Aborto livre, seguro e gratuito:
As mulheres têm direito a escolher!
Por C. Silva
Em plena campanha para o referendo sobre o aborto, é importante tomar uma posição. Quem defende a emancipação da mulher, quem defende uma sociedade livre do domínio patriarcal (isto é, dos homens sobre as mulheres), quem defende o progresso social, só pode defender o direito das mulheres a abortarem.
Os fetos não são crianças
Comecemos pelo fundamental. Contrariamente à mentira que os defensores da ilegalização do aborto andam a propagar, a verdade científica é que um feto não é um bebé, não é um ser humano. É-o apenas em potência, pode vir a sê-lo um dia. Entretanto, é essencialmente um conjunto de células alimentadas e cuidadas pelo sistema biológico da mulher, no qual está totalmente integrado e do qual é totalmente dependente. O feto não respira e o seu sistema sanguíneo integra o sistema sanguíneo da mulher, tal como a alimentação e a evacuação. Se for feito nos primeiros meses de gravidez, a interrupção da gravidez (o aborto) é um procedimento médico muito simples e rápido porque actua apenas sobre um pequeno conjunto de células.
Mas as forças retrógradas e obscurantistas tentam propagar uma ideia completamente diferente. Manipulam a verdade mostrando fotografias de fetos já muito desenvolvidos, que já estão nos últimos meses de gravidez, numa fase final de desenvolvimento. Mas a realidade é que, no período em que é feita a maioria dos abortos (normalmente até às 13 semanas), o feto é minúsculo, tem menos de 3 cm e os seus órgãos e membros ainda pouco têm a ver com os de um ser humano. Não são mesmo nada como os fetos dessas fotografias, usadas para alimentar a mentira de que, ao abortar, uma mulher está a matar uma criança já formada.
De facto, um feto não se parece nada com uma criança, e abortar não é crime nenhum. Não o é no caso de uma violação, não o é no caso de uma malformação do feto, não o é caso ponha em risco a saúde da mulher e não é crime em caso algum.
Obrigar uma mulher a transportar, durante nove meses e contra a sua vontade, um feto em gestação é que é o verdadeiro crime. É uma enorme humilhação para a mulher assim violentada e tem um profundo impacto, físico e psicológico, em toda a sua vida. Uma gravidez indesejada levada até ao fim pode significar que todos os seus planos de vida sejam destruídos.
O aborto permite a libertação da mulher
De facto, essa é a verdadeira razão por que as forças mais reaccionárias da nossa sociedade estão tão preocupadas com a legalização do aborto: o acesso ao aborto permite às mulheres terem controlo sobre o seu corpo e sobre a sua vida. O aparecimento da pílula e a legalização do aborto nas sociedades ocidentais nos anos 60 (não falaremos aqui da experiência dos países socialistas) permitiu que as mulheres pudessem deixar de ser incubadoras sempre disponíveis para os homens. Puderam passar a ter um muito maior controlo sobre a sua sexualidade e a sua reprodução. E uma mulher que controla a sua reprodução e pode decidir quando quer ter filhos é uma mulher que tem tempo para pensar, que está disponível para outras actividades que não ficar reduzida a cuidar dos filhos e da cozinha, é uma mulher que não é propriedade do marido e que pode participar na luta por uma nova sociedade. Tem o potencial para recusar esta sociedade de opressão patriarcal e capitalista e para pensar em que tipo de sociedade deseja viver.
É esta a verdadeira razão por que a Igreja e todas as forças obscurantistas querem ilegalizar o aborto e também, se tiverem essa oportunidade, todos os métodos de contracepção e de controlo da natalidade. Isso voltaria a criar condições para submeterem as mulheres às antigas formas de opressão patriarcal. De forma nenhuma estão preocupadas com os fetos ou com a vida das crianças já nascidas. O seu desprezo pela vida humana está patente em todos os momentos da vida nesta sociedade de opressão capitalista. Milhares de crianças morrem diariamente de subnutrição, milhões são obrigadas a trabalhar em duras condições de miséria e exploração, com a ajuda dessas mesmas forças religiosas e obscurantistas em todo o mundo. Devido à ilegalização do aborto, milhares de mulheres morrem ou ficam mutiladas todos os anos. Mas essas forças, não contentes com essa ilegalização, esforçam-se por manter os jovens na ignorância sobre a sua sexualidade e afastados dos métodos de controlo de natalidade, porque jovens ignorantes são mais fáceis de oprimir.
Um problema de classe
Mas o aborto também distingue as classes sociais, afectando sobretudo as mulheres trabalhadoras. As mulheres das classes mais favorecidas, mesmo que a ideologia da sua classe vá contra isso, têm sempre toda a liberdade para fazerem um aborto, podem comprá-lo com dinheiro. Podem fazê-lo clandestinamente mas com um bom acompanhamento médico, mas sobretudo podem voar rapidamente para um país onde o aborto seja legal (Neste aspecto, Portugal também está vergonhosamente mal, sendo dos países europeus onde a sua prática está mais restringida.)
Para as trabalhadoras, para as operárias, a ilegalidade do aborto impele-as para práticas abortivas clandestinas e perigosas, para clínicas improvisadas, para as mãos de médicos e pessoal médico pouco escrupulosos que tentam lucrar com o seu desespero e falta de alternativa. Sem recursos, põem as suas vidas em perigo e isso reflecte-se nas escandalosas estatísticas das complicações que surgem depois desses arriscados abortos.
As mulheres trabalhadoras, muitas vezes mais influenciadas pelo obscurantismo religioso, têm mais tendência a desconhecer a sua sexualidade e os métodos de controlo da natalidade. Muitas vezes, essa nefasta influência antiaborto impele-as a decidirem-se muito tarde por essa opção. Também sabemos da experiência de outros países que, mesmo durante o período em que o aborto é legal, a recusa dos médicos e a complexidade dos procedimentos nas clínicas e hospitais, também atrasa a sua concretização. Por isso, e sobretudo sem garantias de procedimentos rápidos e baratos como já se ameaça, um prazo de 10 semanas é manifestamente curto. Mesmo que o SIM vença o referendo e uma nova lei finalmente legalize o aborto até às 10 semanas, essa chaga social continuará com os abortos clandestinos após as 10 semanas. Serão em menor número, mas esses abortos também são os mais perigosos e mais traumáticos.
Do que precisamos é de uma sociedade onde todas essas formas de opressão desapareçam. Entretanto, lutaremos para que, já nesta sociedade, se possam abrir algumas portas no caminho da emancipação de todos os seres humanos e das mulheres em particular. Defender um direito democrático como a liberdade de abortar é um requisito mínimo.
17 de Janeiro de 2007