Do Serviço Noticioso Um Mundo A Ganhar (SNUMAG) de 4 de Julho de 2011, aworldtowinns.co.uk

Conferências de Paris e Londres sobre as perspectivas para a revolução no Médio Oriente e no Norte de África

O seguinte texto é o relato de um correspondente e foi publicado no n.º 237 online, com a data de 26 de Junho de 2011, do jornal Revolution/Revolución, voz do Partido Comunista Revolucionário, EUA (revcom.us/a/237/Paris-London-Conferences-en.html, em inglês).

Conferências de Paris e Londres:
Agitar o debate sobre as lições e os desafios das revoltas
no Médio Oriente e no Norte da África

Na sequência das insurreições sem precedentes que fizeram ruir regimes no Norte de África e no Médio Oriente, tiveram lugar recentemente na Europa duas conferências intituladas “O Médio Oriente e o Norte de África – Perspectivas para a Revolução”. A primeira teve lugar em Paris a 28 de Maio e a segunda em Londres a 30 de Maio. No total, estiveram presentes cerca de 200 pessoas.

É precisamente em tempos de insurreições como as que estão a ocorrer no mundo árabe que as pessoas procuram respostas para saberem porque é que o mundo é como é, e como pode ser mudado. Despertando esperança em muita gente de todo o mundo, estas insurreições aqueceram o coração de todos os que querem ver um mundo radicalmente diferente e desferiram um golpe na percepção popular de que o mundo actual é eterno.

Os organizadores das conferências representavam diferentes forças e opiniões políticas. Mas partilhavam a sentida necessidade de se analisar de uma forma profunda as questões e os desafios críticos levantados por estas insurreições recentes. O que é que de facto se conseguiu, e o que é que deve ser alcançado para que as aspirações expressas nestas revoltas sejam cumpridas? As conferências foram vistas como uma importante ocasião para aprender mais sobre a complexidade das actuais lutas no terreno e as questões que elas levantam, e para interagir com um círculo mais alargado de pessoas de inclinação revolucionária e progressista, árabes e não árabes.

Nos últimos meses, tiveram lugar na Europa várias sessões de solidariedade com as insurreições no Médio Oriente e no Norte de África. Isto tem sido importante e tem que continuar – e a solidariedade foi um dos elementos das conferências de Paris e Londres.

Mas alguns dos organizadores visavam algo mais: estimular um nível mais profundo de envolvimento perante um importante desafio. Se se deixar que estes movimentos sigam o seu caminho espontâneo então, mais cedo ou mais tarde, será outra vez cimentada uma nova versão da antiga ordem, e a janela de esperança aberta por estas lutas será de novo fechada.

Foram feitos esforços para enquadrar a discussão e distribuir as questões críticas. Será que uma revolta espontânea é suficiente para se obter uma genuína libertação? Que tipo de revolução é necessária, não só para os povos dos países árabes mas também para toda a humanidade? Será que uma democracia ao estilo ocidental pode representar um papel positivo em sociedades de extrema repressão? E qual o papel do fundamentalismo islâmico no Médio Oriente e no Norte de África? Será possível fazer uma revolução fora do quadro do domínio imperialista ocidental e da ideologia do fundamentalismo islâmico? E qual o papel da ciência e da liderança comunistas no tipo de movimentos e insurreições que irromperam? Pode uma revolução comunista transformar verdadeiramente as instituições de opressão, as relações económicas e sociais opressoras e as ideias e valores retrógrados e escravizadores?

Na lista de oradores em Paris estavam Salameh Kaileh, marxista palestiniano; Adel Thebat, representante do Partido Comunista dos Operários da Tunísia (PCOT); Raymond Lotta, economista político e redactor do jornal norte-americano Revolution/Revolución; Hassan Chatila, comunista sírio (ver entrevista no SNUMAG de 16 de Maio de 2011); Shahrzad Mojab, do Irão, activista, professora da Universidade de Toronto e estudiosa de temas das mulheres e do Médio Oriente. Lotta e Mojab também falaram na conferência de Londres.

A conferência de Londres incluiu Nawal el Saadawi, conhecida romancista e activista feminista egípcia cujos livros incluem Woman at Point Zero [Mulher a Ponto Zero], God Dies by the Nile [Deus Morre no Nilo] e Memoirs from the Women's Prison [Memórias da Prisão de Mulheres]. Entre os oradores também estavam Amir Hassanpour, do Irão, Universidade de Toronto; Sami Ramadani, do Iraque, conferencista sénior, Universidade Metropolitana de Londres; e Aitemad Muhanna, investigadora em questões de género em Gaza, Palestina.

Vários oradores analisaram a situação em vários países, mostrando que cada um tem as suas próprias particularidades, e também fizeram comentários mais gerais sobre a natureza e os objectivos das insurreições. Foi discutida a questão do impacto geral que estas insurreições tiveram e têm tido. A intervenção dos EUA-NATO na Líbia foi largamente condenada. Vários oradores retiraram lições da experiência histórica das revoluções lideradas pelos comunistas. A certo ponto da conferência, houve uma discussão mais directa sobre diferentes perspectivas e posições. Mas noutros momentos, o debate necessário sobre questões críticas não chegou a ficar tão claramente focado e sistematicamente percorrido quanto seria necessário.

Na conferência de Paris, o representante do PCOT descreveu a actual luta na Tunísia. Defendeu que tinha ocorrido uma revolução. As tarefas agora seriam salvaguardar as conquistas obtidas através da apresentação de candidatos ao parlamento e trabalhar para criar um espaço mais democrático com vista a obter a libertação em algum momento futuro, disse ele.

Esta posição foi duramente contestada por Raymond Lotta, que defendeu que a sociedade tunisina continuava a ser governada pelas classes exploradoras e dominada pelo imperialismo e que, num período de crise e insurreição como este, a tarefa era justamente maximizar e acelerar os preparativos revolucionários para a tomada do poder. Fazer outras coisas é desperdiçar as energias criativas e a heróica determinação dos jovens e das outras pessoas que saíram as ruas.

Hassan Chatila falou sobre a natureza da sociedade síria e destacou a extrema opressão e concentração de riqueza, e também descreveu aspectos da luta contra o regime de Bashar Assad. O regime está a atacar os manifestantes de uma forma brutal e as forças de esquerda deveriam estar a mobilizar e a liderar mas, salientou Chatila, há um vergonhoso historial de apoio ao regime por parte de muita da esquerda organizada e oficial.

As mulheres constituíam uma grande parte das pessoas que assistiram às conferências. No evento de Londres, a opressão das mulheres foi um importante foco de discussão.

Shahrzad Mojab falou do que ela descreveu como perspectiva feminista revolucionária. Retirou lições da experiência da insurreição revolucionária no Irão em 1979 e da consolidação do poder pelos mulás reaccionários. Salientou que a imposição do véu foi um dos primeiros e mais graves ataques dos mulás após o derrube do Xá. Mas, nessa altura, as forças progressistas não foram inteiramente capazes de se opor à opressão das mulheres, nem de educar e mobilizar contra a imposição do véu. Mojab explicou que os ataques e as medidas contra as mulheres não só eram opressoras em si mesmas, como também eram elementos chave da reestruturação teocrata mais geral do estado iraniano.

Uma jovem muçulmana na assistência insistiu em que as mulheres de hoje usam o véu por escolha e por razões morais numa sociedade cada vez mais decadente. Outras pessoas na assistência partilhavam este ponto de vista. Outras defenderam energicamente que o véu era emblemático de todo um sistema e uma ideologia patriarcais. Lotta acrescentou que tanto a burkha como o fio dental simbolizam e concentram grilhetas de opressão ligadas às forças escravizadoras do imperialismo ocidental e do fundamentalismo islâmico reaccionário, e que devemos opormo-nos a ambas essas forças e pontos de vista.

Nawal el Saadawi defendeu que a ideia do véu como fortalecedor é uma forma de lavagem cerebral. Também falou sobre a opressão das mulheres no mundo em geral; disse que era uma afronta que as pessoas em França não estejam a pronunciar-se e a manifestar-se contra as agressões sexuais às mulheres na sequência da prisão de Dominique Strauss-Kahn, o político francês e ex-dirigente do Fundo Monetário Internacional acusado de tentativa de violação de uma trabalhadora de um hotel na cidade de Nova Iorque.

Também houve algum debate sobre se haveria algum lado positivo no fundamentalismo islâmico, dado que essas forças têm algumas contradições com o imperialismo e algumas delas estão envolvidas em organizações populares de base.

Foram colocadas questões sobre democracia, revolução e comunismo. Na conferência de Londres, Sami Ramadani avançou com a ideia que o imperialismo não pode tolerar nenhum tipo de democracia no mundo árabe, dada a importância estratégica do Médio Oriente, em termos de recursos e geopolítica. Lotta defendeu que, mesmo em países do terceiro mundo com importância estratégica, o imperialismo pode utilizar eleições multipartidárias e uma alteração constitucional para re-solidificar o seu domínio; e que se não houver nenhuma revolução que expulse o imperialismo e estabeleça um novo poder de estado e uma nova economia, então os militares que representam as classes exploradoras locais e o imperialismo continuarão a impor relações económicas e sociais de opressão.

Vários oradores defenderam que as eleições parlamentares e os direitos políticos são a melhor coisa que se pode conseguir por agora e que o comunismo é um conceito do século XX, que deixou de ser relevante. Outros discordaram e falaram sobre a importância de se ver claramente a necessidade de derrubar o sistema e romper com todas as relações globais capitalistas-imperialista e com todas as formas de exploração e opressão.

Amir Hassanpour falou da “ousadia” de sair para as ruas, mas também de outro tipo de “ousadia”: a de criar uma alternativa revolucionária à ordem mundial capitalista. Falou sobre o carácter de referência das revoluções soviética e chinesa. Contudo, estas revoluções foram derrotadas e temos a tarefa de desenvolver mais a teoria revolucionária. Lotta falou sobre como Bob Avakian tem vindo a sintetizar as lições da primeira vaga da revolução socialista do século XX, e que essa síntese e perspectiva que Avakian tem vindo a propor de um socialismo vibrante e dinâmico marcado por um fermento intelectual, artístico e científico e pulsando de experimentação, debate e contestação, é crucial para se iniciar uma nova fase da revolução comunista e para se conseguir uma genuína emancipação no mundo de hoje.

Saadawi trouxe para a sessão uma experiência directa da insurreição no Egipto. Ela participou nos protestos da Praça Tahrir no Cairo e esteve em contacto com muitos jovens activistas. Mas também introduziu uma perspectiva mais alargada. Acentuou que o sistema de que temos de nos libertar é um sistema que oprime as pessoas através da economia capitalista... através de todas as formas de religião... e através do sistema patriarcal. Desafiou a assistência com a convicção dela de que qualquer movimento de mudança social requer um espírito e uma prática de “dissidência e criatividade”.

A 1 de Junho, Saadawi e Lotta participaram numa conversa pública no Goldsmiths College da Universidade de Londres.

Saadawi desenvolveu o tema das condições no Egipto que levaram à explosão social que derrubou o presidente Hosni Mubarak. Ela e Lotta continuaram a sua troca de ideias sobre a diferença entre uma insurreição e uma revolução que liberte a sociedade das garras do imperialismo e inicie uma transformação global e sobre as formas como o imperialismo norte-americano continua muito no comando da economia e das forças armadas do Egipto. Em resposta a comentários da assistência, os dois falaram sobre o papel de Israel e do sionismo na região e do carácter injusto, ilegítimo e imoral do estado colonial israelita. Houve uma discussão sobre se o marxismo pode lidar com questões de género. Globalmente, foi uma troca de ideias viva, substantiva e respeitosa. Ambos os oradores exprimiram o desejo de continuarem o seu diálogo público.

Embora as conferências de Paris e Londres não tenham conseguido alcançar inteiramente os seus objectivos em termos de presenças e embora tenha havido um empenho desigual nos temas mais gerais das insurreições no Médio Oriente e Norte de África, estes eventos representaram um necessário primeiro passo e um início promissor. Foram esboçadas algumas questões e desafios chave e foram abertos novos canais para o diálogo e o debate.

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