Do jornal Revolutionary Worker/Obrero Revolucionario n.º 940, 18 de Janeiro de 1998 (em inglês em revcom.us/a/v19/940-49/940/mlg.htm e em castelhano em revcom.us/a/v19/940-49/940/mlg_s.htm).

25º aniversário da decisão Roe vs. Wade

O direito a escolher e a libertação da mulher:

O direito ao aborto e o combate pela derrota da política reaccionária

Uma carta aberta de Mary Lou Greenberg ao movimento pelo direito a escolher

O 25º Aniversário da Roe vs. Wade, a decisão tomada a 22 de Janeiro de 1973 pelo Supremo Tribunal norte-americano que legalizou o aborto nos EUA, é uma ocasião para reflectirmos profundamente sobre a actual batalha pela defesa do direito ao aborto. Durante os últimos 25 anos, a disponibilidade do aborto legal permitiu a milhões de mulheres preservarem a sua saúde, os seus sonhos e as suas vidas.

Sem a capacidade de controlarem a sua própria reprodução, as mulheres não poderiam participar integralmente e em condições de igualdade em todas as esferas da sociedade. O grau a que Roe vs. Wade deu às mulheres a capacidade de controlarem a sua própria reprodução, é algo a celebrar.

Ao mesmo tempo, neste 25º aniversário, a batalha pelo aborto legal e seguro está mais intensa que nunca e atravessa uma fase extremamente crítica. Nos últimos cinco anos, dois médicos, um guarda-costas e dois trabalhadores clínicos foram mortos, e outras pessoas foram feridas, atingidos por assassinos antiaborto. Em 1997, ocorreram mais atentados e incêndios premeditados contra clínicas que em qualquer outro ano desde o pico anterior em 1984. As forças antiaborto passaram à ofensiva a pretexto de um método para abortos tardios. As suas campanhas de propaganda contra o aborto têm visado jovens das escolas secundárias. Estão a organizar activamente milhões de homens e mulheres em torno da ideia de que o aborto é imoral e deve ser ilegalizado e banido.

Esta ofensiva contra o aborto tem recebido o apoio dos mais altos níveis do governo. Imediatamente após a Roe vs. Wade foram instituídas restrições ao financiamento e ao acesso, sobretudo para as mulheres pobres, as quais lhes foram muito prejudiciais. Depois, no final dos anos 80 e início dos anos 90, o Supremo Tribunal apareceu com uma série de decisões que deram aos Estados o direito a restringirem o acesso ao aborto. Os Presidentes republicanos Ronald Reagan e George Bush promoveram abertamente as forças reaccionárias antiaborto. O Presidente democrata Clinton fala do aborto como algo que deveria ser “legal mas raro”. E, durante o seu mandato, o aborto tornou-se claramente “mais raro” – mais difícil de obter. Ao mesmo tempo, largos sectores do movimento pelo direito à escolha viram-se desmobilizados e agarraram-se a esperança atrás de esperança nos Democratas.

Em geral, as mulheres estão a ser condicionadas a sentirem vergonha e culpa quando querem interromper uma gravidez. Espalharam a confusão. As mulheres nascidas nas duas últimas décadas foram bombardeadas com todo o tipo de mentiras anticientíficas: que os fetos são crianças, que o aborto é um homicídio. E, hoje em dia, há milhões de mulheres que não têm efectivamente direito ao aborto. As restrições impostas pelos Estados norte-americanos e a falta de financiamento da segurança social fazem com que seja particularmente difícil às mulheres pobres, negras, latino-americanas, nativas, jovens e das zonas rurais controlarem a sua reprodução. Em 84 por cento dos municípios norte-americanos não há pessoal médico disponível para fazer abortos.

Tal como no passado, a maternidade forçada está a cobrar o seu preço: muitas mulheres foram obrigadas a ter crianças que não desejavam e muitos sonhos foram adiados. Muitas mulheres foram forçadas a praticar actos desesperados como abandonar bebés não desejados em lixeiras.

Este ataque não é um acto isolado. Faz parte de um programa político reaccionário mais vasto que a classe dominante está a implementar. Eu estou a falar de toda a “guerra contra o povo” que está a empestar este país: o desmantelamento da segurança social, as leis que limitam os direitos das pessoas, o armazenamento em prisões de toda uma geração de jovens negros e latino-americanos, os ataques aos imigrantes, os retrocessos na discriminação positiva, a censura. Trata-se de um programa que representa a supremacia masculina, a supremacia branca e a imposição de uma moralidade fundamentalista cristã.

Envolvermo-nos na luta para manter o aborto legal, seguro e acessível é uma componente crucial da derrota desse vasto programa reaccionário.

A questão do aborto - Uma “manobra de diversão” ou uma questão essencial

Tenho ouvido alguns defensores do direito à escolha manifestaram a sua exasperação por a liberdade de reprodução das mulheres “ainda” ser algo pela qual é necessário lutarmos. Algumas pessoas dizem que é uma “manobra de diversão” das verdadeiras questões a que o movimento das mulheres precisa de se dedicar. Algumas desesperam por a batalha pelo aborto estar a tomar preciosos recursos em tempo e dinheiro. Algumas dizem que o assunto “sequestrou” o movimento das mulheres. Outras manifestam apenas cansaço com uma batalha que aparentemente nunca termina.

Como alguém que está há muitos anos no movimento revolucionário e que durante os últimos 10 anos se tem envolvido na defesa de clínicas em muitas cidades e tem trabalhado com o pessoal médico que faz abortos e está sob ataque, eu posso claramente sentir empatia e entender as frustrações que dão lugar a esses sentimentos. É enlouquecedor, não só ver estarem agora sob ataque os princípios por que lutámos tão duramente, mas ver homens e mulheres dedicados serem assassinados, outros serem alvo de sérias ameaças e ver milhares de mulheres por ano a quem basicamente é negado o acesso ao aborto.

É esta a situação que enfrentamos. E temos que o assumir. Em vez de ver a questão do aborto como uma “manobra de diversão”, eu quero mostrar veementemente que esta questão concentra muitos aspectos da luta pela liberdade e igualdade das mulheres. É uma batalha difícil. Porque sem terem liberdade para decidirem se ou quando devem dar à luz e sem capacidade para interromperem gravidezes não desejadas, as outras escolhas das mulheres, como trabalhar fora da casa, ir à escola, etc., ficam essencialmente vazias. De facto, o aborto é uma questão essencial que tem profundas implicações em todos os outros aspectos da luta pela libertação da mulher. Este é um ponto central que precisamos de compreender e de saber como agir.

Porque é que o direito ao aborto “ainda” é contestado?

Precisamos de olhar para trás e perguntarmo-nos porque é que, 25 anos após Roe vs. Wade, o direito ao aborto é tão encarniçadamente contestado. Porque é que, quando sondagens atrás de sondagens mostram que uma vasta maioria dos norte-americanos é pelo direito à escolha, quando dezenas de milhões de mulheres beneficiaram por terem exercido esse direito, nós estamos cada vez mais na defensiva, tanto literalmente nas clínicas como no campo de batalha da opinião pública?

O facto é que a batalha em torno do aborto não é uma batalha sobre os fetos, mas sim sobre a mulher e o seu papel na sociedade. O movimento pelo direito à escolha tem assinalado que os “antis” só estão preocupados com os fetos e deixam de lado as mulheres, sem as quais os fetos não existiriam. E, nos seus gigantescos cartazes com fetos, eles deixam as mulheres literalmente de fora. Mas, na realidade, os líderes antiaborto ESTÃO bastante focados na questão da mulher e nada preocupados com os fetos (a não ser como símbolos). Quer dizer, a força motriz desse movimento é o seu objectivo de reforçar a posição subjugada da mulher na família e na sociedade em geral.

Durante as últimas três ou quatro décadas, temos testemunhado importantes mudanças na economia e na sociedade. Uma das maiores mudanças foi que as mulheres se integraram em grande número na força de trabalho. Elas conquistaram uma maior independência económica e social. As mulheres incluíram entre os seus objectivos mais que serem apenas esposas e mães. Tudo isto está a ter o efeito de demolir a família tradicional e o papel tradicional que reserva para a mulher como escrava doméstica e fornecedora de apoio emocional ao “seu homem” e à sua família. O facto de as mulheres saírem desses papéis representa uma ameaça para esta sociedade baseada num sistema patriarcal.

Neste contexto, está a decorrer uma grande batalha sobre que papel representará a mulher na sociedade. É isto que está em causa no debate sobre o aborto e foi isto que deu lugar a uma intensa polarização.

De um lado está o sector que tem sido chamado de “direita cristã”. Aos olhos da “direita cristã”, o papel de uma mulher é ser submissa e obediente ao seu marido e uma mãe sacrificada das crianças dele. E isto é apresentado como sendo uma “Lei Divina”. Vejamos o que dizem algumas figuras proeminentes desse movimento:

“Uma mulher que seja verdadeiramente fiel ao Espírito Santo quererá ser totalmente submissa ao seu marido... Essa será uma mulher verdadeiramente libertada. A submissão é o desígnio de Deus para as mulheres.” (Beverly LaHaye, que em 1979 fundou as Concerned Women for America e é esposa do co-fundador da Moral Majority, Tim LaHaye.)

“As mulheres têm filhos e os homens sustentam-nos. Se não gostam da forma como somos feitos, têm de resolver isso com Deus.” (Phyllis Schlafly, do Eagle Forum.)

Se querem ter uma ideia de como a “direita cristã” gostaria que a sociedade tratasse as mulheres, vejam o filme ou leiam o livro The Handmaid's Tale [História de uma Criada] de Margaret Atwood. Nessa história, situada num futuro não muito distante, as mulheres brancas férteis são transformadas em procriadoras de filhos sob o controlo total dos homens.

O movimento contra o aborto e a ideologia por trás de si são a guarda avançada de uma tentativa para “manter as mulheres no seu lugar”. Mas, ainda que isso já seja muito mau, também é maisque isso.

Os líderes desse movimento estão a trabalhar para que seja imposto um programa mais vasto. Estão a trabalhar com o governo e dentro dele para que seja aprovado todo o tipo de leis reaccionárias. Estão a alistar milhões de soldados numa missão para “fazer regressar os Estados Unidos”, com base no fundamentalismo cristão. E têm uma visão sobre como construir esse movimento. Eis como Richard Viguerie, um dos arquitectos da direita religiosa, a descreveu há alguns anos: “A questão do aborto é a porta pela qual muita gente entra na política conservadora”. Para esse movimento, atacar o aborto é um elemento chave para porem as mulheres “no seu lugar”. Reforçar o domínio masculino é uma componente essencial de todo o seu programa. E, conscientemente, eles vêem a mobilização de pessoas contra o direito ao aborto como uma forma de as organizarem no seu movimento reaccionário mais alargado.

Torna-se assim mais claro porque é que são dadas legitimidade e voz à “direita cristã”. Isso fornece um falso verniz moral e tropas de choque para a intimidação violenta dos seus alvos ou dos que discordam dessa política. E esse movimento “de base” encaixa perfeitamente na guerra contra o povo que está a ser levada a cabo pela classe dominante. Há um consenso entre quem está no poder sobre aquilo a que a organização Refuse & Resist! [Recusa & Resiste!] chama “política da crueldade”.

  • A destruição da rede de segurança dos mais pobres na nossa sociedade e o corte de todo o tipo de programas de segurança social. Connie Marshner, da direitista Fundação Heritage alega que a preocupação com os pobres é apenas uma cobertura para as feministas se oporem à maternidade ao encorajarem a dependência da ajuda governamental em vez da ajuda da igreja: “Em nome da ajuda aos pobres, continua o ataque à maternidade”.
  • A criação de uma atmosfera social punitiva, uma enorme expansão das prisões, a utilização da pena de morte, a eliminação de protecções legais, etc. Um observador salientou que os maiores aplausos da convenção nacional de 1996 da Coligação Cristã foram para os apelos à aceleração da pena de morte!
  • Os ataques a qualquer esforço para a obtenção de justiça social para as pessoas e grupos oprimidos, como a discriminação positiva e os direitos dos imigrantes, por vezes, ofensivamente, em nome da “reconciliação racial”.
  • A imposição forçada de valores e instituições religiosas no funcionamento do estado – desde os Dez Mandamentos nas paredes dos tribunais aos grupos de oração no Congresso e nas escolas públicas.

Uma vez mais, os ataques contra as mulheres e os extremos ataques ao aborto, não são apenas mais um item da lista de cima. Têm uma grande importância para todo esse programa. Quanto mais se desenvolve o movimento antiaborto, mais eles poderão impor toda a sua política reaccionária. É por isso que é tão importante que as pessoas se ergam contra esse movimento e contra tudo o que ele representa.

Chamemos-lhe o que ele é: fascismo.

A ideologia da “direita cristã” pode ser caracterizada por aquilo a que o escritor alemão Thomas Mann chamou “brutalidade sentimental”, na frase em que descrevia o ponto de vida dos nazis na Alemanha. Eles sentimentalizaram a maternidade, mas o facto brutal por trás dessa sentimentalização era o direito dos homens, totalmente apoiados pelo poder do Estado, a forçarem as mulheres a gerarem crianças contra a sua vontade.

Não é esse o pensamento dos “Promise Keepers” [“Guardiães de Promessas”], com o seu juramento de fortalecerem a família e a nação – a troco de as mulheres assumirem o papel tradicional de esposas e mães obedientes e de se submeterem aos homens?

Quanto à sentimentalização do feto pela “direita cristã”, a brutal realidade do seu programa é a negação de cuidados pré-natais a milhões de mulheres que QUEREM ter crianças, o encarceramento de mulheres operárias grávidas consumidoras de drogas, o fim da segurança social e dos cupões de comida para as mães solteiras e a esterilização forçada de mulheres pobres, sobretudo de mulheres não brancas.

Eles sentimentalizam o casamento. Ao mesmo tempo, tentam reduzir o direito ao divórcio para (literalmente) diabolizarem e atirarem a culpa para as mães solteiras ou mesmo para as mães trabalhadoras em geral, cortam ou limitam severamente a participação das mulheres em tudo o que não seja kinder, kuche und kirche (crianças, cozinha e igreja, a política dos nazis para as mulheres).

Gostava de fazer uma nova citação:

“Os sacrifícios que os homens fazem ao lutarem por esta nação, fazem-nos as mulheres ao preservarem essa nação em casos individuais. O que o homem dá em coragem no campo de batalha, a mulher dá em abnegação eterna, em dor e em sofrimento eternos. Todas as crianças que uma mulher traz ao mundo são uma batalha, uma batalha levada a cabo pela existência do seu povo... o nosso... movimento tem na realidade apenas um único ponto e esse ponto é a criança, essa criatura minúscula que deve nascer e crescer forte e que por si só dá significado a toda a batalha da vida.”

Isto são palavras de Adolf Hitler. E elas estão a ser reproduzidas hoje em dia no discurso da direita cristã. Devemos chamar a essas pessoas o que elas realmente são: cristãos fascistas. Chamar “fascista” a essa política não é “insultar”, mas sim identificar correctamente um programa político que tem enormes implicações para largos sectores das massas, incluindo as mulheres.

Devemos chamá-los de fascistas porque é isso que eles são: promotores e defensores de uma política aberta e agressivamente reaccionária que visa impor, incluindo através da força bruta e sem restrições legais, as mais opressivas e exploradoras relações económicas e sociais. Quanto melhor compreendermos isto, mais forte será a nossa determinação e melhor conseguiremos unir outras pessoas para se lhes oporem.

O papel de Clinton e Companhia

Alem de olharmos em profundidade para o programa global desses cristãos fascistas, eu acho que devemos falar um pouco da dura realidade do papel de forças como Clinton neste quadro global. A verdade é que Bill Clinton presidiu à implementação e execução da “política da crueldade”. Por vezes, como aconteceu com a “reforma” da segurança social, isso ocorreu em conjunção com expressões de pesar de morder o lábio e com a quebra das promessas de “melhorar a lei” e, noutras ocasiões – como aconteceu com a construção de prisões e a eliminação dos direitos legais dos presos – com um prazer sorridente. Algumas pessoas dizem: “Mas ele não se ergueu contra as forças antiaborto?” Bem, vejamos a situação e o papel dele.

Nós temos estado a combater esses cristãos fascistas ao ritmo da sua diabolização do pessoal médico e das mulheres que ousaram libertar-se de gravidezes indesejadas, das suas tentativas para fecharem clínicas e aterrorizarem e matarem médicos e pessoal clínico. Ao mesmo tempo, Bill Clinton diz-nos que o aborto deveria ser “seguro, legal e raro” e Hillary Clinton e Al Gore apelam às pessoas de ambos os lados para “dialogarem” entre si (na sua mensagem no aniversário da Roe vs. Wade em 1997.).

Bem, o aborto deveria ser raro? Certamente que deveria haver um aumento da disponibilidade de preservativos e de outros meios seguros e fidedignos de controlo da natalidade e da educação sexual. Nós queremos menos casos de violação e de incesto. Nessas condições, a frequência de abortos poderia diminuir. Mas quando Clinton fala em “raro”, ele não está a falar nisto. Pelo contrário, ele está a favorecer e, de facto, a reforçar a crença em que há algo de imoral no próprio aborto – que há algo de errado numa mulher que decide que não quer ser forçada a gerar uma criança e que exerce o seu direito a interromper a sua gravidez. Mas porque é que deveria ser raro uma mulher decidir se quer ou não quer gerar uma criança, ou quando? Se o aborto for um meio essencial para permitir a uma mulher actuar sobre essa decisão – e é-o – então o aborto não deveria ser raro, mas pronta e facilmente disponível para ser feito tão frequentemente quanto necessário.

A linha do “seguro, legal e raro” entrega o terreno moral aos “antis”

Ao reiterar o seu chavão do “seguro, legal e raro”, Clinton entrega o terreno moral aos cristãos fascistas. Isso, por sua vez, dá legitimidade e força aos seus esforços inexoráveis para restringirem o direito ao aborto. Além disso, semeia pelo menos a confusão e mesmo a culpa e a vergonha entre muitas mulheres, sobretudo entre a geração mais jovem que nunca sofreu a realidade dos “abortos de vão de escada”.

O movimento pelo direito à escolha não enfrentou adequadamente esta linha prejudicial de Clinton. Embora tenham sido feitos alguns esforços correctos e importantes, o movimento pelo direito à escolha foi muito defensivo. Precisamos de uma atitude mais favorável ao aborto a pedido e sem justificações. Precisamos de apoiar o pessoal médico que faz abortos e encorajar mais médicos a executarem abortos e mais escolas médicas a treinarem nisso os seus estudantes.

Quanto ao encorajar do “diálogo” entre os dois lados, um dos lados está a matar médicos, a ameaçar mulheres e a pôr bombas em clínicas. O outro lado está a apoiar as mulheres e a defender os médicos e as clínicas. Um dos lados está correcto e o outro lado está errado. Como pode haver “diálogo” ou um “terreno comum” entre os dois? Pelo contrário, precisamos de refutar vigorosamente as mentiras dos cristãos fascistas, de mostrar a ligação entre a questão do aborto e o seu programa mais vasto e colocá-los a eles na defensiva. Não podemos permitir-lhes que usem a capa da moralidade para um programa de pobreza, de punição e de opressão patriarcal!

“Demasiado radicais?”
O problema é que não somos suficientemente “radicais”

Algumas pessoas condenam o “extremismo” de “ambos os lados”. Algumas pessoas dizem que o movimento pelo direito à escolha é “demasiado radical”. Mas o problema não é que o lado do direito à escolha seja demasiado radical, mas sim que não somos suficientemente radicais. Confiamos demasiado nos tribunais e nos agentes federais e não o suficiente na construção da nossa própria força – incluindo na nossa força mobilizada para defender as clínicas e o pessoal médico de todo e qualquer tipo de ataque.

Confiar em “amigos” como Clinton apenas imobilizou o movimento pela escolha e colocou as pessoas a jeito para mais ataques. Na minha opinião, esse foi o papel de Clinton desde o início – desmobilizar politicamente os milhões de mulheres que cresciam cada vez mais activas e mais radicais face à misoginia aberta e aos mal disfarçados ataques dos governos Reagan-Bush.

Mas, independentemente do que se possa pensar sobre Clinton, não teremos nós que fazer um balanço sério do efeito real da entrega de recursos e do limitar da nossa actividade ao quadro da política do costume – a disputa sem fim entre Democratas e Republicanos que, passo a passo, tem virado as condições políticas cada vez mais para a direita?

Não teremos nós que reconhecer quão perdedora é uma dinâmica em que, mesmo que muito do movimento tenha repugnância pela presidência de Clinton que corta na segurança social, constrói mais prisões, promove os valores da família, ainda há muita gente que é atraída para se juntar a ele como a “melhor última esperança na defesa desse direito”? Estamos de novo encurralados num pesadelo onde, como disse o Presidente do PCR,EUA, Bob Avakian, “as afrontas de ontem transformam-se na ‘posição de compromisso’ de hoje – e o limite de amanhã para o que queiramos vir a obter”.

Como alterar esta situação

De que precisamos para alterar esta situação medonha? Eu estou completamente de acordo com o programa em 10 pontos da Refuse & Resist! em defesa do direito ao aborto que foi publicado em 1995, logo após o assassinato de dois trabalhadores clínicos em Brookline, MA. O programa declara: “Nós próprios temos que criar um clima político e uma situação prática onde seja impossível aos cristãos fascistas levarem a cabo os seus ataques contra as mulheres e as suas clínicas. Ninguém o vai fazer por nós.” Os 10 pontos incluem a organização do apoio e da defesa das clínicas e do pessoal médico e diz: “O pessoal médico que faz abortos deve ser defendido. A autodefesa é um direito nosso e é nossa responsabilidade.” Os pontos também incluem apelar a figuras proeminentes para falarem publicamente contra os ataques, opormo-nos aos “antis” na comunicação social e construir a “cooperação entre todas as forças que trabalham para proteger a via do progresso, reconhecendo que pessoas diferentes contribuirão de formas diferentes”. Precisamos de chegar à nova geração de mulheres, tanto para as ajudar a entender melhor o assunto como para as envolver como força decisiva nesta batalha.

Um pequeno mas significativo exemplo do que quero dizer ocorreu no verão passado em Dayton, Ohio. A organização Operation Rescue [Operação de Salvamento] tinha apelado a uma mobilização nacional para fechar as clínicas e visando sobretudo um médico em particular. O movimento pelo direito à escolha não conseguiu unir-se para enfrentar directamente esse ataque. Mas um grupo de activistas veteranos, trabalhando em conjunto com os estudantes e os jovens da zona e tomando como guia o programa em 10 pontos da R&R!, enfrentou os “antis” em cada ataque. Negámos-lhes um campo aberto nas clínicas e na comunicação social. Com essa batalha, as pessoas conseguiram entender realmente melhor quem são os “antis”, o seu vínculo a um programa mais vasto, a ligação vital entre o direito ao aborto e a liberdade da mulher e as formas como, confiando em nós próprios, podemos negar vitórias ao outro lado e podemos aprender a derrotá-lo. Desta forma, podemos começar a inverter o impulso que agora reafirma e reforça tão agressivamente a ideologia e a política patriarcal e mudar o foco para a libertação da mulher.

Embora, até certo ponto, eu partilhe a frustração de toda a gente por termos que continuar a travar esta batalha 25 anos depois da Roe vs. Wade, também acho que aqui há que retirar uma profunda lição. Como comunista revolucionária, eu vejo a luta pela libertação da mulher e esta batalha em torno do aborto como parte da luta mais vasta por um mundo novo. E acredito que, a menos e até que este sistema político e económico – que não só se desenvolve como de facto se baseia no sistema patriarcal – seja derrubado, todos os passos pela emancipação da mulher serão pelo menos furiosamente contestados e não poderá ser concretizado todo o potencial das mulheres.

Precisamos de dialogar e definir estratégias sobre o que se deve fazer para se avançar nesta batalha. Mas também é preciso espaço para a discussão e o debate sobre o que se deve fazer para que as mulheres sejam realmente libertadas. Precisamos de discutir estas questões mesmo, e sobretudo, no meio das lutas de hoje e preparando-nos para as batalhas do futuro.

Temos que passar à ofensiva mudando a forma como lutamos – confiando mais inteiramente em nós próprios e alterando as condições que foram definidas pelo outro lado. Façamos deste 25º aniversário da Roe vs. Wade um momento para uma nova firmeza e determinação na luta pela libertação da mulher.

Mary Lou Greenberg é porta-voz da secção de Nova Iorque do Partido Comunista Revolucionário, EUA [PCR,EUA], e uma activista de longa data da luta pelos direitos reprodutivos.

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