Do Serviço Noticioso Um Mundo A Ganhar (SNUMAG) de 4 de Março de 2013, aworldtowinns.co.uk
Crítica de cinema: 5 Câmaras Partidas
5 Câmaras Partidas, o primeiro documentário palestiniano nomeado para um Oscar, dá uma esmagadora representação da injustiça e da brutalidade em grande escala contra os residentes de uma aldeia chamada Bilin na Cisjordânia. Os colonos israelitas exultam de poder quando se mudam para os novos apartamentos nos cumes vizinhos a Bilin, colonatos em terras roubadas aos camponeses de Bilin. Não só os habitantes de Bilin são cruelmente atacados e oprimidos, como até mesmo as oliveiras que lhes restam são queimadas por colonos insolentes ou arrancadas pelo exército usando máquinas de construção blindadas.
Com início em 2005 e filmando ao longo de um período de cinco anos com uma sucessão de cinco máquinas de filmar danificadas uma após outra por soldados ou colonos israelitas, Emad Burnat, um camponês tornado cineasta amador, documentou os protestos contra as confiscações de terras pelo governo israelita e a construção do muro que ocupa as suas terras cultivadas e os irá separar delas. Apesar do grande risco pessoal, ele continuou a filmar com um sentimento de obrigação moral para com o seu povo e o desejo de alertar o mundo sobre a luta para salvar a sua terra. Em 2009, Burnat conseguiu o auxílio do activista e realizador israelita Guy Davidi para o ajudar a fazer o filme.
O filme ganhou muitos prémios mundiais, na Europa e nos EUA e no Festival de Cinema de Sundance. Que este documentário não tenha ganho um Oscar não é surpreendente num clima em que foi o filme de características reaccionárias Argo que recebeu o prémio de melhor filme do ano. Apesar de ter um convite oficial para assistir à cerimónia dos Prémios da Academia, quando Emad Burnat, a esposa e o filho mais novo Gibreel chegaram a Los Angeles, foram detidos e quase deportados pelos agentes norte-americanos de imigração antes de o realizador Michael Moore ter intervindo e chamado os advogados da Academia.
O filme é contado em cinco episódios, cada um correspondendo à vida de uma máquinas de filmar. O crescimento ao longo de cinco anos do seu recém-nascido filho Gibreel é justaposto à luta da aldeia liderada pelos dois melhores amigos de Emad. Ambos são decididos e todos são corajosos. Gradualmente, começamos a compreender o complexo pensamento de muitos dos residentes da aldeia à medida que eles evoluem através desta experiência. Conseguimos conhecer vários deles bastante bem. Este filme não é apenas uma colecção de filmagens; tem um poderoso ritmo dramático e uma evolução dos personagens.
Um dos aldeãos, Phil, um homem alto afectuosamente chamado de elefante pelas crianças, usa o humor para manter a moral e a unidade dos aldeãos que resistem face a humilhações, gás lacrimogéneo, balas de borracha e balas reais. Ele salienta frequentemente que estes protestos específicos são não violentos e apelam aos soldados israelitas na base da humanidade deles. “Somos todos primos”, diz-lhes ele.
Apesar disso, os soldados executam inexoravelmente as ordens de cumprimento de uma estratégia israelita projectada para esmorecer a vontade de resistir dos aldeãos através do desgaste – o quebrar de ossos e rostos, a destruição de casas e, de vez em quando, a tomada de vidas. O exército não tenta matar toda a gente, mas sim mostrar que o preço pela recusa a se submeterem é mais alto do que qualquer um possa estar disposto a pagar. A não-violência de Phil e as tentativas de encontrar pontos de convergência com os soldados não alteram isto.
A luta afecta enormemente o filho de Emad, Gibreel. Quando era criança, algumas das primeiras palavras dele foram exército, cerco e bala. Emad diz que a melhor forma de proteger o filho, apesar da profunda preocupação com a segurança de Gibreel, é ele compreender como é realmente o mundo e a vulnerabilidade das vidas humanas. Quando um dos adultos favoritos de Gibreel é morto pelos soldados, ele fica profundamente transtornado e pergunta ao pai porque é que os soldados agem da forma como o fazem, e sobretudo o que se pode fazer em relação a isso. A audiência não pode deixar de fazer a mesma pergunta.
Em 5 Câmaras Partidas, testemunhamos os soldados a chegar à noite à aldeia e a prender crianças de 12 e 13 anos e a arrastá-los para a prisão entre os protestos das famílias e dos activistas internacionais que apoiam a luta deles, entre os quais alguns israelitas. Durante os protestos, cada um dos irmãos de Emad são presos um a um. Então, uma noite os soldados dirigem-se a Emad. Dizem-lhe que pare de filmar, que está numa zona militar fechada. Essa zona militar fechada, responde ele, é a própria casa dele. Ele vai para a prisão durante três semanas e é colocado em prisão domiciliária num outro edifício durante dois meses.
No final do filme, Emad quase que é morto num acidente de camião e sobrevive porque é tratado num hospital israelita. Para ele, esse tratamento não é um favor mas uma recordação de que, sob a ocupação, os palestinianos não têm quase nada de seu, nem sequer boas instalações médicas. Quando regressa a casa após uma longa recuperação, a sua esposa Saroya (infelizmente a única mulher no filme cuja personagem é desenvolvida) está preocupada que ele seja morto e pede-lhe que deixe de filmar e fique com ela e os quatro filhos deles. Mas ele não pode parar. A filmagem é o acto de resistência que lhe permite sarar as feridas da opressão, humilhação e injustiça a que ele e outros palestinianos são sujeitos diariamente ao longo das suas vidas sob a ocupação israelita.
Quando vemos o que os palestinianos enfrentam, podemos compreender porque é que a luta tem altos e baixos e porque é que a questão de saber como é que se pode acabar com a opressão deles é tão importante. Não é surpreendente que algumas pessoas estejam desanimadas. O que é mais impressionante é que esse desânimo seja ultrapassado tão frequentemente. Vemos a forma como os próprios israelitas impulsionam repetidamente os palestinianos à acção contra eles.
Ao vermos o filme somos preenchidos com o sentimento de que toda a Palestina é uma prisão. Vemos os pássaros que voam no céu em extraordinária liberdade. Mas, no terreno, cada movimento dos palestinianos é limitado a um espaço cada vez mais circunscrito. E depois, no decurso da resistência, eles são detidos e levados para um outro espaço restrito – uma prisão dentro de uma prisão.
Há quase 5000 palestinianos na prisão neste momento. Desde 1967, cerca de vinte por cento da população já esteve encarcerada, cerca de 600 000 estiveram detidos durante uma semana ou mais, o que quer dizer que a maioria das famílias foi afectada. Muitos dos presos nunca foram acusados. Um tribunal militar israelita pode ordenar a detenção indefinida de suspeitos ao abrigo de um procedimento chamado detenção administrativa, sujeito a renovação todos os seis meses, sem julgamento. Alguns dos presos são crianças.
No final de Fevereiro, centenas de jovens palestinianos e outros lutaram com soldados israelitas no auge de uma vaga de manifestações ao longo de um mês em defesa de quatro presos em greve da fome. Os presos exigiam ser julgados ou libertados. Num dos dias, foram feridos nove palestinianos, um deles em estado crítico, quando os colonos dispararam balas reais em confrontos perto de Nablus. Quando dois dos grevistas da fome se aproximaram da morte, a acção foi cancelada, pelo menos temporariamente.
Arafat Jaradat, um homem de 30 anos pai de duas crianças, foi preso por supostamente atirar pedras contra um veículo militar israelita. Depois de cinco dias na prisão, morreu em circunstâncias suspeitas. Os responsáveis israelitas alegam que ele teve um ataque cardíaco, mas o patologista palestiniano que assistiu à autópsia do preso disse que o coração dele não mostrava nenhum sinal disso, e que havia ossos quebrados e contusões graves no corpo de Jaradat.
Kameel Sabbagh, um advogado que esteve presente na última audiência de Jaradat, disse que tinha avisado o juiz israelita de que o seu cliente tinha sido torturado e deveria ser examinado pelo médico da prisão. Segundo Sabbagh, isto não aconteceu. “Ele tinha fortes dores nas costas e noutras partes do corpo por ter sido espancado e pendurado durante muitas longas horas quando estava a ser investigado”, disse Sabbagh à agência noticiosa Ma'an. As notas dele, tiradas na audiência do tribunal, descrevem o seu cliente como “extremamente amedrontado” por regressar à sua cela.
Com a morte de Jaradat, os palestinianos enfurecidos saíram de novo às ruas.
Esta é a realidade na Palestina e 5 Câmaras Partidas não é nenhuma ficção. É uma comovente obra de arte.