A verdadeira história da revolução maoista no Tibete

4. Regressa a opressão — após o golpe de estado na China

O confronto entre as duas linhas no Tibete

Servos tibetanos emancipados lêem obras revolucionárias maoistas
Servos tibetanos emancipados lêem obras revolucionárias maoistas

Os revolucionários maoistas combateram poderosas forças dentro do Partido Comunista que queriam impor uma via capitalista na China, incluindo no Tibete. Na 3ª Parte descrevemos o programa desses “seguidores da via capitalista” — entre cujos líderes estava Deng Xiaoping. Eles autoproclamavam-se “comunistas” e falavam em construir um “poderoso estado socialista moderno”, mas na realidade queriam parar a revolução após a abolição do feudalismo. Mao Tsétung considerava que essas forças eram inimigos encarniçados da revolução — chamava-lhes “revisionistas”, “seguidores da via capitalista” e “falsos comunistas”. Mao viu que a intenção deles de copiarem métodos capitalistas “eficientes” traria de regresso à China a polarização de classes e a exploração capitalista. O resultado seria a China vir a ser de novo penetrada e dominada pelos investidores e exploradores estrangeiros.

O contraste entre a linha comunista revolucionária de Mao e a linha capitalista revisionista é muito claro em todas as questões relacionadas com o Tibete.

A linha de Mao defendia a organização das massas populares tibetanas e apoiar-se nelas, num processo revolucionário contínuo. Ele rejeitava a imposição de mudanças nas zonas das minorias nacionais antes de as massas poderem participar na sua própria libertação.

Mao criticou repetidamente os tradicionais preconceitos chauvinistas han que consideravam as massas tibetanas “atrasadas” e “bárbaras”. Mao defendeu uma revolução das ideias que extirpasse as odiosas superstições do passado e que, com base nisso, provocasse o florescimento de uma nova cultura tibetana libertadora. Defendeu que, para se libertarem, as massas precisavam da nova ideologia revolucionária do marxismo-leninismo-maoismo.

E Mao insistiu em que, para as massas populares serem verdadeiramente libertadas, a revolução tinha de ir mais longe que a reforma agrária antifeudal, até ao socialismo — e que isso incluía as Comunas Populares nos campos. Mao defendeu uma base industrial socialista auto-suficiente nas terras altas do Tibete para satisfazer as necessidades das populações locais.

Os revisionistas tinham um plano completamente diferente para o Tibete: queriam “sistemas eficientes” de exploração das riquezas do Tibete — para que a região pudesse contribuir rapidamente para a “China moderna” que eles defendiam. Consideravam as massas do Tibete “atrasadas” — e queriam trazer muitos trabalhadores e técnicos do leste da China, ao mesmo tempo mantendo os tibetanos como pouco mais que eficientes produtores de cereais.

Os revisionistas alegavam que as “novas coisas socialistas” da revolução maoista destruíam a “frente única” deles com elementos da velha classe feudalista. Os revisionistas queriam oferecer aos antigos governantes feudais do Tibete uma fatia permanente do poder — usando as organizações e ideologia feudais deles como instrumentos de estabilização da nova ordem revisionista.

Em suma, a linha revisionista para o Tibete era um plano para uma nova ordem opressora militarizada em que os revisionistas exploravam as massas do Tibete em aliança com os antigos opressores. Foi este programa que os revisionistas seguiram depois de terem derrubado os mais próximos apoiantes de Mao e tomado o poder a nível nacional após a morte de Mao em 1976.

A devastação revisionista

Durante as duas últimas décadas, o Tibete viu uma acelerada deterioração do seu meio ambiente. O actual governo procura agressivamente extrair recursos naturais de uma forma tão barata quanto possível.

O Tibete é rico em dezenas de recursos minerais chave — entre os quais cobre, crómio, ouro, bórax e urânio. Há relatos de que o governo está a usar as zonas áridas do Tibete para armazenar resíduos radioactivos — e mesmo a “alugar” o Tibete para os resíduos nucleares de países ocidentais.

Porém, a mais extrema destruição ambiental está a ocorrer nas zonas arborizadas das encostas orientais do planalto tibetano — que contém a segunda maior floresta de “biomassa” da China. Essa zona não fica propriamente na Região Autónoma do Tibete — mas na vizinha província do Sichuan que tem uma significativa população tibetana.

Há muito tempo que o abate de árvores é levado a cabo nessas florestas orientais e aumentou quando a China se industrializou depois da revolução de 1949 — porém, o abate dessas florestas deu um salto qualitativo depois do golpe de estado revisionista (antimaoista) de 1976.

No Bulletin of Concerned Asian Scholars (Julho-Setembro de 1993), Antonia Shouse escreveu: “Os descontrolados e descoordenados interesses agrícolas e industriais aceleraram rapidamente este declínio nos últimos dez anos”. Montanhas inteiras estão a ser sistematicamente desbastadas — deixando para trás encostas montanhosas despojadas até à rocha. O aumento do lodo nos rios da China tem contribuído para as grandes inundações que têm ocorrido desde 1981. Este desbaste de madeira maciça para venda é típico da forma como o capitalismo pilha as regiões arborizadas dos países oprimidos — como a Amazónia, as Filipinas, a Indonésia, a Nova Guiné e África — e é uma prova da restauração do capitalismo na China em meados dos anos 70. Sem dúvida que, antes de 1976, as transformações revolucionárias levadas a cabo sob a liderança de Mao também afectaram o meio ambiente do Tibete. A construção de estradas, a elevação do padrão de vida do povo tibetano, o desmontar dos tabus budistas contra a caça, o desenvolvimento de um novo sistema de distribuição de água, de indústrias ligeiras e de irrigação, a abertura de novos prados para produção alimentar, o uso de novos cereais e culturas — tudo isto mudou certamente a relação entre os seres humanos e o meio que os cerca. Embora algumas experiências não tenham resultado e tenham sido cometidos alguns erros, essas medidas essencialmente progressistas serviram o povo.

Algo profundamente diferente se desenvolveu depois da restauração do capitalismo em 1976. Os novos governantes revisionistas da China inverteram a política maoista-socialista de edificar uma indústria ligeira auto-suficiente no interior da China, incluindo no Tibete. Agora, dizem eles, a indústria deve ser edificada segundo critérios “racionais” — ou seja, as leis do lucro. No Tibete, muitas indústrias ligeiras de menores dimensões, que tinham servido o povo e criado uma nova classe operária tibetana, foram encerradas. O único foco dos revisionistas têm sido as indústrias extractivas — de minérios e de madeira — que foram reforçadas em pessoal com operários e técnicos esmagadoramente da maioria étnica da China, os han (em vez de tibetanos).

Isto é um “desenvolvimento estratégico para regiões atrasadas e ricas em recursos” capitalista clássico. E está a ter os resultados capitalistas clássicos: está a enriquecer a classe capitalista da China, a colocar o país no seu conjunto nas garras dos mercados e das multinacionais imperialistas mundiais, a distorcer a vida económica do Tibete de uma forma que afecta o modo de vida das pessoas — e que está a deixar no seu rasto um meio ambiente devastado.

O especialista em assuntos da China, Orville Schell, descreveu recentemente que há agora uma “crescente economia de ‘deixar andar’ a nível local. (...) Eles não se podem preocupar com o meio ambiente devido à pressão para aumentarem a produção”. Estes crimes ecológicos estão ao mesmo nível de crimes semelhantes que os revisionistas levam a cabo em todo o resto da China. Orville Schell mostra que a destruição ambiental no Tibete não é pior que a destruição no resto da China — está apenas a começar a ser tão má como noutros lugares.

Schell contrasta estes desenvolvimentos com a abordagem revolucionária no tempo de Mao, dizendo: “Esperava-se que cada pessoa lutasse com todo o seu coração para servir o povo, não a si própria. (...) Os benefícios ambientais deste tipo de anticonsumismo são óbvios. (...) Porém, a situação mudou radicalmente hoje com as reformas de Deng.”

O amargo momento decisivo:
O golpe de estado revisionista de 1976

As complexas lutas de classes da Grande Revolução Cultural Proletária tiveram altos e baixos entre 1966 e 1976. Durante as grandes vagas da luta de massas, a inovação sacudiu a região. Quando os revolucionários foram obrigados a recuar, as forças revisionistas esforçaram-se por eliminar as transformações revolucionárias.

Em Outubro de 1976, as forças revolucionárias sofreram um revés decisivo. Duas semanas após a morte de Mao Tsétung, forças do exército leais à linha revisionista prenderam os principais líderes maoistas em Pequim — entre os quais Chiang Ching e Chang Chun-chiao. Foi um golpe de estado revisionista. Durante vários anos de transição, o capitalismo foi sendo imposto cada vez mais abertamente às massas chinesas. O arqui-revisionista Deng Xiaoping emergiu como líder nacional da nova classe dominante capitalista de estado.

A derrota histórica foi profundamente sentida no Tibete. Ainda não se conhecem muitos detalhes sobre a contra-revolução no Tibete. Porém, sabe-se o seguinte: os seguidores da via capitalista, que ainda detinham muitos postos chave no Tibete, impuseram todo o programa deles.

Hoje em dia, as massas camponesas tibetanas são reprimidas e exploradas pelas novas classes ricas intimamente aliadas aos responsáveis estatais. Os revisionistas estão a levar a cabo uma política chauvinista han de inundar de imigrantes han o Tibete central, sobretudo as suas cidades. As tropas e a polícia do governo têm disparado sobre manifestantes. Os recursos do Tibete estão a ser irracionalmente explorados — ao serviço do deus do lucro capitalista. (Ver, por exemplo, “A devastação revisionista”, em anexo.)

Essas políticas não têm nada a ver com o maoismo. Têm tudo a ver com a restauração do capitalismo na China — que tem todo o apoio dos imperialistas norte-americanos.

A purga de revolucionários maoistas no Tibete

Quando “o céu mudou” na China revolucionária, os novos governantes revisionistas concentraram-se em consolidar o poder deles. Eles tinham duas necessidades imediatas no Tibete: a primeira, afastar e dividir as vastas forças revolucionárias treinadas e organizadas pela linha de Mao. A segunda era dar rédea solta, sob a liderança deles, a todas as forças contra-revolucionarias disponíveis.

Houve uma purga generalizada de revolucionários maoistas do partido e do governo. É provável que muitos tenham sido encarcerados ou mortos. O historiador A. Tom Grunfeld documentou que o número de comunistas tibetanos aumentou dramaticamente durante a Grande Revolução Cultural Proletária (GRCP) e diminuiu drasticamente depois de 1976: só em 1973, durante a GRCP, a imprensa chinesa noticiou o recrutamento de 11 mil novos militantes tibetanos para o Partido Comunista da China (PCC) e a Liga da Juventude Comunista. No ano a seguir ao golpe de estado, o PCC relatava ter apenas 4000 militantes tibetanos. Uma década depois, o Partido Comunista informava ter 40 mil membros no Tibete — sem descrever quantos eram tibetanos e quantos eram imigrantes han. Isto sugere que toda uma geração de jovens revolucionários tibetanos, esmagadoramente das classes pobres, foi afastada do poder. Em 1979, foi consolidada uma nova liderança do partido — que incluía muitas figuras revisionistas que tinham sido desacreditadas durante os períodos revolucionários.

Os revisionistas estenderam a mão às forças tibetanas que pudessem ajudá-los a derrotar os revolucionários — incluindo os restos das classes feudal-lamaístas mais reaccionárias. A partir de 1977, os revisionistas emitiram extensos pronunciamentos que restauravam “direitos” aos costumes e forças feudais — dizendo que a condenação feita pela revolução e a expropriação de todo o tipo de opressores e inimigos de classe tinham sido “injustas”. Prometeram criar uma grande prosperidade redistribuindo a propriedade colectiva.

Em Abril de 1977, pouco depois do golpe de estado, Ngawang Jigme Ngabo declarou que o novo governo revisionista “daria as boas-vindas ao regresso do dalai-lama e dos seguidores dele que tinham fugido para a Índia”. Ngabo é um feudal-aristocrata tibetano que fugiu do Tibete durante a Revolução Cultural e que mais tarde regressou para desempenhar um destacado papel. A este apelo público seguiram-se negociações secretas em que Deng Xiaoping contactou o irmão mais velho do dalai-lama, Gyalo Thondup, para discutir um possível regresso de significativos sectores da antiga classe dominante feudal, incluindo o próprio dalai-lama.

A 25 de Fevereiro de 1978, o panchen-lama, um dos maiores exploradores do velho Tibete e um “Buda reencarnado”, foi libertado da prisão e recebeu uma importante posição governamental. Trinta e quatro proeminentes tibetanos, que tinham participado na revolta apoiada pela CIA em 1959, foram libertados da prisão. A partir de 1977, responsáveis norte-americanos começaram a fazer viagens regulares à região.

A reabilitação de novos e velhos exploradores preparou o terreno para uma extensa contra-revolução em todos os aspectos da vida tibetana.

As supostas reformas nos campos do Tibete

Há inúmeras aldeias e acampamentos nómadas dispersos, longe uns dos outros, no vasto planalto rural do Tibete. As lutas e transformações que aí ocorreram têm sido grandemente ignoradas pelos exilados lamaístas e pela comunicação social ocidental — porém, é que se situa o coração do Tibete e onde vive a maioria dos seus habitantes. Assim que os revisionistas consolidaram o seu poder de estado a nível nacional, rapidamente se viraram para a reversão da revolução nos campos do Tibete.

Os novos governantes revisionistas foram abolindo a agricultura socialista em várias fases. Primeiro, em 1980, aboliram as Comunas Populares e toda a direcção centralizada das Brigadas de Produção locais, de menor dimensão (envolvendo 20 a 30 famílias). Pouco depois, aboliram completamente as Brigadas de Produção.

Os reaccionários habitualmente retratam isso como “dar aos camponeses mais poder sobre as vidas deles”. Mas, de uma forma muito profunda, isso dividiu a organização camponesa em unidades familiares isoladas. Deixou as massas de novo impotentes — face às forças capitalistas de mercado e na luta contra os seus revigorados inimigos de classe. A solidariedade foi declarada uma coisa do passado — as famílias podiam ficar ricas de novo, explorando os seus vizinhos mais pobres.

As forças reaccionárias afirmam que a abolição das unidades colectivas nos campos foi uniformemente popular entre os camponeses do Tibete. Estas alegações são contraditas pela informação disponível.

Por exemplo, é revelador que os revisionistas tenham abolido os impostos nos campos do Tibete durante dez anos, em simultâneo com a instituição das suas “reformas” contra-revolucionárias. Eles esperavam que o suborno da “eliminação dos impostos” neutralizasse os sectores menos conscientes da população camponesa.

Alguns camponeses provavelmente deram as boas-vindas à divisão da propriedade colectiva — aceitando o poder imediato que isso dava aos homens dentro de cada grupo familiar e a promessa de que os inimigos de classe poderiam recuperar as suas antigas riquezas e privilégios. Ao mesmo tempo, a Grande Revolução Cultural Proletária tinha semeado os campos de servos activistas com consciência de classe e houve sem dúvida resistência à restauração.

Observações feitas a partir das tendas de iaque de Pala

Dois proeminentes especialistas no Tibete, os professores Melvyn C. Goldstein e Cynthia M. Beall, forneceram valiosas observações em primeira mão sobre o actual modo de vida dos povos nómadas do Tibete no livro deles de 1990, Nómadas do Tibete Ocidental. Entre 1986 e 1988, Goldstein e Beall passaram 16 meses a viver em Pala, um campo de tendas extremamente remoto, com 300 tibetanos pastores de iaques. Esse estudo não descreve as comunidades agrícolas do Tibete, onde a revolução maoista semeou as suas raízes mais profundas e esses autores são profundamente simpatizantes do antigo feudalismo tibetano. Apesar disso, ele é útil quando Beall e Goldstein, apesar da sua hostilidade à revolução, documentam o regresso da opressão aos remotos campos do Tibete e os sinais de continuação da luta de classes.

Goldstein e Beall relatam que, mesmo na distante Pala, os nómadas tinham uma história de participação na luta de classes do Tibete. Em 1959, os pastores levaram a cabo uma luta armada contra Bo Argon, um apoiante local do dalai-lama, porque os nómadas não se quiseram juntar à insurreição contra-revolucionária organizada a partir de Lhasa. Goldstein e Beall também documentam como a esmagadora maioria dos nómadas de Pala, desejosos de lutarem contra as autoridades locais, se juntaram ao Gyenlo, um dos dois principais grupos de Guardas Vermelhos do Tibete durante a Grande Revolução Cultural Proletária. A revolução cultural desencadeou lutas complexas, mesmo entre os pastores dessa região mais distante.

Goldstein e Beall documentam depois como o golpe de estado de 1976 representou uma importante “mudança do céu” para o Tibete: “O fim da Revolução Cultural na China em 1976 e a destruição do ‘Bando dos Quatro’ trouxe para o Partido Comunista Chinês um novo grupo de líderes, cujas ideias mudaram o destino dos nómadas de Pala. Defendendo uma filosofia económica e cultural completamente diferente da de Mao e do Bando dos Quatro, viam a ‘Revolução Cultural’ como uma catástrofe para a China, eliminaram as Comunas e implementaram um sistema económico rural mais orientado para o mercado, chamado sistema de ‘responsabilidade’. A responsabilidade pela produção passou da Comuna para a família.”

O golpe de estado instalou um governo revisionista nessa região de Lagyab Lhojang (o nome tem origem na antiga propriedade feudal que antes aí era dona de todas as pessoas e animais). “O impacto total destas mudanças chegou a Pala em 1981. (...) De um dia para o outro, todos os animais da Comuna foram divididos igualmente entre os membros dela. Todos os nómadas — crianças de uma semana, adolescentes, adultos, velhos — receberam o mesmo quinhão de 37 animais: 5 iaques, 25 ovelhas e 7 cabras. Cada casa recuperou a responsabilidade total sobre o seu gado e geria-o de acordo os seus próprios planos e decisões. Na mesma altura, os pastos foram atribuídos a pequenos grupos de três a seis famílias que moravam nos mesmos acampamentos.”

Regressam a riqueza, a pobreza, o trabalho assalariado e a desnutrição

Porém, a divisão da riqueza foi apenas um primeiro passo para a restauração de um sistema de ricos e pobres nos campos do Tibete. Goldstein e Beall dão exemplos da situação nas pradarias: “Outra impressionante consequência da política de reformas na China pós-1981 é a rapidez e a extensão com que a diferenciação económica e social tem reemergido em Pala. Embora na antiga sociedade todos os nómadas de Pala fossem súbditos do panchen-lama, havia tremendas diferenças de classe entre os súbditos. As famílias ricas tinham enormes rebanhos e viviam num luxo relativo ao lado de um estrato significativo de trabalhadores sem rebanhos, nómadas pobres, servos e mendigos. A implementação da Comuna em 1970 removeu essas disparidades porque nesse momento acabou toda a propriedade privada dos meios de produção. (...) A dissolução da Comuna em 1981 manteve uma relativa igualdade porque todos os nómadas de Pala receberam um número igual de cabeças de gado. Porém, nos sete anos seguintes, alguns rebanhos aumentaram enquanto outros diminuíram dramaticamente. Havia de novo tanto nómadas muito ricos como muito pobres. Na realidade, uma das famílias não tem mesmo gado nenhum.”

“Embora em 1981 nenhuma família tivesse menos de 37 animais por pessoa, em 1988, 38% tinham menos de 30. No outro extremo da escala, a percentagem de famílias de Pala com mais de 50 animais por pessoa aumentou de 12% em 1981 para 25% em 1988. Dez por cento das famílias tinham mais de 90 animais por pessoa, em comparação com nenhuma em 1981. Em resultado deste processo de diferenciação económica, os 16% mais ricos da população em 1988 possuíam 33% dos animais enquanto os 33% mais pobres da população apenas possuíam 17% dos animais. O sistema dos últimos sete anos, de ‘responsabilidade’ baseada na família, resultou numa crescente concentração de animais nas mãos de uma minoria de famílias recém-enriquecidas e no reaparecimento de um estrato de famílias pobres sem nenhum ou poucos animais. Estes novos pobres subsistem trabalhando para os nómadas ricos, alguns dos quais agora, tal como na antiga sociedade, empregam regularmente pastores, ordenhadores e servos durante longos períodos de tempo.”

No período socialista maoista, o excedente social dos campos do Tibete era usado para servir as massas e apoiar a revolução: no financiamento de obras públicas, escolas e instituições culturais e nas forças armadas revolucionárias. Como explica Bob Avakian no livro dele Phony Communism Is Dead, Long Live Real Communism! [O Falso Comunismo Morreu, Viva o Verdadeiro Comunismo!], isso reflectia a linha e a prática dos revolucionários na China — que visavam criar uma “abundância comum” que fosse cada vez mais partilhada pelas massas populares no seu conjunto.

Porém, esse excedente é agora consumido pelos altos funcionários e por um punhado de novos exploradores ricos e cria uma explosão de compras de luxo, enquanto as massas sofrem novamente de desnutrição.

Goldstein e Beall documentam que os “novos-ricos” são, de facto, os mesmos “inimigos” de classe que tinham explorado os seus vizinhos na velha sociedade. Isto não acontece por acaso. As “reformas” revisionistas foram projectadas para restaurar o sistema da classe exploradora nos campos e para possibilitar que os velhos inimigos de classe apoiassem o novo governo. Grandes somas em dinheiro foram atribuídas pelo novo governo revisionista aos velhos inimigos de classe — ajudando-os a restaurar os seus antigos privilégios. Goldstein e Beall documentam que um dos antigos exploradores de Pala recebeu milhares de yuans [a moeda chinesa], “uma pequena fortuna no Tibete onde, em comparação, o salário anual de um assistente universitário em Lhasa é de cerca de 2500 a 3000 yuans”.

As falsas acusações de “genocídio no tempo de Mao”

Os nacionalistas tibetanos exilados acusam a revolução maoista de não ter tido como objectivo libertar as massas populares tibetanas, mas que foi um acto do chamado “imperialismo chinês” que visava uma “solução final” para o povo tibetano. Como prova disso, os lamaístas indicam a política do actual governo chinês de deslocar imigrantes han para zonas anteriormente habitadas por tibetanos. Os han são a etnia maioritária na China e tradicionalmente não habitavam as terras altas tibetanas.

Os apoiantes do dalai-lama alegam assim que esta política de imigração antitibetana é uma extensão de planos anteriores, delineados pelo líder revolucionário Mao Tsétung. Estas acusações de “genocídio”, feitas contra Mao Tsétung e a Revolução, baseiam-se em mentiras deliberadas que precisam de ser expostas.

Em 1952, Mao Tsétung declarou a uma delegação de visitantes tibetanos que defendia para as terras altas tibetanas uma próspera população de 10 milhões. Os lamaístas insistem em que Mao estava a falar em importar 10 milhões de han para o Tibete. Mas isso é uma falsidade — Mao estava a falar no florescimento das populações das nacionalidades minoritárias nas suas regiões, incluindo a tibetana. Qualquer análise honesta da política maoista para as nacionalidades minoritárias da China revela que os revolucionários maoistas defenderam a expansão das populações minoritárias.

Com Mao, não houve nenhuma imigração em massa dos han para as terras altas centrais da Região Autónoma do Tibete — mesmo os propagandistas do dalai-lama admitem este facto. A maioria das fontes está de acordo em que, por altura do golpe de estado antimaoista, a população han no Tibete central era de cerca de 13% — na sua maioria quadros revolucionários, especialistas técnicos e soldados, e a maior parte apenas temporariamente estacionados no Tibete.

Nada nas políticas de Mao foi um “genocídio cultural” — de facto, Mao levou a cabo constantes lutas dentro do Partido Comunista da China contra o “chauvinismo han” e os maoistas lutaram pela criação de uma nova cultura socialista tibetana na própria Região Autónoma do Tibete.

Os lamaístas acusam Mao de encabeçar um “genocídio” em certas zonas fronteiriças fora da Região Autónoma do Tibete, onde tibetanos, han e outros povos vivem lado a lado. Esta acusação baseia-se na reivindicação lamaísta a um território que se estende pelo triplo da área da Região Autónoma do Tibete — e que inclui a vizinha província do Qinghai, a maior parte do Sichuan e uma parte do Yunnan. Em tibetano, estas regiões chamam-se Amdo e Kham.

No tempo de Mao, muitas das pradarias dessas regiões fronteiriças do Qinghai e do Sichuan foram transformadas em terras cultivadas produtivas — com novas Comunas socialistas que incluíam camponeses tibetanos e han. Os lamaístas consideram esta expansão agrícola um “genocídio cultural” porque agora muitos camponeses han cultivam pradarias antes exclusivamente habitadas por tibetanos. Devido às relações próximas e amigáveis entre os vários povos dessas antigas pradarias, houve muitos casamentos mistos. Tal como muitos outros nacionalistas tacanhos, os lamaístas tibetanos consideram esses casamentos mistos um “genocídio cultural”.

Além disso, muitos lamaístas consideram que o aborto é um “homicídio” — e por isso acusam a revolução maoista de “genocídio” por ter tornado disponível o controlo de natalidade e o aborto. No tempo de Mao, algumas vezes os han foram encorajados a limitar a dimensão das famílias deles — mas essas campanhas não foram levadas a cabo em zonas habitadas por minorias, como o Tibete, onde foram feitos importantes esforços para aumentar a população. Mesmo a principal colecção de textos pró-lamaístas publicada pelos Verdes da Alemanha, A Angústia do Tibete, reconhece que as políticas de controlo da população foram consistentemente mais tolerantes no Tibete que nas zonas de maioria han.

Quando nada mais funciona, os lamaístas insistem simplesmente em que “mais de um milhão de tibetanos morreu durante a revolução maoista”. Nunca conseguiram fornecer provas porque as acusações deles são uma mentira.

O método deles é alegar que antes havia 6 milhões de tibetanos — e depois alegar que houve um importante declínio da população. Embora os números do dalai-lama sejam repetidos na imprensa norte-americana com objectivos de propaganda, a investigação de especialistas como o Professor A. Tom Grunfeld sugere que esses números foram forjados pelo dalai-lama sem qualquer prova.

Embora nunca tenha havido um censo fidedigno na história do Tibete, a maioria dos especialistas estima que a população tibetana total quando começou a revolução maoista era de dois a três milhões de pessoas. Embora tenha havido uma aguda luta de classes dentro do Tibete, e por vezes provavelmente deslocações para produção de alimentos, a população tibetana dentro da China quase certamente aumentou durante os anos da revolução maoista — devido às melhorias nos medicamentos e na higiene, por muitas dezenas de milhares de monges terem casado e devido aos grandes incrementos na produtividade agrícola.

Em suma, as acusações de “genocídio no tempo de Mao” são simplesmente infundadas. Os feudalistas lamaístas que foram quem realmente oprimiu o povo tibetano, foram obrigados a forjar mentiras para difamar os maoistas que lideraram as massas tibetanas a caminho de uma genuína libertação.

Esta contra-revolução não é uma restauração da velha ordem feudal. Os antigos aristocratas e mosteiros não foram restabelecidos no topo desta nova estrutura de classe. A propriedade está cada vez mais concentrada num estrato de proprietários ricos, enquanto os lucros são frequentemente recolhidos por capitalistas de estado que operam como capitalistas mercantilistas dentro das autoridades locais e distritais. Toda a produção do Tibete está a ser moldada para servir as necessidades da classe burocrático-capitalista mais vasta que agora governa toda a China.

Os resultados desta restauração podem ser vistos nas cidades. Os peregrinos ricos regressaram a Lhasa e os mendigos famintos também reapareceram. A jornalista Ludmilla Tüting relatou ter visto camponeses tibetanos que viajavam até Lhasa para venderem os filhos deles — algo comum durante o antigo domínio lamaísta, mas que tinha desaparecido após a revolução maoista. Tüting acrescenta que enquanto os pobres andam famintos, estão agora a ser exportadas todos os anos 55 mil toneladas de carne de iaque do Tibete para Hong Kong.

Com a ditadura da burguesia regressaram os costumes repressivos

Goldstein e Beall contam uma história que ilustra algumas das questões da actual luta de classes.

Um nómada da “classe pobre” que tinha sido um activista durante a Grande Revolução Cultural Proletária vendeu uma ovelha no final dos anos 80 sem a ter ordenhado completamente. Isso violava uma velha superstição feudal que dizia que vender uma ovelha com os úberes cheios trazia uma maldição sobre os rebanhos de todo o acampamento. Um nómada que na velha sociedade era um inimigo da classe rica atacou o nómada revolucionário — exigindo que fossem acatadas as velhas superstições. O revolucionário disse que se devia rejeitar os tabus não científicos — tal como o tinham sido no tempo de Mao. Disse que esse inimigo de classe estava a tentar exercer uma ditadura reaccionária sobre os nómadas pobres e as ideias revolucionárias. Houve uma desavença.

Mais tarde, os responsáveis do novo governo local determinaram que era errado defender os padrões revolucionários do passado. Multaram os dois homens por terem lutado, mas apoiaram o direito dos antigos inimigos de classe a defenderem os tabus reaccionários.

Embora os próprios Goldstein e Beall apoiem a restauração, eles documentam estes indícios de oposição. Eles relatam um ódio generalizado aos responsáveis locais. E, ao regressarem, trouxeram mesmo uma fotografia de um acampamento nómada que se recusa a retirar a sua imagem de Mao Tsétung!

Sem dúvida que as histórias de Pala se repetem em inúmeras comunidades espalhadas pelos campos do Tibete — bem como pelo resto da China — porque centenas de milhões de pessoas foram obrigadas pela contra-revolução a regressar a uma teia de opressão.

Restabelecendo os rituais

Em meados de 1977, o presidente do partido revisionista Hua Guofeng apelou à recuperação dos costumes feudais do Tibete. Os rituais feudais foram restabelecidos pouco depois em dois grandes santuários de Lhasa, Lingkhor e Barkhor. Em finais dos anos 80, o governo chinês disse haver mais de 200 mosteiros em funcionamento — com talvez 45 mil monges. No final dos anos 80, Li Peng (o carniceiro que ordenou o massacre da Praça Tiananmen) estava a orquestrar a primeira “busca de um Buda reencarnado” patrocinada oficialmente.

Em 1979, os revisionistas anunciaram o Artigo 147 do seu novo sistema legal — tornando crime desafiar as práticas religiosas reaccionárias do Tibete. Goldstein e Beall dizem que em Pala, “em 1988, o grosso do sistema cultural tradicional estava novamente operacional, quanto ao essencial” — incluindo os severos tabus tradicionais sobre as mulheres. Os pais ricos estão a recusar-se a permitir que os seus filhos casem com mulheres dos estratos “impuros”.

A abertura revisionista aos lamas budistas e aos aristocratas do Tibete era um pedido de aliança política no Tibete — para levarem a cabo a sua contra-revolução. Os revisionistas capitalistas de estado e as velhas forças feudais têm programas de classe diferentes sobre o que restaurar em vez do socialismo. Mas os revisionistas quiseram unir todas as forças contra-revolucionarias sob a liderança deles — sobretudo durante os difíceis primeiros anos da restauração.

Os revisionistas criaram no Tibete um clero controlado pelo governo — para apoiarem a expansão das crenças religiosas conservadoras e criarem uma atracção turística para os ocidentais. Os mosteiros são usados para restabelecer as tradicionais crenças fatalistas do carma, as quais se opõem à luta — ao mesmo tempo que são firmemente vigiados pela polícia e pelos funcionários governamentais para os impedirem de emergir como centros dos movimentos separatistas reprimidos. Em alguns mosteiros tibetanos, os turistas podem alugar vestes de monge para posarem para as câmaras fotográficas entre os monges que executam rituais pagos.

Claro que os revisionistas alegam que estão a inverter uma “injustiça”: dizem que a luta de classes que os maoistas tinham levado a cabo contra o poder do clero lamaísta tinha sido uma injusta supressão da “cultura tibetana”. Essa autojustificação revisionista está cheia de hipocrisia. Enquanto os revisionistas seduzem o clero, também são aqueles cujas políticas e ideias representam o mais intenso e aberto chauvinismo han (os preconceitos antitibetanos). Quase todos os actuais visitantes do Tibete relatam que os responsáveis revisionistas han escarnecem abertamente as massas populares tibetanas como “selvagens”, “preguiçosas” e “atrasadas” — em moldes que foram duramente criticados por Mao.

A abordagem revisionista à cultura tibetana reflecte-se na política educativa. Pouco depois do golpe de estado, os revisionistas fecharam as dez universidades tibetanas geridas por fábricas. Pretendiam que o sistema de ensino voltasse “ao normal”. Segundo Grunfeld, as novas políticas introduzidas no final dos anos 70 podem ter causado o encerramento de muitas escolas primárias nos campos. Em 1988, um grupo de tibetanos proeminentes queixou-se de que 40% de todo o orçamento para a educação da Região Autónoma do Tibete estava a ser usado para financiar escolas nas regiões han orientais onde alguns estudantes da elite tibetana eram treinados como especialistas han-izados.

A nova vaga de imigrantes han

A partir de 1983, os revisionistas lançaram uma política que representou um verdadeiro desafio à sobrevivência da cultura tibetana e aos direitos do povo tibetano. Iniciaram uma vaga de imigração han para a Região Autónoma do Tibete. (Ver também “As falsas acusações de ‘genocídio no tempo de Mao’”, em anexo.)

Mesmo os porta-vozes do movimento nacionalista do Tibete reconhecem que, no tempo de Mao, não houve nenhum esforço para o estabelecimento de hans na Região Autónoma do Tibete. Na colecção de textos A Angústia do Tibete, Jamyang Norbu escreveu: “Mas com a morte de Mao e a queda do ‘Bando dos Quatro’, os novos dirigentes da China parecem ter elaborado gradualmente não só um esquema para inundar o Tibete de imigrantes chineses mas mesmo para tornar isso lucrativo”. O escritor pró-lamaísta John Avedon escreveu: “A actual política começou em Janeiro de 1983. (...) Em Setembro, a revista Beijing Review relatava apelos a uma imigração generalizada para o Tibete; os incentivos garantidos tinham bonificações com incrementos aos 8 e aos 20 anos para todos os imigrantes.” (Utne Reader, Março/Abril de 1989.) O dirigente máximo revisionista Deng Xiaoping alegou que o Tibete precisava da imigração han porque “a população da região, que era de cerca de dois milhões de pessoas, era inadequada ao desenvolvimento dos seus recursos”. Em algumas cidades do leste da China, grandes cartazes diziam “IMIGRE PARA O TIBETE”.

Essa imigração não afectou os campos do planalto tibetano, mas mudou as características da maioria das cidades tibetanas — fazendo com que os tibetanos urbanos se sintam estrangeiros na própria terra deles. Há agora um hotel Holiday Inn no Tibete — construído pelos revisionistas para acolher turistas ocidentais com um fascínio pelo misticismo tibetano.

O fluxo han para as cidades do Tibete e o aparecimento de muitos han de um estrato rico de funcionários e empresários gerou um grande ressentimento entre os tibetanos — dando origem à luta e a uma série de justas revoltas desde 1987.

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“Se os direitistas organizarem um golpe de estado anticomunista na China, tenho a certeza que também não terão paz nenhuma e que o seu governo provavelmente terá uma vida curta, porque não será tolerado pelos revolucionários que representam os interesses das massas que constituem mais de 90% da população.” — Mao Tsétung10

Beall e Goldstein contam uma outra história sobre a resistência revolucionária nos distantes prados do Tibete. Uma noite, um nómada veio à tenda deles. Ele tinha sido um importante activista maoista durante a Revolução Cultural. E queria que esses visitantes estrangeiros levassem uma mensagem dele — para o centro revolucionário que ele pensava que ainda poderia existir na capital Lhasa.

O revolucionário sussurrou: “Vocês têm que contar em Lhasa o que se passa aqui”. Quando Goldstein lhe perguntou o que ele queria dizer, o homem repetiu-se: “Vocês têm que contar o que se passa aqui”. Depois de muito perguntarem, ele disse-lhes finalmente: “Vocês sabem, os inimigos de classe! Eles estão a erguer-se de novo.”

Esta oposição à restauração capitalista é tão persistente que muitas pessoas em Pala acreditam que a revolução pode emergir de novo entre as massas.

Continua na 5ª Parte: A vida sob o domínio do dalai-lama no exílio

NOTAS

10  Citado no “Relatório ao X Congresso do Partido Comunista da China”, em The Tenth National Congress of the Communist Party of China (Documents) (Pequim, Foreign Languages Press, 1973), disponível em:

Publicado originalmente no jornal Revolutionary Worker/Obrero Revolucionario n.º 764, 10 de Julho de 1994:

Os anexos “A devastação revisionista” e “As falsas acusações de ‘genocídio no tempo de Mao’” foram publicados apenas em inglês na mesma data, respectivamente em revcom.us/a/firstvol/tibet/ecol4.htm e revcom.us/a/firstvol/tibet/mao4.htm.

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