Actualização noticiosa da Um Mundo A Ganhar, uma revista inspirada pela formação do Movimento Revolucionário Internacionalista (MRI).

Guerra Popular no Nepal: Absurdas afirmações de um governo belicista

Contra as mentiras oficiais

Guerrilheiros maoistas no Nepal
Guerrilheiros maoistas no Nepal

Na segunda semana de Maio, as agências noticiosas de todo o mundo informaram que o Exército Real do Nepal (ERN) tinha matado mais de 500 “terroristas” maoistas, e que o total de mortos poderia ascender a um milhar. Ao mesmo tempo, também afirmavam que o Partido Comunista do Nepal (Maoista) tinha declarado um cessar-fogo unilateral na Guerra Popular que tem abalado esse reino montanhoso há mais de seis anos.

Mas a realidade por trás dessas afirmações é muito diferente e reveladora da actual situação no Nepal, em particular da intensificação das campanhas do governo contra a Guerra Popular.

No início de Maio, os porta-vozes do ERN afirmaram que tinham matado “250 maoistas” em acções no Nepal ocidental, em Satbaria e Lamahi. E chegaram ao ponto de dizer que haviam recuperado 92 corpos de maoistas mortos em uniforme de combate, em várias valas comuns e ao redor do campo de batalha.

A realidade no terreno era muito distinta. Alguns guerrilheiros foram mortos no campo de batalha em Satbaria e Lamahi. De facto, 17 revolucionários tombaram às armas do exército nepalês: dez dos combatentes maoistas morreram no campo de batalha e outros sete morreram mais tarde, devido às feridas que haviam sofrido.

Mas estes números estão longe dos números que o Exército reivindica - assim, a que corresponde essa diferença? As forças revolucionárias concluíram que algumas dessas pessoas que o ERN matou eram passageiros que viajavam num autocarro nessa zona, conhecida por os maoistas disporem aí de um vasto apoio. Eles foram executados a sangue-frio simplesmente por suspeita de serem simpatizantes dos maoistas. Embora esta não seja uma mensagem que o ERN queira ver difundida pelo mundo fora, as mortes não foram nenhum engano, e traduziram-se numa ameaça sangrenta que o ERN quis fazer chegar aos milhões de nepaleses que já deram o seu apoio à Guerra Popular.

Camponeses dirigem-se a uma reunião em Banfikot
Camponeses dirigem-se para uma reunião em Banfikot (Rukum) onde mais de 20 mil pessoas se juntaram a 20 de Dezembro de 2001 para celebrar o Governo de Unidade Popular do Distrito, o primeiro de sempre a ser eleito no Nepal, com representantes de várias frentes e partidos

O Exército ergueu um cordão ao redor das áreas de combate, num esforço para controlar o fluxo de informação e assegurar que só saísse a sua versão dos acontecimentos - exactamente como os seus amos imperialistas fizeram no Afeganistão. Mas é difícil esconder massacres destes - e a história por trás dos restantes mortos revela uma realidade que o governo nepalês tem todo o interesse em ocultar. De facto, há poucos motivos para duvidar da versão do Exército de que foram recuperados 92 corpos em uniforme de combate no campo de batalha - porque foi o Exército Real do Nepal que cuidadosamente os vestiu e os colocou lá. O que é conhecido até agora é que o Exército levou 29 prisioneiros revolucionários da prisão de Chitawan e os executou. Mutilaram então os seus corpos, num macabro aviso, e transportaram-nos para o campo de batalha. Também levaram e executaram prisioneiros das prisões de Ghorahi, Dang, Nepalgunj, Dhangarhi e Surkhet, embora os números exactos relativos a cada prisão ainda não sejam conhecidos. A “grande vitória” do reaccionário ERN não foi senão uma execução a sangue-frio de homens e mulheres desarmados.

Do mesmo modo, a “grande vitória” proclamada pelo ERN durante a segunda semana de Maio também está a revelar ser uma história sórdida mas vazia. Ela envolveu uma tentativa clássica de campanha de cerco no Nepal ocidental, na zona da Colina de Lisne, perto de Rolpa. O Exército declarou-a um grande sucesso, afirmando que tinha matado pelo menos 500 a 600 “terroristas”.

A 11 de Maio, Daniel Lac, um correspondente da BBC no Nepal, informou a partir do campo de batalha que o Exército só pôde mostrar os corpos de 21 rebeldes maoistas. Ao mesmo tempo, também afirmou que o chefe do Exército em Rolpa se apercebera que o governo exagerara os números muito para além da realidade. De facto, as forças revolucionárias desdenham esses números. Houve um número substancial de vítimas - mas o apuramento feito até agora mostra que a sua maioria eram aldeões e que entre as vítimas do Exército se incluíam alguns membros de diferentes partidos, e não eram exclusivamente guerrilhas ou sequer simpatizantes dos maoistas.

O que é sabido sem qualquer dúvida, e que o governo do Nepal esteve totalmente impossibilitado de esconder, foi que as forças do Exército Popular de Libertação romperam a tentativa de cerco na zona da Colina de Lisne e atacaram o acampamento do Exército em Gam e que, por sua vez, o cercaram e isolaram. Ao fim da noite, quando terminou essa grande batalha, tinham invadido a base, matado mais de 130 membros das forças de segurança e apreendido todas as suas armas e munições. Isto acabou finalmente por trazer a cobertura de meios de comunicação social mais independentes. Mesmo assim, o número definitivo de vítimas no lado do Exército ainda não está disponível. Entretanto, o próprio Exército anunciou que recuperou os corpos de 104 membros das forças de segurança, incluindo soldados e membros da força policial armada. Os revolucionários acreditam que o verdadeiro número de vítimas do lado do Exército possa ser ainda mais elevado.

Entretanto, também foi relatado pela BBC que o Exército Real se retirou de diferentes acampamentos em Rolpa e se concentrou na sede de distrito em Liwang. O ERN afirmou ao jornal Asian Age que estava a fazer uma retirada táctica de duas das cinco áreas de apoio das forças maoistas.

O que tenta obter o governo do Nepal com estas absurdas e exageradas reivindicações? Primeiro, o governo e os seus apoiantes imperialistas estão muito preocupados com o seu fracasso em fazer algum progresso real contra a Guerra Popular, apesar de ter lançado uma campanha de terror nas zonas rurais e uma feroz repressão nas cidades. O turismo desmoronou-se, a pobreza intensificou-se, os poucos direitos civis que antes existiam foram suspensos, os jornais são censurados, centenas ou mesmo milhares de pessoas estão presas sem julgamento, e as desigualdades e a corrupção aumentam rapidamente. Há um grande descontentamento com o governo, e a extensão do apoio popular à insurreição maoista é agora tão grande que quase ninguém nega que eles controlam uma grande parte das zonas rurais. E, o que é pior para o governo, a guerrilha avança. Metade das 4000 vítimas desde o início da guerra morreu nos últimos seis meses. O comandante em chefe do ERN, Prawajjwal Samsher, declarou em meados de Maio que os líderes políticos do Nepal não estavam a fazer o suficiente para promover a moral do Exército e apelou veementemente a todos os partidos políticos para tomarem mais a sério o apoio ao Exército.

As exageradas declarações de sucesso não são uma criação do ERN. O exército dos EUA adoptou práticas semelhantes quando combatia as forças da guerrilha no Vietname. Contagens de cadáveres tornaram-se parte dos noticiários da noite nas televisões de toda a América do Norte. Números elevados significavam promoções para os oficiais. De acordo com essas contas, os EUA deveriam ter ganho facilmente a guerra. Claro que a realidade revelou ser exactamente a contrária.

Maoistas numa cerimónia em Dolkha
Jovens rebeldes maoistas numa cerimónia em Dolkha (200 km a leste de Katmandu) em Maio de 2001 (Foto: Ishwari Pokhrel/REUTERS)

Há também uma pergunta óbvia sobre o momento de anúncio dessas “grandes vitórias” - apareceram ao mesmo tempo que o primeiro-ministro nepalês fazia a sua mais importante viagem ao estrangeiro em muitos anos, incluindo Londres e também a primeira visita de um primeiro-ministro nepalês a Washington. As exageradas declarações de “vitórias” do ERN chegaram aos principais programas noticiosos ocidentais e forneceram o que os imperialistas devem ter considerado “um pano de fundo favorável” aos pedidos do primeiro-ministro Deuba de um aumento da ajuda militar.

Finalmente, o alardear destes elevados números de vítimas pretendia desmoralizar e intimidar os combatentes maoistas e os seus milhões de apoiantes. Mas este tipo de táctica envolve um grande risco para o ERN. Realmente, a guerra quebra o espírito de muitas pessoas. Mas a repressão feroz, particularmente quando é confrontada por uma força revolucionária com um programa claro de eliminação da exploração e da opressão através da mobilização da grande maioria dos oprimidos, pode fortalecer e endurecer muitas mais. Os maoistas do Nepal, deve relembrar-se, têm aplicado e desenvolvido no seu próprio país estratégias e tácticas elaboradas por Mao e pelos revolucionários chineses. O Exército Popular de Libertação chinês derrotou o exército japonês e, depois da 2ª Guerra Mundial, também derrotou Chiang Kai-shek, apesar do apoio em massa que este recebia dos EUA.

Ao mesmo tempo que o governo nepalês fazia essas declarações absurdas de vitória, também anunciava que um porta-voz não identificado do PCN(M) tinha emitido uma proclamação de cessar-fogo unilateral. O Presidente Prachanda do Partido Comunista do Nepal (Maoista) rapidamente refutou essa afirmação num comunicado de imprensa em que a denunciava como uma “patranha mal-intencionada”, cujo objectivo era “confundir as massas populares”. Disse também que ela tinha o “toque de uma conspiração governamental” e salientou que “um cessar-fogo unilateral da nossa parte não resultaria com um governo que, longe de propor qualquer solução política, continua a massacrar o povo enquanto fecha a porta às negociações, anuncia recompensas pelas cabeças dos líderes do Partido e, ao mesmo tempo que sofre derrotas, percorre as capitais mundiais e endivida o país”. Prachanda evocou os sacrifícios que as forças revolucionárias faziam, mas salientou que tendo em conta o que a libertação do Nepal significaria para tantos milhões de pobres e oprimidos, tais sacrifícios são uma parte inevitável da Guerra Popular. E concluiu desafiadoramente: “Nós estamos preparados para lutar até ao fim”.

As absurdas afirmações que apareceram nos meios de comunicação social nepaleses e ocidentais reflectem uma verdadeira preocupação em Katmandu, sobre a capacidade do ERN para se opor à insurreição. E enquanto as forças maoistas podem fazer face à escalada dos ataques dos reaccionários recorrendo às massas populares, os dirigentes da monarquia feudal do Nepal não têm outra alternativa senão virar-se para forças estrangeiras mais poderosas. Isso significa, em particular, a tradicional potência regional, a Índia, e em última instância os imperialistas, particularmente os EUA e a Inglaterra.

Os meios de comunicação social ocidentais, alinhados num novo nível de servilismo integrado na “guerra contra o terror” dos EUA, têm cooperado no despejar de mentiras lúridas sobre “as atrocidades dos maoistas”, normalmente baseadas em “fontes não identificadas”. Um novo e perturbador ponto baixo foi atingido na edição de 12 de Maio do jornal britânico The Independent, o qual tentou denegrir os revolucionários maoistas nepaleses afirmando que eles teriam ligações à Al-Qaeda. A base desses relatórios é, não surpreendentemente, nada mais que “suspeitas das agências de espionagem ocidentais”. Esta falsificação infundada é uma clara tentativa de colocar as massas revolucionárias do Nepal na mira da “guerra ao terrorismo” de Washington.

Os imperialistas certamente usarão o pretexto do “terrorismo” para justificar qualquer medida que tomem contra a Guerra Popular, independentemente de quão sangrenta ela possa ser. Bush já concedeu ao Nepal 20 milhões de dólares de ajuda militar, a ser usada em equipamento de visão nocturna e outra alta-tecnologia; a Inglaterra está a aumentar a sua ajuda e será anfitriã de uma conferência contra a Guerra Popular em meados de Junho em Londres; e a Índia está a oferecer helicópteros de guerra. O jornal Observer de Londres também relatou que agentes do Exército dos EUA estiveram recentemente em missão de reconhecimento no Nepal ocidental, perto de Rolpa. O jornal Revolutionary Worker/Obrero Revolucionário nos EUA afirmou: “No final de Abril, pelo menos uma dúzia de agentes militares norte-americanos passaram várias semanas com o ERN, visitando os distritos ocidentais onde as batalhas foram mais intensas. Um porta-voz do Pentágono afirmou que a missão da equipa era avaliar a melhor maneira de usar os fundos norte-americanos para ajudar o governo nepalês a combater os insurgentes maoistas. De acordo com o Pentágono, a equipa era composta por pessoal do Comando do Pacífico especializado em inteligência, aviação, logística, engenharia e medicamentos.”

Animado por esse apoio, o primeiro-ministro Deuba ignorou qualquer possibilidade de negociações e foi enfático em intensificar a guerra. Mas o pequeno punhado de senhores feudais e reaccionários que governam o Nepal também está a desabar como ladrões. Relata-se que o rei Gyanendra acaba de dissolver a câmara baixa do Parlamento, e que o dominante Partido do Congresso expulsou o primeiro-ministro Deuba, tendo como pano de fundo um prolongamento do Estado de Emergência.

A batalha no Nepal irá certamente intensificar-se nos próximos tempos. Mas, como salienta um artigo sobre o Nepal a sair numa próxima edição da revista Um Mundo A Ganhar, “com milhões de pobres crescentemente mobilizados para lutar, com um amplo e profundo apoio de todos os sectores da sociedade, urbana e rural, o rótulo débil e gasto de ‘terrorista’ não pega de modo algum. Um novo poder, o poder do povo, está a emergir e a consolidar-se nos Himalaias, e já está a influenciar a situação revolucionária em toda a vital região do Sul da Ásia, habitada por um quarto da humanidade.”

Para mais informações: www.aworldtowin.org

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