ser o seu principal slogan. Os governantes paquistaneses sempre proclamaram que o Paquistão era uma “sólida fortaleza do Islão”; depois de terem conseguido armas nucleares, eles proclamaram o seu orgulho sobretudo como primeiro e único país islâmico com capacidade nuclear.
Antes do 11 de Setembro e das agressões encabeçadas pelos EUA (contra o Afeganistão e o Iraque), os três elementos – islamismo, militarismo e pró-ocidentalismo – que tinham caracterizado o domínio do General Zia nos anos 70 e nos tempos seguintes – actuaram globalmente em harmonia. Desde então, a conformidade e a coordenação entre esses três elementos diminuiu e surgiu alguma contenção importante entre eles.
Depois do 11 de Setembro – quando alguns islamitas treinados e apoiados pelos imperialistas norte-americanos e britânicos durante os finais do século XX se rebelaram contra os seus amos – foram desgraçados e reprimidos. A harmonia global entre o islamismo e o imperialismo ocidental a nível internacional desapareceu. Este fenómeno não conseguiu evitar os seus fortes reflexos no Paquistão.
Os governantes do Paquistão representaram um importante papel nessas agressões. Foi a classe dominante do Paquistão que inicialmente organizou os talibãs e os ajudou a chegarem ao poder. O Paquistão também foi um dos três estados que inicialmente reconheceram o Emirado Islâmico dos talibãs. Apesar disso, o país representou um importante papel no colapso do governo dos talibãs. A classe dominante do Paquistão ainda representa um papel vital na luta das potências imperialistas contra os talibãs e a Al-Qaeda.
Os reaccionários fundamentalistas islâmicos extremos apoiados pelos imperialistas ocidentais durante a guerra anti-soviética no Afeganistão – organizando as forças jihadistas em todo o mundo e fazendo-os seguir para o Afeganistão, fortalecendo-os ainda mais após a tomada do poder dos talibãs no Afeganistão – também fortaleceu as forças fundamentalistas islâmicas dentro do exército e da burocracia paquistanesa.
Depois de o General Musharraf ter dado uma pirueta, ligando-se ao que combatiam os talibãs e a Al-Qaeda, uma grande parte dos fundamentalistas islâmicos dentro e fora do governo paquistanês opuseram-se-lhe. Nos últimos anos, os governantes do Paquistão têm vacilado entre confrontarem e chegarem a compromissos com os fundamentalistas. Os altos e baixos tiveram um grande impacto na situação no Waziristão. Os fundamentalistas organizaram vários ataques suicidas contra Musharraf. Musharraf usou as suas forças de segurança para prender inúmeros fundamentalistas paquistaneses e entregá-los aos norte-americanos mas, ao mesmo tempo, teve uma abordagem conciliatória em relação aos talibãs afegãos no Paquistão. Porém, a intensificação da situação no Paquistão, na região e em todo o mundo desencadearam os acontecimentos na Mesquita Vermelha. Isso forçou os governos do Paquistão e do Afeganistão a organizarem uma “Jirgah (assembleia) de Segurança Regional”, levando a um confronto entre o governo do Paquistão e os talibãs em Swat (na Província da Fronteira Noroeste).
Em suma, o Paquistão é praticamente um campo de batalha entre os talibãs paquistaneses e o governo. É interessante ver as autoridades paquistanesas a espalharem rumores que alegam que os talibãs paquistaneses no Waziristão e em Swat são apoiados e armados pela Índia através do Afeganistão. Tendo em conta que os talibãs paquistaneses estão a operar sobretudo entre os pachtuns paquistaneses, que eles agora atacam esporadicamente nas cidades e nas zonas rurais do Punjab e que os nacionalistas baluchi também estão empenhados numa guerra de guerrilhas contra o governo, podemos ver que o Paquistão se está praticamente a afundar numa guerra civil.
Os planos eleitorais de Bush/Musharraf
Nestas circunstâncias, os imperialistas norte-americanos e os seus aliados estão a tentar organizar uma aparência de eleições democráticas no Paquistão enquanto, ao mesmo tempo, reforçam a polícia, os espiões e o exército para reprimirem os talibãs e os seus aliados estrangeiros no Paquistão, de forma a bloquearem a sua influência no Afeganistão. Tentaram levar Benazir Bhutto a uma aliança com o General Musharraf de forma a pintarem as classes dominantes do Paquistão como mais democráticas e também a fortalecerem as forças anti-talibãs no governo. Durante o seu reinado, Bhutto foi uma das criadoras e organizadoras dos talibãs. Agora, ela segue totalmente a bandeira do “antiterrorismo” de George W. Bush; ela alegou que a questão principal na região e em todo o mundo era o confronto aberto entre “democracia” e “terrorismo”.
Benazir Bhutto capitulou perante os imperialistas norte-americanos. Perdida na sua alucinação de chegar ao poder, anunciou que permitiria às forças norte-americanas levarem a cabo operações militares dentro do Paquistão. Benazir capitulou tão descaradamente que ultrapassou o próprio Musharraf, que detém o estatuto oficial de aliado estratégico do Ocidente na guerra ao terror e recebeu 11 mil milhões de dólares de ajuda económica e militar norte-americana. O general anunciou que o exército paquistanês é suficientemente capaz de enfrentar os terroristas sem necessidade de tropas estrangeiras combaterem o terrorismo dentro do Paquistão. Vale a pena mencionar que o exército paquistanês desfruta de relações íntimas e do apoio das agências de informações da Grã-Bretanha e dos EUA. Musharraf acha suficiente esse nível de cooperação. Porém, Benazir Bhutto apoia a entrada de forças terrestres dos EUA no Paquistão e que a força aérea dos EUA bombardeie abertamente o território paquistanês.
De qualquer forma, sob pressão dos EUA e da Inglaterra, e da intensificação da crise na região e no Paquistão, Musharraf foi forçado a fazer concessões a Bhutto.
Posteriormente, a Liga Muçulmana de Qaed Azam, que controla o governo, surgiu contra Benazir Bhutto. O atentado (falhado de assassinato de Outubro de 2007 contra Bhutto) de Carachi, onde centenas de membros e apoiantes do PPP foram feridos ou mortos, foi atribuído em grande parte às forças de segurança governamentais. Houve pelo menos uma grosseira negligência por parte das forças de segurança.
Uma coisa é certa. Qualquer que seja o rumo que for tomado, haverá uma intensificação da crise, a situação no Afeganistão e no Irão ficarão mais críticas, a guerra que envolve os talibãs paquistaneses e os nacionalistas baluchis expandir-se-á e, por conseguinte, a situação na região intensificar-se-á.
O problema que os operários e os camponeses, sobretudos os operários, estão a enfrentar grandemente no Paquistão é o mito da democracia parlamentar que tem persistido até agora, apesar do domínio do exército e dos generais. Por isso, (as classes dominantes dos EUA e do Paquistão) podem jogar a carta da política parlamentar. Sem desencadearem uma luta revolucionária, derrotarem o sistema administrativo e substituírem-no por um sistema popular revolucionário, as massas do Paquistão nunca se poderão libertar do jugo da teocracia reaccionária e da dependência do imperialismo mundial.