Do Serviço Noticioso Um Mundo A Ganhar (SNUMAG) de 6 de Janeiro de 2014, aworldtowinns.co.uk

Numa clara acusação do regime de Mahinda Rajapaksa no Sri Lanka, gravações vídeo divulgadas pela televisão britânica Channel 4 News mostraram os militares a disparar na cabeça à queima-roupa sobre pessoas desarmadas, com muitos corpos de homens e mulheres espalhados pelo chão.

Uma das vítimas dessas execuções foi uma mulher conhecida como Isaipriya, uma conhecida jornalista que integrava o departamento de imprensa e comunicação dos Tigres de Libertação do Tamil Eelam (LTTE, na sigla em inglês). O corpo dela foi identificado por um amigo próximo que disse que, devido às condições de saúde dela, Isaipriya nunca andava com uma arma nem ia para os campos de batalha. Em vez disso, ela andava com uma câmara e um computador notepad para documentar a situação à volta dela. Os vários talentos artísticos dela incluíam representar, cantar e dançar, e ela tornou-se apresentadora do canal de televisão dos LTTE. Os LTTE lutavam por uma pátria no norte e leste do Sri Lanka onde a maioria da população é tâmil.

O vídeo do Channel 4 News mostra Isaipriya, de 27 anos, a ser levada seminua, sendo-lhe dado um pano para se cobrir, por pessoas em uniforme militar que são ouvidas a dizer terem encontrado a filha do líder rebelde dos Tigre Tâmil, Velupillai Prabhakaran. Ela é vista a dizer aos seus captores dela: “Não, não sou ela”.

Apesar de que o que causou a morte dela ser incerto, o vídeo mostra cortes no rosto dela e que ela parece ter as mãos amarradas atrás das costas. Mais à frente no vídeo, o corpo dela é visto numa vala deitado ao lado de outra mulher amarrada. Os soldados, que falam cingalês, olham directamente para a câmara.

A página internet do Ministério da Defesa do Sri Lanka indica o dia 18 de Maio de 2009 como sendo a data da morte dela e os nomes dos soldados que a mataram. Refere-se a ela como Coronel Isaipriya e diz que foi morta juntamente com 31 outros líderes dos LTTE quando se envolveram numa operação hostil contra as Forças de Segurança do Sri Lanka, durante uma ofensiva das tropas da 53ª divisão, nos últimos dias da guerra. Cerca de 100 mil pessoas perderam a vida na guerra civil que durou 26 anos.

Os peritos e muitas outras pessoas contestam as afirmações do governo. Depois de ter reflectido sobre as imagens e sobre se deveria haver uma acusação dos responsáveis, o advogado internacional de crimes de guerra Julian Knowles disse: “Aos meus olhos, há duas coisas que se salientam – uma são as mãos amarradas atrás das costas. É difícil perceber como é que isso poderia ter acontecido se esta morte tivesse ocorrido no decurso de uma batalha. Em segundo lugar, há a ausência de qualquer arma – e em terceiro lugar, os corpos parecem ter sido colocados ou organizados. Eles não parecem necessariamente ter caído em combate como resultado de danos causados por uma batalha, pelo que é difícil pensar num mecanismo de como eles possam ter morrido sem ser numa execução a sangue frio.”

Ele continuou, dizendo: “Mesmo que ela tivesse sido ferida em combate e deixada a morrer pelos soldados que se vêem no vídeo, continuaria a ser uma grave violação da Convenção de Genebra, (...) o facto de estas operações de limpeza terem envolvido assassinatos em massa de civis ou combatentes que estavam a tentar render-se. As operações de limpeza são na realidade apenas um eufemismo. (...) Isto é uma evidência incrivelmente poderosa como eu só vi um punhado de vezes – há algumas gravações de assassinatos em massa na Jugoslávia – e isto está a esse nível. Está dentro de uma categoria muito muito rara de prova em que os assassinatos são de facto capturados em vídeo e a ideia de que possa haver um debate sobre se deve haver uma investigação face a uma evidência como esta é muito surpreendente.”

Rajapaksa insiste em que não foi cometido nenhum crime de guerra nem durante nem depois da guerra civil no país e tem-se recusado repetidamente a permitir uma investigação independente de atrocidades por parte das tropas dele que alegadamente mataram 40 mil civis. Mas as provas indicam que ele governa o país agora com a mesma eficiência, crueldade e mão de ferro com que aniquilava os Tigres Tâmil e dezenas de milhares de pessoas que os apoiavam. As organizações de direitos humanos dizem que no país não acabaram as constantes violações dos direitos humanos como as mortes extrajudiciais, os desaparecimentos e o enfraquecimento dos mecanismos de controlo sobre o poder executivo através da liberdade de imprensa e da independência judicial.

Desde 2009 que a antiga zona de guerra do norte do país continua a ser fortemente ocupada pelo exército. As infra-estruturas estão a ser enormemente melhoradas e os cingaleses estão a inundar o norte do país, o que os tâmiles vêem como outra forma de ocupação. Gotabaya, irmão do presidente, disse ser antinatural que o norte seja predominantemente tâmil. Há 89 mil viúvas de guerra no norte e leste do Sri Lanka e essas mulheres são vítimas de assédio sexual e violência por parte do enorme contingente militar que ainda ocupa e basicamente controla a região.

Um relatório das Nações Unidas diz que ainda há 70 mil civis que continuam por contabilizar devido à guerra. Cerca de 10 mil pessoas continuam a viver em campos de refugiados. Um outro relatório da ONU diz que, depois do Iraque, o Sri Lanka tem o número mais elevado de desaparecimentos no mundo, mais de 5600 pessoas. Pensa-se que o número real seja muito mais elevado. A maioria desses desaparecimentos data da guerra civil, mas hoje em dia os desaparecimentos de activistas sociais, jornalistas e membros da oposição ao governo continuam a um ritmo alarmante. Recentemente, até um juiz de um tribunal supremo foi atacado depois de se ter queixado da interferência governamental nos tribunais.

O terror das carrinhas brancas

Uma forma de repressão e terror são os homens que andam em carrinhas brancas a arrancar as pessoas das suas casas ou das ruas. A maioria dessas pessoas nunca mais volta a ser vista. Leena Manmekalai, do Channel 4 News, documentou isto no filme dela White Van Stories [Histórias das Carrinhas Brancas]. Apesar da grande vigilância e intimidação por parte do exército do Sri Lanka, a equipa dela entrevistou 500 famílias cujos membros desapareceram depois de terem sido sequestrados, levados para interrogatório ou se terem rendido durante a última fase da guerra, em 2009. A determinação resoluta dessas famílias em conseguirem que as histórias deles sejam contadas deu coragem a Manmekalai para continuar. Ela passou por zonas fortemente militarizadas, suportou uma intensa intimidação e arriscou a possibilidade do seu próprio “desaparecimento”, tal como muitos jornalistas que ousam criticar o governo. Numa ocasião, ela foi detida durante várias horas para interrogatório, e noutra foi-lhe dito para abandonar o país.

O Channel 4 News passou o vídeo de Isaipriya pouco antes da cimeira de três dias dos Chefes de Governo da Commonwealth [Comunidade Britânica], em Colombo em Novembro passado. Indianos de etnia tâmil enfurecidos manifestaram-se contra a prevista participação da Índia no evento acolhido pelo regime do Sri Lanka. A Índia foi forçada a enviar uma delegação de baixo nível. Entre os 50 membros que hoje constituem a Commonwealth, sobretudo antigas colónias britânicas, o Canadá e a Ilha Maurícia boicotaram a reunião.

Antes do início da cimeira, o primeiro-ministro britânico David Cameron fez uma visita à região tâmil, onde foi confrontado por várias centenas de pessoas que levavam fotografias de entes queridos “desaparecidos” pelo governo de Rajapaksa. Cameron, bem como outros políticos, pediram uma investigação transparente e independente dos “alegados crimes de guerra” do regime. Rajapaksa simplesmente respondeu a estas críticas com hipocrisia, fazendo considerações sobre a longa história de violência e abuso cometidos sob o domínio colonial britânico na Ásia.

Um comunicado do Partido Comunista do Ceilão (Maoista), intitulado “A Reunião de Chefes de Governo da Commonwealth: Uma Reunião de Criminosos Genocidas, Terroristas, e Torturadores”, resume-a da seguinte forma: “Decorreu recentemente no Sri Lanka, entre 15 e 17 de Novembro de 2013, a Reunião de Chefes de Governo da Commonwealth (CHOGM). Ela acontece numa altura em que o Estado do Sri Lanka e o actual regime de Rajapaksa estão a ser considerados responsáveis por ‘alegados’ crimes de guerra e atrocidades durante a fase final da guerra civil, pelo UNHRC [Comité dos Direitos Humanos da ONU] em Genebra, encabeçado pelos EUA e pala sua coligação de parceiros. Os EUA, como estado terrorista e genocida número um no mundo e na história que está acusado dos mais horrendos e selvagens crimes de guerra, e a sua coligação igualmente cúmplice, estão a acusar um dos seus mais fiáveis parceiros neocoloniais juniores de responsabilidade por crimes de guerra. Isto está relacionado com a consolidação do controlo efectivo da salvação e da política do Sri Lanka no contexto da intensificação da rivalidade inter-imperialista para manter e expandir a superioridade estratégica na Região da Ásia Oceano Pacifico/Indico entre os EUA e a China. Mostra a hipocrisia assassina do sistema imperialista, incluindo as Nações Unidas.”

“Tal como esperado, a Commonwealth, um organismo mundial coroado de antigos estados genocidas e predadores coloniais em conjunto com os seus sanguinários apoiantes neocoloniais, deram a sua bênção e aprovação a um dos mais fiáveis e cruéis executores terroristas neocoloniais do imperialismo mundial – o regime de Mahinda Rajapaksa. A Commonwealth entregou a presidência a um ‘alegado’ criminoso de guerra que é acusado pela ONU. O regime aproveitou a oportunidade para cair nas boas graças e legitimar-se junto desse clube de criminosos colonial-imperialistas para salvar a sua pele do aperto de Genebra.”

“Foi realmente patético e cómico ver sua Excelência, o Presidente, a irradiar de orgulho supremo enquanto espalhava a sua graça supina e servil perante o Príncipe Carlos, que representava a Rainha de Inglaterra – um último vestígio simbólico arcaico de barbárie colonial, conquista genocida e pilhagem. Este é o Presidente Executivo que alega ser a reencarnação de uma lendária linha de reis guerreiros-conquistadores cingaleses. Aquele que autorizou e orquestrou a dizimação militar dos Tigres de Libertação do Tamil Eelam (LTTE) e ‘libertou a Pátria’. Este é o Presidente que se ergue como guardião da Nação Budista Cingalesa, a encarnação viva do patriotismo militante que luta para defender a Terra, a Religião e a Língua do ‘povo escolhido’ contra toda e qualquer potência estrangeira. A farsa, a hipocrisia, o total malabarismo ideológico e bancarrota política e o miserável servilismo colonial foram abafados pela contínua algazarra do patriotismo oficial, do chauvinismo e da autoglorificação, concebidos para pasmar e seduzir as massas até uma fervorosa submissão perante o regime.”

“Tratou-se simplesmente de um espectáculo doentio de miserável servilismo e capitulação perante hegemónicas potências colonial-imperialistas e regionais que estão activamente a dividir, a fragmentar e a devorar o país para reforçarem os seus interesses estratégicos geopolíticos na região, com o regime a viver dos opulentos espólios da exploração, lucro e pilhagem imperialistas.”

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