Do Serviço Noticioso Um Mundo A Ganhar (SNUMAG) de 9 de Agosto de 2010, aworldtowinns.co.uk
Em Julho tiveram lugar fortes protestos no Caxemira, desafiando o recolher obrigatório total imposto pelo governo indiano. Na cidade de Srinagar, as multidões populares incendiaram carros da polícia gritando “Azadi” (“Liberdade”) e palavras de ordem anti-indianas. As forças de segurança indianas dispararam repetidamente sobre as multidões desarmadas, matando e ferindo muitas pessoas.
Os ingredientes da complexa situação no Caxemira vão da justa aspiração à independência do povo do Caxemira ao conflito histórico que se tem aproximado de uma quase guerra aberta entre o Paquistão e a Índia pelo controlo da região de Jammu e Caxemira, quase desde a altura em que, em 1947, a Inglaterra fez a partição da sua colónia indiana em dois países. Durante as duas últimas décadas, ambos os países têm incitado vários grupos étnicos e forças hindus e muçulmanas uns contra as outras. Embora este conflito subjacente já exista há muito tempo, a chamada guerra ao terrorismo liderada pelos EUA e a guerra do Afeganistão têm alimentado enormemente este conflito e esta rivalidade, dando mais ímpeto à ascensão do fundamentalismo religioso e destabilizando ainda mais toda a região.
Além de uma severa repressão, que inclui a violação e o assassinato de habitantes da região pelas forças indianas de ocupação, o governo indiano recorre por vezes a bloqueios estranguladores da economia, que impedem os camponeses de fazerem chegar o fruto da sua labuta aos mercados da Índia e a gasolina e outros bens essenciais de chegarem ao povo do Caxemira.
Reproduzimos aqui uma versão editada de um artigo que detalha algumas das recentes atrocidades infligidas ao povo do Caxemira pelo governo indiano, publicado no Boletim de Informação Maoista n.º 18 (1 de Julho de 2010, disponível em bannedthought.net/India/CPIMIB). Não tem em conta o papel do Paquistão nem a rivalidade Paquistão-Índia que serão tema de um futuro artigo do Serviço Noticioso Um Mundo A Ganhar.
Grandes protestos no Caxemira contra as brutalidades do estado indiano
Aos olhos dos mercenários de caqui verde azeitona contratados pelo gangue de Sonia-Manmohan-Chidambaram [Sonia Gandhi é a líder do Partido do Congresso agora no governo, Manmohan Singh é o primeiro-ministro indiano e Chidambaram é o Ministro do Interior e brutal arquitecto da Operação Caçada Verde contra os maoistas e as massas populares que os apoiam numa vasta faixa que atravessa a Índia] para desencadearem um banho de sangue no Vale do Caxemira, cada habitante do Caxemira é um terrorista a ser eliminado. Quer seja rapaz ou rapariga, funcionário público, empregado de loja, jovem desempregado, idoso ou idosa. Com a ilimitada liberdade garantida por Deli e Srinagar a esses mercenários fardados contratados pelo estado indiano para matarem, mutilarem, violarem e perseguirem os homens e mulheres simples do Caxemira, o Vale tem-se transformado num campo de morte desde 1989 e tem continuado a sangrar profusamente com todos os governos reaccionários. Ultimamente, a pretexto do controlo do terrorismo do outro lado da fronteira, essas máquinas de morte escalaram a sua brutal ofensiva assassina no Vale do Caxemira que culmina no cruel assassinato a sangue frio das gentes simples.
Os recentes assassinatos cometidos pelo exército de ocupação indiano, pelos paramilitares e pela polícia local são estarrecedores. Semana após semana têm sido capturados jovens inocentes nas aldeias e vilas, os quais são depois assassinados em nome dos terroristas do outro lado da fronteira. Todos os actos brutais cometidos por esses mercenários fardados têm a aprovação dos governantes indianos e são justificados pelo sistema político. Isto tornou-se claramente evidente logo desde a altura do “recontro” de Pathribal em 2000, até à morte do último jovem em Sopore, quando em Março de 2000 cinco jovens do Caxemira foram assassinados a sangue frio pelo exército indiano. O então Ministro do Interior da União, L. K. Advani, que representava os terroristas fascistas hindus de açafrão [o partido BJP, então no governo], alegou que tinham sido eliminados cinco terroristas Lashkar [islamitas] numa violenta batalha armada com o exército indiano e a polícia. Eles foram apresentados como sendo os terroristas responsáveis pelo massacre de 36 sikhs em Chittisinghpora. Foi só devido à indignação popular e a uma permanente agitação entre ameaças e intimidação do exército e da polícia que o caso chegou a ser investigado. O CBI, num dos casos muito raros de procura da verdade de toda a sua história, concluiu que o recontro tinha sido realmente falso. Acusou cinco oficiais do exército pelo assassinato. Entretanto, os culpados até foram promovidos enquanto estavam à espera da investigação.
A denúncia do caso Pathribal não funcionou como obstrução para esses mercenários militares amigos do gatilho cujos preconceitos antimuçulmanos e desejo de mostrarem resultados e em retorno obterem medalhas de galantaria só aumentaram o número de massacres como o de Pathribal. Equipados com a draconiana Lei de Poderes Especiais das Forças Armadas (AFSPA), que isenta os militares de procedimentos criminais normais quando eles assassinam ou violam alguém, os soldados não têm virtualmente nada a temer. A imunidade desses super-cidadãos em relação às leis criminais do país levou a uma enorme escalada das atrocidades contra os cidadãos simples do Caxemira.
Para obter recompensas, o exército também tem organizado falsas rendições e falsos recontros. Por exemplo, em 2005, 41 habitantes de Chrar-e-Sharief foram levados para Deli e aí mantidos durante seis meses sob custódia ilegal do exército. Eles foram depois apresentados perante o Chefe do Corpo do Exército e o DGP, numa cerimónia de rendição encenada. Mesmo após essa falsa rendição ter sido denunciada, nem o Brigadeiro nem os outros oficiais do exército envolvidos foram punidos.
Em 2007, a unidade de contra-insurreição do exército chamada Rashtriya Rifles e a polícia do Jammu e Caxemira sequestraram cinco habitantes de Ganderbal e assassinaram-nos, alegando que eram militantes.
Por isso, o horripilante caso do brutal assassinato de Shahzad, Shafi e Riyaz por oficiais do exército a 30 de Abril não é surpreendente. Tais atrocidades têm sido comuns no Vale, mas elas só têm adquirido proeminência quando as pessoas saem à rua em gigantescos protestos e fazem uma implacável pressão por justiça. Os três jovens foram aliciados com uma promessa de empregos e entregues a 29 de Abril a um major em troca de 1,5 lakh de rupias [150 mil rupias, cerca de 2500 €] e algumas garrafas de uísque. Os oficiais do exército mataram os três jovens inocentes nessa noite em Machail, no distrito de Kupwara. A política do exército de recompensar monetariamente os soldados por todos os terroristas ou infiltrados mortos levou a uma torrente de massacres em recontros encenados de pessoas inocentes sequestradas ou aliciadas para trabalhos por agentes do exército. Todos eles foram apresentados como terroristas ou infiltrados do Paquistão. Só os protestos populares é que forçaram as autoridades a exumarem os corpos das suas campas e a fazerem autópsias. Apesar de se ter provado que os assassinatos dos três jovens tinham sido organizados pelo major e outros oficiais do exército, não havia nada que as leis do país pudessem fazer quanto a isso dado que esses oficiais estão protegidos pela AFSPA.
Uma outra coisa é que as leis do país são elas próprias impotentes e parciais contra as gentes simples dado que não podem castigar nenhum sector rico e influente da sociedade nem as várias forças armadas do estado.
Por isso, enquanto o exército indiano estiver protegido de acções judiciais, também a polícia local não tem nada a temer, mesmo que cometa publicamente assassinatos a sangue frio. Nem um único dos cem casos de atrocidades desumanas foi encarado com seriedade pelo governo. Em consequência, o banho de sangue continuou com Sonia, Manmohan, Chidambaram, Antony e outros a assistirem sem nunca dizerem nada de nefasto contra as suas forças que cometem assassinatos, tortura, violações, etc. contra o povo do Caxemira. O fantoche de Deli, o ministro principal Omar Abdullah – o Hamid Karzai do Caxemira –, também tem assistido a estas atrocidades contra o seu próprio povo, choramingando ocasionalmente sobre os excessos das CRPF [as forças centrais de segurança]. Os seus próprios polícias violaram e assassinaram três mulheres em Shopian, o que resultou em meses de tumultos devido às tentativas de encobrimento apadrinhadas pelo governo de Abdullah.
Os mais recentes incidentes no Vale, em que morreram 8 pessoas, entre as quais um rapaz de 9 anos, desencadearam gigantescos protestos em várias zonas, com pessoas de todos os sectores da sociedade a saírem à rua e a combaterem um inimigo fardado mais sofisticado com aquilo a que as pessoas têm acesso – pedras. De facto, atirar pedras tornou-se numa grande nova forma de luta no Caxemira. Isto já tinha acontecido em grande escala na Intifada palestiniana. Hoje em dia, quando virtualmente todas as formas pacíficas de protesto se têm mostrado fúteis e são brutalmente esmagadas pelo exército, pelas CRPF e pela polícia, não foi deixada nenhuma outra opção às pessoas a não ser lutarem com todas as armas à sua disposição que não as faça serem acusadas de posse de armas. E, em muitos casos, o uso das mãos nuas tornou-se numa poderosa arma contra os infames mercenários do exército, paramilitares e polícia que passaram a estar nas mãos das pessoas.
É tempo de todos os indianos levantarem a sua voz em defesa da Azadi [liberdade] da nação do Caxemira. A população do Caxemira tem o direito inalienável a criar o seu próprio estado soberano independente, se assim o desejar. Hoje em dia, em que a vasta maioria dos habitantes do Caxemira pensa que estaria melhor se se separasse da Índia, o que é que impede o estado indiano de aceitar essa reivindicação democrática de toda uma nação? Só a natureza expansionista dos governantes indianos, a sua ambição de terem tanto território quanto possível para o seu país e a tentação das riquezas do Caxemira é que nunca lhes permitirá aceitar as aspirações democráticas do povo do Caxemira.