Do Serviço Noticioso Um Mundo A Ganhar (SNUMAG) de 15 de Fevereiro de 2010, aworldtowinns.co.uk

Os protestos do 11 de Fevereiro no Irão: Um relato

Com a aproximação do 11 de Fevereiro, aniversário da insurreição do povo iraniano em 1979 (em que o governo do Xá e a monarquia enquanto sistema político foram derrubados e os islamitas subiram ao poder), as pessoas estavam desejosas de iniciar uma nova ronda de batalhas e de mostrar o seu ódio ao regime islâmico. As expectativas eram elevadas devido à experiência dos protestos do Ashura (26 de Dezembro), em que o povo conseguiu tomar a iniciativa através de uma luta radical e inspiradora. Mas as ideias de que o rumo dos acontecimentos iria continuar em linha recta e que o regime seria levado à beira do colapso mostraram ser incorrectas.

A 11 de Fevereiro, houve pessoas decididas que saíram à rua para protestar em diferentes cidades e regiões. Como não havia nenhum ponto de encontro predefinido em Teerão, os manifestantes contra o regime concentraram-se em 10 locais principais. Apesar da força militar draconiana que aí encontraram à sua espera, milhares de jovens não se deixaram intimidar e continuaram os seus protestos, gritando palavras de ordem contra o regime. A maioria dos manifestantes tentava chegar à Praça Azadi (Liberdade) onde o regime estava a fazer a sua própria celebração reaccionária, mas as forças de segurança tinham bloqueado todas as ruas de acesso, excepto aquela pela qual estava a passar a marcha organizada pelo governo. As forças de segurança estavam concentradas nessa rua. Entre os seus preparativos antecipados para a manterem sob controlo esteve a instalação de altifalantes ao longo do caminho para poderem abafar gritos não autorizados. Milhares de agentes de segurança estiveram colocados na praça desde o dia anterior.

Isto tornou muito difícil aos manifestantes chegarem à praça de uma qualquer forma organizada. Os que conseguiram chegar à praça estavam dispersos e perdidos entre a multidão trazida pelo governo. Porém, os jornalistas estrangeiros conseguiram descobrir algumas pessoas suficientemente corajosas para, mesmo nessas condições, gritarem “Abaixo o ditador” (Los Angeles Times, 12 de Fevereiro; The New York Times, 14 de Fevereiro).

Em muitos outros pontos de Teerão houve jovens que saíram à rua em pequenos grupos, mas esses grupos não conseguiram juntar-se uns aos outros. Gritaram palavras de ordem contra o regime e combateram os basiji (membros das milícias). As suas palavras de ordem diferiram de lugar para lugar. Em alguns lugares, os gritos das pessoas foram em defesa dos líderes verdes Mir Hossein Mousavi e Mehdi Karoubi e seguiram as palavras de ordem que estes tinham sugerido, como a exigência de um “referendo”. Noutros lugares, as palavras de ordem avisavam os líderes verdes contra qualquer compromisso com o regime. Por exemplo, embora perca o ritmo na tradução, uma das palavras de ordem era: “Não oferecemos os nossos mártires para se chegar a um compromisso e para se louvar um líder assassino”.

Isto era uma clara referência aos comunicados de Mousavi e Karoubi na sequência das manifestações do Ashura, em que eles reconheceram o governo do Presidente Mahmoud Ahmaidnejad e a legitimidade do Aiatola Ali Khamenei enquanto Líder. Apesar de mais tarde os líderes verdes terem tentado justificar os seus comunicados e apresentá-los como se não tivessem querido dizer o que diziam, as pessoas tinham registado.

As pessoas também gritaram: “Liberdade para todos os presos políticos”. Palavras de ordem como “Morte ao ditador” e outras contra Khamenei foram comuns em todo o lado. Em algumas manifestações também se gritou “Abaixo a República Islâmica” e “Independência, Liberdade, República Iraniana”, apesar da feroz oposição a essas palavras de ordem por parte dos líderes verdes.

Os manifestantes derrubaram os grandes retratos de Khamenei e rasgaram-nos em pedaços. Muitas pessoas caminharam deliberadamente por cima deles. Segundo outras fontes, os manifestantes derrubaram retratos de Ahmadinejad e Khomeini (Página web da BBC em farsi, 12 de Fevereiro). Apesar de todos os reforços que o regime conseguiu reunir, os manifestantes conseguiram apanhar pelo menos uma motorizada basiji e incendiá-la. Houve relatos de confrontos em dezenas de locais em Teerão, incluindo na Praça Vali Asr e na Praça Sadeghi, onde Karoubi iniciou a sua própria marcha. Jovens que não conseguiram entrar na Praça Azadi transformaram as carruagens do metro e os autocarros em manifestações móveis, gritando ininterruptamente palavras de ordem como “Morte ao ditador”, com poucas objecções dos passageiros, que muitas vezes cooperavam com os jovens.

Muitos observadores salientaram que a brutalidade das forças de segurança sem uniforme e à paisana foi pior que em qualquer outro momento desde o início da actual vaga de protestos em Junho. O brutal espancamento de um homem que as forças de segurança tinham despido foi capturado pela máquina fotográfica de um manifestante e colocado no YouTube. O regime disse que deteve dezenas de manifestantes. Há relatos não confirmados de que foi morta uma mulher.

Os relatos também indicam que, apesar das ameaças dos responsáveis da República Islâmica e dos chefes das forças de segurança, as pessoas também saíram para protestar e mostrar a sua determinação noutras cidades importantes como Isfahan, Shiraz, Mashhad e Ahvaz. Filmes do que parecem ter sido lutas sérias em Isfahan foram colocados na internet.

Apesar de o regime estar no seu ponto mais fraco dos últimos 31 anos, em termos de unidade interna, apoio popular, economia, corrupção e muitos outros aspectos, não perdeu todo o seu poder. Manteve todo o seu potencial de fogo e pretende mostrar que não está disposto a recuar.

De facto, após o choque dos protestos do Ashura em Dezembro passado, o regime chegou à conclusão que o actual nível de ameaças e brutalidade – incluindo o assassinato, encarceramento, tortura e violação – não é suficiente para esmagar a determinação popular. Quando as pessoas gritam “Canhões, tanques e basiji já não têm nenhum efeito”, elas realmente querem dizer isso. Por isso, em desespero, o regime decidiu exibir a força que ainda tem nos dias antes e durante o 11 de Fevereiro. Aumentou qualitativamente o nível de supressão e repressão e mostrou que ainda consegue mobilizar pessoas. Dessa forma procurou desmoralizar as pessoas, ou pelo menos os líderes verdes, e não perder a iniciativa desta vez.

Milhares de pessoas foram presas e acusadas de envolvimento nos protestos do Ashura. Além disso, houve prisões de centenas, se não mesmo milhares, de activistas estudantis, activistas das mulheres, activistas operários, de muitos jornalistas que não estão em completo acordo com o governo e de muitos advogados e activistas dos direitos humanos. O regime pôs muita pressão na região do Curdistão e foram aí presos muitos activistas que foram levados para um local desconhecido.

Dois jovens presos foram executados em Teerão no início de Fevereiro. Presos antes das primeiras manifestações de Junho de 2009, foram acusados de serem membros de uma organização monárquica de que nunca ninguém tinha ouvido falar e cuja existência foi amplamente posta em causa. Muitos dos presos têm sido condenados a longas penas de prisão sem nada terem feito ou apenas por terem participado numa manifestação – no caso de um homem, apenas por ter tocado a buzina do carro em apoio aos manifestantes. Alguns importantes responsáveis da facção reformista também foram condenados a longas penas. Alguns deles têm mais de 70 anos e sofrem de cancro ou de problemas cardíacos que se agravaram na prisão. Entre eles estão Ibrahim Yazdi (o primeiro ministro dos negócios estrangeiros da República Islâmica), Mohammad Maleki (o primeiro dirigente da Universidade de Teerão após a revolução) e Behzad Nabavi (que já esteve em alguns lugares de topo no regime islâmico, incluindo uma posição ministerial). O regime recusou-se a autorizar-lhes visitas ou sequer a revelar onde estão detidos.

Ao mesmo tempo que aumentam a repressão, as forças governamentais também fizeram tudo o que puderam para mobilizarem pessoas de todo o país, um trabalho nada fácil para um regime odiado e isolado. Usaram o dinheiro e os recursos do país para incitarem e mesmo subornarem pessoas a assistir ao discurso de Ahmadinejad na Praça Azadi. O regime gastou nesse evento 300 mil milhões de touman (o equivalente a cerca de 250 milhões de euros), segundo disse a 14 de Fevereiro Mohsen Sazegara, um desertor do regime, ao canal de televisão em persa da Voz da América.

Em primeiro lugar, houve milhares de homens de confiança pagos pelo regime cuja função incluía estarem presentes para aplaudirem os altos responsáveis. Eles normalmente viajam com Khamenei e Ahmadinejad para outras cidades, quando estes aí vão discursar, e participam nas orações de sexta-feira. Além deles, o regime organizou pessoas em cidades e aldeias remotas e usou centenas ou mesmo milhares de autocarros para as transportar até Teerão nesse dia. Prometeram-lhes boa comida e as fotografias mostravam fatias de bolos e comida a serem distribuídas entre os participantes. Além dos que estavam a fazer o seu trabalho e dos apoiantes ferrenhos da República Islâmica, muitos dos participantes estavam com uma disposição muito menos combativa que os manifestantes que a apenas alguns quarteirões se envolviam em ferozes combates com as forças de segurança. Para eles, tratava-se de um piquenique, um dia fora do emprego, um passeio gratuito a Teerão com comida e aperitivos à borla. Puderam passar o dia com a família, longe de casa e acima de tudo evitando o risco de perderem o seu emprego.

Um vídeo amador de oito minutos colocado no YouTube reflecte o estado de espírito no evento do regime. Apesar de todos os seus preparativos, o regime estava apreensivo. Usaram andaimes para dividir a multidão em muitos sectores distintos. Apesar disso tudo, durante o discurso de Ahmadinejad pôde ouvir-se entre a multidão gritos de “Abaixo o ditador!”. Chegou a dizer-se que a televisão do regime deixou de emitir o seu discurso mais cedo que o esperado, talvez por causa disso.

O regime investiu muito, financeira e militarmente, de forma a obter os resultados políticos que desejava: uma aparência de legitimidade. Eles já iniciaram uma campanha para exagerar os resultados, vangloriando-se de que em Teerão teriam participado cinco milhões de pessoas. Em contraste, alguma comunicação social estrangeira (por exemplo, o The New York Times de 14 de Fevereiro) salientou que, apesar da combinação de ameaças e subornos, a praça estava significativamente menos cheia que em anos anteriores e várias fontes iranianas bem informadas deram estimativas de centenas de milhares de pessoas. Estes números parecem ser confirmados pelas fotografias divulgadas. A verdade é que a contagem feita pelo regime dos seus apoiantes na Praça Azadi é tão falsa quanto o número de votos que Ahmadinejad alega ter recebido nas eleições presidenciais de Junho.

Mas, mesmo assim, as pessoas e as forças revolucionárias devem ver a realidade e avaliar correctamente as fraquezas e forças do inimigo, bem como as suas próprias.

O que o regime fez não foi de uma posição de força mas sim de fraqueza e medo do movimento popular. Mas, dado o carácter ofensivo dos protestos populares do Ashura, não foi certamente correcto pensar que o regime islâmico iria permanecer passivo e esperar tranquilamente por outro ataque. O regime islâmico não se limitou a realizar extensos preparativos militares, mas também tentou enganar as pessoas e retomar a iniciativa. Por exemplo, quando as pessoas iam para os pontos de encontro habituais descobriram que esses locais já tinham sido ocupados por milhares de basiji e forças de segurança. Também não foi adequado assumir que o regime tinha atingido os seus limites e estava à beira do colapso. É verdade que o regime islâmico se tornou mais impopular e isolado que nunca. Mas ainda detém o poder político e tem um enorme exército e todo o dinheiro da nação para gastar em prol dos seus próprios interesses. O regime islâmico resistirá até ao último momento e não está disposto a desistir.

Olhando para o lado do povo, é verdade que há um movimento popular de massas e que a vasta maioria das pessoas odeia o regime islâmico, os seus líderes e os seus princípios. Isto é uma importante vantagem do movimento popular. O protesto de dezenas de milhares de iranianos a 11 de Fevereiro foi uma grande façanha face a uma tão grande repressão e tendo em conta que não tinham nenhuma liderança ou que tinham apenas a liderança dos dirigentes verdes que trabalharam continuamente para limitar a iniciativa do povo. O facto de mesmo assim os protestos terem tido lugar mostra a determinação de um sector do povo.

Porém, nessas circunstâncias não foi possível ao povo ganhar a iniciativa. É verdade que nos últimos meses o movimento popular tem crescido em número e qualidade e tomou dimensões perigosas para o poder dominante. Mas isso não significa necessariamente que o movimento continuará a crescer e a desenvolver-se espontaneamente e que o poder dominante reaccionário não possa recuperar a iniciativa. As pessoas que lutam têm que ver as fraquezas do movimento e tentar dar o seu melhor para as resolverem e transformarem o movimento num movimento mais forte.

Uma das principais fraquezas do movimento é que ainda haja tanta gente a alinhar com os líderes verdes e com a linha deles. Mesmo entre os que não têm nenhuma fé nos líderes verdes, muitos têm várias razões para mesmo assim justificarem estar a apoiá-los. Alguns dizem sim aos Verdes só para dizerem não a Ahmadinejad e Khamenei. Alguns acreditam que devem manter-se unidos sob a liderança dos Verdes porque eles são os únicos que podem unir o povo nesta situação ou porque não querem dividir o movimento. Algumas pessoas crêem que o poder dominante deve ser combatido passo a passo, que se deve primeiro isolar e afastar Khamenei e Ahmadinejad. Embora haja alguns pontos a ter em séria consideração em algumas dessas razões, nenhuma é suficiente para justificar o apoio aos líderes verdes. Os líderes verdes fazem parte da República Islâmica; eles dizem ter “orgulho” nisso. Eles têm salientado repetidamente o seu compromisso com a República Islâmica e os seus princípios. O seu passado também o confirma. De uma forma ou de outra, eles participaram no roubo da revolução popular e na repressão do povo e dos seus sucessos e no massacre dos presos políticos durante os anos 80, incluindo as execuções em massa em 1987. Isto tem que ser tido em conta quando eles dizem que querem regressar aos princípios fundadores do regime islâmico sob Khomeini.

O povo iraniano está a levar a cabo uma dura batalha com um regime brutal e armado até aos dentes. O “movimento silencioso” e “não violento” propagado pelos círculos reformista e pró-imperialistas não o poderá derrubar. Pelo contrário, irá ganhar tempo até conseguir uma oportunidade para esmagar o movimento.

São necessárias tácticas e estratégias revolucionárias para derrubar a República Islâmica e substitui-la por um sistema que realmente se baseie no povo e trabalhe para o povo. Um sistema que não imponha a religião e o seu controlo das pessoas mas que mantenha a religião afastada do estado, um sistema em que as mulheres não sejam discriminadas nem humilhadas, um sistema em que as minorias nacionais não sejam oprimidas e em que os estudantes não sejam reprimidos, um sistema que realmente se oponha ao imperialismo e que não finja apenas ser anti-imperialista ao mesmo tempo que é altamente dependente do mercado imperialista mundial. Para derrubar a República Islâmica e conquistar a liberdade e a independência, o povo deve estar organizado e levar a cabo seriamente uma intransigente guerra revolucionária com um inimigo brutal e armado. Isto só é possível sob a liderança de um partido proletário consciente e armado com a ideologia científica do Marxismo-Leninismo-Maoismo.

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