Do Serviço Noticioso Um Mundo A Ganhar (SNUMAG) de 29 de Junho de 2009, aworldtowinns.co.uk
Índia: Insurreição em Lalgarh
As tropas do governo central e as polícias e milícias do estado mantêm a sua brutal agressão aos adivasis (a população tribal) e ao Partido Comunista da Índia (Maoista) em Lalgarh e nas redondezas, na zona de Midnapore Ocidental, no estado indiano do Bengala Ocidental, iniciada em meados de Junho. Helicópteros da força aérea indiana lançaram panfletos às massas, avisando-as a não apoiarem os maoistas. Embora as forças de repressão se vangloriem de que irão obter uma vitória rápida, as guerrilhas lideradas pelos maoistas desaparecem e reaparecem noutras aldeias e florestas vizinhas, com o apoio das massas populares. Os intelectuais urbanos de Kolkata [Calcutá] que têm visitado a zona de Lalgarh têm confirmado que as forças armadas estão a espancar e a humilhar as massas em todos os sentidos imagináveis e a concentrá-las em campos de refugiados.
A zona inclui vastas áreas de floresta dos distritos de Midnapore Ocidental, Purulia e Bankura, no Bengala Ocidental, e liga partes dos estados de Jharkhand e Orissa, onde o PCI (Maoista) desfruta de um forte apoio de massas. A agitação em Lalgarh tem estado a decorrer há vários meses, tendo atingido o ponto de ebulição em Novembro passado com as prisões, a tortura e a violação de mulheres e crianças, depois de uma explosão que quase matou um Ministro Chefe do Bengala Ocidental. O estado tem sido governado por uma pretensa Frente de Esquerda reaccionária liderada pelo Partido Comunista - Marxista. Há várias décadas que este partido opressor abandonou qualquer aparência de pensamento marxista ou comunista e juntou forças com as classes dominantes indianas para reprimirem e explorarem o povo e roubarem as suas terras. Depois de terem feito uma série de reivindicações, a população tribal da zona tomou a questão nas suas próprias mãos, expulsando os agentes governamentais e a polícia. Agentes do PCI-Marxista foram corridos das aldeias e alguns foram mortos. As suas sedes, bem como muitas esquadras da polícia, foram incendiadas. Foram derrubadas árvores para bloquear as estradas e impedir as forças de segurança de regressarem à zona.
O PCI (Maoista) tem um vasto apoio na zona de Lalgarh devido à sua inflexível posição contra os proprietários ricos e os funcionários corruptos. Recentemente, declararam essa zona como a primeira zona libertada no Bengala Ocidental. O partido maoista foi declarado pelo governo indiano a 20 de Junho de 2009 como organização proibida a nível nacional, ao abrigo da Lei de Prevenção de Actividades Ilegais. O governo indiano descreve-o como a maior ameaça à segurança interna do país. Gour Chakraborty, apresentado como porta-voz do PCI (Maoista), foi preso quando saia de um estúdio de rádio onde tinha sido entrevistado. Também foram presos muitos outros supostos apoiantes.
O texto que se segue é uma versão condensada de um artigo que apareceu na revista People's Truth [Verdade Popular] n.º 5, de Abril-Junho de 2009. Dá a perspectiva deles sobre a situação na zona de Lalgarh e o seu enquadramento e descreve os acontecimentos de finais de 2008. Para leres todo o artigo, vai a peoples-truth.blogspot.com/2009/06/ ou bannedthought.net/India/PeoplesTruth/PeoplesTruth05.pdf.
Descrita como a maior revolta adivasi de sempre no estado e como a segunda revolta santhal [os santhals são o maior grupo tribal da Índia], a insurreição militante de massas em Lalgarh gerou manchetes durante as várias semanas que se seguiram ao ataque com minas terrestres à coluna do Ministro Chefe do Bengala Ocidental, Buddhadev Bhattacharjee, e a um conjunto de outros VIPs a 2 de Novembro de 2008 perto de Salboni, no distrito do Midnapore Ocidental. As guerrilhas maoistas atacaram a coluna quando ela regressava de Salboni depois da inauguração por Buddhadev de um megaprojecto de aço, para o qual foram adquiridos 4500 acres de terra pelo governo da chamada Frente de Esquerda. Três polícias, entre os quais um inspector e dois guardas, foram suspensos na sequência da explosão das minas.
O que desencadeou a revolta foi o brutal reinado de terror desencadeado pela polícia na região de Lalgarh, cometendo atrocidades indescritíveis contra pessoas inocentes, no rescaldo da explosão. Conjugado com o terror do estado, criminosos social-fascistas [socialistas no nome, fascistas nos actos] pertencentes ao PCI-Marxista têm atacado aldeias com armas de fogo, sequestrando e espancando pessoas suspeitas de serem simpatizantes dos maoistas. A 3 de Novembro, a polícia do Midnapore Ocidental invadiu aldeias isoladas de Lalgarh no extremo Belpahari de Jangalmahal, e deteve 15 pessoas. Três delas eram crianças do ensino secundário que foram barbaramente torturadas e acusadas de sedição [incitamento à revolta] ou de fazer guerra contra o estado, conspiração e uso de explosivos. Elas regressavam a casa à noite depois de terem assistido a um festival de aldeia, quando a polícia as apanhou com quatro outros “suspeitos”. Estes incidentes desencadearam os protestos iniciais. Mas a polícia continuou com a sua campanha de terror.
O momento decisivo surgiu quando a polícia de Lalgarh torturou 11 mulheres adivasis durante a noite de 6 de Novembro em Chhoto Pelia. A senhora Chitamoni Murmu, uma mulher pobre santhal, perdeu a vista depois de um polícia lhe ter golpeado o olho esquerdo com uma coronha de espingarda. Algumas, como Panmani Hansda, sofreram fracturas. Esse brutal incidente desencadeou um fogo na pradaria que se propagou ao resto do Midnapore Ocidental e também aos vizinhos distritos de Bankura e Purulia.
A agitação que dura há um mês foi inicialmente encabeçada por habitantes locais sob a bandeira do Sara Bharat Jakat Majhi Madowa Juran Gaonta, uma organização santhal de anciões adivasis, mas foi depois liderada por uma organização independente que foi criada exclusivamente para combater a repressão estatal – o Comité Polishi Santras Birodhi Janasadharaner ou Comité Popular Contra as Atrocidades Policiais.
Foi elaborada uma Carta Popular em 12 Pontos. Entre outras coisas, exigia a anulação de todas as “falsas acusações” impostas às pessoas desde 1998, a adequada compensação das vítimas das atrocidades policiais, o fim imediato das rusgas policiais aos clubes geridos por santhals, um acordo para não haver rusgas sem a presença da Majhi Maroas [uma organização tribal], etc. Mas a exigência mais importante do comité foi a de que o Superintendente da Polícia do Midnapore Ocidental, Rajesh Singh, e os responsáveis pela afronta às mulheres, levantassem as orelhas e rastejassem com o nariz no chão ao longo de todo o caminho entre Dalilpur Chowk e Chhotopelia Chowk, pedindo desculpa pelas rusgas e detenções policiais desde a explosão das minas a 2 de Novembro. Exigia também que o Ministro Chefe se desculpasse pela brutalidade dos seus agentes policiais. E embora a maioria das outras exigências tenha sido satisfeita, foi esta exigência que se tornou na força motriz por trás da agitação que dura há quase dois meses.
Para liderar o movimento, foram criados comités chamados Comité Gram (GCs) ao nível das bases. Cada comité tinha cinco homens e cinco mulheres, algo de que nunca se tinha ouvido falar no quadro social da Índia, semifeudal, altamente patriarcal e dominado pelos homens. Além disso, cada comité tinha que levar as suas decisões a ratificação numa assembleia geral do povo que funcionava como supremo decisor. Foram formados Comités Gram, baseados em genuínos valores e tradições democráticas, nas aldeias de Belpahari, Binpur, Lalgarh, Jamboni, Salboni, Goaltore e em zona vizinhas. Foram criados 85 GCs só na zona de Lalgarh e 65 GCs na zona de Belpahari.
A partir de Lalgarh, a agitação rapidamente se propagou às zonas de Goaltore, Garbeta, Salboni, Gopiballavpur e Nayagram. As tentativas do governo e dos criminosos do PCI-Marxista para isolarem os adivasis dos maoistas fracassaram miseravelmente. Um troço de 65 quilómetros da estrada de Banspahari para Lalgarh foi bloqueado pelos habitantes durante a agitação.
O Comité Popular Contra as Atrocidades Policiais, que liderou os protestos em Lalgarh, manteve-se inflexível na sua principal exigência de que o SP do Midnapore Ocidental se deveria desculpar perante o povo fazendo elevações (sit-ups). Devido à incessante molestação, humilhação, tortura e prisões de adivasis pobres e indefesos pela polícia durante décadas, essa exigência não constituí nenhuma surpresa.
A agitação obteve um vasto apoio de vários sectores do povo em todo o estado. Estudantes de todo o Midnapore Ocidental, Purulia, Bankura e outros distritos do estado vieram em grande número exprimir a sua solidariedade para com a insurreição de Lalgarh. Estudantes de instituições de elite de Kolkata como o Colégio da Presidência e a Universidade de Jadavpur e alguns activistas dos direitos humanos foram a Belpahari em defesa do movimento. O Partido Jharkhand Disam organizou uma bandh [greve] de 12 horas no distrito, a 16 de Novembro. O trânsito na NH-6 foi interrompido quando o Comité Kurmi Chhatra Yuva Sangram bloqueou a estrada no ponto Lodhasuli em Jhargram. A cidade de Jhargram manteve-se inacessível devido ao bloqueio da estrada Lodhasuli-Jhargram com troncos de árvores abatidas em Kalaboni e na estrada Belphari-Jhargram.
No final de Novembro, a agitação tinha-se propagado a mais de 400 aldeias. O Vice-Superintendente Shyamal Ghosh, agora colocado na esquadra de polícia de Lalgarh, disse: “A grande área que inclui Belpahari, Banspahari, Lalgarh, Binpur e Shilda tornou-se numa zona libertada dos maoistas. Não conseguimos afastar-nos sequer 500 metros da esquadra da polícia devido aos obstáculos na estrada.” “Não chamamos a isto um movimento tribal”, disse Sidhu Soren, secretário do comité cimeiro eleito na reunião de Dalilpur. “A maioria dos habitantes, independentemente de casta e credo, endossou a nossa carta de reivindicações contra a polícia. Continuaremos o bloqueio até que a administração ceda às nossas exigências.”
Incapaz de reprimir a agitação de massas, o governo social-fascista do PCI-Marxista tinha preparado um odioso plano para pôr adivasis contra adivasis, tal como o tinha feito a coligação governamental BJP-Congresso no Chhattisgarh, com o nome de Salwa Judum, que obteve uma condenação mundial. Hordas de criminosos do PCI-Marxista atacaram as aldeias e desencadearam uma onda de terror entre as massas tribais. A 4 de Dezembro, pelo menos 50 camiões de homens armados do PCI-M, com a bandeira do Adivasi O Anadivasi Shramajibi Janasadharan, e acompanhados por polícias, limparam todos os bloqueios ao longo de todo o troço de 22 km entre Gurguripal, perto da cidade de Midnapore, e Dherua. Fizeram avisos de morte aos adivasis se continuassem com a agitação. Uma operação semelhante foi planeada para Kalabani, onde dois altos funcionários do distrito tinham sido presos pelo povo no dia anterior.
A 27 de Novembro, submetendo-se à pressão do Comité Popular Contra as Atrocidades Policiais [CPCAP], o governo do Bengala Ocidental retirou todos os treze acampamentos da polícia nas zonas de Ramgarh, Lalgarh, Belpahari e Salboni, no Midnapore Ocidental, quando os manifestantes escavacaram a estrada que se ramifica da NH 6 para Jhargram, cortando a cidade do resto do estado. Esses acampamentos tinham sido criados a 10 de Novembro. O CPCAP exigiu que os acampamentos policiais fossem retirados em 24 horas ou eles confinariam os agentes policiais aos acampamentos e boicotariam a polícia e a administração civil. A colocação dos acampamentos policiais em edifícios escolares tinha impedido as crianças de continuarem os seus estudos nas escolas e tinha despertado a fúria das massas. A maioria dos 700 polícias colocados nesses acampamentos e postos policiais foi deslocada. “A retirada dos acampamentos policiais foi uma virtual ‘rendição’ aos maoistas, uma vez que isso fazia parte das exigências em 12 pontos do CPCAP apoiado pelos maoistas”, escarneceu um jornal.
Entretanto foram libertadas sete das pessoas presas pela polícia de Midnapore Ocidental que tinham sido levadas a tribunal e que continuaram sob custódia policial até 14 de Novembro. As acusações de sedição, conspiração, assembleia ilegal, uso de explosivos e ataque ao ministro que lhes tinham sido imputadas tiveram que ser abandonadas após dez dias sem que pudessem ser encontradas quaisquer provas contra qualquer um deles.
Apesar disso, a agitação de massas continuou, exigindo a punição dos agentes policiais responsáveis pela tortura das mulheres adivasis. Para apaziguar os agitadores, o governo do estado ordenou a 1 de Dezembro a abertura de uma investigação da tortura, mas o CPCAP disse que essa medida não era nada mais que uma farsa que pretendia silenciar o caso, uma vez que a dita investigação era presidida por um responsável do departamento acusado de algumas das torturas.
A agitação de massas intensificou-se ainda mais quando, a 1 de Dezembro, os adivasis bloquearam as novas estradas de Sankrail e Nayagram. Eles também exigiram a retirada do principal acampamento policial da cidade de Lalgarh. A cidade de Jhargram foi novamente cortada do resto do estado. A fúria do povo também assumiu a forma de vários ataques às sedes e aos criminosos do PCI-Marxista. Quando os quadros do PCI-Marxista limparam à força os bloqueios das estradas instalados pela população tribal da zona, esta incendiou uma sede do PCI-Marxista na zona de Belatikri em Binpur, no Midnapore Ocidental, a 1 de Dezembro.
A agitação adivasi de um mês sob a bandeira do CPCAP em Lalgarh, Jhargram, Belpahari, Binpur e nas zonas vizinhas do Midnapore Ocidental foi cancelada na noite de 7 de Dezembro. Foi obtido um acordo em dez questões, incluindo a libertação de três estudantes, a retirada de acusações contra outros detidos acusados de envolvimento na explosão de 2 de Novembro, a retirada dos acampamentos policiais, o pagamento das despesas médicas dos aldeões feridos durante as rusgas da polícia, o afastamento do inspector principal de Lalgarh, o fim das rusgas nocturnas da polícia, a criação de um comité de investigação das atrocidades cometidas pela polícia, bem como pelos quadros do PCI-Marxista e compensações pelos danos nas casas durante as rusgas da polícia, e por aí adiante. A administração concordou em arquivar os processos judiciais iniciados desde 1998 contra os adivasis e outros povos indígenas pelos seus supostos vínculos aos maoistas, em particular os casos onde não houve formalmente acusações. O comité, encabeçado pelo secretário principal do departamento de segurança social da classe atrasada [a casta mais baixa], era para se ter começado a reunir a 15 de Dezembro. Depois de o relatório do comité ter sido publicado, a exigência do CPCAP de compensações para todas as pessoas afectadas será considerada pelo governo. O próprio Ministro Chefe do Bengala Ocidental Buddhadev desculpou-se pelas atrocidades policiais contra as mulheres adivasis.
Um dia depois da trégua em Lalgarh, chegou uma enorme generosidade governamental para o desenvolvimento adivasi numa Jangalmahal em dificuldades. O magistrado distrital do Midnapore Ocidental, Narayan Swaroop Nigam, anunciou o pacote para Lalgarh, Belpahari, Jamboni e as zonas vizinhas de Jhargram. O pacote inclui um aumento do equipamento de água potável, a instalação de novos albergues para os estudantes tribais e melhorias nos existentes e um programa de desenvolvimento da terra para facilitar o cultivo.
A insurreição de Lalgarh destaca-se como exemplo luminoso de como o povo pode defender as suas vidas e liberdade face ao cada vez maior terror do estado e terror patrocinado pelo estado, organizando um movimento de resistência de massas resoluto, unido e militante. Mostra como as massas populares comuns se podem tornar parte do processo de decisão e como podem fazer história através da participação activa nos movimentos populares de base. Hoje em dia, em que as classes dominantes reaccionárias da Índia, conluiadas com os imperialistas, conspiram para fortalecer o aparelho de estado para desencadearem o mais cruel dos terrores estatais na repressão das massas em luta, em nome da “luta contra o terrorismo”, Lalgarh mostra-nos um caminho para unirmos as massas numa resistência organizada.