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Publicado originalmente no n.º 9, de 24 de julho de 2005, republicado a 10 de novembro de 2016, do jornal Revolution/Revolución, voz do Partido Comunista Revolucionário, EUA:

Os fascistas e a destruição da “República de Weimar”...
e o que a irá substituir

Por Bob Avakian

Nota do jornal Revolution/Revolución, 24 de julho de 2005: O seguinte texto faz parte de uma série de excertos sobre vários temas — retirados de conversas e discussões, bem como palestras mais formais, de Bob Avakian — que iremos publicar neste jornal ao longo dos próximos tempos. O texto foi editado para publicação e foram acrescentadas algumas notas.

Estes fundamentalistas religiosos reacionários nos EUA, que muito corretamente temos identificado como fascistas cristãos, estão efetivamente a pedir que sejam feitas algumas coisas na sociedade, e pelo governo, que muitas pessoas ainda acreditam que não iriam ou realmente não poderiam ser de facto feitas num país como os EUA. “Não podem estar realmente a falar a sério em fazer isso”, dizem muitas pessoas, falando de coisas como a aplicação literal do que diz a Bíblia sobre os homossexuais — que os homossexuais devem ser condenados à morte. Bem, é bom que as pessoas percebam quão a sério estes fascistas cristãos estão a falar, o que eles pretendem fazer de facto e o quão séria é a situação. Entre esses fascistas cristãos, incluindo aqueles que são muito influentes e poderosos e estão poderosamente conectados, há muito definitivamente uma intenção de imporem uma “moralidade baseada na Bíblia”, incluindo coisas como a execução de homossexuais, como sendo “a lei da terra”.

Ou falemos de outra dimensão disto: a instituição do matrimónio. Nos debates em torno do matrimónio gay, algumas das pessoas que defendem o direito ao matrimónio gay têm tentado responder ao argumento de que o matrimónio gay vai minar a instituição do matrimónio dizendo: “Se estão realmente preocupados com o futuro do matrimónio, por que não fazem alguma coisa em relação ao divórcio?” Bem, como se costuma dizer, “tenham cuidado com o que desejam!” Duvido muito seriamente que aqueles que usam este argumento para defenderem o direito ao matrimonio gay — ou pelo menos a grande maioria deles — queiram de facto estar perante uma situação em que o divórcio é proibido. Mas, repito, é bom que as pessoas percebam melhor o quão sério é isto — e que há forças poderosas que estão realmente a falar muito a sério em relação a ilegalizarem o divórcio. A verdade é que, no estado do Luisiana e em alguns outros estados [norte-americanos], já há uma lei que cria “matrimónios de pacto sagrado” [“covenant marriage”], Há agora dois tipos de matrimónio nesses estados: além do matrimónio “normal”, há o “matrimónio de pacto sagrado”, o qual, como deixa entender a sua conotação religiosa, se baseia em regras tiradas da Bíblia. Estes “matrimónios de pacto sagrado” eliminam o “divórcio sem razão”, tornando muito mais difícil que aqueles que entram nesses matrimónios venham a obter um divórcio. Neste momento, entra-se voluntariamente nesses “matrimónios de pacto sagrado” e ainda há a alternativa dos matrimónios “normais” — por enquanto! Mas estes (por agora voluntários) “matrimónios de pacto sagrado” fazem parte de uma movimentação muito definida e determinada por parte das forças fascistas cristãs para se desfazerem completamente do divórcio — proibindo-o totalmente — e, numa sociedade supremacista masculina como esta, todo a gente sabe, ou deveria saber, o que isso significaria. Significaria que milhões e milhões de mulheres ficarão aprisionadas em matrimónios opressivos — e mesmo física e sexualmente abusivos.

No livro dela The Nazi Conscience [A Consciência Nazi], Claudia Koonz salientou que, entre os nazis na Alemanha, havia uma espécie de “divisão do trabalho”: pelo menos algumas vezes, Hitler tinha um tom mais razoável, e mesmo por vezes conciliatório — enquanto os seguidores dele agitavam e entravam em ação em relação às medidas mais abertamente cruéis e brutais, direcionadas contra os judeus, os comunistas, os homossexuais e outras pessoas que os nazis consideravam uma abominação e uma mancha na sociedade alemã. E tudo isso estabeleceu a base para as prisões e execuções em massa — e para o genocídio literal que se lhes seguiu sob a governação dos nazis. De uma maneira similar, o equivalente norte-americano do século XXI aos nazis, os fascistas cristãos e outros no mesmo campo geral, têm os seus homens (e mulheres) de mão, entre os quais pessoas como David Horowitz, Rush Limbaugh e Ann Coulter que espumam abertamente da boca com ataques àqueles que eles veem como sendo obstáculos à agenda deles. E, além de atacarem pessoas que não só se opõem verdadeiramente a este fascismo mas também à totalidade do sistema capitalista-imperialista, uma das principais linhas de ataque deles é (para usar uma analogia muito pertinente) atacar raivosamente a República de Weimar (a república democrático-burguesa que governou a Alemanha depois da Primeira Guerra Mundial e que foi substituída e violentamente abolida quando Hitler e os nazis chegaram ao poder nos anos 1930). Temos de compreender o significado e a importância disto, e o objetivo por trás disto.

Atacar o equivalente à República de Weimar hoje nos EUA (o Partido Democrático, os “liberais”, etc. — atacando-os como nada menos que traidores) faz parte de um programa global que tem como objetivo silenciar e reprimir totalmente, incluindo pela força do estado, todos os grupos ou setores da sociedade, mesmo os que estão no interior da classe dominante, que sejam um obstáculo à implementação do programa que os fascistas cristãos, e as forças do mesmo campo geral que eles, estão a tentar impor, de uma maneira muito acentuada, nos EUA (e na realidade no mundo inteiro). Há, e desde há algum tempo tem havido, um esforço muito determinado, consciente e combinado por parte das forças nesse campo fascista em geral para atacarem sistematicamente não apenas os comunistas, ou os anarquistas e outros radicais, mas também os liberais, os políticos liberais da classe dominante — atacando-os como tendo sido nada menos que traidores, desde o tempo da guerra fria até à “guerra contra o terrorismo”.

O mais recente livro de David Horowitz intitula-se Unholy Alliance: Radical Islam and the American Left [Aliança Profana: O Islão Radical e a Esquerda Norte-Americana]. Quando se olha para ele torna-se claro que é mais uma diatribe que insiste que os “liberais” e a esquerda nos EUA estão, no mínimo, objetivamente no mesmo campo que os fundamentalistas islâmicos e no lado errado da “guerra contra o terrorismo”. Isto deveria ser levado muito a sério, incluindo porque Horowitz tem ligações a proeminentes e poderosos políticos e responsáveis do Partido Republicano, incluindo na própria Casa Branca. Se ouvirem Rush Limbaugh, neste momento a principal linha de ataque dele não é contra os radicais e os comunistas, como o nosso partido — os ataques dele não são assim tão dirigidos contra as pessoas verdadeiramente de esquerda —, mas são muito mais dirigidos contra os liberais da classe dominante, porque, repito, uma das maneiras de o fascismo triunfar é destruindo “a República de Weimar” — combatendo as forças democrático-burguesas da classe dominante —, atacando a decadência delas, a fraqueza delas, a incapacidade delas de defenderem o país, etc. E isto é um fenómeno que se tem vindo a desenvolver desde há algum tempo nos EUA e que é agora muito agudo. Ann Coulter escreveu recentemente um livro com o título explícito de Treason [Traição]. Estas pessoas estão a criar abertamente uma opinião pública em torno disto, ainda que Bush continue a manter, a maior parte do tempo, uma postura de “inclusividade” e uma disponibilidade para trabalhar com outras forças da classe dominante, pelo menos sob certas condições. Durante os debates dele com Kerry, Bush não disse, por exemplo: “Você é um traidor e deve ser condenado à morte.” Mas muitas pessoas, que neste momento estão alinhadas com Bush e o apoiam, que estão, de uma maneira muito definitiva, e repetidamente, a dizer este tipo de coisas. Quando isso não é repudiado por Bush e por outras pessoas no poder, qual o significado disso? Quais as implicações disso?

A resposta não é tentar defender e manter a “República de Weimar” (a democracia burguesa — a “forma democrática” da ditadura capitalista1) enquanto tal. Isso não constitui uma verdadeira solução, e certamente não corresponde aos interesses das massas populares e da grande maioria da humanidade. Mas devemos reconhecer e não ser cegos ao que significa esses fascistas estarem a colocar a “República de Weimar” — por analogia, os liberais da classe dominante — no campo do inimigo e chegar mesmo a catalogá-los como traidores, perseguindo-os dessa maneira. Isto está a preparar o terreno para quê e quais as implicações disso? A questão, e o nosso objetivo, repito, não é defender a República de Weimar — indo atrás do setor “liberal” da classe dominante imperialista e defendendo-o — mas sim reconhecer plenamente a gravidade destes ataques e o que tudo isto representa e opormo-nos a isso de uma maneira radicalmente diferente e para fins radicalmente diferentes. Em palestras e textos anteriores, falei sobre este fenómeno da deterioração do que desde há algum tempo tem sido o “centro de coesão” da sociedade e o domínio da burguesia nos EUA — e sobre como já estamos a ver manifestações disso.2 Tenho salientado que tudo isto não será, de maneira nenhuma, positivo a curto prazo, nem se for deixado a si mesmo — e não é o papel dos comunistas, não corresponde às nossas responsabilidades, simplesmente ficarmos a ver e a celebrar toda a deterioração do atual centro de coesão e da forma do domínio capitalista e pensar que isso vai significar que algo de positivo terá de emergir disso e que de facto vai simplesmente “cair no nosso colo”. Temos de assumir o imenso desafio da repolarização — uma repolarização para a revolução.

É preciso substituir a “República de Weimar”, e ultrapassá-la. A república burguesa — o domínio do capitalismo e do imperialismo, na sua forma democrático-burguesa — é de facto um sistema opressor de governação, enraizado em toda uma rede e processos de exploração e opressão, que impõe um inqualificável, e desnecessário, sofrimento a milhões, e literalmente milhares de milhões, de pessoas em todo o mundo, incluindo no interior da própria república. É preciso substituí-la e ultrapassá-la, mas não por uma forma ainda mais grotesca e mais abertamente assassina do mesmo sistema, e sim por uma sociedade radicalmente nova e por um tipo radicalmente diferente de estado que abra caminho e conduza no final à abolição de todas as formas de governação opressoras e repressivas e de todas as relações de dominação e exploração, no mundo inteiro.


NOTAS

1  Em vários textos, entre os quais o livro Democracy: Can’t We Do Better Than That? [Democracia: Será o Melhor Que Conseguimos?] e uma palestra recente, Dictatorship and Democracy, and the Socialist Transition to Communism [Ditadura e Democracia, e a Transição Socialista para o Comunismo], Bob Avakian explica e analisa como as sociedades como os EUA, mesmo quando possam não ser governadas por uma repressão e terror abertos e não disfarçados, e mesmo com toda a sua conversa de “democracia para todos”, são de facto ditaduras da burguesia — o domínio da sociedade pela classe capitalista, a burguesia, fundamentalmente baseado num monopólio da força armada (e em particular da força armada “legitima”) por parte dessa classe capitalista e no seu “direito” e capacidade de usar esse poder armado, que inclui a polícia e as forças armadas mas também os tribunais e a burocracia, para esmagar, tão brutalmente quanto considere necessário, toda a oposição ou resistência que constituam um desafio sério ao seu domínio. A palestra Dictatorship and Democracy, and the Socialist Transition to Communism está disponível em:

2  Ver o artigo “The Pyramid of Power and the Struggle to Turn This Whole Thing Upside Down” [“A pirâmide do poder e a luta para mudar a base do mundo”], Revolutionary Worker n.º 1237, de 25 de abril de 2004, e Obrero Revolucionario n.º 1231, de 7 de março de 2004. Ver também os artigos anteriores desta série de textos de Bob Avakian, entre os quais “The Coming Civil War and Repolarization for Revolution in the Present Era” [“A guerra civil que se avizinha e a repolarização para a revolução na época atual”], Revolutionary Worker/Obrero Revolucionario n.º 1274, 10 de abril de 2005, e “The Center—Can It Hold? The Pyramid as Two Ladders” [“O centro — Poderá manter-se? A pirâmide como duas escadas”], Revolution/Revolución n.º 4, 29 de maio de 2005. Todos estes artigos estão disponíveis em:

 

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