Do Serviço Noticioso Um Mundo A Ganhar (SNUMAG) de 11 de Outubro de 2004, aworldtowinns.co.uk

Os maoistas dos EUA e o debate nas eleições norte-americanas

O texto que se segue é um resumo de um artigo que apareceu no n.º 1254, de 10 de Outubro de 2004, do jornal Revolutionary Worker/Obrero Revolucionario, voz do Partido Comunista Revolucionário, EUA (revcom.us/a/1254/elections_bush_kerry_debate.htm em inglês e revcom.us/a/1254/kerry_bush_debate_s.htm em castelhano).

Ao mesmo tempo que Kerry e Bush faziam o seu primeiro debate, as forças de ocupação dos EUA no Iraque anunciavam que milhares de soldados norte-americanos, apoiados por tanques de guerra, estavam prestes a atacar a cidade de Samarra. Com esse sangrento pano de fundo, os dois candidatos debateram a guerra e a ofensiva global dos EUA. Milhões de pessoas viram o debate à espera de ver alguma oposição verdadeira e acutilante ao curso dos acontecimentos – ao arrogante prosseguimento da agressão, da tiranização e da ocupação e à arrepiante e fascizante sensação geral do ambiente do país.

No princípio deste mês, numa entrevista emitida por uma rádio de Los Angeles, o Presidente do PCR, Bob Avakian, argumentou vigorosamente contra qualquer ilusão sobre o que está em causa nestas eleições:

“Há diferentes sectores da classe dominante que se disputam entre si e, neste momento, essa disputa é bastante óbvia e relativamente intensa. Mas olhemos para as verdadeiras questões envolvidas nessa disputa – e não para o que se finge ou que se imagina que eles estão a discutir, nem para algo em que possamos transformar, de alguma maneira mística ou mágica, aquilo que estão a disputar. Mas sim para aquilo que estão verdadeiramente a discutir: estão justamente a debater a melhor forma de prosseguir a ‘guerra ao terrorismo’ (como eles chamam ao que é na realidade uma guerra pelo império). E a melhor forma de implementar a repressão que ela requer. E sobre ‘até que ponto precisamos de aliados nesse processo?’ E sobre ‘até que ponto precisamos de falar sobre direitos constitucionais nesse contexto, ao mesmo tempo que os espezinhamos?’ Estas são as questões que eles estão a debater. E, tal como eles dizem explicitamente, incluindo os Democratas e Kerry, tudo se concentra na questão de saber ‘quem é o melhor comandante supremo?’ ”

Dirigindo-se às pessoas que desejam que esta eleição (e o voto em Kerry) possa funcionar como referendo sobre a guerra, Bob Avakian disse: “Eles estão a fazer disto um referendo sobre a guerra no sentido de saber ‘quem pode ser o melhor comandante supremo?’ e não sobre o que tema que se gostaria que fosse: ‘Devemos ter uma política e uma abordagem inteiramente imperialista num mundo assim?’”

Quão verdadeiro era esse comentário ficou ainda mais evidente durante o debate de 30 de Setembro. No dia seguinte ao debate, Kerry resumiu o essencial da sua posição numa só frase: “Ninguém está a falar em partir, ninguém está a falar em perder o vigor e vacilar; estamos a falar em vencer e em fazer o trabalho bem feito.”

Desde o início que Kerry aprovou a concessão a Bush de poderes marciais contra o Iraque e que apoiou a invasão. Votou favoravelmente o Acto Patriótico fascista e ainda não deixou que qualquer crítica a Abu Ghraib ou a Guantânamo saísse dos seus lábios.

Mas agora que a guerra corre mal e que as razões fundamentais são postas em causa – incluindo entre as mais altas esferas do poder e dentro dos altos comandos militares – ele sentiu-se compelido a aparecer com algumas críticas sobre o modo como a guerra foi desencadeada e levada a cabo e a apresentar-se como o “comandante supremo” que pode conduzir essa guerra à vitória.

Em Las Vegas, a 16 de Setembro, Kerry acusou Bush de criar um “fantasioso mundo de mentiras” no Iraque. Num discurso na Universidade de Nova Iorque, a 20 de Setembro, Kerry disse: “Invadir o Iraque criou uma crise de proporções históricas e, se não mudarmos de rumo, vislumbra-se a perspectiva de uma guerra sem fim.”

No debate de 30 de Setembro, acusou a Casa Branca de Bush de ter desencadeado a invasão do Iraque “sem um plano para conquistar a paz” e que essa decisão fora “um colossal erro de avaliação”.

Mas tudo isto foi dito para mostrar que Kerry tem uma perspectiva de vitória sobre a resistência iraquiana. E, dentro desse quadro, Kerry divulgou um rol de propostas. No essencial, ele propõe a concessão de um quinhão de influência, de poder e de lucros no Iraque do pós-guerra a outras potências como a França e a Rússia, em troca da sua ajuda (e de uma maior ajuda da ONU) na supressão da insurreição. Kerry diz que convocará uma cimeira para fazer os acordos necessários e que renunciará a qualquer projecto de bases militares norte-americanas permanentes no Iraque.

O objectivo de tudo isso, disse Kerry, é impedir que os militares norte-americanos fiquem atolados sozinhos no cada vez mais profundo e sangrento pântano do Iraque – e acabar com esse “desvio” em relação a outras movimentações militares de agressão global que Kerry pensa deveriam ter uma prioridade mais elevada, incluindo movimentações em lugares como o Irão, a Coreia do Norte e o Afeganistão.

Mas saliente-se que Kerry tanto defende que a invasão foi um erro como também rejeita veementemente qualquer hipótese de retirar sem uma “vitória” – mesmo que ela seja demorada.

No debate, Kerry invocou abertamente a chamada “regra da loja de porcelana”, dizendo: “Se se quebra algum objecto, arranja-se. Quando se quebra um objecto, comete-se um erro, faz-se algo de errado. Mas fica-se com a posse desse objecto e então temos de o arranjar, de fazer algo com ele. E é isso que temos de fazer.”

Esse é o argumento abertamente imperialista de que os EUA não podem retirar do Iraque – mesmo que a invasão daquele país tenha sido baseada em mentiras e mesmo que tivesse sido uma jogada pouco inteligente (na perspectiva da construção do império). Isto porque, na perspectiva capitalista global de Kerry (tal como na de Bush), o Iraque e toda a região do Golfo Pérsico constituem uma valiosa zona estratégica que não pode ser abandonada. E também porque, uma vez que os EUA já estão num lugar como o Iraque, partir minaria a credibilidade do império e todo o tipo de pessoas (no Iraque e noutros lugares) os abandonaria e seria encorajada a fazer mais acções para debilitar o domínio norte-americano e a sua posição de superpotência poderosa e tirânica. Em suma, como indicou Bob Avakian, esse argumento de que não podem retirar depois de terem invadido não passa de uma regra de pistoleiros e padrinhos da máfia.

Kerry revelou o que quis e o que não quis dizer com “engano”. Ele não está a dizer que os EUA não têm direito a pilhar pelo mundo inteiro. Ele não está a defender que foi errado conquistar o Iraque ou dominar outros países. De facto, ele apela ao alastrar do controlo e das operações de espionagem dos EUA em todo o mundo. E insiste abertamente, incluindo nesse debate, que o presidente dos EUA tem o direito a desencadear invasões e ataques “preventivas” em qualquer parte do mundo.

E Kerry insiste repetidamente que é ele quem realmente sabe usar o poder militar dos EUA para influenciar e dominar globalmente (e de uma forma “inteligente”).

E quando critica a política de Bush, Kerry tem insistido sempre: “Eu quero a vitória. Eu quero vencer e tenho um plano para vencer, melhor que o do George Bush.”

Ele está, como ele próprio disse à sua convenção, “a apresentar-se ao serviço”.

Dado este acordo entre imperialistas e dadas as enormes semelhanças entre as propostas de Kerry e a actual prática política de Bush, uma outra coisa que ressaltou do debate foi a intensa hostilidade e desdém que irradiavam de George Bush e dos seus argumentos.

De uma maneira cega e tirânica, George Bush defendeu que qualquer pessoa que questione a guerra que ele desencadeou – ou, na realidade, qualquer uma das suas principais políticas – mesmo com as críticas moderadas de alguém como o senador Kerry, estaria a minar de uma forma perigosa e descuidada os fundamentos da posição dos EUA no mundo. E defendeu que qualquer pessoa que criticasse o modo como a invasão do Iraque foi desencadeada deveria ser considerada pouco adequada para “comandante supremo”.

As palavras de Bush e todo o seu posicionamento mostram que ele considera que qualquer oposição é ilegítima e, especificamente, que o desafio de Kerry ao (seu) poder serve um mundo cheio de inimigos – quer esses inimigos sejam os chamados “terroristas” ou estados “párias”, ou se refira a várias potências mundiais como a França e a Alemanha, que já foram seus aliados.

O Washington Post salientou recentemente: “O Presidente Bush e os principais Republicanos estão a acusar cada vez mais o candidato presidencial democrata John F. Kerry e outras pessoas no seu partido de estarem a dar razão aos terroristas e a minar a guerra no Iraque – uma linha de ataque que põe à prova os limites convencionais da retórica política.”

O que o Washington Post chama de “limites convencionais da retórica política” são, de facto, as bases subjacentes a todo o sistema eleitoral democrático burguês. Dentro do sistema político oficial, as eleições – e especialmente as campanhas presidenciais – são tratadas tradicionalmente (pelo menos em público) como discordâncias entre “homens razoáveis e honrados”. Mas essa tradição (tal como muitas outras “normas” das anteriores legalidade e política dos EUA) claramente tem cada vez menos espaço na perspectiva e na abordagem da equipa que dirige o governo dos EUA. Eles vêem qualquer divergência em relação à sua política como uma traição.

Foram feitas acusações, bastante abertamente, de que John Kerry seria o candidato preferido dos “terroristas” e que a sua eleição significaria (nas palavras do vice-presidente Cheney) a possibilidade de “sermos novamente atacados”. O senador Orrin Hatch, o poderoso presidente republicano do Comité Jurídico do Senado, disse que “os terroristas” estão a fazer tudo o que podem para “tentar eleger Kerry”.

George Bush não repetiu exactamente essa acusação no debate frente-a-frente, mas chegou tão próximo quanto possível. Quando lhe perguntaram se a eleição de Kerry poderia levar a outro “11 de Setembro”, Bush respondeu: “Não acredito que isso aconteça. Acho que vou ganhar.”

É esta a imagem da equipa política que agora controla o poder nos EUA. Foi impossível assistir à actuação e aos argumentos de Bush nesse debate sem tentar imaginar, uma vez mais, até que extremos está essa equipa disposta a ir para manter o poder – e o que pretendem eles fazer com esse poder nos próximos anos para impor mudanças históricas na forma como são governados os EUA e o mundo inteiro.

Foi impossível não nos lembrarmos da forma como as eleições de 2000 foram roubadas graças a fraudes eleitorais em massa e a um golpe no Supremo Tribunal, nem dos recentes documentos de alto nível oriundos da administração Bush sobre o cancelamento das eleições presidenciais caso ocorresse algum “incidente” significativo.

E foi impossível não ficar com um sentimento ainda mais consciente e urgente da necessidade de uma resistência criativa, em massa, organizada e visionária contra tudo o que isso representa.

Claramente que esta não é uma era de ilusões sobre as eleições. Quem quer que ganhe, as coisas não vão ser pura e simplesmente “resolvidas” no dia das eleições – nem toda a intensidade da agressão global e da repressão doméstica dos EUA irá pura e simplesmente diminuir.

Claramente que o lado de Bush tem a intenção bastante óbvia de não abandonar um único milímetro de poder, nem de se afastar do caminho agressivo que definiu. E milhões de pessoas neste país têm de erguer um claro NÃO a Bush e a tudo o que ele representa. Mas mesmo que Kerry ganhe, isso claramente que não seria nada de bom para os interesses das massas daqui e de todo o mundo. A sua vitória seria apresentada como um “mandato” para fazer ajustes – e prosseguir – a “guerra ao terrorismo”.

Entre as massas, há um enorme questionamento da via seguida pelo governo e um enorme potencial para uma verdadeira resistência contra todo o ultrajante e horripilante caminho seguido pela política dos EUA e pelos acontecimentos mundiais. Kerry e os democratas não só apoiaram quanto ao essencial essa guerra pelo império – como também fizeram as suas próprias propostas sobre como a levar à vitória. E dado todo o historial do seu comportamento durante esta campanha, é difícil imaginar que os Democratas dirijam qualquer batalha verdadeira se estas eleições forem canceladas (a pretexto de algum “incidente”) ou roubadas outra vez.

Na entrevista à rádio, Bob Avakian dirigiu-se a todos os que defendem um alinhamento atrás de Kerry porque lhes parece que a alternativa é cada vez mais abertamente fascista. O Presidente Avakian disse: “Se pensam que são essas as condições, então é melhor fazermos algo radicalmente diferente de votar em Kerry. É melhor construirmos uma resistência em massa que esteja preparada para continuar face a uma tentativa de golpe fascista e que esteja preparada para introduzir uma dinâmica completamente diferente.”

Estes são dias históricos, com poderosas forças em jogo e muitos resultados possíveis. Esta é uma era que exige um pensamento claro, uma resistência criativa e a visão de uma mudança profunda do mundo.

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